Prédica: Lamentações 3.21-26, 31-32
Autor: Günter Wehrmann
Data Litúrgica: 16º. Domingo após Trindade
Data da Pregação: 04/10/1981
Proclamar Libertação – Volume VI
I – Sugestão de tradução
V.21:Isto quero trazer ao meu coração, por isso quero esperar:
V.22:As provas de graça do Senhor ainda não se acabaram, as suas (manifestações de) misericórdias não têm fim,
V.23:elas se renovam cada manhã. Grande é a tua felicidade.
V.24: A minha porção é o Senhor, diz a minha alma; por isso quero pôr nele a minha esperança. ‘
V.25:Bom (bondoso) é o Senhor para os que esperam por ele, para a alma (o coração, todo ser) que o busca.
V.26:Bom é aguardar silenciosamente o auxílio (a salvação) do Senhor.
V.31:Pois, o Senhor não rejeitará para sempre,
V.32: porque, ainda que faça alguém sofrer, compadecer-se-á novamente segundo a sua grande bondade (fidelidade, graça).
II – Texto e contexto
Lm 3 é um salmo, um hino de lamentação, de um indivíduo e do povo. É estruturado de forma que cada grupo de três linhas inicia com uma letra do alfabeto; estas, lidas na sua sequência, dariam um sentido que não mais conseguimos descobrir.
Este salmo era cantado em cultos de lamentação, após a catástrofe de 587 a. C. O povo de Deus estava
arrasado, pois a cidade santa e o templo Unham sido destruídos pelos babilônios, e grande parte do povo tenha sido deportada para o exílio. Sobra um pequeno grupo de remanescentes que, vegetando sem rumo e sem sentido, em meio às ruínas, celebra cultos de lamentação. O pesar e o sofrimento do povo em geral se misturam com o pesado fardo dos indivíduos.
Eis aí a estrutura do capítulo. 3:
1-20 descrição do sofrimento que Deus fez cair sobre o salmista e seu povo;
21-38 o salmista é lembrado das manifestações de misericórdia de Deus, reveladas no passado, o que lhe causa nova confiança e esperança:
39-41 convite para o arrependimento;
42-51 oração de confissão (por parte do indivíduo e do povo);
52-59 oração de agradecimento pela salvação;
60-66 pedido por vingança contra os inimigos — como restauração da honra de Deus.
Nesta composição, o texto sugerido para a prédica tem sua função toda especial. Ele descreve o passo da lamentação para a esperança (vv. 21-24) e a certeza de ser ouvido e atendido (vv. 25-32s). O v.21 demonstra que a mudança da lamentação para a esperança acontece através de um passo importante que considero indispensável para a compreensão do texto (cf. Westermann). Este passo não pode ser compreendido como expressão da minha força de fé. Aliás este mal-entendimento surge facilmente, quando não se considera os w. l-20, onde o salmista não apenas se vê abandonado por Deus, mas chega a confessar que Deus se tornou seu adversário. Ele experimentou a ira de Deus; sim, tomou-se objeto da ira de Deus. Esta é a maior escuridão. Leia-se o trecho frase por frase!
Somente quando levamos a sério estas lamentações (vv.1-20), poderemos compreender que a fé na esperança não é uma possibilidade humana, mas um milagre que Deus mesmo opera. Em tal situação de desespero, abandono e ausência de esperança, o homem precisa ser lembrado das manifestações de graça, fidelidade e misericórdia de Deus. Mas isto seriam palavras moralistas e vazias, se Deus mesmo não agisse no sentido de isto quero trazer ao meu coração (v.21a), a isto quero apegar-me com todo o meu ser. Por isso, quero esperar – apesar de, no momento, não ver a sentir nada da misericórdia de Deus. Que Deus é por nós é algo que não experimentamos em termos de tudo correr bem e sem problemas. Não! Lutero pôde testemunhar: Quando Deus reaviva, é fazendo-nos morrer; quando ele justifica, ele o faz declarando-nos culpados; quando ele nos deixa ir ao céu, ele o faz guiando-nos ao inferno. (WA 18,633) Sim, foi exatamente o inferno que o salmista e seu povo experimentaram. E isto não simplesmente devido às circunstâncias, mas ao próprio pecado que precisa ser reconhecido, assumido e confessado, e deve levar ao arrependimento (vv.39-41). Mas tal reconhecimento é grande demais para a razão humana; só Deus pode concedê-lo.
