Proclamar Libertação – Volume 34
Prédica: Lucas 20.27-38
Leituras: Jó 19.23-27a e 2 Tessalonicenses 2.1-5, 13-17
Autor: Claiton André Kunz
Data Litúrgica: 24º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 07/11/2010
1. Introdução
Parece que a incredulidade é um pecado muito antigo; e não é “ um privilégio” dos nossos dias. Mesmo entre os descendentes de Abraão, Isaque, Jacó, Moisés, Samuel, Davi e os profetas existiam judeus incrédulos ousados. O texto de hoje diz que se dirigiram a nosso Senhor “alguns dos saduceus, homens que dizem não haver ressurreição”.
Não é raro encontrar na atualidade pessoas que desacreditam totalmente das verdades bíblicas reveladas por Deus sobre diversos assuntos, inclusive pessoas dos círculos eclesiásticos. Alguns talvez até não manifestem verbalmente sua incredulidade, mas vivem como quem não acredita na revelação de Deus através da sua Palavra.
Nosso consolo é que, mesmo com o passar dos anos, a verdade revelada de Deus sempre prevalecerá. Mesmo que surjam incrédulos ousados como Hobbes, Voltaire e Paine, que procuram desacreditar a revelação divina, há na palavra de Deus um poder inerente que a mantém viva. Os incrédulos desaparecem assim como os saduceus, mas as grandes evidências do cristianismo permanecem, e nem mesmo as portas do inferno podem prevalecer contra a verdade de Cristo (Mt 16.18).
No relato de Lucas (20.27-40), os saduceus tentam por meio de uma pergunta ridicularizar a fé na ressurreição e a pessoa de Jesus (v. 27-33). Entretanto, Jesus soluciona essa dificuldade levando a questão para uma esfera superior (v. 34-36). O Senhor fundamenta a ressurreição dos mortos a partir das Escrituras (v. 37-38), e os escribas terminam por elogiar a sabedoria de Jesus ao responder essa questão difícil (v. 39s).
2. Exegese
Depois que os fariseus, que eram versados nas Escrituras, haviam sido devidamente despachados pelo Senhor Jesus (Lc 20.20-26), também os saduceus fizeram a sua tentativa de lhe propor uma pergunta capciosa. Até aqui os saduceus não haviam se posicionado tão ferrenhamente contra Jesus, assim como os fariseus já faziam desde o início do ministério.
Quem eram os saduceus? Embora a origem do nome seja muito debatida, a ideia mais provável é que se refira aos simpatizantes dos zadoquitas, sacerdotes descendentes de Zadoque, o sumo sacerdote no tempo de Davi e Salomão. Os saduceus eram um influente grupo judaico, na maioria das vezes encontrado em oposição política e teológica em relação aos fariseus. Esse grupo era formado geralmente pelas pessoas mais ricas, mercadores prósperos e classe aristocrata da sociedade judaica. Muitos sacerdotes também faziam parte do grupo dos saduceus, e esses por muitos séculos mantiveram o controle do ofício sacerdotal.
Os saduceus aceitavam somente a lei mosaica (o Pentateuco) e rejeitavam os profetas, os escritos e a lei oral. Eles não criam na imortalidade da alma e em nenhum tipo de vida após a morte. Também rejeitavam a doutrina dos anjos e não viam nenhum sentido na ressurreição do corpo (At 23.8). Como negavam a vida após a morte, tornavam-se facilmente materialistas e buscavam tirar o maior proveito dessa vida através da vida política e material. O homem é livre para fazer o seu próprio destino, mas apenas no contexto de uma “vida presente”.
São alguns desses saduceus que chegam a Jesus com uma situação sobre a qual querem a sua opinião: “Mestre, Moisés nos deixou escrito que, se morrer o irmão de alguém, sendo aquele casado e não deixando filhos, seu irmão deve casar com a viúva e suscitar descendência ao falecido. Ora, havia sete irmãos: o primeiro casou e morreu sem filhos; o segundo e o terceiro também desposaram a viúva; igualmente os sete não tiveram filhos e morreram. Por fim, morreu também a mulher. Esta mulher, pois, no dia da ressurreição, de qual deles será esposa? Porque os sete a desposaram” (v. 28-33).
