Prédica: Lucas 21.25-36
Autor: Dario G. Schaeffer
Data Litúrgica: 2º. Domingo de Advento
Data da Pregação: 10/12/1978
Proclamar Libertação – Volume: III
Tema: Advento
I – A vinda do Filho do homem
1 – A realidade apocalíptica da vinda do Filho do homem, do fim deste saeculum, da condenação dos que não crêem e da aceitação dos justos sempre foi parte integrante da pregação cristã, por causa da esperança, do movimento e da crítica contidos nela. Esperança de que um dia os que creem em Cristo poderão levantar finalmente suas cabeças e exultar – pois terá chegado o fim da jornada; movimento que provêm do reconhecimento de que o homem e a história são provisórios e por isso estão a caminho da finalização definitiva da história humana pelo próprio criador desta história; crítica a tudo que, construído e feito por nós, possa parecer eterno, firme, seguro, mas que na verdade é transitório e fraco, dando-nos uma falsa sensação de segurança.
2 – Para o homem a vinda do Filho do homem significa uma compreensão totalmente diferente da existência. Normalmente ele crê que, tendo seguros, casa, dinheiro, um governo forte para manter a tranquilidade, seu futuro está garantido. A partir da fé no Cristo do fim dos tempos, estas seguranças são colocadas em cheque e, ao mesmo tempo, ele é libertado de preocupações secundárias para ter tempo para as primárias: como aplicar a vi da, o tempo e o dinheiro assim que não sirvam para dar uma ideia de segurança para si próprio, mas para amenizar a jornada de muitos que caminham com ele. Não porque isso seja condição de salvação, mas porque aceitou outra dimensão de salvação,que não provém da ratio do homem, mas de Deus.
3 – Para a igreja o apocalipse significa saída de suas instituições, construções, dogmas e preconceitos. Se a fé cristã se resumisse à pregação daquilo que existe ou existiu, a igreja dogmática e legalista seria seu melhor guardião. Mas o fim ainda está adiante da igreja. Por isso ela deve caminhar. E nem templos centenários, ou grandes como palácios, nem uma instituição programada para funcionar minuciosamente, poderão ser empecilhos para a ida da igreja do apocalipse, da escatologia, do Advento, para lá onde marcha o povo, e com o povo de Deus: para a realização plena das coisas.
4 – Para a sociedade, cujos valores principais são o poder, a segurança e, para que estes possam se manter, a ordem, com o consequente desenvolvimento, os valores se invertem a partir da compreensão de que o mundo não tem um fim em si, nem casual, a qualquer hora, mas um fim pela vontade de quem o criou. Os valores sociais serão construídos a partir da confiança que Deus deposita no homem, de gerir sua criação para que dê lucro (cf. Lc 19.lss); a partir da relatividade da preocupação do homem com sua própria subsistência e segurança através de suas obras e criações (Lc 21.34); a partir da esperança de que a luta inglória, vá e fantasiosa por uma sociedade justa, dirigida pelo amor e pelos mandamentos de Deus, não é inglória, nem vá, nem fantasiosa. Pois esta luta só é vã enquanto feita por mãos e pensamentos humanos apenas, mas é legítima, cheia de futuro, quando feita por homens que agem n partir da aceitação de que Deus é o Senhor da história. E, mesmo que momentaneamente o homem (poderoso) o pareça ser, os sinais dos tempos mostram que não o é.
II – Sinais
5 – Os discípulos entenderam que a destruição do templo iniciaria o processo da jornada para o fim (Lc 21.5-7). O templo foi destruído no ano 70. Vivemos, pois, na era dos sinais. O sol, a lua e as estrelas mostrarão sinais. Haverá angustia entre as nações, homens morrerão de medo, pois a expectativa é a do fim (Lc 21.25-26).Os poderes do céu serão postos em duvida e abalados.
Saberemos nós hoje ainda entender os detalhes destes sinais? Mas certamente já aconteceram e voltarão a acontecer épocas onde cometas, estrelas cadentes, etc., foram sinais da proximidade do Reino. Hoje os estudos das mudanças das manchas solares, da influência do vento solar na atmosfera da terra, a destruição da camada de ozônio na atmosfera e a penetração dos Raios X certamente estarão aqui ou lá sendo interpretados como sinais do fim. E com razão.
6 – Sinais do fim poderão ser vistos em to da a obra humana. Ela é falha, é passageira. A própria vida, em sua fraqueza e finitude, e um sinal do fim. Mas não toda ela. Há na vida o sinal de Deus, de sua criação, de sua’ misericórdia, de sua ressurreição. Os sinais do fim estão lã onde o homem coloca sua confiança e sua certeza, achando que lã de fato há segurança e não a há. Por isso, quando as grandes certezas dos homens começam a ruir por terra, o fim está a atirar sua sombra sobre o nosso presente.
7 – É um engano, no entanto, achar que certos sinais já são o fim. