L I B E R D A D E E V A N G É L I C A
Era outono na Alemanha. Época de colher maçãs e de procurar cogumelos silvestres. As folhas das árvores tingiam-se de cores áureas e caíam abundantes. Muitas pessoas varriam seus pátios diariamente.
À semelhança das folhas lá fora, caía sobre a minha escrivaninha a palavra liberdade. Ela estava nas páginas do jornal diário, nos artigos das revistas, no comentário teológico, na música do rádio.
Os significados que as diferentes pessoas davam à liberdade eram múltiplas e pareciam-me coloridas como as folhas que caíam incessantemente: “Quero a minha liberdade”, dizia uma jovem de 16 anos na enquete do jornal local. “Quando estou lá em cima com a minha asa delta, a liberdade parece sem limites”, comentava uma esportista. “Com meu cartão de crédito sou livre para fazer o que quero” alardeava o garoto-propaganda de uma agência financeira. “Liberdade, igualdade, fraternidade” escrevia o colunista para lembrar a Revolução Francesa. “Finalmente livre”, lembrei-me das duas palavras escritas no túmulo de Martin Luther King. “O sol da liberdade em raios fúlgidos brilhou no céu da pátria nesse instante” ecoava distante em minhas lembranças o Hino Nacional. “Todas as pessoas são livres, iguais em dignidade e direitos” ocorreu-me o primeiro Artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU. “Cristo nos libertou para que sejamos de fato livres. Por isso, continuem firmes nessa liberdade e não se tornem novamente escravos (Gl 5,1)”, dizia o lema para outubro, o mês que celebra a Reforma de Lutero. “O cristão é um senhor livre sobre todas as coisas e não está sujeito a ninguém…” li na capa de um livrinho que está na estante ao meu lado e que repete as palavras do Reformador..
Lembrei-me do meu colega Manfred Jehle. “A liberdade evangélica – disse ele, quando se aposentou – sempre foi uma fonte de alegria no meu trabalho”. Fui ao telefone e perguntei se ele podia receber-me. Tomamos uma xícara de café e formulamos juntos 10 perguntas e respostas sobre a liberdade evangélica.
Manfred Jehle é pastor aposentado e trabalhou em várias comunidades do Sul da Alemanha. Exerceu a função de decano e foi diretor de um grande hospital da rede da Diaconia, da Igreja Evangélica da Alemanha, com 659 leitos e mais de 2.500 funcionários.
1. Como podemos descrever o grande tesouro que chamamos de liberdade evangélica?
Comecemos com um exemplo: Dois casais jovens, um evangélico e outro católico, conversam sobre planejamento familiar. O casal evangélico, com grande naturalidade, explica que tem dois filhos e que decidiu fazer uso da pílula anticoncepcional para evitar nova gravidez. O casal católico explica que não pode recorrer ao comprimido anticonceptivo, porque Roma permite somente métodos naturais de anticoncepção, como a abstinência sexual nos dias férteis da mulher.
O casal evangélico toma a sua própria decisão. Não a submete à Igreja, nem ao Estado e nem a outra instância ou autoridade, mas sente-se livre para decidir o que considera certo.
“O cristão é livre senhor sobre todas as coisas e não está sujeito a ninguém” ensina Martim Lutero quando fala da liberdade de consciência.
Estado, igreja, escola ou família podem e devem orientar as pessoas sobre os valores éticos, sobre os prós e os contras e sobre as consequências das suas decisões, mas a decisão última será individual, por ser regida pela consciência. No caso do planejamento familiar, a decisão pertence ao casal.
A liberdade evangélica regida pela consciência lembra-me de dois rapazes que viajaram comigo no trem que vai de Stuttgart a Nürnberg. Ambos estavam na idade de prestar o serviço militar. Um deles vestia o uniforme da Bundeswehr – o Exército da Alemanha. O outro empurrava a cadeira de rodas de uma senhora idosa, porque decidira fazer o Zivildienst, um serviço civil alternativo. Decidira não servir ao exército, por objeção de consciência às armas e à guerra. Ambos decidiram livremente, um pelo serviço militar e outro pelo serviço civil alternativo na área da assistência social.
2. Como podemos definir a consciência?
Em 1521, Martim Lutero foi convocado para a assembleia de príncipes e reis, a memorável Dieta de Worms, com a presença do poderoso rei Carlos V. Exigiram que o Reformador renegasse os seus ensinamentos, silenciasse os seus argumentos e retirasse do mercado os seus livros. Ele pediu tempo e, depois de uma noite em luta com a sua consciência, falou palavras corajosas que entraram na história: “… fui convencido pelas passagens bíblicas que consultei, e a minha consciência está presa na Palavra de Deus; não posso e não quero renegar nada, porque não é seguro e nem salutar agir contra a consciência”.
