Proclamar Libertação – Volume 34
Prédica: Lucas 12.49-56
Leituras: Jeremias 23.23-29 e Hebreus 11.29-12.2
Autora: Tânia Cristina Weimer
Data Litúrgica: 12º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 15/08/2010
Como as guerras e as violências nascem nas mentes humanas,
é nas mentes humanas que deverão ser erguidas as estruturas de paz.
1. Introdução
– Será que vai chover hoje?
– Hum (pensativo, olhando para o céu) – acho que hoje só chove mais para o final da tarde.
Esse breve diálogo entre duas pessoas que se encontram é muito comum. Falar sobre o tempo, tentar interpretar o comportamento do tempo, sempre foi e é ainda hoje motivo para muita conversa e controvérsia. Quantas vezes, quando nos falta assunto, acabamos falando no tempo? Até para quebrar aquele “insuportável” silêncio quando morre o assunto.
Tempo de guerra e tempo de paz. O que vivemos e o que esperamos? Desde o Antigo Testamento, bem antes de Jesus, o tempo de paz era um anseio do povo. Falsos profetas levantavam-se e em seus discursos traziam ilusões e levavam o povo à discórdia.
No texto de Jeremias, transparece a atenção de Deus ao povo decepcionado pelas falsas revelações dos profetas. Jeremias repreende os profetas porque anunciavam suas próprias palavras como se fossem palavras de Deus.
No Novo Testamento, Hebreus fala com detalhes sobre a vida de pessoas de todos os tempos, que superaram as divisões e colocaram a fé em Deus no centro de sua vida. As falhas pessoais são superadas quando se aprende a desviar o olhar de si mesmo para a grandeza de Deus.
Os sinais, sob os quais está o tempo de Jesus, devem ser corretamente interpretados. O que se passa nesse tempo requer penitência de todos. É um tempo de salvação, que começa insignificante e para alguns está passando despercebido, mas que no futuro terá importância avassaladora.
2. Exegese
O texto da prédica para esse 12º Domingo após Pentecostes insere-se na segunda parte principal do Evangelho de Lucas (Lc 9.51-19.28). A ênfase é a viagem de Jesus a Jerusalém, onde haveria de enfrentar sofrimento e cruz.
Os conflitos e divisões fazem parte dos “sinais dos tempos” (Lc 12.54-49). A delimitação do texto poderia estender-se até o v. 59. Os v. 49-50 são material exclusivo de Lucas. Já os v. 51-53 encontram seu paralelo em Mateus 10.34-36, e os v. 54-56 têm paralelo em Mateus 16.2-3. O tema é a divisão que a fé em Cristo provoca.
No v. 49, Jesus anuncia que veio para pôr fogo na terra. Jesus está falando da cruz. Mas, antes dela, Jesus sabe que tem pela frente um longo caminho marcado pelo sofrimento, que inclui o confronto com as autoridades religiosas e todas as suas consequências. Jesus está a caminho de Jerusalém, onde a glória, provinda de sua morte, o aguarda.
Jesus tem uma missão a cumprir, missão que lhe foi confiada por Deus. A missão é a seguinte: “Eu vim para pôr fogo na terra”, lançar o Espírito Santo, com sua força purificadora e renovadora (cf. At 2.3). Jesus arde em desejo de que essa vinda do Espírito Santo logo se realize. No entanto, ele tem de esperar pelo tempo certo, o tempo determinado por Deus.
V. 50 – Antes, porém, Jesus tem de receber um batismo, tem de passar por sofrimentos, que se arremessam sobre ele. O pavor o atormenta. A agonia no Getsêmani ajuda-nos a compreender essa difícil tarefa de Jesus. A salvação dos tempos finais só se concretiza através de esforços, obediência e dores. Para cumprir o desejo ardente de salvação, é preciso coragem para suportar as tribulações dos sofrimentos.
V. 51 – O Messias foi anunciado como quem traz a paz. Ele é a promessa do príncipe da paz. Paz é sinônimo de salvação, ordem, unidade. Porém, antes de começar o tempo de paz e de salvação, surgem a falta de paz, separação, desunião.
V. 52 e 53 – A separação começa agora. Em Jesus separam-se as famílias. O evangelho cria uma divisão até mesmo entre os membros de uma mesma família. As pessoas devem tomar sua decisão. Essa separação e esse afastamento são sinais de que os acontecimentos finais já começaram. E pedem decisão de cada um. É inerente à palavra de Deus que ela julgue, purifique e acabe por se impor, mesmo que isso aconteça num doloroso processo.
V. 54 – Não fica claro se essas palavras foram faladas na mesma ocasião das palavras anteriores. Segundo Leon L. Morris, não há nenhuma conexão óbvia, e no Evangelho de Mateus há uma citação semelhante como resposta a um pedido por um sinal. Assim Lucas estaria relatando um dito de Jesus sem indicar seu contexto.
Agora as palavras de Jesus se dirigem às multidões, não mais aos discípulos. Se para os discípulos já estava difícil reconhecer a importância do tempo, quanto mais, então, para o povo. Os sinais, sob os quais está o tempo de Jesus, devem ser corretamente interpretados. Os sinais do tempo são o cumprimento do reino na pessoa de Jesus.
V. 55 – Observando o tempo, o povo sabe muito bem interpretar seus sinais. Porém, quando se trata de julgar os acontecimentos pertinentes a Jesus e à salvação, não sabe formar um julgamento exato acerca do significado dos acontecimentos. O povo entendia os ventos da terra, mas não os ventos de Deus; podia discernir os sinais no céu, mas não os lugares celestiais. A multidão concentrava- se naquilo que era superficial.
V. 56 – Jesus chama-os de hipócritas: sabem muito bem discernir esses sinais, mas fazem como se não os entendessem. Não os querem interpretar como sinais do tempo, que Deus destinou à decisão, nem se converter, e sim continuar a viver a velha vida. A vontade é obstáculo ao julgamento.
3. Meditação
Os sinais dos tempos estão aí para todo mundo enxergar: concentração cada vez mais estúpida de renda, fraudes, corrupção no governo, que vem legislando em causa própria, destruição irresponsável da natureza, poluição da água e do meio ambiente, violência e crescente consumo de drogas. Dá para parar por aí, mas tem muito mais.
Certamente restam poucas dúvidas de que só há uma escolha, uma única postura possível para os que querem levar a sério o trabalho e a vivência cristã: colocar-se com todas as forças e possibilidades na defesa dos pequeninos e injustiçados e unir-se na denúncia e advertência aos que causam a divisão e duvidam da paz.
Quem assume essa postura terá contra si os detentores do poder e da justiça. É decisão que trará sofrimento.
As palavras de Jesus ecoam em minha mente e em meu coração: “Eu vim para pôr fogo na terra e como eu gostaria que ele já estivesse aceso” (v. 49). Essa passagem é muito significativa. Explica assuntos relacionados com a igreja e com o mundo.
Notemos, primeiramente, a determinação que Jesus tinha de levar até o fim a obra de salvação que viera desempenhar no cumprimento da vontade do Pai. Ele disse: “Tenho de receber um batismo, e como estou aflito até que isso aconteça” (v. 50). A perspectiva do sofrimento e da agonia que o esperavam não desanimou Jesus. Ele submeteu-se, de bom grado, a tudo para obter a salvação de todos.
Só isso deveria ser o bastante para despertar nosso frio coração e arrancar- nos da indiferença. Deveria exercitar em nós o desejo de aproveitar o tempo e fazer prevalecer a paz em meio às angustias do mundo. Que a lembrança da boa vontade com que morreu para a nossa salvação esteja sempre em nossa memória e nos faça viver para ele e para nosso próximo – e não para nós mesmos.
Sem dúvida, a paz é uma consequência natural da proclamação do evangelho. Em qualquer lugar onde houver pessoas que, apesar de ouvir o evangelho, continuam endurecidas, a mensagem da paz produz dissensões. Os que têm o propósito de servir o mundo odeiam os que se dedicam ao serviço de Cristo.