Deus concedeu isto ao salmista, fê-lo sofrer o inferno, criou nele confiança no Deus ausente, fez dele um confessor e testemunha.
Alerta: Se quisermos pregar sobre o trecho sugerido, precisamos ter em vista o todo no qual está inserido, para não fecharmos os olhos diante da realidade infernal, para não pregarmos graça barata ou mero moralismo!
III – Questões exegéticas e homiléticas
V.21: Isto e por isso (v.24a) referem-se àquilo que segue nos vv.22 e 23. Quero trazei ao meu coração: quero que isto chegue até o mais íntimo do meu ser e tome conta de mim totalmente (a tradução de Almeida é muito fraca).
V.24b: Por isso quero pôr nele a minha esperança, pois pessoas, até reis, profetas e eu próprio, demonstramos ser falhos, infiéis e passageiros.
Vv.22-24a: Estes versículos expressam a justificativa da esperança. O salmista lembra a si mesmo, aos outros e a Deus, quatro verdades:
a) As provas da graça do Senhor ainda não se acabaram. Graça, misericórdia e fidelidade são conceitos que não podem ser interpretados espiritualmente, mas ganham seu significado a partir de ações e manifestações concretas.
b) As suas manifestações de misericórdia não têm fim, elas se renovam cada manhã. Cada nascer do sol que presenciamos é um sinal concreto da misericórdia de Deus, concedida apesar da nossa infidelidade.
c) Por isso: Grande é tua fidelidade. Agora o salmista se dirige diretamente a Deus. O termo felicidade está ligado à aliança que o Senhor fez com seu povo. Mesmo que o povo se tenha tornado infiel, Deus permanece fiel. Grande indica a multiplicidade e amplitude das possibilidades da fidelidade de Deus.
d) A minha porção é o Senhor, diz o salmista a si mesmo, aos outros e a Deus. Esta frase talvez remonte à piedade especificamente levítica, que espiritualizou o antigo regulamento da porção dos levitas (cf. Nm 18.20).
V.25: Bom tem, aqui, o sentido de bondoso, e deve, também, ser compreendido como ação concreta. Deus manifestará sua ação bondosa Aqueles que esperam por ele, que nele depositam sua confiança, àqueles que o buscam. Deus não pode ser buscado por nós, mas nós podemos permitir que ele nos busque a nós. Isto acontece, na medida em que nos abrimos para ele, permitindo que nos busque de volta e nos subjugue.
V.26: Bom, aqui, não tem o mesmo sentido como no v.25. Significa “apenas adequado, certo, conveniente, bom. Aguardar silenciosamente é linguajar da sabedoria (bem como os vv.27-30). A expressão admoesta a suportar, de maneira silenciosa, o sofrimento – na esperança de que Deus mesmo estará agindo e terá a última palavra. Lembro o livro de Jó. Este sofrimento – que deve ser aceito e suportado não fatalisticamente, mas de modo consciente e com o olhar esperançoso posto no Deus que agirá – transcende qualquer sofrimento individual e, de certa forma, aponta para o sofrimento do servo de Deus (cf. Is 50.6-10 ou mesmo Is 53.7).
