Bodas de Caná
Proclamar Libertação – Volume 43
Prédica: João 2.1-11
Leituras: Isaías 62.1-5 e 1 Coríntios 12.1-11
Autoria: Sandra Kamien Tehzy
Data Litúrgica: 2º. Domingo após Epifania
Data da Pregação: 20 de janeiro de 2019
1. Introdução
O texto de João 2.1-11 já foi trabalhado na série Proclamar Libertação por Walter Atmann (PL IX, p. 41-49), Heinz Ehlert (PL 20, p. 44-49), Gottfried Brakemeier (PL 26, p. 40-46), Carlos Luiz Ulrich (PL 34, p. 89-94), Emilio Voigt (PL 40, p. 64-69), que trazem contribuições significativas para o entendimento do texto e a construção da pregação. O estudo de Brakemeier traz uma abordagem diferenciada do texto, refletindo-o a partir da lenda de Dionísio, o deus do vinho da antiga religião grega. Essa ligação do milagre das bodas de Caná com a lenda é apontada por Bultmann, mas outros estudiosos destacam que essa ligação só surgiu no século II ou III d.C. e, por isso, afasta-se da gênese e tradição pré-literária de João 2.1-11 (Blank, 1990, p. 204-205), compreensão essa considerada pela maioria dos estudos sobre o texto. Recomendo a leitura dessa abordagem feita no PL 26.
A alegria e o amor celebrados nas bodas de Caná é o cenário em que Jesus dá início aos seus “sinais”, manifestando a sua glória (v. 11), imagem que se encaixa perfeitamente no tempo litúrgico deste 2º Domingo após Epifania, tempo da revelação: O Deus unigênito, que está junto do Pai, é quem o revelou (Jo 1.18). Das leituras bíblicas propostas, o texto de Isaías 62.1-5 pode ser relacionado diretamente ao texto da pregação, pois traz também a imagem das bodas e aponta para a esperança e a alegria da salvação trazida por Deus. O texto de 1 Coríntios 12.1-11 pode ser abordado de forma paralela, considerando que a diversidade dos dons espirituais concedidos pelo Espírito Santo de Deus, visando ao “servir” (v. 7), são ainda hoje sinais da presença atuante do Espírito Santo, pequenas “epifanias” que fazem das pessoas crentes no serviço “instrumentos/bom vinho” do amor de Deus, trazendo alegria e esperança às pessoas.
2. Exegese
O texto de João 2.1-11 é um dos quatro milagres de Jesus que só aparecem no Evangelho do João. É com a narrativa das bodas de Caná que João inicia o ministério público de Jesus, e é através desse primeiro sinal que ele revela a “sua glória”, conforme Jo 1.14. Na comparação entre as diferentes traduções não há grandes questões a serem apontadas. Para as observações, optamos em seguir a Nova Almeida Atualizada, que traz uma linguagem atual e mantém-se mais próxima da tradução do grego feita por Champlin (2002), usada para os apontamentos.
Quanto ao gênero literário, Blank, citando Bultmann, considera o texto como uma “típica história de milagre: os v. 1 e 2 fazem a exposição e os v. 3-5 apresentam a preparação do milagre. A narração é estruturada de modo a despertar expectativa; os v. 6-8 relatam o milagre em si nos mesmos moldes, sem revelar o próprio ato milagroso; os v. 9-10 formam o desfecho que, segundo o esquema, ressalta o paradoxo do milagre” (Blank, 1990, p.187).
Importante para a compreensão do texto é ter em mente a compreensão do evangelista João sobre os milagres de Jesus. O evangelista fala em “sinais”, usando o termo em grego sēmeion (2.11,18; 3.2; 4.48,54; 6.2,14,26,30; 7.31; 9.16; 10.41; 11.47; 12.18,37; 20.30), diferentemente dos milagres relatados nos evangelhos sinóticos, onde se utiliza o termo dynamis, que significa “manifestação de poder, ato de poder” (cf. Mc 6.2; 5.14; 9.39; Mt 11.20-23; 13.58). A palavra grega sēmeion significa “sinal, marca, característica”, sem conteúdo teológico, mas na tradição joanina está ligada ao pensamento do êxodo, em que “nos sinais, Javé se apresenta como quem age na história, como o próprio Deus atuante. Isso quer dizer que já no Antigo Testamento o sinal aparece como sinal de fé, que leva ao reconhecimento do enviado divino, de Moisés, e dessa forma à fé no próprio Javé” (Blank, 1990, p. 197). O Evangelho de João se propõe a provar que Jesus é o Messias, e por isso seus milagres “devem ser compreendidos como sinais do tempo messiânico que se abre com Jesus. Desta forma, a confissão de que Jesus é o Messias vem a ser a base para a teologia joânica dos sinais” (Blank, 1990, p. 199).
