Proclamar Libertação – Volume 36
Prédica: João 6.25-35
Leituras: Deuteronômio 26.1-11 e Filipenses 4.4-9
Autora: Fernanda Pagung Reinke e Erni Reinke
Data Litúrgica: Ação de Graças (Festa da Colheita)
Com gratidão ao nosso Deus dai glórias e louvor.
O povo santo em terra e céu exalte-o com fervor. (HPD 241.1)
1. Introdução
Quantos sinais! Seja na zona rural ou urbana, a cada novo dia, eles estão por toda parte. A graça de inspirar e expirar o fôlego da vida, de acordar e ver o raiar de um novo dia, de poder sentar à mesa para se alimentar, de descansar no aconchego do lar, de ser amparado e socorrido pelas mãos divinas, de poder sorrir, chorar, gritar, de se solidarizar, de poder orar, suplicar e interceder faz-nos crer na maravilhosa dádiva que recebemos das mãos de Deus: a nossa vida e do quanto necessitamos dele para viver. Diante desses e tantos outros sinais, outra coisa não podemos fazer senão nos apresentar diante de Deus com ações de graças e nos alegrar, senão agradecer a Deus pela dádiva do “pão da vida”. Somos inteiramente dependentes do Criador, Doador e Mantenedor da vida. Os textos bíblicos lembram justamente isso.
No texto de João, Jesus diz: “Eu sou o pão da vida”. Não aquele pão que somente alimenta o nosso corpo, sustenta a vida física. Pois esse perece, não dá segurança contra a morte. Ele é o pão que subsiste para a vida eterna, que alimenta a nossa fé e nos faz crer, que nutre e sacia toda a fome e sede de vida digna, de fato. A vida é mantida por alimento material e alimento espiritual. A vida inteira, em todos os seus âmbitos, depende de Deus.
No texto de Deuteronômio, o povo israelita não deixou cair no esquecimento os grandes feitos do Senhor, que o libertou da escravidão no Egito e levou-o para uma terra com fartura. Como expressão de fé e gratidão, a cada ano tirava os primeiros frutos da colheita e dedicava-os ao Senhor. O povo israelita reconhecia a sua inteira dependência do Senhor e alegrava-se por todo bem recebido. Essa prática fazia parte da vida do israelita, que a celebrava junto ao levita e ao estrangeiro, que nada tinham. O texto de Filipenses conclama-nos à alegria, a não nos preocupar em demasia com alguma coisa. É um convite para colocar-nos constantemente em oração diante de Deus, com ações de graças por tudo aquilo que aprendemos, recebemos e ouvimos de bom. Os textos de João, Deuteronômio e Filipenses abordam a temática do alimento material e do alimento espiritual. Ambos os alimentos são essenciais ao ser humano, provenientes da bondade divina, razão para a alegria e para a gratidão.
2. Exegese
Muitas pessoas haviam visto a cura de doentes, sinais feitos por Jesus (4.46-54; 5.1-18). Por isso elas o seguiram. E, às margens do mar da Galileia, em Tiberíades, mais um sinal, milagre: uma multidão inteira é saciada com pães e peixes (6.1-15). Vendo tudo o que tinha acontecido, concluem que Ele “é verdadeiramente o profeta que devia vir ao mundo” (v. 14b). Sabendo da intenção do povo, Jesus vai sozinho para o monte. Os discípulos vão para Cafarnaum. Jesus fica para trás. No meio da travessia de barco, as ondas agitam-se com o forte vento. Aí mais um sinal: Jesus caminha sobre as águas e vai ao encontro dos discípulos (v. 19ss) e, juntos, seguem para Cafarnaum. Mais uma vez, a multidão procura Jesus devido aos sinais vistos. E quando descobre que Ele não está mais em Tiberíades, sai à sua procura, rumo à cidade de Cafarnaum.
