“Tá na hora, tá na hora!”
Proclamar Libertação – Volume 39
Prédica: João 12.20-33
Leituras: Jeremias 31.31-34 e Hebreus 5.5-10
Autor: José Manuel Kowalska Prelicz
Data Litúrgica: 5º Domingo na Quaresma
Data da Pregação: 22/03/2015
1. Introdução
Estamos no último domingo na Quaresma. Ainda que no evangelho seja descrita uma situação depois da entrada triunfal em Jerusalém, o texto deste domingo lembra visivelmente o pensamento da Quaresma. O tempo está pronto para que se escute sobre o sacrifício do Cristo. O evangelho marca o tema do domingo, e as outras leituras ajudam e apontam para a nova realidade que Cristo anuncia com o seu próprio sacrifício.
O texto de Jeremias indica a promessa da chegada do tempo de uma nova aliança. Uma aliança diferente que o povo não esquecerá nem quebrará, na qual Deus trará perdão. Uma aliança com a novidade de que não será mais necessário o ensino, pois todas as pessoas, sem distinção, conhecerão a Deus. Uma aliança diferente, que as pessoas cristãs reconhecem que foi feita em Cristo.
Na Carta aos Hebreus, conhecemos o papel de Cristo como sacerdote da nova aliança. A grande diferença entre o sacerdócio de Cristo e o dos sacerdotes do templo em Jerusalém é que, além de provir de Melquisedeque, aquele está marcado com o sofrimento e a novidade como fonte de salvação.
O texto do evangelho já foi trabalhado em sua totalidade nos volumes 19, 31 e 33 de Proclamar Libertação e, parcialmente, nos volumes 10 e 25.
2. Exegese
V. 20-21 – Quem são os gregos que conversam com Filipe? Em primeiro lugar, tem que se observar que estamos na perícope logo depois da entrada triunfal de Jesus em Jerusalém e também da ressurreição de Lázaro. A multidão ajunta-se, pois procura saber quem é esse que ressuscita os mortos. Pelo menos um homem voltou à vida. Como diz João 12.19: Todos estão indo com ele! Isso causou tamanha comoção, que as autoridades agora procuram Jesus e Lázaro para matá-los. Nesse turbilhão de acontecimentos, aproximam-se uns personagens que até agora não faziam parte da cena. Aparecem os hellēnes. Quem são esses personagens?
Existem duas versões diferentes para indicar quem são os hellēnes: por um lado, seguindo a versão de Almeida Revista e Atualizada (RA), são “gregos”. É bem provável que os gregos sejam judeus na diáspora. Pois se usa hellēnes e não ethnē, que é usado geralmente para designar os gentios ou outras nações. Por outro lado, seguindo a versão da Nova Tradução na Linguagem de Hoje (NTLH), são “não judeus”, ou seja, pessoas não relacionadas com o judaísmo. Aqui é usa- do hēllenes e não hēllenistai (judeus helenistas). Se a segunda versão é utilizada, pode-se entender que os gregos gentios apontam a direção do futuro do cristianismo. A procura desses gregos é sinal da expansão da missão. Indo mais longe, podemos afirmar que sejam as pessoas pelas quais o evangelho foi escrito. Aquelas pessoas que não receberam uma audiência pessoal com Jesus, mas que é verdadeiramente revelado a eles. Se os que procuraram Jesus foram realmente gregos prosélitos ou simples judeus na diáspora, isso não interfere no significado da abertura ao não judeu. Pois não foram fariseus nem outros seguidores rígidos do judaísmo que procuraram Jesus.
Por que os gregos chegaram primeiro a esse discípulo e por que Filipe foi consultar André? Os dois discípulos têm nome grego. Os “gregos” vão até Filipe, que, como explicado pelo texto, vem de uma região da Galileia onde existiam muitos judeus de fala grega. Por isso os gregos vão e procuram um discípulo que possivelmente fale sua língua e possa ajudá-los. Teriam maior possibilidade de comunicar-se e aceitar aproximar os curiosos de Jesus.