V. 1-2 – Três dias depois, houve um casamento em Caná da Galileia, e a mãe de Jesus estava ali. Jesus também foi convidado, com seus discípulos, para o casamento.
“Três dias depois” ou “no terceiro dia”: mesmo que alguns autores achem que essa menção de tempo tem grande importância, considerando que a ressurreição de Jesus aconteceu ao terceiro dia, a expressão de tempo é elemento de ligação com o texto anterior e se refere à última observação sobre o tempo de João 1.43. Portanto agora era o terceiro dia após o chamado de Filipe.
O casamento: as festas de casamento geralmente duravam uma semana e, por isso, era normal que os convidados circulassem pela festa, vindo e indo todos os dias. A comida e a bebida eram abundantes.
Caná da Galileia: quanto à provável localização de Caná há discordâncias entre os estudiosos. Alguns a identificam como Kefr Kenna, distante em torno de seis km de Nazaré, identificada inclusive por igrejas gregas e romanas como local das bodas de Caná, para onde os turistas são levados. Mas a mais provável localização é apontada como Khirbet Kana (ou Qana), distante em torno de 14 km de Nazaré, ruína essa que “até hoje os árabes denominam de Caná da Galileia” (Bruce, 1987, p. 69).
Maria não é citada pelo nome no Evangelho de João, sendo referida sempre como a mãe de Jesus (2.12; 6.42 e 19.25). Os convites para casamentos se estendiam a toda a família. Jesus, sua mãe e os discípulos eram convidados, bem como os irmãos de Jesus (2.12). Alguns autores opinam que Maria era próxima ou parente dos noivos, a julgar pela sua preocupação com o fato de que o vinho tinha acabado e pela autoridade com que ela dá ordens aos servos (Veloso, 1984). Mas essa afirmação não é sustentada por todos. De qualquer forma, Maria é o elo que justifica e localiza a presença de Jesus no contexto no qual acontece o milagre: uma festa de casamento da qual ele participava como convidado.
V. 3 – Tendo acabado o vinho, a mãe de Jesus lhe disse: Eles não têm mais vinho.
Considerando que as festas de casamento duravam uma semana (Jz 14.12), era normal acontecer que, chegando os últimos dias, a bebida acabasse devido ao grande consumo. Também era comum que se servisse o vinho de melhor qualidade no início das festividades, e no final, o vinho de qualidade inferior. Essa prática era tão comum que no texto em questão causa surpresa ao mestre-sala justamente o fato de que o vinho servido por último é o de melhor qualidade. Seja como for, acabar o vinho antes de terminar a festa era extremamente constrangedor e afetaria a reputação dos anfitriões.
O fato de Maria procurar Jesus para ajudar a solucionar o problema, como dito anteriormente, é apontado como indício de seu parentesco com os noivos. Mas a razão dessa atitude é controversa entre os pesquisadores. Alguns chegam a especular que ela esperava que Jesus realizasse um milagre para solucionar a questão, afirmando que Maria conhecia a “missão messiânica de Jesus” e via naquela situação uma oportunidade de seu filho demonstrar publicamente seu poder e autoridade. Mas o que o texto nos diz é que Maria estava preocupada e que procurava fazer algo para resolver o problema da falta de vinho, esperando que seu filho pudesse de alguma maneira resolver a questão. Não esperava dele um milagre, mas sim que ele ajudasse na solução da falta de vinho.
V. 4 – Mas Jesus respondeu: Por que a senhora está me dizendo isso? Ainda não é chegada a minha hora.
Nesse versículo está a frase mais estranha aos nossos ouvidos, ou seja, a atitude de Jesus com sua mãe, refletida na tradução literal: Mulher, que tenho eu contigo? Ou na tradução verbal: O que há entre mim e ti, mulher? (Ti emoi kai soi, gynai). Nessa frase as traduções apresentam muita divergência. Dada a dificuldade da tradução literal, necessita-se optar por uma tradução que leve em conta o conjunto do texto. Na frase Jesus se dirige à sua mãe com o termo “mulher”, da mesma forma como o faz também na crucificação (Jo 19.26): Mulher, eis aí o teu Filho. Jesus se dirige também a outras mulheres com o mesmo termo ( Jo 4.21; 8.10; 20.15). Usar o termo “mulher” no lugar de “mãe” não era usual na relação mãe-filho, mas não demonstrava desrespeito ou tratamento inferior a quem se dirigia, pois era termo de tratamento usado com frequência, que marcava uma certa distância entre os interlocutores.
