Proclamar Libertação – Volume 37
Prédica: Lucas 1-39-45 (46-55)
Leituras: Miqueias 5.2-5ª e Hebreus 10.5-10
Autor: Daniel Kreidlow
Data Litúrgica: 4º Domingo de Advento
Data da Pregação: 23/12/2012
1. Introdução
Advento, tempo de encontros!
Advento, tempo de preparação!
Advento, tempo de visitas!
Deus vem nos visitar!
Pois um menino-Deus nos nascerá!
O Natal ainda se mostra como uma das festas mais esperadas do ano, principalmente para as crianças. Isso faz com que quase todo o tempo que antecede essa data seja visto como algo que deve terminar logo, da maneira mais rápida possível, para que cheguemos ao que realmente interessa: a noite de Natal.
Esse tempo de espera, chamado Advento, é carregado de significado e beleza. E isso desde as primeiras comunidades cristãs, de onde ressoa o “Maranatha”. O Advento apresenta-se como um tempo especial de espera, cheio de ansiedade, expectativas, abertura para acolher quem está chegando. Na espera desse menino-Deus, como comunidade de fé, estamos caminhando juntos durante estas primeiras semanas do ano litúrgico, últimas semanas do ano civil. Não fazemos esse caminho sozinhos, mas com muitos irmãos e irmãs na fé e muitas crianças ansiosas, além de figuras bíblicas que nos apontam o caminho para Jesus: Isaías, o profeta, João Batista, o que precede, e Maria, a mãe do Filho de Deus.
Para nós, neste 4º Domingo de Advento, ergue-se de forma especial a figura da mãe Maria. Ela nos lembra que, sem gravidez e gestação, simplesmente não há nascimento e que Natal é a festa do Deus que visita quem não merece essa graça. Trata-se de uma festa celebrada em torno da esperança de uma gravidez, a alegria da concretização do nascimento; festa por causa do menino-Deus, que, ao nascer, dissipa toda angústia, incerteza e dor que Maria possa ter sentido; festa da esperança, pois Deus se revela como Emanuel justamente aos enfraquecidos e carentes de esperança.
2. Considerações sobre o texto
O texto de prédica, proposto para o quarto domingo de Advento, é a visita de Maria a Isabel, mais o cântico de louvor a Deus, que vem ao humilde e esquecido. O texto, que faz parte dos relatos de infância de Jesus segundo o evangelista Lucas (Lc 1-2), mostra como a ação de Deus é reconhecida em meio ao povo humilde e excluído, porém cheio de esperança, representado por Zacarias, Isabel e Maria.
A narrativa pode ser dividida em três momentos: 1 – a ida de Maria, com um espírito solidário, à casa de Isabel e Zacarias (Lc 1.39-41). Colocando-se a caminho por mais de 100 km, Maria vai ao encontro de outra mulher, também grávida. 2 – a saudação que Isabel faz a Maria, reconhecendo-a como mãe de seu Senhor, abençoada e bem-aventurada (Lc 1.42-45). 3 – a reação de Maria à saudação de Isabel, cântico que comumente denominamos, a partir do latim, de “Magnificat” (Lc 1.46-55).
A primeira parte da divisão mostra-nos que Maria foi sem demora fazer uma visita à sua parente, que estava no sexto mês de gravidez (Lc 1.36). Logo após a visita do anjo, Maria pôs-se a caminho para a região montanhosa da Judeia e lá ficou por três meses. O encontro é marcante. Pois no momento em que Maria saúda seus parentes, a criança de Isabel estremeceu em seu ventre. Estando cheia do Espírito Santo, ela interpreta o movimento de seu filho como expressão de alegria de uma criança que ainda estava por nascer.
A segunda parte de nosso texto mostra-nos a reação de Isabel à visita que Maria lhe faz. Chamada de abençoada, Maria é vista por Isabel como a mais bendita de todas as mulheres, pois reconhece que no seu ventre está, em suas próprias palavras, “o meu Senhor”. Isabel não sabia quão grande seria seu próprio filho, mas reconhece a grandeza daquele que vem através de Maria. O termo “meu Senhor”, aqui utilizado por Lucas, tem clara implicação messiânica ao provavelmente fazer uso do Salmo 110.1.
A terceira parte é composta pelo cântico de Maria, que se apresenta como um irrompimento de louvor bem ao estilo veterotestamentário. Quando o colocamos ao lado do cântico de Ana (1Sm 2.1-10), conseguimos perceber uma forte similitude.
