Proclamar Libertação – Volume 37
Prédica: Lucas 12.32-40
Leituras: Gênesis 15.1-6 e Hebreus 111-3, 8-16
Autor: Teobaldo Witter
Data Litúrgica: 12º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 11/08/2013
1. Introdução
O dia 11 de agosto de 2013 é dia dos pais. A mensagem, em qualquer época do ano, sempre é mais importante do que tempo, períodos e datas comemorativas. A mensagem é fundamental para a vida e a salvação. Sem ela, não haveria o que comemorar. Segundo o entendimento cristão, sem a palavra de Deus não há vida com sentido.
Apesar da reflexão acima, Deus permite comemorar datas importantes. Por intermédio delas Deus também fala a nós. Veja como Deus é real, concreto, simples e fácil de entender. Ao comemorarmos o dia dos pais, refletimos a partir da figura paterna do próprio Deus.
Segundo Gênesis 15.1-6, Abraão, um candidato a pai, fala de sua ansiedade e preocupação em relação ao fato de já estar avançado em idade e de Deus já lhe ter prometido descendência, mas ele e Sara continuam sem filho. Em sua decepção, Abraão reclama. Ele se queixa, porque Deus estaria lhe negando descendência. A herança passaria a um servo da casa, ao damasceno Eliézer. Deus, no entanto, reafirma a promessa da descendência. E manda que Abraão levante a cabeça e conte as inumeráveis estrelas. Assim será sua descendência. Abraão creu. A promessa se cumpriu. Na questão da justiça da fé, Abraão é o pai de muitos povos, inclusive do povo cristão. Neste dia dos pais, lembramos de Abraão como um dos pais da fé.
Hebreus 11.1-3,8-16 procura, inicialmente, conceituar a fé: “Fé é a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que se não veem”. O testemunho é a chave para entender e perceber, desde antigamente aos dias de hoje, fatos que não se veem. Na fé, compreendemos a palavra criadora de Deus que a tudo formou. E o invisível veio a existir, sendo certamente Jesus Cristo a Palavra viva, visível, tocável, real, encarnada na realidade humana.
O texto relata momentos significativos na vida de Abraão, Sara e herdeiros da promessa de Deus. Eles e elas peregrinam na terra, na esperança da concretização da promessa de Deus. Sendo fiéis, testemunham e caminham na busca pela realização de uma pátria superior, uma cidade preparada por Deus para seu povo.
Lucas 12.32-40 não fala de Abraão e Sara. Mas fala da pequena comunidade. Sugiro fazer a ligação entre a família de Abraão e Sara com o pequeno rebanho de Lucas. Lucas fortalece a comunidade, lembrando da presença e da promessa do Reino de Deus. O Reino está sendo preparado por Deus. O Pai agrada-se em entregá-lo a seu pequeno rebanho. “O Pai de vocês se agradou em lhes dar o seu Reino” (v. 32b). Deus cuida de seu rebanho, assim como cuidou de Sara, Abraão e dos demais herdeiros da promessa. O pequeno rebanho recebe lugar à mesa e é servido. O Reino do Pai vem como cumprimento da promessa de Deus. Por isso sejam vigilantes. Creiam. Confiem em Deus. Coloquem nele a sua confiança. Creiam, a exemplo de Abraão. O Reino virá, embora ainda não seja plenamente visível. Está tudo pronto e preparado, assim testemunha a Carta aos Hebreus. Os cuidados do Pai em cumprir sua promessa e a fé nele são o fio que liga os três textos.
2. Lucas 12.32-40
2.1 – Comentários gerais
O texto de Lucas está inserido num contexto maior. Há uma crítica de Jesus em relação à postura de lideranças e pessoas influentes, especificamente em Lucas 11.37-12.36. Ele pontua assuntos de sua crítica em relação ao ensino e postura de fariseus e escribas. Mas, para o entendimento do texto da pregação, importa verificar o tema de Lucas 12.13ss. Jesus é solicitado por um homem, no meio da multidão, para ser juiz numa questão de herança. A partir desse fato, a crítica de Jesus centra-se no tema da confiança nos bens materiais e da ansiedade pela posse dos mesmos. O tema é aprofundado até o versículo 34. Jesus chama a atenção para não se entregar completamente aos cuidados da avareza (v. 15-21). Disse que é louco quem confia na abundância de seus bens, a exemplo do agricultor insensato. Depois adverte para não viver ansiosamente na busca pelos bens. Menciona, positivamente, os lírios do campo e as aves que não estão ansiosos. Entregues aos cuidados do Pai, eles vivem abundantemente, felizes e com boniteza. E Jesus ensina para buscar o Reino do Pai e sua justiça (v. 22-31).