Procurando chegar de mansinho, os gregos vão e pedem com humildade ao Senhor (kyrie) Filipe que dê um jeito para falar com a pessoa famosa. Os gregos erram em sua adulação o alvo do título: Senhor não é Filipe, mas Jesus. Mas não deve surpreender que pessoas quisessem ver Jesus, pois desde o início ele convidou as pessoas para “vir e ver”.
O texto não indica o que aconteceu: se os gregos puderam ou não falar com Jesus. Mas com sua proximidade começa a última fase do ministério de Jesus na Palestina. Com a aparição dos gregos começa a mostrar-se o impacto mundial da morte e ressurreição de Jesus.
V. 23 – “Tá na hora”: A hora do Filho do Homem versus a hora do governante do mundo (v. 23 x 31). A quem se dirige Jesus? Sua fala é dirigida a André e Filipe ou também os gregos estão incluídos, talvez a multidão? Quando Jesus começa a falar, a audiência parece irrelevante. O interlocutor a quem fala Jesus no v. 23, na verdade, é qualquer um que ouve ou lê o discurso de Jesus de acordo com João. A fala de Jesus prepara a pessoa que lê para a narrativa da Paixão. Segundo João, a morte e ressurreição de Jesus são um julgamento contra os poderes imperiais e, no fim, também a vitória sobre eles.
A morte de Jesus deve ser interpretada como uma “glorificação” porque glorifica a Deus, traz a ressurreição e a esperança, e não somente a morte ou desesperação, e convida-nos a esse mesmo modelo. A morte de Cristo traz consequências: juízo positivo para uns e negativo para outros.
A narrativa de João foca no conflito entre a vida do discipulado e archōn (o que governa, líder, comandante) deste mundo. Esse kosmos (mundo, forma de vida em oposição aos propósitos de Deus), que não é o mesmo que Deus ama e pelo qual dá seu Filho, está sob julgamento, e o governante será expulso.
V. 24-30 – Entre a teoria e a prática. Os versículos 24 a 30 contêm três declarações, que ajudam a entender o significado e o impacto da glorificação de Jesus. A oferta de salvação é universal: Jesus mesmo afirma que atrairá todos a ele. Ao ser levantado da terra e atrair as pessoas para si, Jesus mostra-nos o foco: nem a morte deve tirar de nós a atenção sobre a mensagem de Cristo.
A importância de perder a vida (v. 25): Amar a vida? Quem não ama a sua vida? A vida neste mundo não é a vida verdadeira? O mesmo pensamento também existe nos outros evangelhos (Mt 10.39;16.25; Mc 8.35; Lc 9.24;17.33). Em grego existe uma diferenciação que se perde na tradução: Quem ama a sua vida (psychē) perde-a; mas aquele que odeia a sua vida (psychē) neste mundo preservá-la-á para a vida (zōē) eterna. Temos uma diferenciação entre psychē e zoē. Psychē significa, basicamente, três coisas: 1) a base impessoal da vida ou a pró- pria vida; 2) a parte interior do ser humano; 3) uma alma independente do corpo. Psychē abrange, portanto, a totalidade da existência e vida do ser humano, com a qual se preocupa e da qual tem cuidado constante. Por outro lado, zoē refere-se à própria vida de Deus, comunicada aos que a receberam em Cristo. Essa vida é de qualidade superior, ilimitada (pois não é confinada ao tempo histórico), porque nos levará à era futura, que possui uma vida cuja duração não tem fim.
A honra está no serviço (v. 2): Como é seguir Jesus? Segui-lo para onde? Qual a honra em servir? A morte de Jesus produz uma comunidade de fé em serviço a Deus. Jesus não afirma somente seu sacrifício em favor da humanidade, mas também convida seus seguidores a estar disponíveis para um serviço similar quando ele não estiver mais entre eles. Jesus está liderando seus seguidores para a vida eterna, assim como está adentrando-se na hora de sua morte.