O que causa estranhamento é o fato de Jesus usar o termo mulher para falar com sua mãe. Mas podemos ler a passagem na mesma perspectiva de outros textos em que Jesus se dirige à sua família, por exemplo, no templo, em Lucas 2.49: Por que me procuráveis? Não sabíeis que eu devo cuidar do que é de meu Pai? Ou em Mateus 12.48: Quem é minha mãe e quem são meus irmãos? Nessa perspectiva, a expressão marca uma certa distância na relação de mãe e filho, uma independência/autonomia de Jesus em suas ações, que não são determinadas pelo ser humano, ou, ainda, uma preocupação diferente de Jesus e Maria (Maria quer resolver a falta de vinho e Jesus está focado na “sua hora”).
O questionamento de Jesus está diretamente ligado ao fato de que sua hora ainda não chegou, termo que se refere ao seu sofrimento, morte e ressurreição (Jo 7.30; 8.20; 12.23; 13.1; 17.1). Com esse “sinal” Jesus revela seu poder, que terá sua plenitude revelada no milagre da cruz e ressurreição.
V. 5 – Então ela falou aos serventes: – Façam tudo o que ele disser.
A reação de Maria diante da resposta de Jesus reforça a ideia de que a fala de Jesus não causa estranhamento. Dá a entender que ela sabe que ele vai resolver a questão. Ao dizer aos serventes que sigam as instruções dadas por Jesus, Maria demonstra que tinha certa autoridade e responsabilidade na festa. Se de fato Maria tinha parentesco com os anfitriões, não há como saber, mas fica a impressão.
V. 6-8 – Estavam ali seis potes de pedra, que os judeus usavam para as purificações, e em cada um cabiam cerca de cem litros. Jesus lhes disse: Encham de água esses potes. E eles os encheram totalmente. Então lhes disse: Agora tirem um pouco e levem ao responsável pela festa. Eles o fizeram.
Uma metreta (tradução de Almeida, no final do v. 6) correspondia a 39 litros. Sendo assim, as talhas ou potes de pedra comportavam entre 80 e 100 litros de água cada um. Eram usados para os rituais de purificação antes e depois das refeições, bem como para a lavagem dos utensílios. Eram feitos de pedra, visando preservar a pureza e frieza da água (Champlin, 2002, p. 295). Jesus manda que as talhas sejam enchidas com água, o que é feito rigorosamente, dada a afirmação “encheram até em cima/totalmente”. Nada mais é dito por Jesus, que instrui que levem um pouco para o responsável ou mestre-sala, como nos trazem outras traduções. Ao que tudo indica, esse era o responsável pela distribuição e qualidade da comida e bebida da festa. Agora, ele se torna, sem saber, o principal atestador do milagre realizado por Jesus.
V. 9-10 – Quando o responsável pela festa provou a água transformada em vinho – ele não sabia de onde tinha vindo, por mais que os serventes que haviam tirado a água soubessem, chamou o noivo; e lhe disse: Todos costumam servir primeiro o vinho bom e, quando já beberam muito, servem o vinho inferior; você, porém, guardou o melhor vinho até agora!
Nada se sabe sobre o momento em que ocorreu o milagre da transformação da água em vinho. O que se sabe é que ao provar o vinho que foi levado até ele, o responsável é surpreendido pela qualidade do vinho agora servido. O autor chama atenção para a boa qualidade do vinho transformado, apontando para a ignorância do responsável pela festa quanto à procedência do vinho, que vai buscar essa informação junto ao noivo, pressupondo que tenha guardado para o fim da festa (contrariando a lógica e a prática) o vinho de qualidade superior. Assim, o responsável testemunha, sem saber, o milagre. A expressão “até agora” marca o começo de um novo tempo, o tempo de salvação.
V. 11 – Assim, em Caná da Galileia, Jesus deu início a seus sinais. Ele manifestou a sua glória, e os seus discípulos creram nele.