Com certeza, esse era um caso hipotético, embora pudesse ocorrer que uma viúva se casasse com vários cunhados. Na pergunta, os saduceus lançam mão de uma antiga lei mosaica: a lei do levirato.
A morte do marido sempre trazia consequências para uma viúva. Se ela não tivesse filhos, esperava-se que ela continuasse a viver com a família do marido. De acordo com a lei do levirato, ela devia casar-se com um dos irmãos do marido ou com um parente próximo. Se esses homens não estivessem disponíveis, ela estava livre para casar-se fora do clã (Rt 1.9).
Isso acontecia porque para os israelitas era essencial que o homem tivesse algum herdeiro. A preservação da herança da propriedade que Deus lhes havia dado dependia dos descendentes (Êx 15.17-18; Sl 127; 128). Para resolver o problema da situação da morte de um marido que ainda não tivesse filhos, deu-se início à prática do levirato. É mencionado pela primeira vez em conexão com a família de Judá (Gn 38.8). Mas, mais tarde, veio a fazer parte da lei de Moisés (Dt 25.5-10).
A lei do levirato dizia que, quando uma mulher ficava viúva, o irmão do marido morto tinha de casar-se com ela. Os filhos desse casamento tornavam-se herdeiros do irmão falecido, a fim de que “o nome deste não se apague em Israel” (Dt 25.6). Se um homem recusava a casar-se com a cunhada viúva, ele sofria o desprezo público (Dt 25.7-10; Rt 4.1-7).
No caso hipotético apresentado pelos saduceus a Jesus, os sete irmãos não poderiam ter a mesma mulher na ressurreição. Concluíam então que a doutrina da ressurreição estava em conflito com a lei de Moisés e, portanto, contrária ao ensino bíblico.
Jesus responde aos saduceus com uma minuciosa elaboração de pensamento. Lucas acaba não mencionando o belo início da resposta de Jesus, que é citado por Mateus e Marcos, no qual o Mestre desmascarou a fonte da incredulidade equivocada dos saduceus. Marcos relata que Jesus inicia sua resposta dizendo: “Não provém o vosso erro de não conhecerdes as Escrituras, nem o poder de Deus?” (Mc 12.24).
Jesus afirma então que os filhos deste mundo se casam e se dão em casamento, mas os que alcançarão a era vindoura e a ressurreição não farão mais isso, pois não podem mais morrer, visto que são filhos de Deus e da ressurreição (v. 34-36). Aos filhos deste mundo Deus instituiu o matrimônio para a procriação e preservação da espécie humana. Mas, na era vindoura e na ressurreição, isso não será mais necessário.
A resposta mais incisiva de Jesus vem de um trecho de Moisés. Ele poderia ter usado o texto de Daniel 12.2 ou então Jó 19.25. Mas os saduceus aceitam única e exclusivamente os escritos de Moisés.
Portanto Jesus cita um texto do livro de Êxodo 3.2,6, no qual Moisés afirma que o Senhor é o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó. E arremata: “Deus não é um Deus de mortos, e sim de vivos” (Lc 20.38). Se Deus designa a si mesmo como Deus dos patriarcas que há muito haviam falecido, eles devem estar vivos também após a morte, ou como diz o texto, “todos vivem para ele” (v. 38). A partir do Pentateuco de Moisés, Jesus refutou a opinião dos saduceus, porque tentavam negar a ressurreição a partir da lei de Moisés.
3. Meditação
Podemos pensar nesse texto a partir do tema da realidade da ressurreição dos mortos, tendo em vista ser esse o assunto proposto pelos saduceus e esclarecido pelo Senhor Jesus. Portanto poderíamos esboçar a meditação da seguinte forma:
3.1 – A ressurreição é real apesar da incredulidade de muitos
A ressurreição dos mortos faz parte do corpo de doutrinas do cristianismo. Assim como os saduceus duvidaram dessa verdade e procuraram ridicularizar Jesus e os que criam nessa doutrina, muitas pessoas em nossos dias não creem na ressurreição dos mortos e vivem como se não existisse nada após esta vida terrena.
