Jesus na história do povo
Proclamar Libertação – Volume 41
Prédica: Lucas 2.15-21
Leituras: Números 6.22-27 e Filipenses 2.5-11
Autoria: Teobaldo Witter
Data Litúrgica: Ano Novo (Nome de Jesus)
Data da Pregação: 01/01/2017
1. Introdução
Deus, Pai Eterno.
A luz, Emanuel.
Jesus, Palavração.
Espírito, vida plena.
Estamos em um momento muito significativo para as famílias e comu-nidades. Viemos do tempo de Advento, quando a Palavra nos chamou para a preparação individual e comunitária com vistas à presença de Deus Emanuel, Deus-conosco. Veio o Natal de Jesus com cultos que encerraram um processo de preparação e realização da obra de Deus. Entre Natal e Ano Novo há um certo vazio. Ou, para outras pessoas, recesso, preparação para o início das férias. Dia 1º de janeiro inicia o Ano Novo. O clima de fim e de começo entra em órbita, meio sem jeito, porque parece tudo muito diferente do que a agitação dos últimos meses. Às vezes, a gente nem consegue se localizar nesses tempos de mudanças. Nas igrejas e nas praças, já inicia a desmontagem dos presépios e outros orna-mentos com mensagem natalina. As músicas de Natal, antes abundantes, agora nem são mais cantadas. O novo ano já veio, mas o velho permanece vivo em nossas memórias, em nossos sentidos.
Lembro ainda que as mensagens do Natal e do Ano Novo são para todos os seres humanos. Não são tempos apenas para as pessoas com saúde, bem resolvidas e que podem gozar do bem-estar numa época de gastança. Estão incluídas também as pessoas para as quais muitas coisas dão errado: doentes, endividadas, preocupadas, em dificuldades de relacionamento etc. Nesse contexto acima, olhamos para os textos indicados para a pregação e leituras, seu conteúdo e mensagem para a vida.
Os textos acima indicados foram trabalhados em vários auxílios para o anúncio do evangelho nos volumes anteriores de Proclamar Libertação. Isso é realizado de uma forma muito linda. Apesar de serem textos bem conhecidos, os autores e autoras são criativos e sempre trazem boas novidades em cada auxílio. Seguindo o exemplo, também no presente trabalho, apresento elementos pertinentes novos. Boa leitura e reflexão. Deus, pelo Espírito Santo, nos entusiasme na missão de anunciar a Palavra e meditá-la na mente e no coração.
Quanto às leituras, Números 6.22-27 traz a bênção sacerdotal: “o Senhor te abençoe e te guarde” (v. 24). Saber-se abençoado por Deus é um imenso consolo e compromisso. Não estamos sozinhos em nossas opções de vida e em jeitos de viver. “O Senhor tenha misericórdia de ti” (v. 25b). Deus sofre de coração por causa de nossas misérias. Que consolo! “O Senhor sobre ti levante o seu rosto e te dê a paz” (v. 26). Deus mostra a sua face. Deus fala: “Tu és o meu filho amado, em ti me comprazo” no batismo de Jesus Cristo (Mc 1.9-11). Deus dá a sua paz. Paz seja com vocês, diz Jesus (Jo 20.26b). Na bênção e na promessa de vida e salvação de Deus, a comunidade está muito bem cuidada e esperançosamente pro- vocada para proclamar as maravilhas de Deus, louvando e glorificando seu nome (Lc 2.20) por tudo o que o tem ouvido no Advento e Natal. Quero ainda lembrar do testemunho de Dietrich Bonhoeffer, que no livro “Resistência e Submissão”, nas cartas e anotações escritas na prisão, expressa o sentimento vivido também nesta época do ano. Sobre Natal, em carta circular de novembro de 1943, ele escreve:
[…] Caso eu ainda esteja no cárcere por ocasião do Natal, não fique abatido por causa disto. De fato não tenho medo disso. Como cristão, pode-se festejar o Natal também na prisão […] (BONHOEFFER, 2003, p. 181).
Na noite de Natal de 1944, quatro meses antes de ser executado, compõe a poesia e o belo hino:
Por bons poderes sinto-me cercado: Maravilhosamente bem guardados,/confiantes esperamos o porvir./De noite e dia em Deus aconchegados/ e assim em cada dia que surgir.
Na prisão, e não na igreja, em meio a luta e sofrimento, dores e angústias, sente-se amparado e bem guardado. Na prisão, ele escreve, vive em comunhão e compõe músicas que marcaram sua vida.
