Um Messias diferente
Proclamar Libertação – Volume 40
Prédica: Lucas 19.28-40
Leituras: Salmo 118.1-2,19-29 e Filipenses 2.5-11
Autoria: Jorge Batista Dietrich de Oliveira
Data Litúrgica: Domingo de Ramos
Data da Pregação: 20/03/2016
1. Introdução
O Domingo de Ramos, também chamado de Domingo da Paixão, abre a Semana Santa. Celebramos a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, poucos dias antes de ele sofrer a paixão e morte. Esse relato encontra-se nos quatro evangelhos, porém com alguns detalhes diferentes.
Existe uma clara relação entre os textos previstos para este domingo: Jesus é reconhecido como o enviado de Deus, o Messias, o Bendito que vem em nome do Senhor. Essa é uma citação do Salmo 118.26. Despojado dos tradicionais aparatos dos reis, Jesus apresenta-se de modo humilde e pacífico. Traz a inversão de um sistema que se apoia na violência e na força das armas. Desperta nos sacerdotes e mestres da Lei o medo de perder o poder. Por isso a tentativa de calar aqueles que aclamam Jesus como Messias. Já o texto de Filipenses 2.5-11 apresenta um antigo hino que descreve as várias etapas do mistério de Cristo. Ele é o modelo de humildade, pois, embora tivesse a mesma condição de Deus, tornou-se simples homem, abrindo mão de qualquer privilégio e sofrendo até a morte na cruz. Por isso Deus ressuscitou-o e o colocou no posto mais elevado como Senhor.
2. Exegese
V. 28-34 – Betânia era uma aldeia que ficava cerca de três quilômetros de Jerusalém, e Betfagé ficava no subúrbio da capital, sendo considerada o limite externo da cidade. Jerusalém, a cidade santa, atraía pessoas de todos os lugares e, por ocasião das grandes festas, acolhia enorme multidão de peregrinos. Jesus está indo a Jerusalém para ser reconhecido como o Messias e para assumir a cruz, mas ele não entra na capital despercebido nem sozinho. Ele organiza uma espécie de procissão. Manda dois discípulos buscarem um jumentinho para nele montar, um simples jumento. Isso mostra a humildade de Jesus. Contudo não deveria ser qualquer jumento. Deveria ser um animal que ninguém ainda havia montado. Isso mostra a realeza de Jesus, pois era costume que para uso real ou sagrado o animal fosse assim (cf. Nm 19.2; 1Sm 6.7). Os discípulos vão sem questionar e seguem todas as instruções do mestre. Encontram o jumentinho e fazem como Jesus ordenou. Provavelmente os donos do animal eram amigos de Jesus e, ao saber para quem era o jumento, permitem que os discípulos o levem.
V. 35-38 – Na falta de arreios e cela, os discípulos preparam o animal com suas próprias capas empoeiradas para que Jesus possa montá-lo. Normalmente, um rei entraria na cidade montado num cavalo, que era usado nas batalhas, por isso símbolo de força e poder. Mas Jesus escolhe um jumentinho, que era a montaria de um homem de paz. E já bem perto da cidade, a multidão irrompe em gritos de alegria e louvores a Deus. Interessante observar que quem saúda Jesus são os discípulos, aqueles que vinham com ele na caravana de peregrinos. Somente em Lucas e João aparece a aclamação de Jesus como Rei, palavra que aparece poucas vezes nos evangelhos. Jesus é “o rei”, embora não o tipo de rei que o povo queria. Ele é sim o Messias, o enviado de Deus que vem para salvar o seu povo. No entanto, seus seguidores acreditam na tomada de poder por parte de Jesus. Finalmente teria fim o pesado jugo romano. Justiça, paz e prosperidade reinariam na terra de Israel. Lucas não menciona os ramos nem a aclamação Hosana. Cita as palavras do Salmo 118.26: Bendito o que vem em nome do Senhor, mas, diferentemente de Mateus e João, não faz uma referência direta à profecia de Zacarias 9.9, que diz que o rei de Sião viria montado num jumentinho, cria de jumenta.