A tribulação de Jesus e a resposta do céu (v. 27-30): O v. 27 é o equivalente ao gesto de Jesus no Getsêmani nos sinóticos, quando Jesus pede: “(…) aparta de mim esse cálice” (Mt 26.39, Mc 14.36 e Lc 22.42). Aqui Jesus pergunta: O que direi? Mas a resposta é igualmente colocada na vontade divina de realizar aquilo que o Pai pede. A voz que contesta no v. 28 ressoa como a voz dos sinóticos no momento do batismo de Jesus. Mas agora enfatiza a glorificação de Jesus. A fidelidade de Jesus à vontade divina, demonstrada com a vida, ministério, morte e ressurreição de Jesus, glorifica o nome de Deus.
3. Meditação
Caminhando para os dias finais da Quaresma através da Semana Santa, vemos Jesus como aquele que não se compromete com os poderes sedutores deste mundo e ao mesmo tempo somos desafiados e fortalecidos para contemplar a morte e exaltação do Cristo.
Seguir Jesus é questão de vida ou morte, ou melhor, vida e morte importam aqueles que seguem Jesus. Durante o tempo de Quaresma, nós seguimos todo o caminho até o Gólgota, todo o caminho até a cruz, onde estaremos face a face com a morte em suas mais diversas facetas (pobreza, colapso econômico, fome, doença, guerra). Tudo isso está agora cada vez mais perto de Jesus. Diante da dura realidade do fim de sua vida é que Jesus se encontra cheio de vida.
O que significa a glorificação de Jesus? Será revelar a natureza divina, como traduzido/interpretado pela NTLH? Em João, a glorificação de Jesus inclui sua morte, ressurreição e ascensão, fatos que transformam a história humana e sua relação com Deus. A glorificação de Jesus disponibilizará a salvação para toda a humanidade, seja judeu ou grego. Se a salvação é oferecida a todas as pessoas, nós podemos impedir o acesso de alguém por motivos humanos? Muitas vezes, são colocadas barreiras à participação humana. Cabe até a pergunta: Para quem é a igreja? Parece que muitas vezes é somente para alguns. Mas a presença dos gregos mostra aqui outra coisa.
Na sociedade atual, de onde você vem importa, faz a diferença. Em nome de quem você vem, importa. Ter QI – quem indica – é importante não somente no mundo, onde as coisas funcionam mais facilmente se temos um amigo ou conhecido. Também na igreja vemos pessoas serem tratadas de forma diferente. Sepultamentos são tratados de forma diversa se é parente do presidente da paróquia ou um “simples membro”. Mas observemos a perícope em estudo, a começar com os gregos, aqueles que não são deste lugar, são passageiros, estrangeiros, não são daqui. Eles vão a Filipe, mas ele também não é daqui, tem nome estrangeiro. Ele também está longe do seu lar, não tanto quanto os gregos; ele ainda pertence a Israel. Por isso possibilita uma ponte com Jesus. Mas Jesus também não é de Jerusalém, nem da Grécia, Galileia ou Judeia. Jesus é de Deus. Por isso, de onde você é, importa! Mas de forma totalmente radical e diferente do conceito deste mundo e suas sociedades humanas.
O texto de João traz a mensagem de um evangelho universal. Isso é um elemento-chave para entendermos a perícope. O evangelho é universal. Como podemos viver essa mensagem radical? Proclamamos um evangelho aberto e abrangente. Mas nem todos o receberão, ainda que não seja escondido nem limitemos seu acesso. A cruz de Cristo não nos deixa apáticos. Jesus atrai as pessoas para si, mas nós, seres humanos, geralmente afastamos quem está perto de nós. Sempre reagimos de um jeito ou de outro: aproximamo-nos ou nos afastamos.
Neste mundo (kosmos), muitas vozes são escutadas; o problema é saber interpretá-las. Geralmente escutamos e seguimos as vozes que são importantes para nós – aquelas que seguem um padrão ao qual nós estamos acostumados. Mas nem sempre escutamos, interpretamos e seguimos a proposta que a voz do céu nos traz.
