Proclamar Libertação – Volume 37
Prédica: Lucas 17.5-10
Leituras: Habacuque 1.1-4; 2.1-4 e Salmo 95
Autor: Odair Braun
Data Litúrgica: 20º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 06/10/2013
1. Introdução
O período do ano eclesiástico e, de modo especial, os textos deste domingo fazem voltar os olhos para a fé e a persistência nos tempos árduos e complexos da caminhada, tempos esses que, muitas vezes, se colocam diante de nós com relativa intensidade, ao passo que, em outros momentos, parecem estar distantes, pois tudo está bem e as alegrias e realizações são abundantes. Contudo, as passagens deste domingo querem evidenciar que o cristão não tem como fugir do sofrimento.
Querem fazer perceber que, quando tais tempos se colocarem no horizonte, é necessário ter os olhos fixos no Senhor, que venceu a morte: Cristo Jesus. O profeta Habacuque atuou em 605 e 597 a.C., período de domínio dos assírios, os quais haviam destruído o Estado de Israel em 722 a.C. Habacuque passou a atuar em tempos de dificuldades, perseguição e incertezas, ou seja, quando o povo não sabia como seria o dia de amanhã. Em meio a esse quadro, ele se voltou a Deus, interpelando-o, assim como podemos ver na passagem de Habacuque 2.13. Na verdade, parece que Habacuque estava questionando Deus sobre seu suposto silêncio frente à violência que o povo estava sofrendo, fato que contradizia o projeto de vida de Deus. N. Kilpp, no PL 17, expressa bem o questionamento que parece ser o pano de fundo desse profeta: a realidade não prova que a nossa fé é ilusão? Diante desse questionamento, podemos ver que é justamente nesses termos que muitos hoje se expressam em diferentes meios.
Por sua vez, a passagem do evangelho evidencia que cristãos podem e certamente se depararão com crises e dificuldades, com escândalos, falta de humildade, desejo de não proporcionar o perdão. Esses e diversos outros aspectos que poderíamos citar confundem a fé em Cristo e mesmo a questionam e interrogam. Assim surge o clamor: aumenta-nos a fé, em torno da qual deve perpassar a mensagem deste domingo.
2. Exegese
Na passagem de Lucas 17.5-10, fica evidente que Jesus se contrapõe a toda e qualquer forma de opressão que possa ser imposta ao povo de qualquer tempo e lugar. Da mesma forma, evidencia-se que Jesus quer e requer seguimento e fé incondicional a seus ensinamentos. Deixa também transparecer que a decisão de seguir a Jesus e aos ensinamentos de Deus requer decisão, quando não disposição para contrariar regras postas. O prêmio desse caminho a ser empreendido será a salvação. Portanto a passagem evidencia que, por meio da fé e da plena entrega ao seguimento de Jesus, alcança-se vencer aquilo que parece impossível aos nossos olhos. Assim, revela a passagem, a nossa força provém de Deus, força e sustento da caminhada, alvo de todo o nosso agir. Para alcançar esse fim, para chegar a esse alvo, torna-se essencial aquilo que é manifesto e expresso no versículo 5 do texto em apreciação, ou seja: aumenta-nos a fé.
3. Meditação
Vocês conseguem imaginar uma fé capaz de arrancar uma árvore? Parece já ser bastante ter uma fé sólida e que enfrenta as consequências do dia a dia e as tantas agruras. Já é muito uma fé que gera entrega e confiança, uma fé que leva a superar o medo do que há de vir, uma fé que sustenta o amor em meio às dificuldades. Tal fé de fato já é muita coisa. Talvez o suficiente. Mas eu pergunto: Conseguimos imaginar uma fé que é capaz de transportar árvores, assim como a passagem deste dia indica?
Quem sabe, vocês se recordam das pessoas nas quais puderam observar uma fé inabalável. Muitos poderiam testemunhar a esse respeito e dar exemplos.
Quem sabe, perante essas pessoas vocês tenham pensado: “Tão firme na fé eu também gostaria de ser”. Quem sabe, até mesmo se apresente uma sensação de inveja ao ver no outro uma fé tão forte e firme. Quem sabe, ao ouvir o texto você também tenha se perguntado: como reagirá a minha fé em um momento crítico? Como ela se portará se, porventura, eu me encontrar com uma enfermidade grave? Como ficará a minha fé diante da morte de alguém amado?