No entanto, em contraposição ao cântico de Ana, que exalta seu triunfo frente a suas inimigas, o cântico de Maria alegra-se com a misericórdia de Deus, que exalta os humildes e destrona os poderosos.
3. Meditação
A figura bíblica que nos quer auxiliar nessa caminhada que está quase chegando ao final é Maria. Por isso poderíamos dizer, neste final de semana, que para nós Advento é também acompanhar a gravidez de Maria. E assim esperar a vinda de nosso Senhor, o Deus que se encarna nessa criança que está sendo gestada no ventre dessa pobre e humilde serva do Senhor.
Deus surpreende-nos com sua visita. Talvez poderia ser esta a nossa ênfase: a visita surpreendente. No Antigo Testamento, Deus ouve, anuncia, sussurra, caminha junto, vai à frente, orienta e protege. Mas agora Ele encontra uma maneira bela e suave de achegar-se à sua criação por intermédio de seu Filho Jesus Cristo, que se achega até nós e visita-nos como um ser humano pleno. Podemos afirmar, com toda a certeza, que Deus quis estar mais próximo daquilo que ele tanto amou e ama. E para isso escolheu uma forma simples, mas perfeita.
Maria, uma jovem pobre e humilde, que mora em uma pequena cidade no interior da Galileia, recebe a notícia de que será mãe de um menino chamado Jesus. No momento em que o anjo a visitou para anunciar a boa-nova, toda a região de Israel estava sob o domínio do Império Romano, com o centro político e econômico centralizado na cidade de Roma. Mas Deus tinha sonhos e ideais diferentes dos seres humanos. Pois o que para os olhos humanos é desprezível, para Deus é o lugar do agir do Espírito divino. Por isso Maria canta e encanta com o conhecido “Magnificat”. Ela se entende como uma imerecida mulher que recebe uma graça maravilhosa de Deus.
Na casa pobre e humilde em Nazaré, onde Maria morava, longe dos palácios e imponentes cidades romanas, Deus fala, e o mundo poderoso e imponente naquele momento nem ficou sabendo. E Maria colocou-se a caminho de sua casa para a casa de sua prima chamada Isabel. Mesmo se sabendo grávida de Jesus, mesmo que tivesse que cumprir um grande percurso até chegar a seu destino, ela corre para colocar-se a serviço de sua prima mais velha. E nessa mistura de alegria e solidariedade, Maria vai visitar Isabel. Pois essa, sendo já idosa, talvez estivesse passando por uma gravidez mais arriscada devido à sua idade. Deixando a Galileia, Maria desloca-se à região montanhosa da Judeia e ali fica com Isabel até o nascimento de seu filho, que recebeu o nome de João. Nessa visita solidária à sua prima Isabel, Maria ensina-nos que é através do serviço solidário que Deus se faz mais próximo das pessoas fragilizadas.
O quanto nós temos sido igreja que se coloca a caminho do outro, igreja que se movimenta e visita? O quanto nós temos motivado e incentivado a visita fraterna àqueles que sofrem e necessitam de apoio? O mesmo Espírito Santo que concebe a Jesus cria reunião e comunhão de pessoas em nossas comunidades para ouvir e aprender do evangelho de Jesus Cristo, incumbindo-as do ministério de testemunhar o evangelho de maneira prática e oral, dando continuidade à obra que Deus iniciou ao nos visitar. Impulsionados por seu amor, concretizado em nosso meio na Palavra e nos sacramentos pelo agir desse mesmo Espírito, como comunidade de fé, como cristãos e cristãs que não somente ouvem a Palavra, não podemos fugir do mundo como se nada tivéssemos para realizar nele. No mínimo, também precisamos visitar.
Quando olhamos para a ação de Jesus durante os cerca de três anos e meio de seu ministério, vemos que ele “percorria todas as cidades e povoados ensinando, pregando e curando” (Mt 9.35). Jesus não poupou esforços em visitar as pessoas. Ele procurava identificar-se com as pessoas e não se distanciava delas, como faziam os sacerdotes de seu tempo. Foi durante as visitações que Jesus curou, como fica claro no relato da sogra de Pedro. Ele visitou publicanos e fariseus, ricos e pobres, sem distinção alguma (Mt 8.14). Por isso acredito poder dizer que o ministério de Cristo foi desenvolvido primariamente pela visitação, pelo encontro, pela comunhão. Suas visitas eram comuns, como à casa de Maria, Marta e Lázaro. Elas não eram apenas visitas sociais, mas visavam estar junto das pessoas, ensinando-as e curando as mais necessitadas.