Em última instância podemos pensar até no sofrimento silencioso de Cristo por nós. Isto não significa, porém, que depois de Cristo não precisamos mais sofrer. Pelo contrário! O próprio Cristo diz, em Mt 16.24: Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me. Paulo afirma, em Rm 8.18: Porque para mim tenho por certo que os sofrimentos do tempo presente não são para comparar com a glória por vir, a ser revelada em nós. Há uma diferença entre o sofrimento antes de Cristo e depois dele, qual seja: as manifestações da misericórdia, bondade, graça e fidelidade de Deus consumaram-se na última manifestação da graça de Deus em Cristo. Nele Deus mesmo sofre, suporta e vence o sofrimento da humanidade e do mundo inteiro. A nós, cristãos, que estamos a caminho entre Pentecostes e a se¬gunda vinda de Cristo, cabe segui-lo na senda da cruz e não da glória. Ele mesmo, porém, é o auxílio no sofrimento. E para nós vale a admoestação de Tg 5.10: Irmãos, tomai por modelo no sofrimento e na paciência os profetas, os quais falavam em nome do Senhor.
Vv. 31 + 32: Esta é a justificativa para se aceitar e suportar silenciosamente o sofrimento. O sofrimento que nos sobrevêm talvez seja operado pelo próprio Deus (Lm 3.38!). É o que acontece com o sofrimento a que se refere o nosso texto. Salmista e povo experimentam, portanto, rejeição da parte de Deus. Neste caso, é indispensável que se reconheça e confesse o pecado e que haja arrependimento (vv. 39-41). Deus nos rejeita com o objetivo de nos puxar de volta. A rejeição é a obra alheia, mas compadecer-se novamente segundo a sua grande bondade e fidelidade é a obra própria de Deus. Isto vale tanto mais agora, depois de Cristo, por causa de Cristo.
O tema do 16º. Domingo após Trindade é o grande consolo. O lema da semana, 2Tm 1.10, aponta para Cristo que trouxe vida nova. A leitura do evangelho, Lc 7.11-16, mostra Jesus como Senhor sobre a morte e consolador dos entristecidos. O nosso sim ao juízo de Deus significa, antes de mais nada, que nos curvamos humildemente diante daquele poder que Deus deu à morte e todas as suas manifestações. E significa, também, o nosso reconhecimento de que as manifestações da graça de Deus no mundo marcado pela morte não se acabaram (cf. Westermann).
IV – Meditação
1. Experiências de inferno e lamentações, hoje
a) No âmbito da vida particular
Penso naquela pessoa que vai sendo vencida pelo câncer, sofrendo dores horríveis, até finalmente morrer. Quanta luta, nas diversas fases (a ignorância, o reconhecimento da doença, a revolta contra ela e o mundo todo, a aceitação). Aceitar a doença, suportá-la e esperar silenciosamente por salvação (temporária e eterna) só é possível quando Deus mesmo faz a pessoa lembrar das suas misericórdias que não têm fim, quando Deus mesmo opera a fé na sua fidelidade, quando Deus mesmo leva a pessoa, em meio a todas as suas dores, a se apegar a Cristo, crucificado e ressuscitado em favor de nós. Lembro-me de um casal que se uniu na grande expectativa de experimentar em conjunto a verdadeira comunhão no amor, a compreensão e a fidelidade. No entanto, os dois acabaram afastando-se um do outro, cada vez mais. Esgotaram-se e morreram o diálogo, a confiança, o amor e a compreensão. Agora estão ambos sob o mesmo teto, na mesma cama, mas separados por um abismo que parece intransponível à força humana. Isto é experiência infernal. O leitor deve procurar concretizar, utilizando exemplos vivenciados no seu próprio trabalho pastoral.
b) No âmbito nacional
Lembro-me de que no Brasil 3% da população pertence à classe rica, 17% à classe média e 80% à classe pobre. Lembro que 60% da população vive em estado de permanente subnutrição, que causa a Deficiência Cerebral Mínima (DCM); isto é: o cérebro de tais pessoas é de 5a 20%inferior ao das que se alimentam adequadamente. Esses deficientes se tornam marginalizados por toda a vida – e como tais se queixam e se lamentam. Ao que parece, todos os esforços sócio-políticos não levam a uma mudança sensível em termos de distribuição mais justa da renda. No Brasil, apenas 4% dos recursos orça-mentários são destinados à área da educação, enquanto que, por recomendação das Nações Unidas, tal cifra deveria ser de 18% — outro fato a ser lamentado, pelas consequências fatais que acarreta. Cria-se uma pequena elite, enquanto a grande maioria permanece na ignorância e, desta maneira, não tem chances de participar no crescimento. Os grandes e poderosos triunfam — como em 587 a. C.
