Proclamar Libertação – Volume 34
Prédica: João 2.1-11
Leituras: Isaías 62.1-5 e 1 Coríntios 12.1-11
Autor: Carlos Luiz Ulrich
Data Litúrgica: 2º Domingo após Epifania
Data da Pregação: 17/01/2010
1. Introdução
O texto de João 2.1-11 já foi trabalhado na série Proclamar Libertação por Walter Altmann (PL v. IX, p. 41-49), Heinz Ehlert (PL v. XX, p. 44-49) e Gottfried Brakemeier (PL v. XXVI, p. 40-46), apontando para questionamentos e dificuldades em relação à pregação da narrativa em apreço. No entanto, queremos lembrar o tempo litúrgico no qual nos encontramos. Estamos no 2º Domingo após Epifania. Epifania é o tempo da revelação. Portanto queremos abordar o texto a partir da revelação do ministério de Jesus, a partir do seu primeiro sinal, nas Bodas de Caná.
Os demais textos de leitura são Isaías 62.1-5 e 1 Coríntios 12.1-11. O texto de Isaías aponta para a esperança, para o Deus que se coloca ao lado dos pobres e sofridos. Atualmente, quais são os sinais de justiça e libertação que animam a caminhada de nossas comunidades evangélicas de confissão luterana? O texto de 1 Coríntios 12.1-11 aponta para a diversidade de dons, mas o Espírito Santo age em todos, mas ninguém o possui plenamente. O Espírito Santo está entre nós. Precisamos, por isso, valorizar os serviços e ministérios mais esquecidos e menos valorizados na comunidade. Por que se dá mais valor ao que é mais vistoso e tem aparência de extraordinário? Como os serviços exercidos na comunidade a tornam mais viva e unida em torno do dom maior que é o amor?
2. Reflexão exegética
2.1 – Contexto
É provável que o texto de João 2.1-11 dê sequência ao contexto de João 1.19-51. Se “no terceiro dia” (Jo 2.1) faz soma com os “quatro dias” de João 1.19-
51, o relato de João 2.1-11 é a completude de uma semana. A semana termina com alegria, com uma festa de casamento (lembra o dia do descanso: Gn 2.2-3). O milagre das Bodas de Caná, portanto, seria um primeiro exemplo da frase no fim do episódio anterior: “Pois maiores cousas do que estas verás” (Jo 1.50), dando início à semana inaugural do ministério de Jesus, a qual termina em João 2.11.
2.2 – Texto
O relato de João 2.1-11 apresenta-se como narrativa de milagre. No entanto, o evangelho fala: “Com este, deu Jesus princípio a seus sinais em Caná da Galileia…” (Jo 2.11) Temos aqui o primeiro sinal de Jesus, dando início a seu ministério público. Jesus participa de uma festa de casamento. É um momento de alegria. Quando se constata a falta de vinho, a mãe de Jesus toma a iniciativa e o incentiva a intervir nessa situação. Jesus mantém um breve diálogo não muito amistoso com sua mãe. Parece haver, nesse ponto, uma quebra na narrativa: Jesus parece resistir à sugestão de sua mãe (v. 4). Reage inclusive de forma brusca: “Mulher, que tenho eu contigo?”. Essa quebra, de acordo com KONINGS (2000, p. 112), “fornece a chave de compreensão para o relato como João o entende; ainda não é a hora de Jesus. Mesmo que seja uma manifestação de glória, o feito de Jesus é apenas um sinal, início de sua obra, não a plenitude daquilo que vem realizar (v. 11)”.
Entre os convidados é mencionada primeiramente a mãe de Jesus. É interessante observar que ela nunca é chamada pelo nome. No nível do simples relato, a menção prioritária da mãe pode corresponder a seu papel familiar ou social. No entanto, também pode ser que o Evangelho de João queira destacar a mãe de Jesus no início, assim como será destacada na “hora” da consumação (19.25-27) da obra de Jesus. Pode até sugerir o papel da mãe na introdução do “noivo” das núpcias messiânicas ou na entronização do “Rei de Israel” (como Jesus é chamado na cena anterior, 1.49). O Evangelho de João também pode estar querendo chamar a atenção para a importância das mulheres no ministério de Jesus, em que, muitas vezes, a sua presença é silenciosa e sem nome, invisibilizada. Elas estão presentes, mas muitas vezes os seus nomes e suas histórias não são lembradas.
“E no terceiro dia” celebram-se “núpcias” em Caná da Galileia (Jo 2.1). As núpcias podem se reportar às núpcias messiânicas. Na comunidade joanina é conhecida a ideia das “núpcias do cordeiro” (Ap 19.7-9). Cordeiro de Deus (Jo 1.29) é o primeiro título dado a Jesus na semana inaugural do seu ministério, que aqui chega à sua conclusão (Jo 1.19-2.11). O livro sagrado do povo cristão, a Bíblia, conta a história amorosa entre Deus e seu povo, na qual a alegria se manifesta.
