Pentecostes – festa para toda a criação que geme
Proclamar Libertação – Volume 42
Prédica: João 15.26-27; 16.4-15
Leituras: Salmo 104.24-34,35b e Romanos 8.22-27
Autoria: Eloir Enio Weber
Data Litúrgica: Domingo de Pentecostes.
Data da Pregação: 20/05/2018
1. Introdução
Pentecostes é a festa de Deus com a sua igreja, a demonstração do amor incondicional de Deus para com a humanidade e a criação como um todo. Para Deus, não bastou vir em forma humana, morrer, ressuscitar em Jesus Cristo. Deus vai além, ele envia o Espírito Santo, o Consolador (Auxiliador na NTLH). Ele se faz presente na história humana e em nós faz morada pelo Espírito Santo, que mantém a chama da fé acesa e aquece a nossa vida no corpo de Cristo, a igreja.
A composição dos textos bíblicos é bem interessante para celebrar Pentecostes. O texto de Romanos 8.22-27 destaca o gemido, o clamor, as “dores de parto” que ainda afligem a humanidade e o universo todo. Coloca a ação libertadora e consoladora do Espírito Santo, que intercede e nos auxilia a orar quando estamos fracos e desanimados demais para fazê-lo. Pentecostes, nesse contexto, é luta por libertação, é o agir de Deus para que saiamos da escravidão e do jugo que pesam sobre a criação (universo, na NTLH). O Salmo 104.24-34,35b nos auxilia na contextualização do que significa criação (ou universo). Ressalta que todos somos criaturas de Deus e que dependemos dele para termos o alimento necessário e a manutenção da vida. Coloca o ser humano como parte da criação de Deus. Dá-nos a dimensão de que Pentecostes é a festa para toda a criação.
O texto do evangelho mantém uma relação bonita da Páscoa com Pentecostes. O Tríduo Pascal ganha um significado diferente com a vinda do Espírito Santo, com o Batismo e a junção do primeiro núcleo da igreja cristã (At 2). O Tríduo Pascal tem sentido por si só – ali está o cerne da fé cristã –, mas a dimensão como o percebemos e a forma como ele chega a nós têm uma percepção diferente ao relacioná-lo com Pentecostes. Dá uma noção de continuidade, de esperança, apesar dos gemidos ainda estarem fortemente audíveis em nosso meio.
2. Exegese
O texto de João 15.26-27; 16.4-15 está dentro de um contexto maior. Trata–se de um recorte da narrativa da última ceia de Jesus com seus discípulos. Depois da ceia, Jesus toma um grande tempo, no Evangelho de João, com o discurso (diálogo) de despedida. Aliás, o Evangelho de João, pela sua origem tardia, é diferente em relação aos três primeiros: concede pesos diferentes aos diversos momentos narrativos da vida de Jesus. Reserva, por exemplo, grande espaço para o Tríduo Pascal. Não traz a narrativa de nenhuma parábola; em contrapartida, nos outros evangelhos encontramos cerca de quarenta. Os sinais (sēmeion) têm um valor teológico grande em João, bem como as afirmações prefixadas com “Eu sou” (egō eimi).
Por uma questão pedagógica, sugiro fazer um recorte da perícope em quatro partes: a) o Espírito Santo, Consolador – 15.26-27; b) o vínculo da Páscoa com Pentecostes – 16.4-11; c) a revelação não completa da verdade – 16.12-14; d) unidade na Trindade – 16.15. É óbvio que uma análise profunda concede mais temas latentes ou uma divisão diferente. Mas nesse texto, pela limitação de espaço, vamos nos manter na estrutura sugerida.
a) Nesse bloco, Jesus retoma o que já havia sido tema no capítulo anterior, também no contexto da última ceia – 14.15ss –, quando ele prometeu a vinda do Espírito Santo. Jesus fala do Espírito Santo como o Consolador (Auxiliador na NTLH). O termo original parakletos pode ser traduzido como ajudador, intercessor, advogado. O verbo parakaleō significa “chamar para o lado”, rogar, exortar, consolar, confortar, encorajar. Além disso, Jesus o designa de “Espírito da Verdade” (pneuma tēs alētheias).