Quando olhamos para nós mesmos e para a nossa fé, então, muitas vezes, certamente ficamos um tanto receosos. Afinal, não somos tão fortes e firmes como o texto descreve. Será então que há algo de errado com a nossa fé? Por isso faz bem ouvir que também os discípulos que conviviam com Jesus não tinham tamanha fé. Mas, mesmo assim, são hoje apresentados como discípulos, responsáveis pela propagação da boa-nova em meio às primeiras comunidades cristãs, quando certamente as dificuldades eram maiores do que nos dias atuais. E com isso somos recordados: esses, mesmo fracos na fé, são os pilares sob os quais se erigiu a igreja cristã. E isso deve ser desafio e exemplo para cada um de nós ainda hoje.
O texto em questão relata uma das colocações dos referidos discípulos. Ali ouvimos “aumenta-nos a fé”. Isso mostra que também os discípulos tinham medo e dúvidas em seu coração. Jesus havia lhes falado coisas que os questionavam profundamente. Nos v. 1 e 2 do texto lemos: “Disse Jesus a seus discípulos: É inevitável que venham escândalos, mas ai do homem pelo qual eles vêm! Melhor fora que se lhe pendurasse ao pescoço uma pedra de moinho, e fosse atirado no mar, do que fazer tropeçar a um destes pequeninos”. Vejam que estamos diante de uma advertência severa. E cada advertência traz consigo o compromisso de atuar e agir, a fim de evitar que tal coisa, fato ou situação se torne realidade.
Quem sabe, os discípulos entreolharam-se assustados; assim como certamente se entreolharam assustados por ocasião da última ceia, quando Jesus afirmou que um deles iria traí-lo. Quem será capaz de afirmar como sua fé irá reagir em situações de dificuldade? Certamente há muitas situações perante as quais não é fácil e simples persistir na fé.
Os discípulos sabiam disso. Por isso levam muito a sério as advertências de Jesus. Também por isso olham com medo para a sua fé. Estão preocupados se, de fato, ela suportará situações mais difíceis. E é justamente por isso que clamam a Jesus: Aumenta a nossa fé. Mas, no texto em questão, Jesus não falou somente da tentação. Podemos perceber que ele incentiva os discípulos a praticar a entrega e o perdão. Podemos perceber que Jesus incentiva os discípulos para que perdoem. Assim ele diz no v. 4: “Se, por sete vezes no dia, pecar contra ti e, sete vezes, vier ter contigo, dizendo: Estou arrependido, perdoa-lhe”. Quem pode fazer isso? É provável que essa passagem tenha deixado os discípulos ainda mais assustados. Afinal, será possível dispor de uma fé que perdoa e perdoa sempre de novo?
Senhor, aumenta a nossa fé! Assim pedem os discípulos de Jesus, assustados. Isto é, os discípulos disseram: Dá-nos essa força para que, quando formos questionados, possamos ter força e capacidade para resistir! Não é justamente isso o que também nós muitas vezes pensamos? E como Jesus reage diante do pedido dos discípulos? Ele não responde assim como nós esperamos. Ele não diz: Não tenham medo, a vossa fé lhes basta, ou: Não tenham medo, eu aumentarei a vossa fé. A nosso ver, isso seria muito mais consolador. Na verdade, a resposta de Jesus até mesmo traz mais incerteza.
No v. 6 observamos: “Respondeu-lhes o Senhor: Se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a esta amoreira: Arranca-te e transplanta-te no mar; e ela vos obedecerá.” A resposta de Jesus leva em consideração o pedido dos discípulos, mas dá a ela bem outra direção. Nada depende do tamanho da fé. Jesus não coloca regras a serem seguidas pelos discípulos e que levarão a uma fé inabalável. Ele quer tão somente pessoas com fé que confiem nele e no Pai. Isso é a segunda dimensão da qual devemos falar hoje. O pedido por fé maior foi a primeira. A outra diz respeito ao fato de Jesus querer pessoas que confiam nele e no Pai. Por isso responde de modo tão surpreso e diz: “Se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a esta amoreira: Arranca-te e transplanta-te no mar; e ela vos obedecerá”.
Não se trata das nossas capacidades e da força de nossa fé. Não se trata de mudar à força aquilo de que não gostamos. Trata-se, sim, de deixar Deus agir. Isto é fé que confia em Deus verdadeiramente. Quem crê não está livre de problemas e dificuldades. Crer não é garantia de que o medo não tome conta de nosso coração e que incertezas porventura não venham a se abater sobre nós. A fé não nos torna imunes à fraqueza e à falta de amor. A fé não é um artigo técnico, tal como um programa de computador, que é instalado e usado no dia a dia, podendo ser trocado por outro a qualquer momento.