Bonhoeffer parece ter entendido a palavra de Filipenses 2.5-11 no que se refere à opção de Jesus, que “[…] a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se obediente até a morte e morte de cruz” (v. 7-8). E escreve:
Cristo sofreu em liberdade, na solidão, à margem e em desonra, no corpo e no espírito, desde então muitas pessoas cristãs com ele. […] Continua sendo uma experiência de valor incomparável termos aprendido a olhar os grandes eventos da história do mundo a partir de baixo, da perspectiva dos excluídos, dos que estão sob suspeita, dos maltratados, dos destituídos de poder, dos oprimidos e dos escarnecidos, em suma dos sofredores (BONHOEFFER, 2003, p. 40, 43).
Concluímos que estamos sendo provocados para ouvir a narrativa e a mensagem dos acontecimentos que o Senhor nos deu a conhecer em meio ao povo sofredor (Lc 2.15) e confessar que Jesus Cristo é o Senhor para a glória de Deus Pai (Fl 2.11). Assim, iniciamos o Ano Novo sob a bênção e a misericórdia de Deus Triúno no compromisso ético comum da defesa e da promoção da dignidade da criação.
2. Exegese
V. 15 – E aconteceu que, ausentando-se deles os anjos para o céu, dis- seram os pastores uns aos outros: Vamos, pois, até Belém, e vejamos isso que aconteceu, e que o Senhor nos deu a conhecer.
Um fenômeno aconteceu. Ele impactou a vida, as percepções, os sentidos e a razão das pessoas. Pelas notícias, testemunhado inclusive por anjos, o acontecido não pode ficar oculto. Sim, um “menino nasceu”, que é o Salvador, é Cristo… veio dos altos céus. Veio para ficar e ser Emanuel, Deus conosco. Bateu a curiosidade nos pastores de ovelhas no campo. Decidem verificar o que há nesse fenômeno: “Vamos… e vejamos o que aconteceu, o que Deus nos deu a conhecer”. O fenômeno não é para ser admirado a distância, pois ele coloca tudo em movimento. Louvor e glória a Deus são ensinados, são revelados. Deus, em Jesus, deu-se a conhecer como o Deus que se importa com tudo e com todos. Natal: o Filho é luz. / O Filho desce e toca./ E deixa resplandecer a luz/ A luz toca as pessoas… Tocadas pela Palavra, as pessoas se mobilizam. Vão ao encontro da manjedoura, ao encontro do menino, ao encontro da vida. O fenômeno revela e mobiliza para ir ao encontro do povo-criança-mãe-pai que não tem lugar para nascer. Sendo assim, os pastores vão ao encontro de sofredores.
V. 16 – Foram, apressadamente, e acharam Maria, José e a criança deitada na manjedoura.
Não se encontra Deus fora da manjedoura. A palavra manjedoura significa cocho na estrebaria, onde comem vacas e cavalos. Ali têm palha, pasto, alimento de animais. Serviu de berço para o menino Jesus. A palavra manjedoura (ebus, no hebraico) é mencionada duas vezes no Antigo Testamento: em Jó 39.9, no diálogo de Deus com Jó, e em Isaías 1.3, quando diz que o jumento conhece o dono de sua manjedoura. No grego do Novo Testamento, temos o vocábulo phátne, “manjedoura”, usado somente em Lucas (2.7,12,16). No Antigo Testamento, a referência é a uma espécie de caixa ou gamela, em que era servida a forragem oferecida aos animais. O termo grego phátne refere-se mais a uma manjedoura ou estábulo.
Na época, os migrantes e viajantes pobres não encontravam abrigo e abrigavam-se junto aos animais. Há algo de muito apropriado nisso, pois o Logos, o Filho de Deus, em sua encarnação, humilhou-se, em sua fidelidade foi ao “fundo do poço”, morto e ressuscitou, sendo revelado e glorificado universalmente.
Segundo informações da biblioteca bíblica (http://bibliotecabiblica.blogs- pot.com.br/2013/09/qual- significado-palavra-manjedoura-biblia.html), a atual Igreja da Natividade, em uma colina baixa em Belém da Judeia, cobre uma antiga manjedoura que havia em uma gruta. Essa tem sido identificada como o local do nascimento de Jesus. Porém, em redor de Belém, havia muitos lugares possíveis similares. No Oriente Próximo, era comum escavar lugares nas rochas ou então eram usadas cavernas naturais para abrigos. O fato é que o local exato da manjedoura de Jesus é desconhecido, mas o seu fato e significado têm seu sentido radical, profundo, ou seja, Jesus não foi acolhido pelos “reinos deste mundo”. Nasceu humilde, recusado, pobre, viveu em meio ao povo, fiel ao Pai (Fp 2.5-11), sofreu todas as dores humanas, com morte na cruz.
