O amor: mais forte do que a morte
Proclamar Libertação – Volume 40
Prédica: João 11.1-5,17-21
Leituras: Isaías 25.1,8-9 e Romanos 8.31-39
Autoria: Uwe Wegner
Data Litúrgica: Dia de Finados
Data da Pregação: 02/11/2016
1. Introdução
As leituras adicionais para o texto da prédica são Isaías 25.1,8-9 e Romanos 8.31-39. Ambos os textos estão indiretamente relacionados com a história da ressurreição de Lázaro, pois também falam diretamente sobre ressurreição.
Isaías 25.1,8s apresenta uma bonita palavra de esperança, também reproduzida em Apocalipse 21.4: “Tragará a morte para sempre e assim enxugará o Senhor Deus as lágrimas de todos os rostos…” (v. 8). No Antigo Testamento, a fé na ressurreição recebeu contornos mais claros somente após o exílio, em que se aguardava uma ressurreição do pastor Davi (Ez 34.23ss; 37.24-28) e, depois, também de todo o Israel (Ez 37.1-4). Textos do Antigo Testamento comumente vinculados à ressurreição são ainda Isaías 53.10ss (servo sofredor), Jó 19.25-27 e os textos apocalípticos de Isaías 26.19 e Daniel 12.2; nesse último se fala de uma dupla ressurreição (“uns para a vida eterna, outros para horror e vergonha eternos”). Além disso, temos finalmente também o testemunho da ressurreição presente em alguns salmos, entre os quais os Salmos 16.10s; 49.14-16; 73.26.
Romanos 8.31-39 é talvez a mais bela confissão de fé na ressurreição dentro das cartas do Novo Testamento. Seu nexo com João 11 dá-se também pelo fato de o texto referir-se diretamente ao amor (Jo 11.3, 5, 36), afirmando que nada, nem mesmo a morte, poderá separar os cristãos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor (Rm 8.39).
2. Exegese
Nos v. 1-6, o evangelista introduz o cenário. O texto não diz exatamente qual era o lugar “em que Jesus estava” (11.6). O cenário, de qualquer forma, dá-se no pequeno povoado de Betânia, a aproximadamente três quilômetros da cidade santa (15 estádios [1 estádio = 200 metros] = 3 km; cf. 11.18). Lázaro é abreviação do nome hebraico Eleazar e significa “Deus ajuda”. Ele se encontrava enfermo (um detalhe que, por ser repetido nos v. 2, 3, 4 e 6, talvez queira destacar a gravidade da enfermidade), sem que se especifique a natureza mais exata da doença.
No v. 2, o evangelista faz uma apresentação mais detalhada de Maria, reportando-se a coisas que aparentemente são do conhecimento dos seus leitores. Maria seria aquela que “ungiu com bálsamo o Senhor” (história relatada em Mc 14.3-9 e logo depois no capítulo 12.1-8 de João) e que “lhe enxugou os pés com seus cabelos” (referência à narrativa de Lc 7.36ss, cf. 7.38).
O v. 3 relata que as irmãs mandaram avisar Jesus sobre a doença de Lázaro, que Jesus amava. Aliás, o narrador insiste nesse amor de Jesus a Lázaro também no v. 5 (e 36), no qual são incluídas também as duas irmãs.
No v. 4, de posse da notícia, Jesus responde que a enfermidade “não é para a morte”, mas para a glória de Deus e para que o Filho de Deus seja por ela glorificado (semelhantemente em Jo 9.3). Uma vez que Lázaro efetivamente morreu, a expressão “não é para a morte” deve ser interpretada à semelhança de várias frases com “não… mas…”, ou seja, no sentido de “não só … mas também” (cf. F.F. Bruce, João, p. 207). O v. 4 sugere uma mudança de foco: normalmente nos fixamos nas doenças e tragédias das mortes e não raro ficamos atolados na pergunta: por quê? Nosso versículo muda a perspectiva e mostra o “para que”, ou seja, para a glória de Deus e de Jesus. Os milagres praticados por Jesus eram expressão do grande poder de vida que Deus possui. Por isso eles glorificavam a Deus. Em nosso caso, a glorifi cação é ainda maior, pois se trata da manifestação de um poder que supera, inclusive, a morte.