c) No âmbito eclesial
Olhando com espírito auto-crítico para a nossa própria igreja, descobrimos — além das coisas positivas — muitas circunstâncias e acontecimentos lamentáveis. Destaco o fato de que a nossa unidade na pluralidade, que poderíamos ter por causa de Cristo, está sendo ameaçada por um pluralismo perigosíssimo. Aquele que faz confusão – o DIABOLOS – está nos dividindo em movimentos que, muitas vezes, se afastam do verdadeiro evangelho de Cristo, testemunhado na Bíblia toda e nos escritos confessionais da IECLB. Registro um grande desinteresse em relação aos escritos confessionais, que poderiam desafiar-nos à redescoberta do evangelho de Cristo testemunhado na Bíblia toda, e poderiam alertar-nos para não cairmos na auto- justificação. Parece, no entanto, que o DIABOLOS está conseguindo desviar-nos do centro do evangelho (a justificação por graça e fé em Cristo que possibilita nova vida) para a auto-justificação que nós mesmos produzimos, absolutizando partes do evangelho, nossas próprias experiências e nossos métodos. Instala-se, assim, o desamor entre irmãos que querem pertencer à mesma igreja. É como se estivéssemos sob a “Vara do furor de Deus (Lm 3.1). Esta si-tuação causa sofrimento e lamentação. .
2. Nossa capitulação, confissão e arrependimento
Que dizer, que fazer diante da realidade acima descrita – ainda que em traços muito rápidos? Xingar os outros e acusá-los? Acusar os maus babilônios de hoje? Acusar Deus? Afinal de contas, não é dele que, em última instância, procede assim o mal como o bem (cf. Lm 3.38)?
A lamentação tem o seu lugar, também na Bíblia (cf. Lm 3.1-20; Jó e os profetas). Concluo daí que não devemos reprimir as lamentações. Temos que dar chances para que sejam manifestas. Importante, porém, é que isso aconteça diante de Deus, quer individual quer coletivamente, na comunidade reunida em culto (no sentido amplo da palavra). Só assim Deus nos fará passar da fase da lamentação para a da esperança somente nele. Tentemos concretizar o que acaba de ser dito, em cima dos exemplos mencionados em IV/1.
a) O doente de câncer realmente deve poder chorar e lamentar; ele precisa que Deus e os irmãos lhe dêem ouvidos. Só assim pode vir a lembrar-se das manifestações de graça, fidelidade e bondade de Deus, no passado. Só as¬sim pode acontecer que o doente, marcado pela morte, se apegue ao Deus da vida. Só assim pode acontecer que a queixa se transforme na súplica: Cristo, tem piedade de mim, pecador, e dos meus familiares queridos, perdoa por me ter afastado de ti, puxa-me de volta para ti – seja pelo restabelecimento da minha saúde seja através da morte, pela ressurreição de um novo corpo que não mais haverá de sofrer nem de pecar. Seja como for, quero viver, morrer e ressuscitar contigo.
O casal realmente deve poder chorar e lamentar; precisa que Deus e os irmãos ouçam ativamente suas queixas. Importa, porém, que isso aconteça diante de Deus. Assim, pode acontecer que ambos consigam lembrar-se das misericórdias de Deus. E pode acontecer, assim, que Deus opere o milagre de que um dos dois — ou ambos ao mesmo tempo — comecem a baixar o dedo acusador e a perceber os quatro dedos que apontam para si próprio, o milagre de cada um reconhecer e confessar a sua parcela de culpa diante de Deus e do parceiro (cf. Lm 3.39). Assim, Deus perdoará e eliminará aquilo que separou ambos dele, e um do outro. Tal perdão capacita o casal para um novo início, sob o senhorio de Cristo. Agora, depois dessa capitulação, depois da confissão e do arrependimento, podem eles depositar sua confiança em relação ao matrimônio única e exclusivamente em Deus. Só ele pode fazer com que não tenham que separar-se por incompatibilidade de gênios ou infidelidade, pois sob o senhorio de Cristo conseguem reconhecer e experimentar que aqueles que se amam, vivem do perdão (Liebende leben von der Vergebung, Manfred Haussmann).