Depois, Jesus volta-se ao pequeno rebanho. Ensina a não temer. E prega sobre a promessa do Reino do Pai. Ele se agradou em lhes dar o seu Reino. O pequeno rebanho é desafiado a não confiar nos bens, repartindo-os, e a fundamentar sua vida no tesouro eterno, preparado pelo Pai e que não será corroído. E concluiu dizendo que “onde está o tesouro, aí estará o coração” (v. 32-34). A seguir, é mencionada a postura do pequeno rebanho. Deve viver em postura de preparo e vigilância diante da iminente e surpreendente vinda do Filho do Homem (v. 34-40). O tema continua nos versículos seguintes (v. 41-48), cada vez mais “em sentido da surpresa e do pavor para o servo que não assume a postura de vigilância e preparo correto, tornando-se novamente semelhante ao agricultor avarento”, conforme v. 15-21 (VOLKMANN, 1991, p.184). Ele errou, porque seu coração avarento estava preso ao tesouro errado.
Os versículos 32 e 34 são fundamentais ao conjunto, porque enfocam a temática da confiança (da fé) no bojo do coração e do tesouro. Estamos sendo perguntados: onde está nosso coração – no Pai e seu Reino eterno ou nos bens temporários? O preparo correto e a vigilância (v. 35-40) são lidos no contexto da vida cotidiana de confiança e de cuidado. O agricultor avarento teve cuidado e confiança, mas ele errou o alvo, isto é, colocou a confiança, a vigilância e o cuidado nos bens materiais. Esses são temporários e transitórios. Na hora do Reino Eterno, não podem ajudar e para nada servem.
Segundo Volkmann, Lucas 12.32-40 tem a seguinte estrutura:
1. Tese – O Reino do Pai é do pequeno rebanho (v. 32);
2. Consequência 1 – desprendimento dos bens materiais (v. 33-34);
2.1. Tesouro está nos céus – vender os bens e dar esmolas (v. 33);
2.2. O tesouro está onde está o coração (v. 34);
3. Consequência 2 – preparo e vigilância (v. 35-40);
3.1. Quadris cingidos e lâmpadas acesas (v. 35);
3.2. Servos vigilantes à espera do Senhor (v. 36-38);
3.3. O Senhor vem à hora incerta como ladrão (v. 39-40).
Concordo com essa dica. O foco no pequeno rebanho introduz-nos no tema das minorias das quais fala e vive Abraão em sua peregrinação pela terra da promessa e nos falam profetas, entre os quais está Isaías. O tema do tesouro e do coração, muitas vezes dito como tema central, está na mesma dimensão. O pequeno rebanho constitui-se como rebanho, porque seu coração está no tesouro eterno, em comunhão. Por isso está sendo rebanho e é chamado para assumir as consequências dessa posição.
2.2 – Comentários referentes ao texto bíblico de Lucas 12.32-40
V. 32 – “Não temais, pequeno rebanho, porque o vosso Pai se agradou em dar-vos o seu Reino.” Essa afirmação é central no texto em seu contexto. O prelúdio para o anúncio da boa-nova é imperativo: não temais, como parte integrante da mesma, pois “[…] vos salvarei, e sereis bênção. Não temais, e sejam fortes as vossas mãos” (Zc 8.13b). O quem vem é radicalmente novo (aqui, radical vem de raiz).
Os imperativos que vêm depois destacam as consequências da nova situação que está sendo colocada por Jesus. O pequeno rebanho é parte das minorias abraâmicas sobre as quais nos escreveu Dom Helder Câmara. Esse pequeno rebanho crê contra toda a esperança (Rm 4.18), no caminho da fé, na trilha de Abraão. No bojo desse caminho podem ser compreendidos os imperativos “vendei, dai esmolas, fazei bolsas que não desgastam, tesouro inextinguível nos céus, estejam cingidos, candeias acesas, estai preparados, cuidai”. Entre esses e aquele imperativo introdutório no v. 32 (não temais!) há uma diferença fundamental, mas estão na mesma dimensão: enquanto aquele é o prelúdio para o anúncio do que segue, fazendo, assim, parte da própria boa-nova (cf. Is 41.10; Jr 30.10; 46.27; Zc 8.13), esses imperativos destacam as consequências dessa situação nova em que o pequeno rebanho é colocado pela graça do Pai.
Rebanho é expressão corrente para o povo de Deus nas Escrituras (Sl 77.20; 100.3; Is 40.11; Ez 36.38; At 20.28; 1Pe 5.2s) e na história da igreja, na liturgia, nos hinos (Um só rebanho, um só pastor) e outros. Lucas escreve a respeito do pequeno rebanho. Isaías 41.14 escreve sobre resto, onde o povo é chamado de vermezinho, de bichinho. Lucas 6.20-21 escreve sobre os sedentos, os empobrecidos, os que choram, os pequeninos (Lc 18.16), os famintos (Lc 16.20), os coxos, os cegos (Lc 14.21b), os fiéis (Gn 15.6). Essas pessoas são felizes, porque o Reino de Deus lhes é dado gratuitamente pelo Pai. E assim o recebem. O pequeno rebanho não é apenas pequeno em tamanho, mas é formado por pequenos. Segundo Volkmann, “não dá para deixar de considerar que Lucas colocou esse versículo – sem paralelo nos demais sinóticos – nesse ponto como elemento de ligação entre os dois exemplos contrastantes de confiança (nas riquezas ou no Senhor) e os desafios de vivência dessa confiança (preparo e vigilância)”. As pessoas que se desprendem de toda e qualquer autoconfiança, as que não têm outra coisa em que se agarrar – essas ousam atirar-se nos braços de Deus, sem medo, com toda a confiança. A elas pertence o Reino do Pai (Lc 18.17).
Jesus coloca a esse pequeno rebanho o desafio de constituir a sua vida com desprendimento dos bens materiais e de viver sem a ansiedade consumista (Lc 12. 30-31), ao contrário do agricultor avarento (Lc 12.20-21). O segundo desafio é cuidar e vigiar, viver com cuidado e atenção (Lc 12.35-40) diante da iminência da vinda do Reino do Pai em plenitude, em preparo e vigilância permanentes.
Nesse sentido, o pequeno rebanho encontra sua situação vivencial na confiança em seu pastor e pratica a vivência comunitária e escatológica no Reino do Pai.
V. 33 – “Vendei os bens e dai esmolas”: são expressões que chocam. Neste mundo capitalista, egoísta e consumista, quem ainda quer vender seus bens e distribuí-los aos famintos como esmola? Mas há uma dimensão real, cotidiana e pedagógica radicalmente evangélica nesses imperativos de Jesus. Na parábola do agricultor avarento, Jesus ensina que os bens ocuparam o coração dele. Consequentemente, ele preparou sua vida para viver eternamente na confiança de que seus bens o poderiam salvar. Com isso ele não pode nem vendê-los, nem dar esmolas, porque é pobre para Deus. E ser pobre para Deus significa ser pobre com a vida ao seu redor. A postura diante de Deus, dos bens e do próximo está ligada à razão e ao coração humano. Vender os seus bens para dar esmolas é desvendar e desvelar concretamente a que se prende o coração. “O coração é símbolo e sede do desejo” (cf. RENGSTORF, p. 163). Por outro lado, a confiança total no Senhor liberta as pessoas do apego às riquezas e coloca os bens materiais a serviço do Reino. “Dar esmolas é sinônimo de ajudar a cuidar de pessoas necessitadas” (VOLKMANN, 1991, p.185).
V. 34 – “Onde está o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração.” O tesouro gruda no coração das pessoas, conforme expressam os povos indígenas da Amazônia. O tesouro é o grande amor da vida das pessoas. Sem ele, a vida não tem graça. Se os bens materiais estiverem grudados no coração, então os bens são ídolos que não podem salvar. Pelo contrário, eles imprimem no coração a ansiedade, a inquietude e sufocam a alegria de viver. Mas se Deus e seu Reino de vida e justiça estiverem grudados no coração, então estamos sendo capacitados pelo Pai para viver sem avareza, sem ansiedade, sem inquietude. Ele sabe do que precisamos (v. 30). Seremos, então, capacitados por Deus para buscar seu Reino e a sua justiça (v. 31a). As demais coisas da vida humana nos serão acrescentadas (v. 31b). Viver para ele é viver no presente e no futuro. É buscar a sua justiça no presente e viver aberto para o futuro de Deus, que já está dado, embrionariamente, na fé daqueles que vivem confiantes nas promessas de Deus. Desse viver do futuro trata a segunda consequência, que é desdobrada em duas partes: preparo (v. 35) e vigilância (v. 36,40).
V. 35 – “Cingidos estejam os vossos corpos e acesas as vossas candeias.” A palavra lembra acampamento e êxodo. Quem acampa e faz caminhada sempre deve estar preparado para partir. O preparo é descrito com as figuras da cintura cingida (Êx 12.11) e das lâmpadas acesas (cf. Mt 25.1ss). Pronto para partir (1Ts 5.2) ou como um garçom no restaurante ou a enfermeira no plantão no setor de enfermagem de um hospital: sempre preparado para servir. O que importa é que a pessoa esteja desimpedida de qualquer amarra. Nada deve impedi-la, sejam os bens materiais, a avareza, a ansiedade ou a inquietude. O servir está presente na segunda parte, o que demonstra a proximidade entre preparo e vigilância.
V. 36-37 – “Sede semelhantes a homens que esperam pelo seu senhor…”. Aqueles que vivem do futuro, isto é, vivem na confiança da promessa do Pai, são fortalecidos pelo Senhor que vem, assim como os discípulos foram e experimentaram no convívio terreno com Jesus (Mc 10.45; Lc 22.24-30; Jo 13.1-11): ele mesmo se aproxima e põe-se a servi-los (v. 37b).
V. 37a e 38b – O “serviço” de Jesus aos que permanecem vigilantes, isto é, aos que não rompem a comunhão, é emoldurado, no texto, com o anúncio da bem-aventurança. Ali, completa-se aquilo que eles já vivem agora, ou seja, a felicidade do Reino do Pai em plenitude. Por outro lado, infelizes são os avarentos, ou seja, os loucos, conforme Lucas 12.20, porque os bens grudaram em seu coração, entesouram para si mesmo e são pobres para Deus e o próximo.
V. 39 – Vem como um ladrão. A necessidade do compromisso e do desafio constantes é destacada nessa parábola do ladrão. O que resta? Confiar sempre.
Confiar ajuda a viver agora. Mas também, ao se entregar aos cuidados permanentes de Deus, ao viver na confiança nele, é que nos tornamos livres para o serviço cristão no mundo e despreocupados com qualquer calculismo sobre o fim. Segundo Volkmann: “Em outras palavras, preparados e vigilantes, vivendo daquele que é o futuro”, já agora, na vida real e no sonho do Reino do Pai.
Nesse contexto da vida da comunidade, Jesus anima a comunidade: “Não temais, ó pequeno rebanho, porque o vosso Pai se agradou em dar-vos o seu Reino” (v. 32).
3. Meditação: Pequeno rebanho, o deserto é fértil
Nossa época está marcada pelas tecnologias, especialmente de informação, comunicação, medicina e turismo. Notícias correm rapidamente de uma extremidade da Terra à outra. O que estava longe veio para perto de nós. Notícias animam. Criam novas possibilidades. Quem for mais rápido, mais hábil, mais articulado e mais sagaz tem muitas chances de se dar bem na vida. De uma hora para outra, pessoas ficam ricas e usufruem dos bens e benefícios produzidos pela humanidade, no que se refere à medicina, ao turismo e ao conforto pessoal no uso de bens e serviços.
Nossa época é de preocupações. Nesse trem não há lugar para todas as pessoas. Muitas estão fora e vão ficar fora.
É possível que o dinheiro voe de um 12º Domingo após Pentecostes país a outro. Durante uma noite, os especuladores financeiros são capazes de falir um país. Diante da decisão de especuladores, os governos e o povo pouco podem fazer. Podem oferecer mais vantagens para que deixem seu dinheiro aumentar mediante juros e outros meios. Na mesma velocidade das notícias, correm as decisões sobre a vida e a morte de pessoas e povos.