O v. 5 reafirma mais uma vez que Jesus amava Marta, Maria e Lázaro. Essa insistência no amor de Jesus pelos seus é um marco de nossos primeiros versículos. Parece sugerir: o amor de Jesus é a base sobre a qual se fundamenta o pedido das irmãs pela cura. Recorre-se a Jesus, pois ele ama os seus.
Os v. 17-21 narram a chegada de Jesus a Betânia e palavras de Marta dirigidas a Jesus. Quando Jesus chegou, Lázaro já se encontrava enterrado há quatro dias. O v. 20 mostra uma comunidade solidária: há vários judeus na casa consolando as irmãs.
Ouvindo sobre a presença de Jesus, Marta vai a seu encontro, enquanto Maria fica sentada em casa. Marta faz uma linda confissão de fé no poder de vida que Jesus tem: “Se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido!”. Aqui se confessa que o poder de Jesus é mais forte do que a morte. Em meio à sua tristeza, Marta acrescenta ainda outra confissão de fé, desta vez não diretamente no poder de vida de Jesus, mas no fato de que Deus atende tudo o que Jesus pede a ele. Essa segunda confissão mostra a total abertura de Deus para tudo o que Jesus lhe pede em oração. Em si, a segunda confissão prepara as palavras de Jesus imediatamente antes de ressuscitar Lázaro: “Pai, graças te dou porque me ouviste. Aliás, eu sabia que sempre me ouves…” (11.41-42). Esses versículos pressupõem que a ressurreição de Lázaro, narrada logo a seguir (11.43-44), tenha sido o resultado de uma prece de Jesus, dirigida e atendida por Deus.
3. Meditação
Historicamente, de acordo com a Wikipédia, “desde o século II, alguns cristãos rezavam pelos falecidos, visitando os túmulos dos mártires para rezar pelos que morreram. No século V, a igreja dedicava um dia do ano para rezar por todos os mortos, pelos quais ninguém rezava e dos quais ninguém lembrava. Desde o século XI, os papas Silvestre II (1009), João XVII (1009) e Leão IX (1015) obrigam a comunidade a dedicar um dia aos mortos. No século XIII, esse dia anual passa a ser comemorado em 2 de novembro, porque 1 de novembro é a Festa de Todos os Santos” (verbete “Dia de Finados”).
Segundo Leonardo Ramlow, “com a Reforma, desencadeada por Martim Lutero, os cristãos luteranos também elegeram um dia para refletir sobre a morte. Isso ocorre no último domingo do ano eclesiástico (Domingo da Eternidade). Dessa forma, a cada ano, nesse dia, não se realizam cultos pelos mortos, como era costume católico, mas lembra-se dos limites da vida humana e do poderio de Deus sobre ela. Acredita-se, inclusive, que os mortos continuavam a fazer parte da comunidade, pois, juntamente com os vivos, continuam esperando a vinda do Senhor Jesus. Isso ajuda a compreender o antigo costume de algumas comunidades da Alemanha, onde os mortos são sepultados em volta da igreja. Em muitas comunidades da IECLB, o cemitério está anexado à igreja” (Portal Luteranos, pregação sobre Isaías 35.1-10 para o Dia de Finados).
Características: O dia dos mortos é um dia de muita sensibilidade. Quem vai ao culto nesse dia geralmente o faz porque espera receber alguma mensagem relacionada com a perda e morte de algum ente querido. As situações que envolvem a perda de pessoas pela morte são variadas. Em muitos casos, a morte é um conforto para os enlutados, pois representou o término de longo e demorado sofrimento, e o ente querido realmente pôde descansar. Em outros casos, a perda é abrupta, inesperada, e a dor e o luto são mais profundos e as cicatrizes demoram mais para sarar.