E a multidão faz um tapete com suas roupas para que Jesus passe, conforme o costume de dar boas-vindas aos reis ou a outras pessoas importantes (cf. 2 Rs 9.13). Somente Lucas informa que a aclamação incluiu Paz no céu e glória nas maiores alturas, fazendo uma relação com o louvor dos anjos no nascimento de Jesus (cf. 2.14) e confirmando que ele é o Salvador. Ele vem para reconciliar o ser humano com Deus.
V. 39-40 – Os fariseus consideravam tais expressões messiânicas um tipo de blasfêmia, pois tratavam Jesus como um simples homem. Por isso começam a reclamar do Mestre e pedir que repreenda seus seguidores. Recebem a resposta de que, se as pessoas se calarem, as pedras falarão. Parece ser um dito proverbial que lembra Habacuque 2.11: Porque a pedra clamará da parede, e a trave lhe responderá do madeiramento. Ou seja: não há como sufocar essas vozes. Se elas se calarem, outras vão clamar, pois nada pode impedir que Jesus seja aclamado como o Messias. Também apresenta uma clara relação com a perícope seguinte, onde Jesus chora sobre Jerusalém e anuncia que o juízo de Deus não deixará pedra sobre pedra nessa cidade como consequência da sua rejeição ao enviado de Deus (Lc 19.41- 44; 21.5-6, 20-24). As pedras serão testemunhas de que Jesus e seus seguidores estavam com a razão.
3. Meditação
Domingo de Ramos marca a entrada de Jesus em Jerusalém e o início da paixão, morte e ressurreição daquele que é exaltado e recebe o nome de Senhor. Diante dele todo joelho se dobrará e toda língua confessará que ele é Senhor. Os textos relacionados para este domingo oferecem muitos elementos a serem explorados. No entanto, o pregador e a pregadora não deveriam esquecer a relação entre a aclamação de Jesus como Rei e sua paixão e morte. A cristandade deve ser lembrada daquilo que Deus fez por nós através de Jesus Cristo e assim convidada a preparar a grande festa da Páscoa. A seguir, apresento uma proposta
de mensagem.
Havia um clima de festa em Jerusalém. De todos os lugares chegavam pessoas e hospedavam-se na cidade. Vinham para participar da grande celebração da páscoa judaica. Jesus também foi à cidade santa, mas não entrou na cidade como um peregrino qualquer. Ele organizou, junto com seus discípulos, uma entrada triunfal semelhante à entrada de um rei. O povo simples, que já ouvira falar de Jesus, aclamou-o cheio de alegria e esperança, pois ele era apontado como o ungido de Deus, o Rei que viria para restaurar a dinastia de Davi.
E, mesmo que Lucas não mencione Zacarias 9.9, é difícil não associar esse evento com a profecia: Alegra-te muito, ó filha de Sião, exulta, ó filha de Jerusalém: eis aí te vem o teu Rei, justo e salvador, humilde, montado em jumento… Conforme o profeta anunciou, assim aconteceu. Por isso a entrada de Jesus em Jerusalém tem a aparência de um evento messiânico, com cortejo e aclamação popular. Jesus é recebido como o Messias, o Rei e Salvador de Israel. Isso parecia ser um sinal de novos tempos. Finalmente, o curso da história tomaria outro rumo. O Messias interviria com braço forte e os libertaria da escravidão política e econômica imposta pelos romanos e da opressão religiosa, que massacrava todos com rigores excessivos e leis absurdas. Por isso as pessoas receberam Jesus aos gritos com as palavras: Bendito o que vem em nome do Senhor! Afinal, muitas delas viram Jesus ressuscitar Lázaro em Betânia havia poucos dias e estavam maravilhadas. Depositavam em Jesus a esperança por uma radical transformação. Pensavam na restituição do glorioso reino de Davi e no apogeu dos tempos de Salomão.