O terceiro dia não deve ser entendido apenas como elemento narrativo, mas aponta para relações simbólicas. Na Bíblia, “o terceiro dia” não deve ser entendido de forma matemática; geralmente indica um breve espaço de tempo, às vezes relacionado com o pronto agir divino (Gn 22.4; 34.25; 40.20). Não é possível responder como Jesus pode viajar da região do Jordão até Caná nesse curto espaço de tempo. Foi “no terceiro dia” que Deus entregou a Torá (Lei, Orientações para uma vida ética) ao povo (Êx 19.11, 19.15). No terceiro dia, Deus também socorre o seu povo (Os 6.2; Lc 13.32, Mt 16.21). Jesus é ressuscitado por Deus (Jo 20.18).
No Evangelho de João, há um arranjo narrativo entre a semana inaugural (Jo 1.19-2.11) e a semana final (cf. a indicação de tempo em Jo 12.1). Não podemos excluir uma correspondência com “o terceiro dia” da ressurreição, ainda mais por ser o sinal de Caná a manifestação inicial da glória de Jesus (2.11), seguido por um gesto profético de Jesus anunciando a ressurreição (Jo 2.13-21). Observemos ainda que o “terceiro dia”, ao mesmo tempo que indica continuidade (sobretudo aqui, somando com os quatro dias anteriores indica a completude de uma semana), sugere também novidade de vida, intervenção de Deus. Na plenitude do tempo, o Verbo se fez carne e habitou entre nós (Jo 1.14).
Que festa de casamento é essa em que falta vinho? Como pode faltar o vinho, símbolo da alegria e do amor (cf. Ct 1.2; 7.9; 8.2)? É a mãe de Jesus que avisa o seu filho. Quem necessita de vinho, isto é, de alegria e amor? Será a prática do judaísmo? Jesus responde: “Mulher”, que desejas de mim? Que há entre ti e mim, maneira de marcar distância, interesses diferentes (2Sm 19.22, Mc 1.24) ou suspense (2Rs 3.13, Os 14.8). O porquê do suspense aparece logo: “A minha hora ainda não chegou” (Jo 2.4). O que Jesus vai fazer é apenas um sinal, mas não a obra em si. Ele completa a sua obra na crucificação e na ressurreição (Jo 19.17-20).
O questionamento de Jesus resulta numa palavra de confiança da mãe. Ela dá a orientação: “Fazei tudo o que ele vos disser” (Jo 2.5). Jesus manda encher de água os jarros de purificação e servir essa água, que ao ser servida se revela vinho (Jo 2.7). Estavam aí seis talhas de pedra, das bem grandes (de duas a três medidas, uns cem litros cada) (Jo 2.7). Elas são de pedra (como o Talmud aconselha por causa da pureza) e serviram para as purificações rituais, que o judaísmo, sobretudo de tendência farisaica, tanto prezava. Jesus manda encher as talhas com água. Os que servem à mesa executam a ordem de Jesus. O Evangelho de João chama os serventes de diáconos, fazendo alusão ao serviço da comunidade.
“A água transformada em vinho” (Jo 2.9): não se diz como isso aconteceu, mas a voz passiva sugere uma ação de Deus ou de seu enviado, sua Palavra cria- dora (Jo 1.3). Jesus manda levar essa água-vinho ao encarregado da festa, que não sabe “de onde” vem. O termo “de onde” aponta em João para a intervenção de Deus (Jo 3.8).
O encarregado da festa prova da água e constata que é vinho. Vinho excelente, a tal ponto que comenta para o noivo: “Todos costumam pôr primeiro o bom vinho e, quando já beberam fartamente, servem o inferior; tu, porém, guardaste o bom vinho até agora” (Jo 2.10). Em Israel, quem oferece a festa de casamento é o noivo.
Jesus é quem providencia “agora” o vinho melhor e abundante do tempo messiânico (Is 25.6; Jr 31.12-13).
É importante lembrar:
* Com muita frequência, o casamento é na Bíblia sinônimo de aliança (conforme 1ª leitura: Isaías 62.1-5). Ser infiel à aliança é a mesma coisa que ser uma pessoa adúltera, prostituta.
* É necessária uma nova aliança. “Eles não têm mais vinho” (Jo 2.3).
* O que sustentava a antiga aliança eram os ritos de purificação (Jo 2.6 – as talhas para a purificação estão vazias). Os ritos de purificação não são mais importantes.
* Jesus é aquele que inaugura a Nova Aliança, aquele que traz o novo vinho, de ótima qualidade, em abundância e alegria. O vinho, por sua vez, é símbolo muito forte do amor (Ct 1.2, 7.9, 8.2). Segundo o Evangelho de João, Jesus é a completude do amor (Jo 13.31-35).
* Jesus é o Cordeiro de Deus, aquele que tira o pecado do mundo.
* As Bodas de Caná nada tem a ver com beberagens, mas apontam, simbolicamente, para a alegria, a festa do reino.
* O texto também aponta para a importância das mulheres na comunidade joanina. É a mãe de Jesus que toma a iniciativa, quando acaba o vinho, de falar com Jesus, bem como de dar a orientação aos diáconos: “Fazei tudo o que Ele vos disser”.
* O reino de Deus aponta para o compromisso que resulta em alegria.
3. Meditação
Jesus inicia em Caná da Galileia seus “sinais” proféticos. João chama as obras maravilhosas de Jesus de sinais, nunca de milagres, como os sinóticos. Isso mostra uma ligação da comunidade joanina com o AT, que chama assim os gestos pelos quais os profetas provam que são mandados por Deus, como Moisés em suas narrativas de convencer o faraó (o termo bíblico para as “dez pragas” do Egito é “sinais” – Êx 4.8-9). O sinal não recebe seu sentido de si mesmo, mas daquilo que ele assinala. O sinal de trânsito não tem seu sentido em si (em suas cores), mas no alerta e perigo que assinala. O sinal de Caná não aponta para um fornecimento espetacular de vinho, mas para a missão messiânica de Jesus. O vinho da alegria transforma-se em sangue derramado para a remissão de nossos pecados.
É o início dos sinais, não a plenitude. Em João 2.4, Jesus falou que a “sua hora” ainda não tinha chegado. Sua hora será da plenitude, do amor consumado, quando disser: “Está consumado” (Jo 19.30). Portanto a manifestação de sua glória é, nas Bodas de Caná, apenas o inicial. Se, pois, os discípulos creem nele, é também de modo inicial. A fé por causa de um sinal é apenas um primeiro passo. O discipulado mostra-se no seguimento e na fidelidade a Jesus. João aponta para esse caminho, o cumprimento do mandamento do amor (Jo 13.34).
4. Imagem para a prédica
Levar vários sinais de trânsito – e perguntar à comunidade o que significam. Será que todos sabem o que significam os sinais de trânsito? Os sinais do trânsito – o que vemos e o que eles significam? Eles representam mais do que a sua imagem e suas cores. É preciso estudá-los, aprender o que significam e respeitá- los no trânsito. A imagem, por si só, não diz o significado. A educação do trânsito é fundamental para uma boa convivência entre as pessoas, para que haja respeito e vida digna.
Assim também é necessário entender o sinal nas Bodas de Caná. Jesus inicia o seu ministério no meio do povo, num casamento, numa festa e com alegria. A transformação da água em vinho lembra-nos da plenitude que se realiza também no sacramento da Santa Ceia e na doação integral de Cristo na cruz e na sua ressurreição.
5. Subsídios litúrgicos
Saudação:
Epifania: Saudade do reino
No comecinho do ano, celebramos a Epifania:
Deus se manifesta à humanidade na pessoa de Jesus Cristo.
Na epifania do Filho que nasce da esperança viva de um povo, na epifania de seu amor feito corpo,
Deus se torna peregrino e servidor.
Da sua própria boca ouvimos prenúncios de um reino vindouro: “E vimos a sua glória…
“O Reino está entre nós…” (Luiz Carlos Ramos)
Confissão de pecados:
Ó Cristo, redentor de todos e todas, Com tua vinda derrubaste o Muro de separação entre os povos, Começando uma nova presença entre nós. Perdoa nossa teimosia ao reconstruir cercas E, por tua ternura, desafia-nos a romper
Com toda discriminação e exclusão,
Para acolhermos tua presença renovadora
Entre a humanidade.
Tu que nos revelaste o rosto cuidadoso de Deus
Através dos teus sinais de amor
Em comunhão com o Espírito Santo.
Perdoa nossos pecados e renova em nós a graça do amor
Para colocar sinais do teu Reino de paz em nosso mundo. Amém. (Adaptado de Paulo Roberto Rodrigues)
Absolvição:
Deus amou tanto o mundo, que enviou o seu Filho. As estrelas do céu falam-nos de seu perdão
Ao brilhar nas noites escuras de nossas vidas. Amém. (Inês de França Bento)
Oração de intercessão:
Lembrar que Deus fala através dos sinais. Jesus inicia os seus sinais em uma festa, num casamento. A alegria faz parte do reino de Jesus. Precisamos, no entanto, evitar os excessos, que conduzem a doenças e à morte. Orar pelas pessoas que não conseguem viver com responsabilidade e se deixam levar pelo êxtase do momento.
Lembrar pessoas doentes devido a álcool, drogas, excesso de comida e de consumo.
Também nós, seres humanos, criamos sinais para nos comunicar e viver melhor. Necessitamos conhecer e respeitar os sinais de trânsito, para que diminuam as imprudências e mortes entre nós. Orar por uma educação responsável no trânsito em nosso país.
Lembrar que em nosso mundo há desperdício por uma camada da população e, por outro lado, há pobreza e miséria. Orar pelos que passam fome devido ao esbanjamento de outros.
Oramos e pedimos: Aumenta entre nós o respeito e a paz. Dá-nos esperança, fé e amor!
Bibliografia
ALVES, Rubem (Org.). CultoArte: Advento/Natal/Epifania. Petrópolis: Vozes; Campinas: CEBEP, 1990.
KONINGS, Johan. Evangelho segundo João: Amor e fidelidade. Petrópolis: Vozes; São Leopoldo: Sinodal, 2000.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).