O texto encerra com a conclusão de João de que esse sinal é o princípio de outros que ainda virão, correspondendo à expectativa criada pelo próprio Jesus no texto anterior (Jo 1.50). No Evangelho de João, os milagres de Jesus são sinais através dos quais ele manifesta sua glória, o que, por sua vez, gera fé nos discípulos, pois ao presenciar esse primeiro sinal, “creram nele” (2.11,23; 4.48; 6.2). “O sinal que Jesus faz nas bodas de Caná, e a manifestação de Sua glória, apontam para uma especial característica do Ser de Deus que se manifesta em Cristo Jesus: Sua ação. Deus é um Deus que atua. E ao apresentar-se como a Palavra encarnada em Jesus Cristo, Sua ação tem o propósito de conseguir que as pessoas creiam” (Veloso, 1984, p. 77).
3. Meditação
O milagre da transformação da água em vinho nas bodas de Caná expressa de forma maravilhosa a chegada da salvação através de Jesus Cristo. Muito mais do que salvar os noivos do vexame de não ter vinho suficiente na festa do seu casamento, o milagre demonstra a grandiosidade da graça de Deus ofertada abundantemente por Jesus Cristo, expressa pela exagerada quantidade de vinho. Por outro lado, isso tudo se passa de forma discreta, pois além dos envolvidos diretamente no milagre (Jesus, os serventes e os discípulos, que testemunham o milagre), ninguém mais sabe o que aconteceu, nem mesmo o responsável pela festa, o qual atesta a qualidade superior do vinho servido por último.
Pode-se afirmar que as bodas de Caná, em João, inauguram o início do tempo da salvação trazida por Jesus Cristo, mostrando o quão abundante e inesgotável é a sua graça, da mesma forma como o Evangelho de Marcos 1.15 anuncia: Completaram-se os dias. O reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no evangelho. Neste sentido, a imagem do casamento expressa a alegria, o canto, a dança, o banquete, o amor celebrados e partilhados com todos os presentes.
A quantidade e a qualidade superior do vinho oferecido por Jesus marcam nosso texto. A tradição bíblica é rica em passagens em que o vinho é expressão de alegria e prosperidade (junto ao azeite e trigo – Jz 9.13; Sl 104.15; Dt 7.13; 11.14; Is 55.1), e também com a esperança de novos tempos (Am 9.13-14; Is 25.6-7; Jr 31.12-14), assim como também as núpcias e os banquetes (Is 54.4-8; 62.4-5 e Ap 19.7-9). Jesus também fala de beber vinho no reino de Deus (Mc 11.19). Assim, no casamento em Caná, essas imagens se agregam e dimensionam a realidade escatológica do milagre: o tempo messiânico começou, revelando a glória de Deus em sua plenitude, em Cristo Jesus, através de quem recebemos a abundante graça e salvação. Ou seja, “o Evangelho de João coloca o sinal do milagre do vinho nas bodas de Caná logo no início para mostrar assim o começo do tempo de salvação que se abre com a vinda de Jesus. Com ele veio aos homens a salvação de Deus e esta salvação é inesgotável” (Blank, 1990, p. 208).
É importante ressaltar que o vinho dado por ele nas bodas possibilitou a continuidade da festa e da alegria, expressando a abundância de sua graça. Mas é necessário cuidado, pois isso não é justificativa ou autorização para a embriaguez, que em vez de alegria causa tristeza, violências e, muitas vezes, morte, como ao dirigir sob efeito de álcool.
Apesar da grandiosidade do milagre do vinho nas bodas, poucas são as pessoas que o percebem e testemunham. O milagre passa despercebido pela maioria das pessoas presentes na festa, que usufruíram e beberam do melhor vinho. Várias pessoas estão envolvidas no agir de Jesus: Maria, que percebe a falta de vinho; os serventes, que executam a ação pedida de encher as talhas e levar ao responsável; o responsável, que atesta e elogia o vinho; o noivo, que provavelmente não entendeu o comentário sobre o vinho. Assim, o milagre passa despercebido, como muitas vezes não percebemos os milagres e a presença de Deus. Mas os que percebem, esses creem, assim como os discípulos.
Nas bodas em Caná Jesus inicia sua ação salvadora. Ele é a epifania de Deus, que se dá em abundância de graça e amor à humanidade, que só pode recebê-lo em gratidão e fé. O vinho das bodas de Caná é símbolo dessa ação redentora, vinho novo (Mt 9.14-17; Mc 2.18-22 e Lc 5.33-39), vinho que se torna ponte entre o início e fim do ministério de Cristo, que na última ceia nos é dado por Cristo como sinal da nova aliança em seu sangue, que através de sua morte e ressurreição dá perdão e salvação à humanidade.