V. 17-18 – E, vendo-o, divulgaram o que lhes tinha sido dito a respeito deste menino. Todos os que ouviram se admiraram das coisas referidas pelos pastores.
Os cuidadores de ovelhas nas montanhas foram os evangelizadores na estrebaria, anunciando e testemunhando a respeito do evangelho de Jesus, a boa notícia. Traziam em seus corpos os cheiros de suas lutas de noite e de dia. O fenômeno em torno de Jesus aconteceu naquela noite na montanha e provocou reações. No caso, as pessoas ouviram com muita atenção as coisas narradas pelos pastores.
V. 19 – Maria, porém, guardava todas estas palavras, meditando-as no coração.
A mulher, no caso a mãe de Jesus, entrega-se de mente e de coração à palavra de Deus. Sua vida tem o sentido feliz, apesar das dores e rejeições que sofreu e sofre por não se “enquadrar” nos estilos humanos do que se esperava na época da mulher e mãe. E canta com todas: “A minha alma engrandece ao Senhor, e o meu espírito se alegrou em Deus, meu Salvador, porque contemplou na humildade de sua serva” (Lc 1.46).
V. 20 – Voltaram, então, os pastores, glorificando e louvando a Deus por tudo o que tinham ouvido e visto, como lhes fora anunciado.
Estão muito felizes por tornar-se arautos da boa-nova. A formação inicial deles foram os primeiros momentos marcantes da notícia de Jesus e da visita à manjedoura em que está a criança. Ninguém nasce cristão. As pessoas tornam-se cristãs, assim como também se tornam pessoas (Karl Rogers). Foram introduzidas ao discipulado. A Palavra (Rm 10.10) torna-nos pessoas cristãs. Somos induzidos, como os pastores, a ser cristãos pela Palavra nos acontecimentos de Belém (manjedoura) e de Jerusalém (cruz e Páscoa). O louvor e a glorificação a Deus são expressões reais do prazer de saber-se pessoa cristã. Nenhuma alegria tem real valor se não tiver seus sentidos fundamentados no encontro reflexivo com Deus e tornar-se, no processo continuado, pessoa cristã e, como Maria, guardar a Palavra e meditá-la em seu coração.
V. 21 – Completados os oito dias para ser circuncidado o menino, deram–lhe o nome de Jesus, como lhe chamara o anjo, antes de ser concebido.
Deus inicia a sua missão de salvação por meio de sua inserção na história e numa cultura humana. No caso, a cultura judaica. A partir desse local específico abre a perspectiva da vida e liberdade universais, em que nenhuma cultura o prende. Na criança encontrada pelos pastores do campo na manjedoura de Belém, Deus é “Emanuel-Deus Conosco” (Mt 1.23) em todos os tempos, culturas e lugares. Desde os tempos antigos, conforme Gênesis 3.1ss, é a primeira vez que a humanidade tem a possibilidade da comunhão plena com Deus, de vê-lo face a face. É Deus que possibilita isso nessa sua encarnação através dessa criança. Finalmente, Deus está plenamente conosco. O Evangelho segundo Mateus explica, em 1.18, o nome de Jesus, dizendo: […] “lhe porás o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo dos pecados deles”. O menino seguiu a tradição judaica da prática da circuncisão, ainda muito pequeno, no oitavo dia. O signo do seu nome explica a sua missão, ou seja, salvar o povo de seus pecados desde a origem.
3. Meditação
A época do ano civil, com o fim de mais um ano, leva-nos a pensar na transitoriedade de tudo. Tudo termina. Terminam o dia e a noite. Terminam o bom tempo e a tempestade. Terminam o sofrimento e a tranquilidade. Terminam a alegria e a tristeza. Terminam a fome e o alimento. Terminam a seca e a chuva. Terminam a comunhão e a solidão. Terminam a vida e a morte. Terminam o descanso e o sono. Terminam a guerra e a paz. Terminam o ódio e o amor. Terminam a doença e a saúde. Terminam o trabalho e as férias. Terminam a guerra e a paz. Tudo vai se alternando como num ciclo de vida esfericamente organizado. O que começa termina para dar lugar ao que começa. Na alternância, não há espaços vazios.
A época do início de mais um ano novo, agora 2017, leva-nos a pensar que tudo continua. Mudou o ano, mas a vida continua. Começam o dia e a noite. Começam a alegria e a tristeza. Começam a doença e a saúde. Começam o trabalho e as férias. Começam o ódio e o amor. Começam a comunhão e a solidão. Na dinâmica da vida, o que começa também termina. Mas as coisas não se sobrepõem. Na alternância, a vida nasce, cria-se e se recria. Assim são o Natal e o Ano Novo, épocas que agora vivemos. Caminhando e indo adiante em círculos, chegamos ao ano de 2017, ano dos 500 Anos da Reforma da Igreja Cristã.
A priorização dos cenários do camponês, espaço aberto, estrebaria e manjedoura no nascimento e na evangelização não é casualidade nem modismo tampouco romantismo. O cenário é profundamente evangelizador. O nascimento de Jesus, de sua mensagem predominantemente camponesa, em meio aos animais, à terra e aos seres humanos, é emblemático. A notícia aos pastores no campo, à noite, com abundante presença de seres do céu e da terra (estrelas, animais, por certo também serpentes etc) não é um fenômeno isolado. O estábulo e a manjedoura como cama de Jesus e abrigo de Maria e José falam-nos de humildade, de desprendimento, de pobreza, de rejeição, mas também falam da vida de relacionamentos recriados e plenos. O significado de Filipenses 2.5-11, que nos ensina da transformação através das obras de obediência ao Pai por parte de Jesus Cristo, é de profundidade, justiça e paz integral nunca vistas por nós nem imagináveis. “… ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor, para a glória de Deus Pai” (v. 10b-11). O testemunho do nascimento de Jesus e de sua missão de “salvar o povo dos seus pecados” engloba-se na história dos testemunhos da criação, queda e nova criação. Por isso, na meditação, vou ampliar os horizontes, partindo da criação, despencado na queda humana, mas optando pelo caminho do seguimento de Jesus para participar do novo céu e da nova terra ( Ap 21.1).
A história humana faz-se nos processos entre começos e términos, início e fim. Uma vez tudo começou. “A terra estava sem forma e vazia. E havia trevas sobre a face do abismo, e o Espírito de Deus pairava sobre as águas. E disse Deus: haja luz e houve luz. E viu Deus que a luz era boa” (Gn 1.1-2a). E assim começou. Deus criou perfeita comunhão entre todas as suas criaturas. É gênese da vida. Dela nos falam os capítulos 1 e 2 do livro de Gênesis. O que marca dois capítulos, segundo Schwantes, são a comunhão e integralidade da criação, a interdependên- cia dos seres criados. Os dois capítulos do livro de Gênesis apresentam a vida do campo, a sintonia do homem e da mulher numa relação de solidariedade. Há um convívio com a terra, a qual é o espaço de sua existência. A pessoa é parte da terra. A terra é trabalhada para dar alimento. Gênesis 1.15 afirma: “A pessoa está no jardim para cultivá-lo e guardá-lo”. O verbo guardar designa a função de proteção que o lavrador realiza em relação a plantas e árvores. Cultivar expressa a dimensão produtiva, e guardar relaciona-se às necessidades da própria natureza (SCHWANTES, 2001, p. 111).
Há relação de cumplicidade, de comunhão. A comunhão de Deus prolonga-se no relacionamento das dimensões da vida. A relação do homem e da mulher com os animais é profunda. Os animais fazem parte da vida das pessoas. “Numa casa de camponês, pessoas e ovelhas realmente convivem num mesmo pátio, num mesmo espaço. Eram amigos no sentido pleno da palavra. Também havia uma relação de complementaridade entre o homem e a mulher. A mulher é parte do homem e vice-versa. Gênesis 2.24 relata que era o homem que deixava a casa de seu pai e de sua mãe. O homem integra-se ao mundo e à cultura da mulher” (SCHWANTES, 2001, p. 113).