V. 25-27 – A multidão encontra Jesus já na cidade de Cafarnaum, cidade localizada a noroeste, às margens do mar da Galileia. Então se entende “do outro lado do mar”. Ao estar diante de Jesus, parece que, num tom de cobrança, a multidão quer saber como Ele chegou até ali. A resposta de Jesus foi praticamente uma crítica àquelas pessoas. Ele afirma, assegura e enfatiza: “Em verdade, em verdade vos digo” – que a razão e a motivação da multidão ter vindo atrás dele não foram os sinais que viu, mas o fato de ter comido e se fartado, de estar com o corpo físico saciado. Jesus esperava que a multidão o seguisse por ter enxergado os seus sinais, milagres, por crer nele, e não apenas o buscasse para se fartar de alimento material. Esse é necessário, sim. No entanto, ele estraga, não livra da morte. “Por isso trabalhai – diz Jesus – pela comida que sustenta para todo o sempre, ou seja, pela comida que alimenta para a vida eterna. Ela será dada pelo Filho do Homem”, pois o próprio Deus lhe confiou e lhe deu autoridade para isso. Jesus estimula a multidão a trabalhar para as obras de Deus e não apenas para buscar a satisfação individual e momentânea que o trabalho pode conquistar. A vida vai muito além do mero prazer de comer e trabalhar para ter. Jesus convida a viver em prol dele. Esse alimento deve ser buscado.
V. 28-34 – A multidão demonstra interesse, perguntando o que Deus quer que ela faça. Com um pensamento totalmente centrado nas coisas materiais, certamente estava pensando que Jesus iria enumerar uma série de atividades que se deveria fazer. No entanto, as obras de Deus não se sustentam pelo que perece. Mas elas são nutridas e sustentadas pela fé naquele que ele mesmo enviou ao mundo – em Jesus. Como se já não bastassem tantos sinais, milagres feitos por Jesus, a multidão ainda pede outro sinal, milagre para ver e crer nele. Faz alusão a um sinal muito marcante na história do povo israelita: o maná que desceu do céu e saciou os seus antepassados no deserto. Esperava-se de Jesus também um grande sinal diante dos seus olhos. Em outras palavras, a multidão só iria crer vendo. Imediatamente, Jesus desmonta a multidão e é enfático ao afirmar que o maná não foi obra humana, obra de Moisés, mas quem deu a eles o maná foi seu Pai, Deus, pois somente ele é quem envia o verdadeiro “pão do céu”. Está difícil para a multidão compreender que a vida dada por Deus não se resume à comida. Acaba, mais uma vez, pedindo apenas pelo alimento que perece e não se deixa fartar pelo verdadeiro “pão”.
V. 35 – De fato, a mentalidade da multidão não consegue ir além das necessidades do corpo físico. Jesus não vê outra maneira senão declarar com todas as letras: “Eu sou o pão da vida; o que vem a mim jamais terá fome; e o que crê em mim jamais terá sede”. Jesus identifica-se com uma necessidade básica de toda e qualquer pessoa: o pão/alimento. O trigo morre e é moído. É transformado em pão, que sustenta a vida. Da mesma maneira, Jesus morre e é moído, dá o alimento da fé, que sustenta na e para a vida eterna. O ser humano depende da bondade divina para conseguir o alimento diário e a vida eterna. Tanto o pão material como o pão espiritual são provenientes de Deus. Quem se alimenta com e por esses pães tem a vida nutrida e fortalecida para realizar as obras de Deus. Trabalha com e pelo “pão da vida”. Leva consigo os nutrientes da fé produzidos por esse pão e, em gratidão e alegria por ter sido saciado, sacia a fome e a sede de tantas e tantas pessoas que estão por aí desnutridas de fé, solidariedade, partilha, comunhão, esperança, gratidão e alegria.
3. Meditação
Quantos sinais! Quantos milagres divinos estão acontecendo diariamente em nossa vida e nós nem nos damos conta disso! Ao contrário, queremos sempre ver mais e mais sinais. A criação e os evangelhos estão recheados de sinais e milagres de Jesus. Pensemos no maravilhoso milagre que ocorre com as sementes lançadas na terra. Lembremos da multidão que foi alimentada por Jesus e ainda sobrou comida. Não fossem a generosidade e a bondade de Deus, nem no campo, tampouco na cidade, nem agora, tampouco outrora haveria alimentos, nem mesmo colheitas.
No dia em que celebramos a Ação de Graças pela Colheita, o milagre da vida está diante dos olhos, ouvidos, de todo ser. Em meio a isso, o coração alegra-se e agradece a Deus por todo o bem e boas dádivas. Ou se pedem ainda mais sinais, milagres para então crer no Filho do Homem?
A multidão do texto do Evangelho de João vê e experimenta um milagre de Jesus: é alimentada pela multiplicação dos pães e peixes. Depois de comer, segue Jesus. Quer mais pão. No tempo de Jesus e hoje em dia, ter pão é primordial. Naquela época, o povo era explorado, principalmente pelos romanos. A vida na Ga¬lileia não era fácil. Muitas pessoas passavam por necessidades, falta de alimento. Quando se olha para aquela realidade de miséria e pobreza e se pensa nas muitas pessoas que nessa hora estão com o estômago doendo por não ter comida, parece até irônico imaginar que Jesus pediu para que não se trabalhasse pela comida. No entanto, Jesus não despreza o alimento. Sabia e sabe de sua necessidade. Caso contrário, não teria alimentado aquela multidão, não teria ensinado a pedir pelo pão nosso de cada dia.