Podem-se fazer os seguintes destaques em nosso texto:
1. Tanto Marta como Maria estão cientes de que Lázaro, que morreu, não é pessoa qualquer para Jesus, mas que Jesus o amava (cf. em 11.3,5 e 11.36: os que veem Jesus chorando diziam: “vejam como ele o amava”). Elas não teriam mandado avisar ou chamar Jesus quando Lázaro ficou doente se não estivessem certas de que Jesus o amava. O amor é o primeiro elemento que explica o fato de Jesus ter ressuscitado Lázaro da morte. Ninguém se esforça para salvar pessoas da morte pelas quais não nutre nenhum sentimento de amor.
2. Marta faz uma impressionante confissão a respeito de Jesus. Ela afirma: “Senhor, se estivesses aqui, não teria morrido o meu irmão”. Como pode Marta afirmar tal coisa? Nesse caso, só o amor não explica toda a sua convicção. Para entendê-la, precisamos admitir que Marta tinha que ter também fé no poder de cura de Jesus. Também nós amamos muito pessoas queridas, mas ninguém afirma de nós: “Se estivesses aqui, essa doença não teria terminado em tragédia”. Jesus realmente tinha poder sobre as doenças, e, como doenças levam à morte, pode-se presumir que ele era poderoso também diante da morte! A confissão que encerra as palavras de Marta no v. 21 é, pois: onde há presença do Senhor Jesus, a morte é vencida, a vida prevalece; onde Jesus encontra-se ausente, o que prevalece é a morte. No fundo, a confissão de Marta confirma à sua maneira as próprias palavras de Jesus: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10.10).
3. Pode-se perguntar: donde Jesus tira esse seu poder de vencer a morte? A resposta está naquela segunda confissão de Marta e referida no v. 22: “Mas também sei que, mesmo agora, tudo quanto pedires a Deus, Deus to concederá”. É, pois, dos seus pedidos a Deus, de suas orações ao Pai que Jesus tira o seu poder de conceder vida e vencer a morte. Jesus e Deus vivem uma grande unidade, em que a vontade de um é a vontade do outro, o poder de um é o poder do outro: “Quem vê a mim, vê aquele que me enviou” (12.45); “quem me vê a mim, vê ao Pai” (14.9).
4. Marta acredita que Lázaro irá ressuscitar no dia do juízo final com todas as demais pessoas (11.24), não que Jesus pudesse ressuscitá-lo ali mesmo naquela situação de luto. O surpreendente da história é que Jesus ressuscita Lázaro ali mesmo, apesar de ele já ter sido sepultado há quatro dias. Essa ressurreição é, sem dúvida, apenas uma revivificação, mas mostra que o poder de vida que Deus tem já pode e deve ser sentido aqui neste mundo, e não só num futuro distante.
5. Os primeiros cristãos encaravam a morte como um sono (Lázaro “adormeceu”: 11.11; cf. 1Co 11.30; 15.6,18,20,51; 1Ts 4.13s). Isso é diferente de achar que com a morte tudo termina. Se a morte é um sono, haverá, depois dela, um despertar. Os cristãos creem nesse despertar depois da morte. A ressurreição de Jesus na Páscoa e o amor de Deus às suas criaturas são os maiores fundamentos dessa esperança.
4. Sugestão para prédica
1. Descrição da morte como o que há de mais certo na vida: como fim da vida, seja fim trágico, seja final doloroso, seja como forma de pessoas chegarem finalmente a um descanso depois de longos sofrimentos.
2. Indicar que, ao contrário do que ocorre para muitas outras pessoas, para os cristãos a morte tem concorrência: refletir sobre o ditado “o amor é forte como a morte”. A concorrência da morte é o amor. O amor, para a Bíblia, é aquela prática, aquele sentimento, aquele compromisso que vai permanecer apesar de todas as outras coisas terem um fim (“O amor jamais acaba”: 1Co 13.8).