Demos graças a Deus porque chegará o dia em que cessarão todas as discórdias e a humanidade viverá em paz. Isso acontecerá no tempo determinado por Deus, quando vier o príncipe da paz pela segunda vez.
É dever nosso observar, em todos os tempos, os acontecimentos em nossa volta. Tenhamos em mente as palavras de Jesus. Não sejamos surdos, cegos e indiferentes a tudo o que está acontecendo.
3.1 – Preparando a mensagem
Durante a semana, pode-se ler o texto em grupos da comunidade e perguntar o que as pessoas entendem dessas palavras. A primeira impressão das pessoas é uma ótima forma para introduzir o texto e partir para a construção de uma mensagem. Pode-se perguntar “o que é paz” para as pessoas. Onde encontramos a paz? Como podemos construir a paz? No meio em que vivemos, como comunidade, onde somos chamados a colocar sinais concretos de paz?
Sugerimos montar um painel com ilustrações ou palavras-chave sobre a realidade em que vivemos (situação do contexto local e atual) e a realidade que almejamos (o sonho da paz), perguntando sempre pelas possibilidades dessa paz. Colocar no centro a palavra Jesus. Esse painel pode ser montado com as crianças do Culto Infantil, com as turmas do Ensino Confirmatório e da Juventude Evangélica ou, quem sabe, com os grupos da Terceira Idade.
Colocar aqui imagens ou palavras
que retratam o tempo (realidade
autal ausência de paz |
J
E
S
U
S |
Aqui colocar imagens ou palavras
que retratam o tempo futuro
(a realidade que almejamos)
a verdadeira paz
|
4. Imagens para a prédica
O significado da paz
Era uma vez … um rei que ofereceu um prêmio ao artista que pintasse o melhor quadro que representasse a paz. Muitos artistas tentaram. O rei olhou todos os quadros. Gostou mesmo de dois e teve de escolher entre eles.
Um quadro retratava um lago sereno. O lago era um espelho perfeito das altas e pacíficas montanhas à sua volta, encimado por um céu azul com nuvens brancas como algodão. Todos os que viram esse quadro acharam que ele era um perfeito retrato da paz.
O outro quadro também tinha montanhas. Mas eram escarpadas e calvas. Acima havia um céu ameaçador, do qual caía chuva e no qual brincavam relâmpagos. Da encosta da montanha caía uma cachoeira espumante. Não parecia nada pacífica.
Mas, quando o rei olhou, ele viu ao lado da cachoeira um pequeno arbusto crescendo numa fenda da rocha. No arbusto, uma mãe pássaro havia feito seu ninho. Lá no meio da turbulência da água feroz, instalara-se a mãe pássaro em seu ninho em perfeita paz.
Qual pintura você acha que ganhou o prêmio? O rei escolheu a segunda. Sabe por quê?
“Porque”, explicou o rei, “paz não significa estar num lugar onde não há barulho, problemas ou trabalho duro. Paz significa estar no meio disso tudo e ainda estar calmo no seu coração. Este é o significado real da paz”.
5. Subsídios litúrgicos
Paz é o sorrir da criança
É a vida que avança sem ninguém contestar
Paz são os sonhos do jovem
Que a vontade promovem de crescer e amar
Paz é um desejo do adulto
Revelado ou oculto de se realizar.
Paz é o amor como lema
Enfrentar o problema é querer resolver
Paz é mais que ausência de guerra
É fazer aqui na terra que todos possam viver
Paz é fazer a partilha
Pois o sol que hoje brilha todos deve aquecer
Paz é o chão dividido
É o pão repartido entre todas as mãos
Paz é justiça e respeito
Aos humanos direitos entre nós cidadãos
Paz é juntarmos os braços
Reduzir os espaços que separam irmãos.
(Coro das Gerações, de José Acácio Santana)
Kyrie:
Em nome dos que choram, Dos que sofrem,
Dos que acendem na noite o facho da revolta
E que de noite morrem,
Com a esperança nos olhos e arames em volta.