Jesus esperava que a multidão o seguisse por ter enxergado os seus sinais, milagres, por crer nele, e não apenas o buscasse para se fartar de alimento material. Quantas pessoas, à semelhança da multidão, buscam Jesus só para pedir por chuva, por sol, por saúde para trabalhar, visando somente ao pão material, e vivem em sua mesquinhez, ganância, querendo sempre mais e mais fartura.
Jesus alerta para o fato de que a vida não se resume apenas ao trabalho, a fim de se obter a comida que alimenta o corpo físico. Tudo isso passa, estraga e não livra da morte. Jesus estimula a multidão a trabalhar também para as obras de Deus, e não apenas a buscar a satisfação individual e momentânea que o trabalho pode conquistar e dar. Trabalhar para a obra de Deus é crer no enviado de Deus – Jesus Cristo. As pessoas assim são convidadas a fartar-se de fé com esse “pão da vida”, seja na lavoura, no escritório, na rua, em casa, na escola, no carro, com o alimento do “pão da vida”.
O trabalho nas obras de Deus alimenta a fé, fortalece a vida e nutre a esperança da vida eterna. O “pão da vida” fortalece a fé, sustenta a solidariedade, a esperança, a partilha e leva à gratidão e à alegria. Esse pão sustenta para todo o sempre. Oxalá, o ser humano soubesse sempre se alimentar também com o “pão da vida” em tudo o que viesse a fazer. Não haveria mais fome e nem sede de vida – vida digna. Os sinais, milagres da presença de Deus no mundo não passariam despercebidos, e muitas realidades seriam transformadas, como bem ilustra a história a seguir.
Logo depois da Segunda Guerra Mundial, um médico que vivia na Alemanha faleceu com a idade de 89 anos. Após uma semana de seu falecimento, os seus filhos encaminharam o inventário. Certo dia, olhando um pequeno armário que era do pai, os filhos encontraram nele algumas preciosidades guardadas. Naquele pequeno armário, havia um colar de pérolas da mãe, uma plaquinha de prata que o médico havia recebido na universidade, um objeto de marfim que trouxera da África e um pedaço de pão duro e seco. Os filhos procuraram entender a razão para que um pedaço de pão duro e seco estivesse junto às preciosidades guardadas pelo pai. No entanto, mesmo depois de muito pensar, não conseguiram encontrar explicação. Quando foram almoçar, compartilharam com uma antiga cozinheira da casa o que haviam encontrado. E foi então que ela contou aos filhos daquele médico: Depois da guerra, havia pouca comida na Alemanha. O pai de vocês estava doente, e um senhor bem idoso veio visitá-lo e deu-lhe aquele pedaço de pão que vocês encontraram. Porém o pai de vocês se recusou a comê-lo e o mandou para a vizinha, que estava com a sua filha também bastante doente. Eu me lembro até hoje das palavras ditas pelo pai de vocês naquele dia: “Eu já estou bastante velho, mas aquela criança está no começo de sua vida. Vá e leve este pão para ela e sua filha”. A vizinha, então, agradeceu ao ter recebido o pão, mas o enviou a um senhor idoso que ela conhecia há anos. Esse também não ficou com o pão e mandou-o à sua filha, que morava com duas crianças num porão perto dali. Essa mulher, disse a cozinheira, era uma paciente de seu pai. Quando ela soube que o pai de vocês estava doente, trouxe o pedaço de pão para ele. Quando ele olhou para aquele pão em suas mãos, percebeu que se tratava do mesmo pedaço de pão que havia recebido e mandado à vizinha. Ele, emocionado, com lágrimas nos olhos, disse: “Enquanto permanecer vivo entre nós o amor que reparte seu último pão, não temo pelo nosso futuro. Este pão saciou a fome de muitas pessoas, sem que ninguém tivesse comido dele um pedaço sequer. Vamos guardá-lo bem, e quando o desânimo se abater sobre nós, olhemos para ele”. Quando a antiga cozinheira encerrou suas palavras, os filhos daquele médico compreenderam a ação do pai e decidiram deixar entrar em seus corações o amor que reparte e anima.