Há a quebra dos relacionamentos. Ao seguirmos com os textos de Gênesis, no capítulo 3, a narrativa da destruição das relações a partir de uma postura de domínio e de poder. “[…] em três níveis são destruídas as relações como causa da influência da serpente. Estes três níveis correspondem aos três aspectos do projeto do campo” (SCHWANTES, 2001, p. 114). O primeiro é a relação de amizade com os animais, que se transforma em luta de vida e morte. A serpente, imprevisível, esperta, incontrolável, resume o reino animal em situação de conflitos (que, por certo, os pastores do campo tentavam evitar: que os lobos matem as ovelhas). É importante observar que, no mundo antigo, monarquias e impérios expressavam seus poderes e suas forças por meio de esculturas e animais (p. 115). A segunda destruição das relações é a parceria entre mulher e homem, que muda da parceria e da igualdade para a dominação, o patriarcalismo. É a serpente que provoca a dor do parto, representando a força dos interesses da cidade-estado. Ela surge na medida em que a procriação não mais se fundamenta nas necessidades do clã e obedece aos interesses do Estado, que promove guerras e tem um aparato de funcionários para dominar e controlar a vida de tudo e de todos. Há uma dominação estrutural e social, “de ricos sobre pobres, de governantes sobre súditos, de generais sobre camponeses” (p. 116). A terceira destruição ocorreu na relação de criatividade entre os camponeses e o chão para a relação de destruição e ruína. “A causa mais profunda é a própria serpente” (p. 116). A serpente é o próprio aparelho estrutural da cidade-estado que explora o povo do campo para manter-se poderoso e ampliar o seu domínio. “A serpente destrói a vida em três dimensões. Aniquila a vida dos animais. Esmaga a mulher. Enterra o lavrador” (SCHWANTES, 2001 p.117). Por desconfiança e sua infidelidade ao Criador, o ser humano se “segura” nos poderosos deste mundo, mas sofre as consequências: a expulsão do paraíso. A vida de Jesus justifica-se pela reconstrução das relações, reconciliando todos: Deus com os humanos, esses com os animais, com a terra e com o universo criado. O nascimento de Jesus efetiva-se fora das relações de domínio do Estado. Assistido por animais, Maria dá à luz Jesus, José é o parteiro e os anjos convocam os pastores do campo (que cuidam de animais). De certa forma, desde a origem, Jesus restabelece relações e a comunhão plena perdida.
Neste início de ano, estamos sendo lembrados, pela palavra que se encarna, de que algo profundamente novo deve acontecer. Jesus quebra a regra de submissão à “serpente”, que é a causa da destruição da vida no paraíso. Ele mesmo passa pelo “mal” e aniquila-o desde a raiz, desde a origem. Assim como os seres humanos passam, como pecado original, pelo elo da desconfiança, Jesus é levado ao encontro do pecado e o vence. Isso se dá na cruz. Por isso novo começo dá-se no Natal e na cruz, culminando na Páscoa.
4. Imagens para a prédica
4.1 – Dicas a partir dos textos e época
Na pregação, é significativo destacar alguns pontos: 1) Importante seria observar as implicações da universalidade do nome: Jesus, Deus Conosco. Deus chama o ser humano de volta ao paraíso. Sua vocação é promover a reconcilia- ção entre Deus e o ser humano, entre os seres humanos, entre o ser humano e os animais e a terra. Essa é a grande esperança. No campo e na manjedoura, Jesus Cristo dá início à relação totalmente transformada que ele assume em toda a sua obra, ensino, vida e morte. 2) Proclamação dos feitos de Deus e assumidos por Jesus. Essa é uma das razões da alegria dos pastores que “voltaram, glorificando e louvando a Deus por tudo o que tinham ouvido e visto, como lhes fora anunciado” (v. 20). Desejo que, também em 2017, quando celebramos os 500 anos da Reforma, a comunidade local possa entusiasmar-se e cativar pessoas para a fé viva e confiante. 3) Crer e confiar. Jesus recria a confiança perdida pela humanidade ao tentar ser seu próprio deus e confiar na serpente, que é o próprio aparelho estrutural da cidade-estado que explora o povo do campo para manter-se. Essa prática da exploração escraviza e destrói a vida em três dimensões: aniquila a vida dos animais, esmaga a mulher, enterra o lavrador. 4) Falar/mencionar elementos da comunidade local que induzem as pessoas a “confiar” em si próprias e em promessas que não podem ser cumpridas. 5) Convite à liberdade cristã, à confiança, à fé, ao louvor pela graça e compromisso cristão de divulgar tudo o que tenham lido, ouvido, apreendido, celebrado, vivido e percebido a respeito de Deus Emanuel, Deus Conosco.