Nossa época é marcada pela insegurança. No dia em que estou concluindo o presente texto, o parlamento do Paraguai demitiu seu presidente legitimamente eleito pelo povo. O processo completo durou menos de 24 horas. No mesmo dia, um vizinho de minha rua foi assaltado duas vezes. Um professor universitário foi hospitalizado e internado na UTI, porque uma bactéria não identificada debilitou sua saúde. No caminho de 4 km entre meu trabalho e minha casa nesta manhã, presenciei dois acidentes de carros, motos e ônibus, com morte de um motoqueiro. O prefeito disse que não vai cumprir a ordem judicial de instalar radares para controlar melhor o trânsito, porque ele tem outras prioridades e outros interesses. Um empreiteiro de obras da prefeitura desviou dinheiro com notas de obras que não fez, mentiu no tribunal e não foi condenado. O seu advogado, de forma convincente, disse que não vê problemas, porque ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo. Portanto “é legítimo mentir no tribunal”, disse.
Nossa época é marcada pelo medo. A insegurança provoca medo. A insegurança é pessoal, institucional e jurídica. As pessoas têm medo de assaltos, medo de ser traídas, medo de perder espaços. Dados do Departamento de Justiça dos EUA mostram que quase 40% dos estudantes do país não se sentem seguros na escola. Entre estudantes de 14 a 18 anos, essa estatística sobe para aproximadamente 60%. Nossas instituições são incapazes de garantir justiça e solidariedade para os povos. As instituições jurídicas, muitas vezes, decidem de forma tendenciosa. Algumas de suas decisões e o cumprimento das mesmas dependem dos interesses de pessoas que têm o poder de “esculhambar”.
Tem gente que faz dinheiro com o medo geral. Estão nesse ramo empresas de segurança privada, tecnologia de monitoramento, planos de saúde caros, medicina altamente sofisticada e tecnológica. A exemplo do agricultor avarento, as pessoas querem se prevenir e se garantir nessa loucura humana da cultura das mil e uma preocupações, da ansiedade, da insegurança e do medo.
A nossa época está marcada pela ausência. A tecnologia que trouxe o mundo, até certo ponto o universo para dentro de nossas casas, bem perto, levou coisas importantes para longe. Pessoas da mesma casa não convivem. A ausência de comunhão é um estilo de ser. Rodas de conversa ao redor da mesa na casa, na lanchonete, na sorveteria, no bar, na igreja têm pouco valor e são pouco utilizadas. São descartáveis e dispensáveis. O amor é passageiro. O diálogo é considerado perda de tempo. A racionalidade é pouco valorizada. A afetividade perdeu o foco. Sem racionalidade e sem afetividade, não há projetos de vida felizes e consistentes. Na ausência de projetos de vida feliz, as pessoas perambulam entre drogas, dívidas, mortes, dores, medos, insegurança, ameaças e barganhas.
Nossa época está marcada pelo deserto. O deserto é real nas vidas quebradas, nos diferentes tipos de inseguranças, nos medos, nas preocupações, nas mentes sem sonhos, nos corações grudados ao dinheiro. Sem comunhão consistente, a vida é deserta. O agricultor avarento teve muito, mas sua vida estava deserta. Jesus chamou-o de louco, porque sozinho se afundou na areia movediça de sua insensatez, preparou-se bem para uma vida sem futuro, sem segurança eterna.
Sonhar é inteligente e maravilhoso. O deserto dá desânimo. Eu não tenho muitas ilusões. É deserto mesmo. Se você leu até aqui, então parabéns. É sinal de que a Palavra caiu em terra boa. E continuemos juntos o nosso sonho. Nesse deserto, Jesus reconstrói a vida. Ele disse que não é para se deixar vencer pela ideia do agricultor avarento, do insensato, do louco. Depois, ensina que não é para ser ansioso. É para olhar a boniteza dos lírios e das aves. Eles e elas nos ensinam a viver com desprendimento. Mas não é para viver desleixado, desocupado. É para buscar o Reino de Deus e a sua justiça. A vida humana e digna vem por esse caminho, não pela ansiedade e avareza. Depois Jesus fala do pequeno rebanho que ganha gratuitamente o Reino do Pai. Esse pequeno rebanho tem seu coração grudado ao Reino Eterno. Já vive partes significativas desse Reino agora. Mas ele será realizado em plenitude quando a vinda de seu Senhor se concretizar.