Em nome dos que sonham com palavras
De amor e de paz que nunca foram ditas,
Em nome dos que rezam em silêncio
E falam em silêncio
E estendem em silêncio as duas mãos aflitas.
Em nome dos que pedem em segredo
A esmola que os humilha e os destrói
E devoram as lágrimas e o medo
Quando a fome lhes dói.
Em nome dos que dormem ao relento
Numa cama de chuva com lençóis de vento
O sono da miséria, terrível e profundo.
Em nome dos teus filhos que esqueceste,
Filho de Deus que nunca mais nasceste,
Volta outra vez ao mundo!
(autor: Ary dos Santos)
Gesto da paz:
O mundo necessita paz. Nossa comunidade necessita paz. Nem sempre vivemos a paz. Mas na fragilidade se manifesta a graça de Deus. Somos convidados a viver essa realidade em nosso meio. Com o gesto de paz, desejamo-nos mutuamente a paz de Jesus e nos colocamos em prontidão para construir a paz entre nós. Saudemo-nos mutuamente com o gesto da paz.
Oração de intercessão:
(Cada comunidade possui uma dinâmica própria no que se refere à oração. Nesse momento, é importante abrir um espaço para que a comunidade manifeste sua intercessão.)
Após cada oração, a comunidade responde, cantando:
Ouve, Senhor, eu estou clamando, tem piedade de mim e me responde.
Oremos:
L: Querido e amado Deus, agradecemos-te por este momento de culto, de celebração, no qual de maneira tão especial tu vens a nós como força e alimento para a nossa caminhada. Permite que se renove em nós a esperança por dias melhores, a disposição para servir-te com nossos dons e testemunharmos tua vontade sem temor, anunciando a tua vinda e preparando a tua chegada em nosso meio. Acompanha-nos ao final deste culto, fortalecendo em nós a certeza de que, quando nos sentimos fracos, ali tu estás a nos cuidar. Oremos ao Senhor:
C: Ouve, Senhor, eu estou clamando: Tem piedade de mim e me responde.
L: Senhor! É na fragilidade que tu manifestas a tua graça. Nossas comunidades, nosso mundo, nossa sociedade anseiam por esse entendimento. Conceda- nos a graça de perceber essa manifestação. Chegamos à tua presença para clamar por mãos envolvidas no projeto de paz neste mundo. Oremos ao Senhor:
C: Ouve, Senhor, eu estou clamando: Tem piedade de mim e me responde.
L: Senhor! Queremos nos lembrar de todas as comunidades da IECLB neste Brasil tão diverso e tão frágil. Oramos para que as comunidades sejam sensíveis à fragilidade humana, sabendo que tu, ó Deus, tomas conta da vida de todos através de Jesus Cristo. Tu caminhas ao nosso lado, dando-nos força em nossa fragilidade, para que possamos seguir em frente com segurança. Nosso pedido é que tu nos conduzas! Oremos ao Senhor:
C: Ouve, Senhor, eu estou clamando: Tem piedade de mim e me responde. (espaço para a comunidade)
C: Ouve, Senhor, eu estou clamando: Tem piedade de mim e me responde.
L: Senhor Deus! A ti entregamos essas intercessões, na certeza de que tu nos ouves e respondes com o teu amor por nós; por Jesus Cristo, teu filho amado, nosso Senhor e Salvador. Amém.
Sugestão de hinos:
Mil anos de paz, de Rodolfo Gaede Neto, e
Há sinais de paz e de graça, de Lindolfo Weingärtner (Hinos do Povo de Deus – vol. 1 – n° 165).
Sugestão de leitura:
Muito longe de casa – Memórias de um menino soldado, de Ishmael Beah.
Bibliografia
LANCELLOTI, A. e BOCALLI, G. O Evangelho da Libertação Segundo Lucas. Petrópolis: Editora Vozes, 1972.
MORRIS, Leon L. O Evangelho de Lucas. São Paulo: Vida Nova, p. 206 -208. STÖGER, Alois. O Evangelho segundo Lucas – 1ª parte, Petrópolis: Ed. Vozes, 1973. p. 368-378.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).