Naquele momento dramático, o Reformador falou das suas mais profundas convicções, que constituíam a sua formação, a sua personalidade, o seu caráter e a sua identidade; articulou em palavras as suas mais íntimas certezas, a sua convicção inabalável. Em nome da sua consciência, correu o risco de ficar sozinho contra todos, de ser preso, de perder a vida. Tomou a decisão de não renegar a sua verdade, sustentou a sua atitude e assumiu a responsabilidade. Sua consciência não permitiu que agisse diferente.
Uma decisão será conscienciosa quando forem avaliadas as alternativas, examinados os prós e os contras, estudadas as consequências e quando a pessoa envolvida assumir a responsabilidade pelo que faz ou deixa de fazer. A decisão de consciência, portanto, é mais do que simples opinião, porque é convicção que orienta, é certeza que envolve, é opção última e obrigatória de quem não pode agir de outra forma. A manifestação da consciência pode levar uma pessoa a se afastar do seu grupo, a distanciar-se dos seus iguais, a discordar da opinião pública, a contestar os costumes e tabus de uma localidade ou de um grupo social. Pode acontecer que alguém leva desvantagem financeira ou de prestígio, quando ouve a voz da sua consciência, enquanto outros tiram vantagens, porque acompanham a maioria, por concordarem com ela ou por serem menos conscienciosos, menos escrupulosos.
Ao negar-se às exigências da assembleia de Worms, Martim Lutero perdeu todos os seus direitos de cidadania e de segurança. Suas palavras e atitudes, seus pensamentos, seus ensinamentos, suas decisões e orações vinham acompanhados ou foram movidos pela busca da paz de consciência. Por isso, não pode sujeitar-se às exigências da assembleia, contrárias a ela.
3. A consciência orienta o dia-a-dia de uma pessoa?
Nelson Müller é um pequeno agricultor gaúcho que mora em cima dos seus 20 hectares de terra. Acompanhou os seus colegas nos protestos contra o baixo preço do leite. Entrou em dúvida quando um grupo menor e mais radical resolveu atacar o caminhão de uma das empresas de laticínios para tombá-lo e botar fogo. Sua consciência manifestou-se e não permitiu que acompanhasse o grupo nessa ação radical.
Nem sempre a voz da consciência se manifesta de maneira tão claramente perceptível. No dia-a-dia de Nelson Müller, ela está sempre presente, mas de forma velada, como pano de fundo das suas ações, quando ele planta sua lavoura, quando faz a sua colheita, quando vende os seus produtos, quando ajuda nas festas da sua comunidade, quando se diverte com seus colegas e amigos, quando vota nas eleições. Sua consciência acompanha-o silenciosa, sem aparecer muito, sem fazer-se perceptível, mas sempre dá orientação aos seus atos. Foi naquela situação de conflito que ela se manifestou com força e tornou-se evidente; quando ele saiu dos afazeres corriqueiros da sua rotina; quando surgiram contradições entre as suas convicções e as exigências dos seus companheiros.
A consciência entra em ação, dá o seu alerta, faz a sua admoestação, quando as contradições em jogo atingem valores e certezas que constituem a personalidade e o caráter da pessoa envolvida. Manifesta-se através de perguntas que martelam a mente; de inquietações e preocupações, talvez por meio de uma enxaqueca, quem sabe através de um pesadelo, para dizer: Os outros exigem que vás com eles, mas não podes concordar com seus planos; vais ficar sozinho e perder amizades, mas esse é o preço da tua coerência; irão chamar-te de covarde, mas precisas encarar essa realidade.
O reformador Martim Lutero, instado a negar seus ensinamentos, ouviu a voz da sua consciência e assumiu as consequências. Só não foi morto, porque um dos príncipes colocou-se ao seu lado e levou-o para o esconderijo em seu castelo.
4. Se não é o Estado e nem a Igreja que, em última instância, determinam as decisões da consciência; se não é a moral da localidade e nem a opinião da maioria, qual é então a bússola que dá orientação à consciência?
“ Fui convencido pelas passagens bíblicas que consultei, e a minha consciência está presa à Palavra de Deus …”. Essas palavras de Martim Lutero mostram a bússola que guia a sua consciência. Na sua opinião, a bússola é a Palavra de Deus contida nas Sagradas Escrituras.