Em relação a essa denominação, Lutero escreveu: “O Espírito Santo não é só um consolador que torna os cristãos confiantes e corajosos diante de qualquer terror, mas também é um Espírito da verdade, ou seja, é um Espírito verdadeiro e confiável, que não te engana ou abandona. Pois também faz parte de um caráter cristão tornar-se ousado e intrépido” (OSel 11, 153). O Espírito Santo é enviado da parte de Deus a fim de testemunhar a respeito de Cristo. Esse testemunho do Espírito Santo é a prefiguração da missão que os discípulos, as pessoas cristãs e a igreja precisam assumir.
b) Jesus inicia este bloco com um alerta para que os discípulos rememorem o que ele havia alertado diversas vezes: a necessidade da sua morte. Jesus tem como propósito, no discurso de despedida, preparar os discípulos para a Sexta-Feira da Paixão e, na sequência, para a árdua missão de levar o evangelho para o mundo. Jesus relaciona a Páscoa com Pentecostes na medida em que fala da necessidade da sua morte para que ocorra o envio do Espírito Santo. Percebo uma bonita intencionalidade em pregar, no dia de Pentecostes, a partir de um texto que narra um episódio do Tríduo Pascal. As datas têm um sentido em si mesmas, mas relacionadas ganham uma dimensão maior, mais profunda, próxima de nós, e na história cristã se solidifi cam em cada nova geração que recebe o presente do evangelho anunciado.
O anúncio e a proximidade da morte de cruz trazem, aos discípulos (e ao próprio Jesus), o sentimento de tristeza no coração. Jesus procura preparar os discípulos para a crise que se abaterá sobre suas vidas quando ele for preso naquela noite. A morte de Jesus não será em vão e os discípulos não fi carão desamparados – essa é a promessa de Jesus – quando diz que, se ele não for o Consolador não virá, mas se for, ele enviará o Consolador. Celebramos a Páscoa porque antes já sofremos com a paixão de Cristo. Festejamos Pentecostes porque antes já nos alegramos com a ressurreição. Recebemos o evangelho porque antes o Espírito Santo foi enviado. Somos salvos porque antes Deus agiu em nosso favor e nos acolheu pela sua graça, mediante a fé que nos é concedida pelo ouvir da Palavra e a recepção dos sacramentos.
O Espírito Santo vem para trazer conhecimento e discernimento em relação ao pecado, à justiça e ao juízo: do pecado, porque não creem em mim; da justiça, porque vou para o Pai, e não me vereis mais; do juízo, porque o príncipe deste mundo já está julgado (v. 10-11).
c) Este bloco inicia com a fala de Jesus de que nem toda a revelação foi dada. O Espírito da verdade ensinará a verdade. Wilbert Howard diz: “Nos seus discursos de despedida, o Senhor Jesus fala da franqueza que ele havia demonstrado para com os seus amigos diletos, mostrando-lhes tudo quanto ouvira da parte de Deus Pai. No entanto, a imaturidade espiritual deles deixa-os incapazes para aprender imediatamente muito do que Jesus ainda tinha em reserva para eles. Essa forma incompleta da revelação dada por Cristo, em sua encarnação, teria prosseguimento através do ministério do Espírito da Verdade, até que pudessem receber a revelação em sua plenitude”.
d) O recorte do texto termina com um sumário resumido do entendimento, comunicação e indissolubilidade que há na Trindade. Só é possível sofrer com a paixão de Cristo, alegrar-se com a Páscoa e celebrar Pentecostes porque há um Deus Triúno, que se desdobra em amor e paga um alto preço para estar conosco e nos acompanhar, geração após geração, chamados e transformados pelo evangelho, que nos alcança pela ação do Espírito Santo.