b) A grande maioria pobre e subnutrida do povo brasileiro deve ter voz e vez para chorar, lamentar a miséria e denunciar suas causas. Importante é que tal aconteça diante de Deus, individual e coletivamente, na igreja e junto aos órgãos estaduais e federais competentes. A pergunta que se levanta, porém, é se nós, como igreja, nos colocamos à sua disposição e nos solidarizamos com eles ou se ignoramos o seu lamento. Deus ouviu o clamor dos que restaram em meio às ruínas de Jerusalém – por mais piedoso ou profano que fosse esse lamento. Assim, pode acontecer que também hoje todos – tanto os abastados quanto os explorados oprimidos – se lembrem das manifestações da misericórdia de Deus e, a partir daí, comecem a reconhecer a sua própria parcela de culpa. Pode acontecer que o pobre reconheça sua própria irresponsabilidade no trabalho (atestado médico sem necessidade, falta às aulas, mau preparo das aulas, etc. – concretize mais na sua situação) e confesse isso diante de Deus, e comece a viver sob o senhorio de Cristo.
Pode o abastado chegar a reconhecer que tudo aquilo que possui não é propriedade sua, mas de Deus, que lhe confiou bens e posses para servir aos necessitados. A partir daí, pode essa pessoa chegar a relacionar-se de modo diferente com seus bens materiais e com os seus empregados. Pode chegar a reconhecer que não se preocupou o suficiente com os que sofrem. Pode chegar a libertar-se do próprio eu para o tu (coletivo). A partir da confissão e do perdão do pecado surge uma nova vida sob o senhorio de Cristo. E essa pessoa passará a pagar salários mais justos em detrimento do próprio ganho supérfluo, a investir muito mais na educação, para que todos tenham chances de crescer.
Talvez alguém diga que isso é muito idealista, pois, afinal, a Bíblia diz que esperamos por novos céus e nova terra nos quais habita justiça (2 Pe 3.13). E é verdade, mas Jesus também diz: Vim, para que tenham vida e a tenham em abundância (Jo 10.10) e Se a vossa justiça não exceder em muito a dos escribas e fariseus, jamais entrareis no reino dos céus. (Mt 5.20) Será que vida e justiça têm, aqui, apenas um sentido espiritual? Não teriam, também, um sentido material e social? Importa que ouçamos o questionamento e denúncia do evangelho, e os testemunhemos em palavras e ações concretas. Sim, já agora Cristo quer colocar sinais da vida nova, que apontam para a eterna. Observe que se trata de colocar sinais e não, de construir o céu na terra!
c) Em nossa própria igreja deve haver sensibilidade para as preocupações daqueles membros que sofrem por causa do pluralismo perigoso que nos separa e põe em descrédito o nosso testemunho evangélico de confissão luterana. Importante, porém, é que tais lamentações sejam expressas diante de Deus e dos irmãos, em forma de oração (no sentido amplo da palavra). Assim, Deus pode fazer com que nós todos reconheçamos nossa impotência e pequenez (apesar dos melhores planos de ação, das melhores propostas para evangelização ou libertação e dos maiores sucessos). Assim, pode acontecer que, à luz do evangelho, reconheçamos as nossas próprias limitações, falhas e omissões. Pois sempre que surgem movimentos, é porque a igreja está falhando. Sempre que se instala o desamor, é porque somos montados pelo DIABOLOS e não por Cristo. Este pecado – através do seu Espírito Santo, Deus pode fazer com que o percebamos e confessemos (Lm 3.39). A partir de tal confissão e desse perdão, passamos a encarar-nos e os outros como mendigos da graça de Deus. Assim, seremos suficientemente pequenos e humildes para nos colocarmos sob o senhorio de Cristo e buscarmos renovação e transformação sob o evangelho, testemunhado na Bíblia e nos escritos confessionais da IECLB. Pois dessa maneira reconheceremos que os escritos confessionais querem ajudar-nos na interpretação autêntica do evangelho hoje, em nossa situação. Não se trata da glorificação de um homem chamado Lutero, mas do engrandecimento do Deus ao qual ele serviu como mendigo.