Qual a nossa disponibilidade de “sofrer” por seguir a Cristo? Além de reagir ao evangelho aberto a todas as pessoas, devemos saber que a conceituação de Jesus é diferente. A proposta de perder a vida, como é enfeitada neste mundo, é radical. Mostra-nos uma parte do ser uma pessoa seguidora de Jesus. Pois transformações são necessárias na vida que está a serviço do Senhor Jesus. Aquilo em que investimos nosso tempo e esforço muda radicalmente com a proposta de Jesus. O que teria acontecido se o próprio Cristo agisse como nós naturalmente agimos? Será que ele seria morto na cruz? Deus mostra-se realmente sob o inverso. No lugar da morte e tortura por excelência estão a vida e a acolhida. É possível que nossas vidas sejam reflexo dessa realidade? É possível sermos comunidades de fé verdadeiramente acolhedoras, principalmente para aqueles que o mundo despreza, mas que escutaram o evangelho?
4. Imagens para a prédica
Logo que foi lido o texto, veio à mente esse personagem tão popular na sociedade brasileira, mas também latino-americana do pistolão, do despachante, do QI, daquele que “facilita os processos”, que conhece o “sistema”. Esse personagem chega muitas vezes a ser considerado um mal necessário para que o sistema funcione. Quantas vezes nós o procuramos? Quantas vezes nós necessitamos dele? No mercado religioso atual, parece que também são necessários não somente na religiosidade católica, mas também nos diversos grupos que se dizem seguidores de Cristo.
Também veio à mente (por isso o título deste subsídio) a música popularizada pela Xuxa: “Ilariê”. Com seus versos Tá na hora, tá na hora / Tá na hora de brincar… O Pai brinca agora, indicando que está na hora da glorificação de Cristo. Se a prédica enfatizar a atração de Jesus, a centralidade no levantar da terra e atrair, pode-se lembrar dos ímãs, aqueles materiais que têm propriedade de atrair o ferro. Os ímãs têm geralmente dois polos. Mas recentemente foi inventa- do um ímã que tem somente um polo. Assim é Cristo, o ímã que só atrai.
O caso da esposa de um alcoolista traz-nos um exemplo de como deveria ser nossa vida a serviço de Cristo. Tempos atrás, escutei o testemunho de uma mulher que contou como foi e como está sendo sua vida junto a um alcoolista: uma vida muito complicada e com diversos dissabores; a vontade de deixar tudo para ir embora, deixando o bêbado sozinho; mas também a fortaleza que ela encontrou em Deus para ajudar o marido, em primeiro lugar, a reconhecer-se como dependente e, em segundo lugar, a perseverar junto no processo da eterna recuperação; a tristeza deixada atrás quando o marido escondia a bebida em qualquer lugar até a alegria de estar bem junto da pessoa amada; a certeza de saber que valeu a pena passar pelo tormento e hoje celebrar em família a volta do homem companheiro, amigo, esposo e pai.
5. Subsídios litúrgicos
Na confissão de pecados, distribuir folhas para que as pessoas escrevam seus preconceitos em relação às outras pessoas ou aquilo que elas sabem que as impede de ouvir a voz divina.
Oração do dia:
Pai, tua voz clama do céu, faz-nos atentos a ela. Senhor Jesus, ao morrer na cruz, tu atraíste todas as pessoas. Deixa que sintamos tua atração e nos aproximemos da tua cruz. Santo Espírito, tu que nos dás a força para seguir o caminho divino, ajuda-nos a perceber tua presença entre nós. Amém.
Hinos:
HPD II: nº 407, nº 441, nº 449, nº 452.
Bênção final:
Que possas escutar a voz do Pai quando clama por tua atenção. Que o Senhor Jesus te atraia à sua cruz e possas sentir-te abraçado por ele. Que o Espírito divino abra teus olhos, teus ouvidos e tuas mãos para que ajudes onde for preciso. E que todo o mundo possa enxergar em ti um bom seguidor / uma boa seguidora de Deus, que partilha as bênçãos divinas. Amém.
Bibliografia
COENEN, Lothar; BROWN, Colin. Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento. 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 2000.
SALMON, Marilyn. Commentary on John 12:20-33. Disponível em: . Acesso em: 10 mai. 2014.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).