3. Meditação
“Quando não há mais esperança e tudo começa a acontecer ao contrário de nossas orações e nossos desejos, iniciam aqueles gemidos inexprimíveis. Então, o Espírito ‘nos assiste em nossa fraqueza’. Porque, sem a assistência do Espírito, nos seria impossível suportar essa forma que Deus usa para ouvir e atender nossas orações. Aqui se diz à alma: Coragem! Fique firme! Anime-se e espere pelo Senhor!” (Martim Lutero – Castelo Forte 11/05/2017).
Escrevo o presente estudo em meados de maio de 2017, em meio a uma crise política histórica no Brasil. Há um ano a presidente da República, Dilma Rousseff, foi impedida de seguir no cargo, sendo que o lugar foi ocupado pelo vice-presidente, Michel Temer. Há dois dias (hoje é 19/05/17), veio a público uma delação premiada que traz gravações comprometedoras em relação ao ocupante temporário do cargo máximo da República. Nas gravações, o presidente da República autoriza e avaliza um empresário a seguir comprando o silêncio de um deputado cassado, preso pela operação Lava Jato. Estamos em meio a uma crise sem precedentes.
Daqui a exatamente um ano (20/05) será tema de pregação, no dia Pentecostes, o texto em questão. Até lá saberemos como foi o desenrolar das nvestigações – espero. Será, ao lado disso, se tudo continuar conforme está em princípio estabelecido, ano de eleições. Em maio algumas movimentações sobre possíveis candidatos já são percebidas e são tema de discussão. Ninguém no Brasil, hoje, tem certeza de nada sobre o futuro político da nação. Na noite em que Jesus esteve com os discípulos para celebrar o jantar de despedida, no qual ele tomou o pão e depois o vinho, dizendo, respectivamente, serem o seu corpo e o seu sangue, era uma noite de incertezas. Em meio às incertezas Jesus anunciou, ainda sentado à mesa com os discípulos, a necessidade da crise, da dor e da tristeza provocadas com a sua morte, a alegria da ressurreição e a vinda do Consolador, o Espírito da Verdade.
O Espírito da Verdade precisa ser anunciado em nosso meio. Clamamos por “verdade verdadeira”. Dores de parto e gemidos são sentidos e ouvidos por todos os lados. No Brasil atual, ninguém mais sabe em quem acreditar. Não existe mais o lado da verdade. Parece que há, sim, um jogo de esconde-esconde, no qual o povo tateia na escuridão para procurar e encontrar o lugar no qual pode bater e anunciar: “um, dois, três, estou salvo”. O problema é que parece que esse lugar não existe, ou pelo menos está bem difícil de encontrá-lo.
O Espírito da Verdade precisa continuar sendo o sinal de Deus, a presença divina, no anúncio do evangelho e na denúncia profética. Aliás, como ser profeta em uma sociedade na qual tudo é classificado como partidarista, bolivariano, mortadela… A coragem deve vir do Espírito da Verdade.
O parakletos (advocatus em latim) é aquele que intercede em nosso favor, como um defensor numa corte – o advogado. Neste país, no qual nem na justiça nem em nobres juízes se pode confi ar, precisamos de um advocatus que nos assista em nossas fraquezas e incertezas. Por isso a mensagem de Pentecostes é atual e necessária. O Espírito de Deus santifica diariamente a nossa vida e o nosso agir na fé. Santificar significa exatamente conduzir ao Senhor Jesus Cristo, que nos salva. O Espírito Santo faz nascer, conserva e vivifica a nossa fé, por meio da Palavra e dos sacramentos. Sem ele não chegaríamos a crer, pois sempre de novo falhamos e caímos em pecado: O Espírito nos assiste em nossa fraqueza (Rm 8.26). Da mesma forma, ele sopra onde, quando, como e por quem lhe aprouver, pois é livre e nunca poderá ser manipulado por nenhuma força humana.
O Espírito Santo é realmente o Deus presente para nós: […] nos deu o penhor do Espírito em nossos corações (2Co 1.22). O Espírito Santo transfere Jesus Cristo da história distante e da sua elevação celeste para dentro de nossa vida concreta. Jesus Cristo se torna para nós uma realidade viva e salvadora. O Espírito Santo fundamenta, portanto, a nossa relação pessoal e comunitária de fé com Cristo.