Os sinais, milagres de Jesus estão aí, como bem vimos na história. O “pão da vida” é para todos, e podemos sempre reparti-lo com as pessoas à nossa volta, de modo que ninguém fique com fome e sede de vida. Quantas pessoas foram alimentadas com o “pão da vida”! Quantas pessoas estão morrendo nesta hora, embora tenham pão em abundância, porque lhes falta ou se negam a comer do “pão da vida”. Celebrar Culto de Ação de Graças (Festa da Colheita) é ser grato a Deus pelo pão diário e pelo “pão da vida”. É colocar-se em oração diante de Deus não para pedir mais, mas para agradecer. É estar com o coração repleto de alegria pelo sustento do corpo físico, pelo sustento da fé que perdura para todo o sempre. É saber agradecer a Deus e trabalhar para a partilha do pão que Ele mesmo nos dá agora e que subsiste para todo o sempre. Não espere por mais sinais, milagres para alimentar-se com o “pão da vida”.
4. Imagens para a prédica
Simbologia – Pedir a um ou mais grupos da comunidade para preparar com antecedência uma quantidade suficiente de pãezinhos, de modo que cada pessoa que esteja no culto receba um. Envolver cada pãozinho num papel celofane e amarrar com fitilho. Se possível, ainda colocar um pequeno cartão em cada um com o versículo bíblico de João 6.35.
Recepção – Combinar com uma pessoa para que fique à porta, sentada, tendo em suas mãos uma Bíblia aberta. A seu lado colocar uma cesta com os pãezinhos. À medida que cada pessoa for chegando para o culto, entregar a ela um pãozinho. Enfatiza-se, assim, a dependência humana de Deus e ressalta-se a necessidade de alimentar-se material e espiritualmente.
5. Subsídios litúrgicos
Versículo de acolhida:
“Em tudo dai graças, porque esta é a vontade de Deus em Cristo Jesus para vocês” (2Ts 5.18).
Entrada com símbolos/objetos:
Ao som de uma música instrumental, pessoas idosas, homens e mulheres, jovens, adolescentes e crianças entram levando até o altar os símbolos/objetos sugeridos. À medida que cada pessoa vai entrando com o símbolo/objeto, anuncia-se: Enxada – ferramenta de trabalho para revolver o solo; Sementes – esperança lançada na terra; Planta – transformação – milagre da vida doada por Deus; Flores – prenúncio dos frutos que hão de ser colhidos; Frutos – cesta com pãezinhos e Bíblia – bondade de Deus que propicia a colheita e nos alimenta.
Obs.: Cada comunidade deve adequar esses símbolos/objetos de acordo com a realidade de trabalho local.
Confissão de pecados:
Querido Deus, de joelhos eu chego a ti! Vou te falar; por favor, queiras me ouvir.
Quantas vezes deixei de orar, quantas vezes deixei de lutar. Quantas vezes não quis perdoar. Quantas vezes deixei de amar. Quantas vezes neguei o perdão. Quantas vezes briguei com os irmãos. Quantas vezes eu disse “eu não”. Quantas vezes passei por ladrão.
Senhor, perdão, Senhor!
Quantas vezes falaram de ti. Quantas vezes matei e fugi. Quantas vezes falei e menti. Quantas vezes deixei de te ouvir. Nessa hora, eu peço perdão. Nessa hora, eu quero te ouvir. Nessa hora, ensina-me a amar. Nessa hora, recorro a ti.
Perdão, perdão, Senhor! Querido Deus, de joelhos falei minha dor! Perdão, Senhor! Perdoe-me, pois sou pecador!
Obs.: Essa confissão de pecados foi escrita (letra e arranjo) por Tales Plantikow, membro da IECLB em Alta Floresta do Oeste/RO. É uma confissão de pecados cantada e possui partitura. Onde não for possível cantá-la com a comunidade, pode-se providenciar e distribuir cópias com a letra e fazê-la de forma lida, em conjunto com toda a comunidade.
Bênção:
Convidar as pessoas para envolver com os braços quem estiver ao lado. Em seguida, canta-se ou profere-se a letra da canção “Bênçãos virão”. A partitura da mesma encontra-se no anexo 2 do “Manual de Bênção Matrimonial”, da IECLB.
Bibliografia
NOVO TESTAMENTO INTERLINEAR GREGO – PORTUGUÊS. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 2004.
ALLMEN, Jean-Jacques von. Vocabulário Bíblico. São Paulo: ASTE, 2001.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).