“O deserto é fértil” é título de tese defendida por D. Helder Câmara. Ele não inventou a roda. Mas, assim como Martim Lutero, chamou a atenção para a fé: “Esperando contra toda a esperança, como Abraão” (Rm 4.18). Irradiava confiança e sedimentava o compromisso evangélico de vida e fé. Dele vem a expressão “minorias abraâmicas”. Disse que as minorais abraâmicas hoje são formadas por pequenos grupos que esperam, em vigilância constante, apesar dos pesares, com firmeza permanente, na confiança da promessa do seu Senhor. Por isso elas estavam livres, sem medo e com segurança sufi ciente, no compromisso, também, pela construção de uma sociedade justa e fraterna, superando todas as formas de medo e violência.
Com projeto de vida fundamentado no tesouro eterno, o pequeno rebanho está feliz. A sua felicidade é contagiante. Por ser fundamental para a vida, o rebanho encontra-se em preparo constante, em vigilância e cuidado. Ninguém sabe quando nem como o Reino do Pai vem em plenitude. Por isso o pequeno rebanho está atento sempre. Como assim? Penso em algumas ideias. A vigilância e o preparo constante poderiam ter alguns jeitos humanos: trabalhar normalmente em trabalhos honestos. Dedicar-se diariamente ao diálogo com a Palavra do Senhor. Valorizar e respeitar as pessoas que conosco convivem. Deus colocou-as junto de nós, aos nossos cuidados. Nós cuidamos delas, e elas cuidam de nós. Devemos incluir as pessoas em nossos sonhos. Observar os ciclos da vida e perceber neles os cuidados de Deus. Defender e promover a justiça e a solidariedade nos âmbitos da vida humana. Buscar nosso projeto de vida com fundamento no tesouro eterno. A gente não pode ter muitas ilusões nem ser ingênuo. Por isso é necessário refletir, pensar nosso projeto e apaixonar-se por ele, assumi-lo com cuidado e atenção. E nele ser perseverante.
Penso que assim a igreja e seus membros estão livres para semear minorias abraâmicas, pequenos rebanhos, onde estiverem. Não podemos nos deixar vencer pelo deserto, mas vencer o deserto pela vida do Reino de Deus, também na edificação de minorias abraâmicas como sementes para transformarmos juntos o mundo, as instituições, as pessoas e a justiça.
4. Imagens para a prédica
4. 1 – Flores no deserto
No Mato Grosso, durante os meses de maio a novembro, é época de seca. Como no inverno, as plantações murcham e secam. Especialmente no cerrado, as árvores tortas e o capim seco tomam conta da paisagem. Muitas vezes, o fogo queima partes dessa vegetação. O mês de agosto é o mais crítico em termos de secura. Restam, então, poeira, cinza e fumaça. Parece o abominável da desolação, da qual nos fala o profeta Isaías.
Surpreendentemente, em meio às cinzas nascem brotos e flores. Geralmente, são as mais lindas flores do cerrado que brotam nessa época. É o ciclo da vida sob os cuidados de Deus. Ele continua semeando minorias abraâmicas, em resiliência contínua, apesar da mão e das ideias devastadoras do ser humano.
E Jesus ensina seu pequeno rebanho: “Buscai, pois, em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e as demais coisas vos serão acrescentadas” (Lc 12.31).
4. 2 – O coração grudado nas coisas
O pastor Frank Tiss trabalhou junto com grupos do povo Kulina no sul do estado do Amazonas. Ele escreveu dizendo que fez uma reflexão junto com o povo indígena: “Tudo nesta terra é de durabilidade limitada e é uma experiência diária para quem vive na selva. Que vale a pena dedicar-se ao que é eterno, os Kulina concordam imediatamente. E que o nosso coração fica sempre perto daquilo que para nós tem mais valor, já está até na língua deles: para dizer que amam alguém, dizem que o seu coração ‘está grudado’ no outro. Ou, como ensina Jesus: ‘Onde está o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração”.