A liberdade evangélica segue a consciência que se orienta na Palavra de Deus. Não se trata, portanto, de uma liberdade para fazer o que “bate na veneta”; para decidir conforme “sopra o vento”; para inventar o que “dá na telha”; nem se trata de uma liberdade para tomar as decisões que trazem as maiores vantagens materiais, para fazer o que é mais cômodo ou menos arriscado.
Por outro lado, devemos considerar que ninguém vive como indivíduo isolado sobre uma ilha. Vivemos em sociedade e, por isso, a liberdade evangélica levará em conta a liberdade dos outros. Além disso, uma liberdade solta, irresponsável e selvagem, que segue apenas o arbítrio e os impulsos do momento, na verdade, conduz à escravidão do egocentrismo, à servidão das paixões desenfreadas, à dependência dos vícios, ao desnorteamento, á ociosidade e ao tédio. Portanto, a liberdade de consciência baseada na Palavra de Deus, em última análise, protege-nos de inúmeras forças e de múltiplos poderes que querem dominar-nos e determinar-nos. Liberdade desnorteada, sem um eixo e sem uma bússola, levará ao precipício. A bússola da liberdade evangélica é a consciência que dá resposta à Palavra de Deus, que é responsável diante dela.
Uma liberdade sem bússola não perceberá o direito à liberdade dos semelhantes e levará à opressão do mais fraco pelo mais forte. Por isso, o Reformador completa a frase do seu pequeno livreto: “ … o cristão é um livre servidor de todos, por causa do amor”. Livre senhor sobre todas as coisas, o cristão se sujeita ao serviço em amor ao seu semelhante e à coletividade.
No entendimento de Martim Lutero, a liberdade evangélica é como uma moeda de duas faces: É liberdade “de” e liberdade “para”. A orientação unicamente na Palavra de Deus liberta “de” autoridades, de vícios, da opinião pública, de tabus, da moral local, de preconceitos e faz do cristão um senhor livre sobre todas as coisas, “para” que, libertado, possa fazer-se livre servidor ao seu próximo e à sua comunidade.
Um cristão liberto sabe-se livre para agir no mundo, a serviço da coletividade, e crê que um mundo melhor e mais justo é possível. Não se importa de ser visto como ingênuo por aqueles que o chamam de sonhador; quer agir e partilhar seus dons, seu saber, seu tempo e seus bens com os que precisam do seu apoio; avalia os programas e as atuações dos partidos e leva o seu voto à urna conscienciosamente; empenha-se pela preservação da natureza por saber-se colaborador na criação de Deus. Enfim, sente-se livre para agir conforme orientação da sua consciência baseada na palavra de Deus.
5. Geralmente a dor de consciência manifesta-se como arrependimento, depois do fato acontecido, quando alguém olha para trás, avalia as suas atitudes ou decisões e percebe que agiu mal. Como ficar liberto da dor da consciência quando não há mais como desfazer o que está feito?
“Como pude ser tão cego!” – disse Leonel quando descobriu que seu filho Dirlei estava envolvido com drogas. Com fortes dores de consciência, o pai se culpava de não ter acompanhado seu filho mais de perto. Dirlei acabara de ser expulso do colégio, porque fora flagrado quando passava drogas aos seus colegas.
Como pude ser tão cego, costuma dizer quem olha para trás e avalia as suas atitudes e decisões, agora com maior experiência, com maior conhecimento, com novas informações, e constata que agiu mal. A consciência manifesta-se e acusa o envolvido de omissão, de desatenção, ou então de precipitação, de insensibilidade, de covardia, ou de ter agido com injustiça. Essa dor de consciência vai encontrar alívio quando a pessoa consegue admitir o seu equívoco diante de si mesmo, diante do seu semelhante e diante de Deus; quando encarar o fato abertamente, ao invés de escondê-lo; quando, no lugar de defender-se com justificativas rebuscadas, confia na graça de Deus e no seu perdão. A coragem de admitir o erro, a determinação de enfrentar a realidade e a confiança para buscar o perdão são momentos que fazem parte da vida de uma pessoa conscienciosa; são passos que libertam da dor de consciência, do autoflagelamento, da depressão da culpa, do medo do espelho e dos olhos dos outros; são passos que conduzem para a uma nova aceitação de si mesmo.
6. E quando uma situação exige decisões rápidas, antes que haja possibilidade de prever as consequências?
– Ligeiro! Pega nas pernas e eu pego nos braços!