O apóstolo Paulo também enfrentou a questão da incredulidade na ressurreição quando escreve uma de suas cartas à igreja em Corinto. O problema era tão grande, que ele dedica um capítulo completo a essa questão (1Co 15). Chega a afirmar que, se não cremos que há ressurreição de mortos, então também Cristo não teria ressuscitado, e dessa forma toda a nossa pregação e nossa fé são vãs (1Co 15.13-14).
Entretanto, Cristo ressuscitou, e sua ressurreição é a primícia dos que dormem e a garantia de que um dia nós também ressuscitaremos (1Co 15.22-23).
Paulo afirma ainda que, se nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos os mais infelizes de todos os homens (1Co 15.19).
3.2 – A ressurreição é real porque faz parte da era vindoura
Na resposta de Jesus aos saduceus, ele faz um contraste entre essa era e a era vindoura. Afirma claramente que algumas circunstâncias terrenas não persistem no além, como casar e dar-se em casamento. Isso mostra que há uma grande diferença naquilo que nos aguarda no futuro. A principal diferença, de acordo com o texto, é que na era vindoura “as pessoas não podem mais morrer”, porque são filhos da ressurreição (Lc 20.36).
Na ressurreição de Lázaro, relatada por João, Jesus afirma claramente: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá; e todo o que vive e crê em mim não morrerá eternamente” (Jo 11.25-26).
Também o apóstolo Paulo declara que, quando Cristo “descerá dos céus, os mortos em Cristo ressuscitarão” e estarão para sempre com o Senhor (2Ts 4.13-18).
3.3 – A ressurreição é real porque Deus é um Deus de vivos
Jesus poderia ter utilizado diferentes textos para deixar claro aos saduceus a realidade da ressurreição. Mas como eles aceitavam somente o Pentateuco, escolheu um texto-chave para isso. Buscou a passagem na qual Deus se revela diretamente a Moisés, revelando inclusive seu nome, com tudo quanto ele significa (Êx 3.1-6). Essa passagem é de importância central para os judeus e para o cristianismo. Nela, Deus revela-se como sendo o Deus dos patriarcas, que já havia muito estavam mortos quando essas palavras foram pronunciadas. Seria absurdo afirmar que Deus é um Deus de pessoas mortas, que já não existem mais. Pois toda a vida, seja aqui, ou seja no além, consiste em relacionar-se com Deus. A morte pode até colocar fim à existência física, mas não a um relacionamento que é eterno por natureza. Nós podemos até perder amigos por causa da morte. Mas Deus não!
Lucas acrescenta algumas palavras que não estão no relato dos outros evangelistas. Ele afirma: “porque para ele todos vivem” (v. 38). Para nós podem até estar mortos, mas não para Deus. A morte não pode romper o relacionamento com Deus.