Nos dias de hoje, facilmente pensamos que tudo pode ser transformado em propriedade particular. Há cursos e métodos que supostamente nos ajudam a fazer isso melhor. Não nego que ajude. Contudo, há o perigo de com isso confundirmos a fé com um aparato técnico, esquecendo-nos da dimensão espiritual. Abre-se então o perigo de comparar a fé entre as pessoas. Fazemos então julgamentos: Aquele não tem fé! Aquele tem fé fraca! Este precisa de mais fé! Facilmente também se passa a afirmar que aquele que tem medo tem uma fé fraca e que a mesma precisa ser mais desenvolvida. Isso se torna um grande perigo, uma falácia e armadilha. Jesus sabe desse perigo e por isso trata de desviar nosso olhar da força de nossa fé. Ele não quer que confiemos somente em nossa própria força. Jesus presenteia a fé que ultrapassa as nossas possibilidades. Ele presenteia a fé que deseja nos fazer partícipes da ação misericordiosa de Deus.
Aquele que crê não pergunta sobre si, mas por Deus e sua Palavra. Pergunta sobre o caminho de Deus e sobre os seus desejos em todas as situações da vida. Muitas vezes sozinhos, não temos forças para tal. Então pode ajudar o confiar numa pessoa que conosco senta e ora. Também isto, esse confiar na outra pessoa, faz parte da fé da qual Jesus nos fala. Então a fé pode tornar-se como um grão de mostarda, que gera uma grande árvore. Essa fé não se volta a si mesma e não confia somente em sua própria força, mas se entrega e confia na força de Deus.
O tamanho da fé não faz a diferença. Se ela for pequena como um grão de mostarda, não importa. A fé não pode ser medida ou quantificada. Não é a fé que é ou que precisa ser grande. Deus é grande, e nele a fé se sustenta. E por isso, somente por isso, que a fé atua e tem força. Certamente desejaríamos ter em nosso bolso nossa própria força e fé. Esse é o desejo de nós humanos. Gostamos de fazer tudo sozinhos, com nossas próprias forças, com nossas próprias mãos. Perante Deus não é assim. Ele, na hora certa e oportuna, concede a palavra certa e a fé necessária. Não é em nós que devemos confiar, mas em Deus. Aumenta-nos a fé! Podemos entender esse pedido dos apóstolos. Também nós clamamos assim às vezes. Deus não nos dá a força de antemão para que tão somente confiemos em nossas próprias capacidades. Ele nos dá a sua palavra e o testemunho de sua vida.
4. Imagens para a prédica
Muitos são os exemplos de pessoas que superam e vencem situações complexas em sua vida. A causa certamente é uma conjugação de fatores. Contudo, a nosso ver, são fundamentais a determinação e o olhar com o qual resolvemos enfrentar as questões. Para nós cristãos (assim podemos dizer), fundamental é a fé com a qual encaramos a situação que se coloca diante de nós. Martin Gray, um sobrevivente do gueto de Varsóvia e dos campos de concentração, reconstruiu sua vida, teve sucesso, casou e teve filhos. Morava no sul da França quando um incêndio florestal matou toda a sua família. A dor da perda e o sofrimento que isso causou eram imensos, como bem podemos imaginar. Em meio à sua dor, ele criou um movimento de proteção à natureza de incêndios futuros. A vida, concluiu ele, tem de ser vivida por alguma coisa e não contra alguma coisa.
5. Subsídios litúrgicos
“Não podemos, ó Deus,
Pedir-te simplesmente que acabes com a guerra.
Pois sabemos que fizeste o mundo
De maneira que o homem pode encontrar
Seu próprio caminho para a paz.
Dentro de si e com seu vizinho.
Não podemos simplesmente pedir-te que acabes com a inanição;
Pois já nos deste recursos
Suficientes para alimentar o mundo todo
Se os utilizarmos com sabedoria.
Não podemos, ó Deus, pedir-te simplesmente
Para acabar com o preconceito,
Pois já nos deste olhos
Para vermos o bem nos olhos de todos os homens,
Bastando usá-los corretamente.
Não podemos, ó Deus, pedir-te simplesmente que acabes com o desespero,
Pois já nos deste o poder
De eliminar as favelas e distribuir esperança,
Se formos capazes de usar o nosso poder com justiça.
Não podemos, ó Deus, pedir-te simplesmente
Que acabes com a doença,
Pois já nos deste grandes inteligências
Para pesquisar e descobrir as curas,
Só nos faltando usá-las construtivamente.
Assim, em vez disso tudo, nós te pedimos, ó Deus,
Fortaleza, determinação e vontade,
Para fazermos e não apenas orarmos,
Para sermos e não simplesmente desejarmos”.
Jack Riemer
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).