– Vamos, rápido, ele está perdendo muito sangue!
– Parem! – gritou Inês – não mexem nele! Deixam ele deitado onde está!
Inês era enfermeira e sabia que uma pessoa acidentada pode ter lesões que se agravarão quando for removida sem os necessários cuidados. Por isso, ela chamou a ambulância, tomou todas as demais providências urgentes e exigiu que todos, os que pararam para ajudar, esperassem. As pessoas concordaram, mesmo diante do risco de vida que o acidentado estava correndo com a perda de sangue. Sabiam que o pessoal da ambulância iria trazer uma maca para um transporte adequado. Foi uma decisão difícil, porque não tinham certeza se a ambulância viria logo.
Ocorrem situações de urgência que exigem decisões rápidas, antes mesmo que haja certeza do acerto e das consequências; acontecem casos em que uma pessoa ou um grupo de pessoas precisa agir antes que possam avaliar todas as implicações das suas ações. Os envolvidos pesarão as informações disponíveis no momento da emergência e correrão o risco. Em sua liberdade de consciência, elas sabem que Deus não mede o êxito das ações, mas a confiança que conta com o perdão. Correm o risco da fé, porque apostam alto no crédito da graça. Tomam sua decisão conscienciosa, aceitam a possibilidade do equívoco e confiam na gratuidade do perdão.
7. Decisões de livre consciência equivocadas poderão ser corrigidas mais tarde?
– Sou homem e não lambo o que cuspo – gritava Alexandre, no fervo de uma rusga dentro da cancha de bocha.
Esse tabu machista, de que um verdadeiro homem não muda de opinião e não retira o que falou, passa de longe da liberdade evangélica. Trata-se de um princípio absurdo que escraviza, oprime e não raro leva à violência física. Onde dois “verdadeiros homens” não conhecem a liberdade para mudar de opinião, a solução do conflito será a derrota do mais fraco pelo mais forte, do desarmado pelo que está armado. O cristão evangélico não se submete e não se escraviza a esse princípio, mas orienta-se na Palavra de Deus que é viva. Ela se renova em cada novo contexto, ao contrário de doutrinas imutáveis, inflexíveis e cimentadas no passado, que não conseguem desembarcar na realidade nova. A Palavra de Deus viva “encarna para habitar entre nós” em cada novo tempo; atualiza-se para tornar-se significativa na vida real de cada nova situação; renova-se em cada novo contexto: Se exigiu determinação e firmeza de opinião em certo momento, poderá exigir recuo e concordância em outro momento; se aconselhou silêncio, poderá sugerir protesto em outra situação; se motivou envolvimento naquela vez, recomendará distanciamento desta vez; se foi apoio, poderá ser desaprovação. Por isso, quem não desdiz o que disse e faz desse tabu um princípio, passa de longe da liberdade de consciência, porque a liberdade de consciência não se amarra, não se prende a princípios imutáveis, não permite ser cimentada e não fica atada a decisões anteriores, porque orienta-se na Palavra de Deus viva.
8. Mais uma vez: A liberdade evangélica orienta-se na consciência, e a consciência do cristão evangélico guia-se unicamente pela Palavra de Deus viva. Como isso acontece?
Procuremos a resposta com um exemplo: No interior de Minas Gerais, algumas famílias negras reivindicavam, já fazia vários anos, uma área de terras que teria sido um quilombo. Diziam-se descendentes de escravos fugidos que ali teriam formado um pequeno povoado, do qual teriam sido expulsos mais tarde. Os lavoureiros, atuais proprietários das terras, alvoroçaram-se. Não iriam entregar um metro quadrado sequer, porque tinham o registro da compra. As terras estavam pagas e eram produtivas. Fizeram uma reunião, armaram-se e partiram para o confronto, com exceção de Adalberto. Ele era cristão e, por isso, naquele momento, mesmo possuindo o título da sua terra, não se orientou por esse documento, mas pela Palavra de Deus. Avaliou os fatos, pesou as possíveis consequências e tentou demover os seus colegas. Quando viu que não conseguia impedir o confronto, sentiu-se livre para distanciar-se dos demais lavoureiros; sentiu-se livre dos preconceitos que desqualificavam os descendentes dos escravos; sentiu-se livre para ser chamado de covarde ou de traidor. Enfim, ouviu a voz da sua consciência, orientada unicamente na Palavra de Deus viva e agiu conscienciosamente.
9. Pode uma pessoa conscienciosa enganar-se?
Uma pessoa conscienciosa vai buscar informações, vai consultar as leis, vai trocar ideias, vai ouvir as partes envolvidas, vai falar com outras pessoas, mas a decisão última será individual e ninguém poderá representá-la nessa decisão. Somente ela mesma será responsável pela posição que irá assumir. Sua decisão conscienciosa mostrará o seu envolvimento pessoal em favor da sua convicção; mostrará a sua identidade, a sua personalidade, o seu caráter. Assumirá as consequências e vai agir em liberdade de consciência.
Quem assim age não estará livre de cometer erros. Muitas vezes, será sábio e correto ficar ao lado da maioria, seguir a opinião pública, observar as convenções da sociedade envolvente, mas haverá momentos em que a consciência se manifestará contrária à opinião pública, contrária às decisões da maioria, contrária aos preceitos morais da localidade. Se uma pessoa ouvir a sua consciência, distanciar-se da maioria, tomar a sua própria decisão e mais tarde constatar que se equivocou, ela assumirá as responsabilidades pelo seu engano, admitirá o erro e pedirá perdão pelo seu equívoco, para poder começar de novo.
10. Como devemos agir quando a nossa liberdade choca ou escandaliza outras pessoas?
Alfredo nunca imaginou que um copo de vinho pudesse provocar tão grande escândalo. Tinha o hábito de tomar uma taça no almoço. Sentia prazer em cada gole, mas nunca passou da medida. O escândalo aconteceu quando almoçou com dois colegas que tiveram experiências dramáticas com bebidas alcoólicas em suas famílias e, por isso, viam em cada taça uma perdição.
Depois daquele almoço, ele renunciava conscienciosamente ao prazer do vinho sempre que se encontrava com os colegas, porque se lembrava das recomendações do Apóstolo Paulo ( Rm 14): “Se você faz com que um irmão fique triste por causa do que você come, então você não está agindo com amor”.
Quem vive a liberdade evangélica trata com respeito os valores éticos dos seus semelhantes; evita escandalizar as pessoas que têm outras convicções; não despreza com arrogância a quem, por motivos religiosos, toma decisões diferentes das suas próprias. No entanto, sente-se livre para sustentar suas convicções e para debatê-las fraternalmente, em busca de crescimento mútuo.
Para Finalizar.
Um cristão – disse Martim Lutero – é um livre senhor sobre todas as coisas e não está sujeito a ninguém … Com essa afirmação, o Reformador quis dizer que um cristão se guia pela sua consciência e que esta se orienta na confiança em Deus e na sua palavra. No dia-a-dia dos afazeres rotineiros, a consciência agirá de maneira silenciosa, velada e pouco manifesta. Em situações de conflito, no entanto, que exigem decisões corajosas, talvez polêmicas, ela se manifestará com força, como o próprio Reformador experimentou na Assembleia de Worms.
Orientado pela sua consciência, o cristão evitará a sujeição a vícios, a tabus, a preconceitos, a leis e autoridades. Não carecerá de ser aprovado pela opinião da maioria, pelos comentários da imprensa, pelos padrões da moda ou pela moral local. Sua dignidade e sua autoestima não dependerão da cor da sua pele, do peso do seu corpo e nem mesmo do acerto das suas decisões, porque lhe bastará a sua consciência.
Por outro lado, o cristão não vive isolado, mas integra-se na sociedade humana e na comunidade eclesial. Por isso, evitará que a sua liberdade machuque seus semelhantes. Mais ainda, tomará o cuidado necessário para que sua liberdade não perca a bússola orientadora e degenere em arbítrio. Respeitará leis e autoridades, porque são feitas e instituídas para servir e para possibilitar a convivência; respeitará opiniões contrárias às suas e sentirá liberdade para debatê-las à procura de enriquecimento mútuo. Colocará a sua liberdade a serviço do próximo e da coletividade, para ser “ um livre servidor de todos em nome do amor”, como escreveu o reformador.
Quando for convencido do equívoco das suas decisões, ainda que fossem conscienciosas; quando perceber que fez o que não deveria ter feito ou que deixou de fazer o que deveria ter feito; que falou o que não deveria ter falado ou que se omitiu de falar o que deveria ter falado, será livre para aceitar melhor juízo, para corrigir decisões e para desdizer o que disse.
Quando sua consciência tornar-se agulhão em sua carne, tristeza em sua alma, mácula em sua autoestima, a busca do perdão quebrará o açoite que o flagela e apontará novas paisagens para os seus passos.
Silvio Meincke