Somente na medida em que descobrimos a nossa unidade na pluralidade, deixando de lado qualquer pluralismo, poderemos ser de fato Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, desempenhando nossa tarefa missionária neste país e servindo, no contexto ecuménico, de maneira humilde, às outras igrejas.
3. Deus dá esperança ao povo que lamenta
Diz-se que tendo pensamento positivo a gente consegue o que quer. Ou se diz que a esperança é a última que morre. Essa sabedoria popular é questionável. É certo que precisamos aprender a ver as coisas boas e agradecer por elas, pois o louvor ergue quem louva e o agradecimento preserva o que agradece da vacilação. Mas também é verdade que Deus nos dá olhos e ouvidos que percebem a luta, o lamento e o desespero. Quem se sente como o salmista e seus conterrâneos que se manifestam em Lm 3, deve chorar e lamentar. E em tal situação, quando chegamos ao fim com tudo o que somos e temos, inclusive com a força da nossa fé – em tal situação importa lamentar e chorar diante de Deus e dos irmãos. Só Deus pode acender novamente a chama da esperança. Isso vale para o doente de câncer, para o casal, para a situação de miséria de grande parte do povo e para a nossa própria igreja.
Através do vale da sombra da morte, da cruz, da aparente ausência de Deus, a pessoa pode ser agraciada por Deus com o reconhecimento da própria culpa, a confissão, o arrependimento e a nova vida. É preciso que Deus nos faça reconhecer nossa pequenez, desobediência e falta de fé e esperança. Deus quer dar-nos uma esperança que se volte tanto para esta vida passageira (em todos os seus aspectos) quanto para a vida eterna (cf. I Co 15.19+20). Por causa dessa esperança não nos é permitido conformar-nos com este século, mas somos impelidos a buscar a transformação através de sinais (cf. Rm 12.1 +2). Por causa dessa esperança recebemos a força para aguardarmos silenciosamente o auxílio e a salvação do Senhor (Lm 3.25).
Sugestão de oração:
Senhor, dá-nos coragem para mudar o que pode e deve ser mudado;
dá-nos a paciência e humildade necessárias para suportar aquilo que hoje não pode ser mudado.
Senhor, dá-nos a sabedoria necessária para sabermos distinguir ambas
as coisas! Amém!
Parece-me que a prédica pode seguir os passos da própria meditação (cf. parte IV).
V – Bibliografia
– BÖTTCHER, W. Meditação sobre Lamentações 3.21-23, 38-42. In: Predigtstudien. Vol.3/2. Stuttgart, 1975.
– KITTEL, H. J. Meditação sobre Lamentações 3.22-33, 39-41. In: Göttinger Predigmeditationen. Ano 64. Caderno 8, Göttingen, 1975.
– PEISKER, C. H. Meditação sobre Lamentações.3.22-33, 39-41. In: Homiletische Monatshefte. Ano 50. Cadernos 10 e 11 Göttingen, 1975.
– ROSENBOOM, E. Meditação sobre Lamentações 3.22-33 39-41. In: Kleine Predigttypologie. Vol. 2. Stuttgart, 1965.
– VOIGT, G. Me ditado sobre Lamentações 3.22-33, 39-41. In: Der rechte Weinstock. Göttingen,1968.
– WESTERMANN, C. Meditação sobre Lamentações 3.21-32 39-41. In: Calwer Predigthilfen. Vol. l. Stuttgart, 1962.