4.2 – Percepções e reflexões
A época do ano em que vivemos desperta sentimentos de compaixão, solidariedade, carinho e companheirismo entre as pessoas. Mas para que isso possa ser possível, é necessário falar ao coração das pessoas. Como falar ao coração? Conta a história que uma mulher vivia diariamente na entrada do caminho para o Cristo Redentor no Rio de Janeiro. Ano velho e ano novo, lá estava ela, mãos abertas para receber esmolas. Uma guia turística, quando passava por ali, sempre depositava uma moeda na mão da mendiga. Muitos turistas, sensibilizados pelo clima de Ano Novo e pelo gesto da guia, também depositavam uma ajuda. A mulher continuava olhando para o chão e balbuciava: “Obrigada, Deus lhe pague”. À noite, pegava sua cesta e desaparecia nas ruas da cidade.
No outro dia, de manhã cedo, lá estava ela novamente sentada no chão, cabeça baixa, cesta na frente e mãos abertas. A maioria depositava alguma moeda. Naquele dia, uma turista reconhecida e prestigiada passou por lá. Como ela era a última da fila, observava o gesto dos outros turistas e da mulher mendiga. Foi a única que não depositou nada. Na subida do bonde para o Cristo, a guia turística lhe disse: “Estou admirada. Permita-me uma pergunta: por que a senhora não depositou nada?”. Ao que a turista famosa respondeu: “Além de dar algo para as mãos e o estômago da mulher, o que todos fazem, temos que dar algo fundamental para o seu coração! Eu não dei nada porque ainda não sei o que dar”.
Na descida, depois do passeio, lá estava a mulher, ainda esperando. As pessoas depositam alguma moedinha. Aquela turista sentou-se lado dela, pegou sua mão e perguntou: “O que a senhora necessita e quer que eu lhe faça?”.
A mulher levantou os olhos pela primeira vez naquele fim de ano, deu um aperto de mão e um abraço na turista. Guardando o gesto e as palavras no cora- ção, pegou a sua cesta e saiu caminhando feliz.
Ela não veio mais. Na noite do ano novo, enquanto a guia turística caminhava por Copacabana, encontrou a mulher, cuidando e animando outros famintos. Aproximou-se dela e perguntou: “Por que a senhora não veio mais ao Cristo Redentor pegar as suas esmolas? Do que a senhora vive agora?”. Ela respondeu: “Eu vivo do carinho, da atenção e das palavras daquela turista que falou a meu coração”.
Aquele gesto e as palavras tocaram seu coração, e ela, cativada pelo amor de Deus, encontrou seu jeito de louvar e glorificar a Deus em meio aos sofredores, restabelecendo confiança nos relacionamentos.
4.3 – Encontros
1. Deus disse: Haja luz.
E houve luz.
A luz desce,
Encontros, prisões…
2. Deus: Vai, Filho.
E o Filho ouve.
O Filho desce.
E desce aos porões…
3. Jesus Filho: Nossa luz.
O Filho desce e toca.
E permite a luz.
A luz toca os campos…
4. Povo, o Filho toca.
Nos encontros,
Rompe barreiras.
Vidas brotam nas cinzas…
5. Campo, a luz desce.
O Filho encarna.
Maria, José e menino.
Nas barracas e rincões…
6. Cocho, Deus desce.
Descida, festa em vida.
Deus desce, morre.
Vazio! Nada! Silêncio!..
7. Morte do Deus desce.
Desce e encontra.
Deus desce às prisões.
Algemas! Solidão! Desamor!
8. Deus desce às trevas.
Comoção humana.
Descida sem medida.
Deus saindo de si…
9. A luz resplandecente,
Mudando barreiras,
Acontecendo salvação.
A vida ressurge…
10. Deus de filhas e filhos.
Dignidades humanas,
Possibilidades reais,
Vidas secas recriadas.
11. Céus, vida de Deus.
Vidas, sem prisões.
Vidas, sem trevas.
Vidas, aos clarões…
12. Deus, Pai Eterno.
A luz, Emanuel.
Jesus, palavração.
Espírito, vida plena.
(Teobaldo Witter)
Bibliografia
BONHOEFFER, Dietrich. Resistência e submissão: Cartas e anotações escritas na prisão. São Leopoldo, RS: Sinodal, 2003. 638 p.
SCHWANTES, Milton. Projetos em conflito (Gênesis 2-3). In: . Projetos de Esperança: meditações sobre Gênesis 1-11. São Paulo: Paulinas, 2001.
http://bibliotecabiblica.blogspot.com.br/2013/09/qual-significado-palavra-manjedoura-biblia.html, acessado em 01/06/2016.
http://www.luteranos.com.br/textos/natal-presidio-e-direitos-humanos, acessado em 10/06/2016.
http://seer.ucg.br/index.php/caminhos/article/viewFile/1345/909, acessado em 30/05/2016.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).