4. Imagens para a prédica
Algumas histórias podem ajudar a ilustrar a mensagem sobre a ressurreição:
• Se a Páscoa disser qualquer coisa para nós, é que Jesus estará sempre conosco. As pirâmides do Egito são famosas porque abrigaram os corpos mumificados dos antigos reis do Egito. A Catedral de Westminster em Londres é reverenciada porque lá jazem os corpos da nobreza e de britânicos famosos. O mausoléu de Maomé é notável pelo caixão de pedra e os ossos que contém. O cemitério de Arlington em Washington nos EUA é venerado como o lugar de descanso de muitos americanos famosos. Mas o sepulcro de Jesus é famoso justamente porque está vazio. (Don Emmitte)
• Quando Abraão levou Isaque para o alto da montanha, o menino indagou o pai: “Onde está o cordeiro?” E Abraão replicou: “Deus proverá”. Mas, apesar disso, ele continuou com o processo: amarrou o filho, colocou-o sobre o altar, pegou a faca, preparando-se para matá-lo e depois queimá-lo em holocausto (Gn 22.7-10). Era preciso ter uma fé muito grande para crer que o filho iria ressurgir das cinzas. Entretanto ele realmente confiava que Deus iria ressuscitá-lo (Hb 11.19). Abraão não enxergava apenas a situação do momento; via o que existia além dela. Então ele estava olhando para a morte do filho com a perspectiva da ressurreição. É exatamente isso que Jesus requer de nós: enxergar a vida em meio à morte, porque ele derrotou a morte. Ele ressuscitou. (Revista Mensagem da Cruz)
• Contou um pastor que foi visitar um irmão já quase em estado de coma. Toda a família estava reunida junto ao leito. Desejou orar e citou a oração do rei Ezequias, pela qual alcançou a graça de viver mais quinze anos. “Só quinze anos?”, murmurou o irmão enfermo. Viver, viver para sempre, eis a aspiração de todos. (Sebastião Angélico de Souza)
• Fui convidado para tomar o café da manhã com Konrad Adenauer antes dele se afastar do cargo de chanceler da Alemanha. Quando cheguei, esperava encontrar um homem forte e normal, capaz de ficar embaraçado se eu lhe falasse de religião. Após os cumprimentos, o chanceler virou-se para mim, repentinamente, e perguntou: “Sr. Graham, qual é a coisa mais importante do mundo?” Antes que eu respondesse, ele tinha pronta a sua resposta: “A ressurreição de Jesus Cristo. Se Jesus Cristo está vivo, então resta uma esperança para o mundo. Se Jesus Cristo está no túmulo, não vislumbro esperança alguma no horizonte”. E voltou a me surpreender ao dizer que tinha a ressurreição de Cristo como um dos fatos mais seguros da história. Disse ele ainda: “Quando deixar o cargo, pretendo passar o resto de minha vida reunindo provas científicas da ressurreição de Jesus Cristo”. Foi o fato da ressurreição de Cristo que levou os discípulos a trabalhar como revolucionários apaixonados e pioneiros na transformação do mundo do seu tempo. Eles pregavam que Cristo estava vivo. Essa deve ser a nossa mensagem, não só na Páscoa ou no Natal, mas em todos os dias do ano. (Billy Graham)
• Uma senhora pegou um táxi em direção à sua igreja. O taxista, por incrível que pareça, não disse quase nada durante a maioria do percurso, até que a senhora quis fazer-lhe uma pergunta e tocou no seu ombro. Ele gritou, perdeu o controle do carro e, por pouco, não provocou um terrível acidente. Com o carro sobre a calçada, a senhora virou-se para o taxista e disse: – Francamente, eu não sabia que você se assustaria tanto com um toque no ombro! – Não me leve a mal, senhora… É que esse é o meu primeiro dia como taxista. – E o que o senhor fazia antes disso? – perguntou ela. – Eu fui motorista de carro funerário por 25 anos.
5. Subsídios litúrgicos
Oração:
Senhor Deus, ajuda-nos a entender a realidade da ressurreição dos mortos. Ajuda-nos a crer nessa verdade revelada na tua Palavra. Ajuda-nos a ter a certeza de que ressuscitaremos para estar eternamente contigo. Amém.
Bibliografia
CHAMPLIN, R. N. Enciclopédia da Bíblia: teologia e filosofia. 5.ed. São Paulo: Hagnos, 2001. 6 vol.
MORRIS, Leon L. Lucas: introdução e comentário. Trad. Gordon Chown. São Paulo: Vida Nova, 1996. 330 p.
RIENECKER, Fritz. Evangelho de Lucas. Trad. Werner Fuchs. Curitiba: Esperança, 2005. 480 p.
TENNEY, M. C.; PACKER, J. I.; WHITE Jr, W. Vida cotidiana nos tempos bíblicos. São Paulo: Vida, 1982. 191 p.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).