Os resultados eram grandiosos, pois famílias inteiras eram beneficiadas, como no caso de Zaqueu, o publicano: “Hoje, houve salvação nesta casa” (Lc 19.9). Quando enviou os setenta, Jesus deixou claro que eles deveriam entrar nos lares e, antes de tudo, desejar paz àquela casa (Lc 10.5). Jesus ordenou a seus discípulos: “Procurai as ovelhas perdidas da casa de Israel” (Mt 10.6). Para isso, eles deveriam entrar nos lares de cada uma delas (Mt 10.12). Assim Jesus criou novos paradigmas, tanto por seus ensinos como por sua forma de viver. Cristo relacionava-se pessoalmente com todos os que encontrava, seja no caminho, na casa, na praia, no lugar do emprego de alguns que vieram a ser seus discípulos. Onde encontrava alguém necessitado, Jesus estava disposto à comunhão e ao encontro.
O Advento é um tempo de esperarmos ansiosos pela visita sempre renovada de nosso Senhor, que se faz um como nós. O Natal é uma festa em que celebramos a presença de Deus numa criança que chora, que é frágil e indefesa. E é, sim, Festa (com letra maiúscula), porque Deus se faz um de nós ali nesse menino chamado também de Emanuel. Em Cristo Jesus, o próprio Deus vem nos visitar. Como comunidade de fé, acredito termos a oportunidade de, neste final de semana, olhar com carinho para nossa forma de nos relacionar com as outras pessoas. Não podemos fingir que não vemos os fragilizados e abandonar as pessoas que estão necessitando de auxílio e passando por dificuldades. A partir do Deus que vem até nós, somos chamados a também nos movimentar e deslocar ao outro que necessita de cuidado. E a visitação pode ser um bom exercício nesse sentido.
4. Imagens para a prédica
Transcrevo abaixo um depoimento de uma mulher que se curou de um câncer de mama, intitulado “Visita de Deus”.
“Não sei onde andam as borboletas da minha infância. Não aquelas borboletas. Falo das suas descendentes. Nas tardes de janeiro, avizinhando as trovoadas, ficavam as paredes de todas as casas repletas de asas multicores. Eram pequeninas e gigantescas.
Com a meninada da rua, com uma caixinha de fósforos vazia, íamos aprisionando as mais belas. Lembro bem de asas marrons com pequeninas manchas amarelas e de aterrorizadoras asas ‘peludas’ capazes, conforme vociferavam os adultos, de cegar quem as tocasse e em seguida esfregasse os olhos (confesso: fiz o teste) – eram as mariposas.
Talvez porque a cidade avançou sobre as serras, as borboletas, e também as mariposas, tenham se embrenhado na caatinga. Nada de passeios nas ruas e praças. Sinto falta de sua beleza e então, por isso, quando vou à fazenda, gosto de caminhar no mato, procurando-as.
Quando extirpei de mim um câncer de mama, fiquei quase um no afastada do trabalho. Recebi a visita de algumas pessoas em minha casa. Meus amigos. No meu jardim, plantado em caqueiras, quase todos os dias havia borboletas.
Gosto de pensar que era a visita visível de Deus” (http://www.poesiaebiscoito.com/2012/05/visita-de-deus.html).
Quando visitamos pessoas e oramos com elas, levando uma palavra de fé e esperança, talvez também elas possam perceber essa simples visita como sendo a visita de Deus. Pois Deus se faz mãos e pés através dos que nós temos. Ele se faz presente, dentre outras formas, também através de nossa visitação, de nosso estar junto.
5. Subsídios litúrgicos
Bênção:
Ó vem, Senhor Jesus, não demores mais!
Vem como água que mata a sede e pão que sacia a fome.
Ó vem, Senhor Jesus, não demores mais!
Vem como o sol nos aquecer o coração e como a chuva apaziguar nosso pensar.
Ó vem, Senhor Jesus, não demores mais!
Vem como o vento que nos traz ares novos e como o canto dos pássaros que nos alegra a vida.
Ó vem, Senhor Jesus, não demores mais!
Vem nos visitar como o amanhecer nos faz de dia e as estrelas nos fazem pela noite.
Ó vem, Salvador Jesus, não demores mais!
E que assim nos abençoem o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Amém.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).