4. Imagens para a prédica
O texto é rico em imagens que podem ser usadas na pregação, mas é importante eleger quais usar:
– A festa de casamento: desde os preparativos que a antecedem até o acontecimento em si.
– A atuação de Maria: sua percepção, atitude e disposição diante da necessidade (postura importante no âmbito comunitário).
– A ação de Jesus: o milagre em si, seu significado, mas também o fato de que possibilitou a participação de outras pessoas (Maria, os serventes, o responsável
– como podemos ser instrumentos ou agentes de alegria e esperança nos dias que vivemos de grande desesperança: corrupção, injustiças, empobrecimento, perda de direitos e dignidade, eleições).
– A “discrição” da epifania de Deus, já apontada pelo profeta Elias (1Rs 19.12) e que em Cristo se revela no revés da história: nasce de sua “humilde serva
Maria”, palácio/manjedoura, poder/fraqueza, cruz/salvação.
– O vinho: como podemos ser “vinho” transformado por Cristo, que possibilita a alegria e a comunhão, dentro e fora da comunidade? (paralelo com 1Co 12.1-11
– os dons concedidos por Deus para o servir, visando a “um fim proveitoso” – v. 7).
5. Subsídios litúrgicos
“Batemos à sua porta para que ele a abra e nos sacie com o vinho invisível, pois nós também éramos água e ele nos transformou em vinho. Tornou-nos saborosos (sábios), pois temos o sabor de sua fé, nós que antes éramos insípidos (estultos)” (Agostinho apud Blank, 1990, p. 207).
No princípio era a beleza das videiras e dos trigais,
que se entrelaçavam e se espalhavam pelo paraíso, em consagradas liturgias.
O Criador chamava homens e mulheres à fraternura das eternas
e ternas manhãs de cada dia, para celebrar da dádiva da vida.
Em ceias-sempre-santas-tantas-quantas e viu Deus que era bom…
Mas alguns viram que embora tudo fosse bom,
melhor seria se o “bem-bom” fosse melhor dividido:
“A uns muitos, a ordem; a uns poucos, o progresso.”
Assim, os Cains, inspirados pela Lei-da-esperteza,
transformaram em pães amargos o que antes era doce ao paladar
e, num envenenado “cale-se”,
quiseram desinventar a arte de amar…
A terra produziu espinhos e cardos…
Diz-se que jamais o mundo foi o mesmo.
Houve trevas sobre a face do abismo…
Acontece;
que poetas, profetas, e cantadores,
em prece gritaram na vez dos sem-voz.
Salmodiaram sonhos-em-sorrisos,
perscrutaram-promessas-de-um-porvir-promissor:
“…As crianças brincarão com os velhos na praça!
Aqueles com sua inocência, estes com sua experiência;
todos celebrindando a paz dos parreirais…”
E, de fato, mais tarde quando a história,
então grávida, deu à luz,
o Amor se fez carne e habitou entre nós
cheio de graça e bondade.
Grandes coisas se viram…
Boas novas se ouviram…
“E chegado o novo tempo, a nova era, o novo dia!!!
Bem-vindos todos os povos à farta mesa da Eucaristia.”
O pão se multiplicou em sinais de solidariedade,
O vinho se transubstanciou em alegria…
Depois destas coisas eu vi um novo céu e uma nova terra.
Não havia mais as garras da guerra. Nem as feias-faces-da-fome, mas, na comunhão da Paz-com-páscoa,
havia pão em cada mão e vinho em cada copo.
E enquanto os anjos cantavam o “Aleluia” ao vencedor da cruz
apressei-me na prece, e, em sua memória brindei:
Maranatá! Ora, vem Senhor Jesus!!! Amém.
(Carlos Alberto Rodrigues Alves)
Bibliografia
ALVES, Carlos Alberto Rodrigues. Quaresma. In: ALVES, Rubem. Culto e Arte. Petrópolis: Vozes, 2001.
BLANK, Josef. O Evangelho segundo João. Petrópolis: Vozes, 1990.
BRUCE, Frederick Fyvie. João – Introdução e comentário. São Paulo: Mundo Cristão, 1987.
CHAMPLIN, Russell Norman. O novo Testamento Interpretado: versículo por versículo. São Paulo: Hagnos, 2002. v. 2: Lucas, João.
VELOSO, Mario. Comentário do Evangelho de João. São Paulo: Casa, 1984.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).