3. A história da ressurreição de Lázaro é a história bíblica sobre a vitória do amor de Jesus por Maria, Marta e Lázaro sobre a morte. É porque Jesus amava Lázaro que o ressuscitou. Jesus fez outras ressuscitações da morte: do filho da viúva de Naim (Lc 7), da filha de Jairo (Mc 5). Quando a gente se sabe amado por alguém, não é assim que a gente confia que esse alguém não vai nos abandonar, não vai nos deixar a sós, vai fazer de tudo para nos tirar da doença e morte? Pois é isso que se dá com o amor de Jesus e de Deus por nós. Ele é tão grande que nem a morte consegue vencê-lo (cf. Rm 8.31-39). Carlos Mesters: A fé na ressurreição nasce da palavra amiga que Alguém pronuncia em nosso favor. Assim como a palavra do amigo pode confirmar uma pessoa, restituir-lhe a consciência de si e reanimá-la para uma nova esperança, assim a palavra amiga de Deus atinge a pessoa humana na sua raiz, restitui-lhe a consciência de si mesma, ressuscita-a para uma nova vida e a faz viver para sempre (Carlos Mesters, Deus, onde estás?, p. 205).
4. Essa vitória sobre a morte, advinda do amor divino para conosco, pode começar já aqui nesta vida. No momento e à medida que nós encararmos e combatermos com amor aqui e agora todas as forças, poderes e valores que conduzem à morte de pessoas, grupos ou da natureza (por exemplo, no momento em que combatermos o ódio e a intolerância, que geram brigas e separações, quando combatermos o uso de álcool ao volante, que ocasiona milhares de mortes por ano, quando advogarmos pelo cuidado com os recursos naturais e contra o uso abusivo de defensivos agrícolas etc.), estaremos dando um testemunho de nossa fé na força que o amor tem para gerar e preservar a vida, estaremos sendo testemunhas da ressurreição. Citamos mais uma vez Carlos Mesters: A única prova verdadeira da ressurreição que convence é a vida que hoje ressuscita e se renova […]. Esse é o comprovante de que, no homem, atua uma força mais forte do que a morte, a força de Cristo ressuscitado. Onde estão esses sinais da ressurreição na nossa vida, para que a nossa palavra sobre a ressurreição de Cristo possa ter um comprovante? (Deus, onde estás?, p. 207).
5. Imagens para a prédica
Frases sobre a morte:
“Morrer é o apagar da lâmpada ao nascer do dia, não o apagar do sol.” (Tagore)
“Feliz o homem que no final da vida não tem senão o que deu aos outros.” (Armando Fuentes Aguirre)
“O amor é forte como a morte.” “A morte despe-nos dos nossos bens para nos vestir das nossas obras.”
“A morte, fechando as portas da vida, abre as da eternidade.”
“Nada mais certo do que a morte e nada mais incertos do que o dia e a hora em que ela virá.” (Cícero)
Imaginário sobre a morte em nossas comunidades:
Ildo Franz, em prédica sobre Jo 11 no Dia de Finados de 2013 (Portal Luteranos), informa o seguinte: “Certa vez, um pastor realizou uma pesquisa sobre o que pessoas pensam em relação à morte e qual a sua esperança diante da morte. Esse pastor obteve seis tipos de respostas diferentes. 1) “Para mim não há vida depois de passarmos desta. Morreu, terminou; acabou tudo; termina como tudo aqui termina!” 2) “O que morre é o corpo, a alma reencarna noutro corpo e volta a viver na terra.” 3) “Eu continuarei vivo, se fizer grandes e boas obras em favor da humanidade durante o tempo que vivi; continuarei vivo se eu permanecer na lembrança dos outros.” 4) “Eu continuarei vivo no sangue e corpo dos meus descendentes.” 5) “Quando eu morrer, a alma vai para o céu. O que morre é o corpo.” 6) “Eu creio como confesso no Credo Apostólico: ‘Creio… na ressurreição do corpo e na vida eterna’! Eu vou morrer, mas hei de ressuscitar com um novo corpo, como ressuscitou o meu Senhor Jesus Cristo!”.
6. Subsídios litúrgicos
Duas orações muito pertinentes para a data – uma mais para o início e a outra para o final do culto – podem ser encontradas nos subsídios litúrgicos para o Dia de Finados do PL 37, p. 323 (Flávio Schmitt).
Bibliografia
KONINGS, J. Evangelho segundo João: amor e fidelidade. Petrópolis/São Leopoldo: Vozes/Sinodal, 2000.
MESTERS, C. Deus: onde estás? Belo Horizonte: Editora Vega, s.d. p. 195-208.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).