[..] Eles comentaram: “É verdade, quando alguém de nós começa a pensar igual ao branco, querendo cada vez mais e só para si mesmo, o coração dele ‘fica grudado’ em suas coisas. Mas com a nossa comunidade ele se preocupa cada vez menos. Eles gostaram muito dessas frases bíblicas, pois elas valorizam uma parte de seu tradicional modo de ser Kulina: para eles, viver bem significa viver em paz e harmonia com os familiares e os demais membros da comunidade. Para isso preferem viver em solidariedade, repartindo quase tudo o que têm”.
5. Subsídios litúrgicos
5.1 – A fonte do brilho
(Sugestão de leitura após a apresentação de visitantes e membros) Tudo e todos querem brilhar. As crianças querem brilhar nos braços da mãe e do pai com seu sorriso sedutor. O menino quer brilhar para conquistar. A noiva quer brilhar no grande dia de sua vida, no casamento. A cantora quer brilhar no
palco. O palhaço quer brilhar no circo. O atleta quer brilhar em sua luta pelo prêmio. Quer brilhar o rei e quer brilhar súdito.
Os lírios do campo e do jardim brilham. Os mares, as montanhas, os peixes, as aves, os animais domésticos e silvícolas brilham. O sol, a lua e as estrelas brilham. Bem ornamentados, cativam com o seu brilho.
Têm brilhos que são passageiros e têm brilhos eternos. A Palavra brilha eternamente. No culto, está a Palavra que brilha. Por isso tudo brilha. Brilha o altar. Brilham as pessoas. Brilham as vozes. Brilha o pequeno rebanho. Brilham os olhos. Brilham as mentes. Brilha o coração humano. É o brilho aconchegante e eterno de Deus misericordioso.
No culto, há brilho. Mas o brilho tem um fundamento bem forte e firme. O fundamento é Deus, a fonte de todo brilho verdadeiro. Nele, o amor brilha. O reconhecimento brilha. O arrependimento brilha. O perdão brilha. A reconciliação brilha. A comunhão brilha. O compromisso brilha. O amor brilha. A esperança brilha.
Abraão estava diante da fonte do brilho eterno: Deus. E olhou para o brilho de sua promessa e creu. Então a promessa se cumpriu. Aqui, no culto, Deus vai falar de sua promessa de vida e salvação. A comunidade vai brilhar, porque ela pode falar para Deus o que está em seu coração e em sua mente. Deus vai ouvir, vai servir e vai fazer sua igreja brilhar. Sintam-se acolhidos nesse lugar comum, irmãos e irmãs.
5.2 – Falta de esperança
(Introdução para criar clima de confissão de pecados)
Saiu no jornal Zero Hora faz tempo. Um pai levou seu filho à faculdade, de manhã, que ficava no caminho de seu trabalho. Durante o percurso, avistam lixeiras limpas e pintadas para a coleta seletiva. O pai conclui: “Veja que bom. Agora podemos jogar o lixo diretamente na lixeira”. O filho comenta: “Vamos ver por quanto tempo essas lixeiras vão ficar aqui. O povo não vai jogar o lixo nas lixeiras, mas vai destruir as lixeiras”.
No segundo dia, saiu manchete no jornal. A manchete dizia: “Ontem, os vândalos queimaram duas lixeiras novas”.
O pai ficou preocupado com a queima das lixeiras. Mas a maior preocupação dele foi com a falta de esperança do filho dele. Falta de esperança causa indiferença. Vamos confessar nossa falta de esperança e nossa indiferença em viver o discipulado e de promover justiça e paz (contado pelo P. Nestor Friedrich, texto adaptado pelo autor).
5.3 – A esperança vem de Deus
(Introdução para o clima do anúncio da graça)
Jesus ensina: “Não temais, pequeno rebanho, porque o vosso Pai se agradou em dar-vos o seu Reino”. As minorias abraâmicas “esperam contra toda a esperança”. Irradiam confiança pelo Reino do Pai e pela construção de sociedade justa e fraterna, superando todas as formas de medo, indiferença, insensatez, falta de compromisso e violência. Aos e às penitentes anunciamos reconciliação.
Bibliografia
CÂMARA, Dom Helder. O deserto é fértil: roteiro para as minorias abraâmicas. 13. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977. 105p.
VOLKMANN, Martin. 12º Domingo após Pentecostes. In: Proclamar Libertação 17. São Leopoldo: Editora Sinodal e EST, 1991. p. 183-188.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).