A pregação do evangelho em Palavra e sacramentos é obra do Espírito Santo na igreja, pois é ele, em seu agir criativo, que torna presente e vivifica na palavra externa a palavra de Deus propriamente dita, a saber, Cristo. É o Espírito Santo que sustenta a Palavra e os sacramentos. Na sua relação com os meios da graça, a igreja depende da presença e da ação do Espírito Santo. Pois ele cria, vivifica e congrega a igreja (At 2). A unidade da igreja, em torno da Palavra e dos sacramentos, em seguimento a Jesus Cristo é obra exclusiva do Espírito Santo (1Co 12.13).
O Espírito Santo dá coragem, clareza e discernimento para a igreja. Jesus soprou sobre a comunidade de discípulos o seu Espírito (Jo 20.22). Portanto é o
Espírito Santo quem encorajou aquele amedrontado grupo de discípulos a sair do gueto (Jo 20.19) e proclamar a boa nova, a novidade de vida que Cristo trouxe (At 2). Pois o Espírito Santo produz frutos na vida das pessoas: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio (Gl 5.22-23).
4. Imagens para a prédica
Penso que o conjunto de textos nos dá uma direção bem sinalizada para a celebração. Em uma sociedade que geme, a voz profética que é concedida à igreja, pelo Espírito Santo (Consolador, Verdade), precisa reverberar nos corações e chamar para a consciência e ação.
Lembro que há uma bonita coincidência no dia 20 de maio de 2018 – Pentecostes. Nesse dia, no ano de 1886, foi criado o Sínodo Riograndense (1886 – 2018 = 132 anos). Naquele contexto, as comunidades viviam isoladas. Com o objetivo de criar uma unidade e servir de suporte para as comunidades, por iniciativa do pastor Wilhelm Rotermund, foi criado o Sínodo Riograndense. Essa foi a primeira tentativa exitosa na caminhada para criar uma igreja de confissão luterana em solo brasileiro. Esse sínodo, junto com outros três que foram criados em diferentes regiões do Brasil, formou a Federação Sinodal em 1949, que, mais tarde, passou a ser a IECLB. Pela coincidência, penso que no dia de Pentecostes essa nossa origem precisa ser lembrada. Somos igreja que não iniciou na Reforma, mas cinquenta dias após a Páscoa de Cristo, em Jerusalém, com a vinda do Espírito Santo. Temos uma forma de nos relacionar com Deus, uma teologia que tem a cruz de Cristo como centro, uma história de fé de mulheres e de homens que, movidos pelo amor e a graça de Deus, edificaram a igreja em solo brasileiro. A logomarca da IECLB contém as colunas do Palácio da Alvorada. Isso nos mostra que a teologia precisa estar comprometida com a situação social e política do país.
5. Subsídios litúrgicos
Essa celebração pede um Kyrie bem significativo e elaborado. O Consolador é o Deus que ouve o clamor, os gemidos e compreende as “dores de parto”. Sugiro que se faça uma projeção de fotos e manchetes de jornais (locais, nacionais e internacionais) da semana ou do mês (conforme exemplo). Ao final de todas as imagens e manchetes, a comunidade canta: “Pelas dores deste mundo, ó Senhor…”
1. A delação do empresário da JBS é escandalosa.
2. Rocha Loures entrega mala com R$ 500 mil na sede da PF em São Paulo.
3. Inglaterra – Explosão após show deixa ao menos 22 mortos.
4. Porto Alegre – Delegado busca imagem de câmera para identificar assassino de motociclista.
5. IBGE: total de desempregados cresce e atinge 14,2 milhões.
6. Pacientes sofrem com falta de leitos em hospitais da Capital.
7. O sucateamento da educação pública no Brasil.
Bibliografia
BROWN, Colin. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1981. v. 1: 1 – D.
CHAPLIN, Russell Normann. O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo. São Paulo: Milenium Distribuidora Cultural, 1983. v. 2: Lucas e João.
LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas. São Leopoldo: Sinodal; Porto Alegre: Concórdia; Canoas: Ulbra, 2010. v. 11. [OSel].
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).