Mas esse mesmo povo se tinha enganado no tipo de Messias que Jesus era. Jesus mostra-se um rei bem diferente do que o esperado, do que era a expectativa daquele povo. Ele vem cercado pelo povo simples da Galileia, sem nome e sem expressão, povo que estende a Jesus suas roupas suadas da peregrinação para que Jesus possa passar por cima delas. Ele entra montado num jumentinho, não num cavalo, que era símbolo de guerra, um simples animal de carga que nem era seu. Era emprestado. Humildade e santidade: essas são as características principais que esse rei tem, não a pompa de um imperador nem os armamentos de um legionário, mas a simplicidade de alguém que é escolhido por Deus para trazer a paz. Ele é o príncipe da paz que veio para restaurar a paz entre as pessoas e Deus. Esse rei é bem diferente dos demais. Um rei pobre, aparentemente sem poder, que rejeita o uso da força e da violência.
Por isso essa mesma multidão, que agora o aclama com júbilo, poucos dias depois, incitada pelos sacerdotes, gritará: Crucifi ca-o! O que aconteceu? Pelo que tudo indica, o povo esperava um outro Messias do que aquele que de fato veio. Jesus não corresponde às expectativas populares. O povo enganou-se com Jesus, pois esperava dele uma mudança de regime, um novo governo que traria paz e justiça social. Jesus frustra as esperanças até mesmo de seus seguidores. Os objetivos de Jesus são bem mais radicais. Ele não veio para substituir um governo por outro com as mesmas regras do jogo. Jesus veio para promover uma mudança radical no centro de todo o relacionamento humano: no coração das pessoas. Jesus não veio para impressionar nem se rende à tentação de usar a força para impor o seu reino. Jesus não veio para sentar-se no trono da dinastia herodiana nem veio com exércitos e soldados armados para derramar sangue e para conquistar a cidade pela força. Mas era justamente isso que o povo esperava! Por isso veio a frustração, que vai acabar no grito de “Crucifi ca-o!”.
Jesus ensina humildade em lugar de exibição de glória e poder. Pratica a misericórdia em lugar de brutalidade e violência, porque a sua missão é uma missão de paz. E Jesus tentou mudar a forma do ser humano pensar, agir e sentir, não pela força, mas pelo amor. Pois somente a força do amor é que pode mudar as pessoas e, mudando as pessoas, mudar o mundo.
Parece que a história não mudou. Hoje, como naquele dia, há homens e mulheres, jovens e idosos que aclamam Jesus como Senhor e Salvador. Muitos buscam em Jesus apenas a solução para as suas necessidades materiais. Não estão interessados no perdão e na salvação que Jesus dá. Quando ouvem falar de Jesus, ficam entusiasmados, mas, quando Jesus não condiz com as suas expectativas, abandonam-no, assim como o povo de Jerusalém.
E aí as pedras precisam clamar. Isso acontece cada vez que calamos diante de uma injustiça. Cada vez que desperdiçamos a oportunidade de praticar o amor que Jesus viveu e ensinou. Cada vez que viramos as costas para os mais necessitados. E aí as pedras precisam falar do que os seguidores de Jesus já não conseguem ou não querem mais falar.
Que nesse Domingo de Ramos Jesus seja aclamado como rei em nossa igreja, em nossos lares, em nossos corações. Ele é o nosso rei. Como o apóstolo Paulo escreveu aos filipenses: Jesus foi exaltado e recebeu o nome que está acima de todo nome. Para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor… (Fp 2.9s). Jesus veio para que, com corações transformados, deixemos de lado práticas injustas, hipócritas, interesseiras e busquemos a prática do amor, da justiça, da solidariedade e da paz.
4. Imagens para a prédica
Mesmo que o evangelho deste domingo não mencione os ramos, penso que eles não deveriam faltar. Exploramos pouco essa simbologia. Proponho ornamentar a entrada do templo com um grande tapete feito de capas e ramos: um caminho ligando a entrada do templo à cruz no altar. Essa poderia conter alguns ramos em sua base e um pano vermelho pendurado em um de seus braços. Na chegada para o culto, cada pessoa poderia receber um pequeno ramo, que seria utilizado na liturgia.
5. Subsídios litúrgicos
O louvor do povo que acolhe Jesus como rei na chegada a Jerusalém move–nos a louvar esse Deus que vai até as últimas consequências em Cristo e morre para nos salvar. Movido por esse sentimento, creio que podemos abrir uma exceção e incluir o Glória nesta liturgia. Assim proponho:
Acolhida
Rendei graças ao Senhor, porque ele é bom, porque a sua misericórdia dura para sempre.
Com essas palavras do Salmo 118.1, saudamos todos e todas neste Domingo de Ramos, início da Semana Santa. Somos convidados e convidadas por Deus a meditar no sofrimento e paixão de nosso Senhor Jesus Cristo. Que possamos render graças ao Senhor, nosso Deus, porque seu amor é sem fim.
Canto de entrada
HPD 392: Salmo 118 – Rendei graças ao Senhor. Que seu amor é sem fim.
Saudação
Canto de invocação
Invocamos a presença do Espírito Santo, cantando: HPD 365 – Vem, Espírito Santo, vem, vem nos congregar.
Confissão de pecados
Neste domingo, a palavra de Deus recorda-nos o que o Senhor fez e faz por nós através de seu Filho Jesus. Ao mesmo tempo, essa palavra nos convida a revisar nossa vida. Confessemos, então, os nossos pecados a Deus: Deus de bondade, ouve a confissão dos teus filhos e das tuas filhas. Livra-nos do sentimento de culpa, pois confessamos que muitas vezes transgredimos teus mandamentos e os ensinamentos de teu Filho amado, Jesus Cristo. Pecamos em pensamentos, palavras e ações, seja pelo que temos feito e pelo que temos deixado de fazer. Nem sempre damos a glória devida a teu nome. Por vezes, buscamos a nossa própria glória. Perdoa-nos e orienta-nos para que encontremos a verdadeira alegria em cumprir a tua vontade e seguir os teus caminhos para a glória de teu Santo Nome. Amém.
Anúncio do perdão
Bendito seja aquele que vem em nome do Senhor! Jesus levou sobre si os nossos pecados para que nós, perdoados por Deus, encontremos a paz. Como ministro/ministra chamado/chamada e ordenado/ordenada pela Igreja de Jesus Cristo, declaro a vocês o perdão de todos os seus pecados, em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo (+).
Kyrie
Gratos pelo perdão de Deus, queremos lembrar-nos das pessoas que sofrem, daqueles e daquelas que vivem em condições desumanas e ameaçadas por todo tipo de violência e injustiça. Intercedemos pelas dores deste mundo, cantando: Pelas dores deste mundo, ó Senhor…
Glória in excelsis
Assim como o povo de Jerusalém, também nós podemos aclamar o Senhor Jesus Cristo, cantando Gloria p’ra sempre ao Cordeiro de Deus (HPD 471).
Oração do dia
Deus de graça e misericórdia, que através de Jesus revelaste a tua paixão por nós: envia o teu Santo Espírito para falar aos nossos corações através da tua palavra. Que possamos compreender o teu chamado e dispor-nos a servir. Que possamos através de nossas vidas render glórias ao teu nome. Desperta em nossos corações a paixão por aquilo que faz a vida de todos florescer, crescer e desenvolver-se cada vez mais em tua paz. Por Jesus Cristo, na unidade do Espírito Santo. Amém.
Hino – Louvemos todos juntos o nome do Senhor (HPD 349).
1ª leitura bíblica – Salmo 118.1-2,19-29
Hino – Pela Palavra de Deus saberemos por onde andar (HPD 381)
2ª leitura bíblica – Filipenses 2.5-11
3ª leitura bíblica – Lucas 19.28-40
Pregação
Hino – Hosana hey! Hosana ha! (HPD 372)
Bibliografia
KODELL, Jerome. El Evangelio de San Lucas. Collegeville: The Liturgical Press, 1995.
MORRIS, Leon. L. Lucas: introdução e comentário. Edições Vida: São Paulo, 1986.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).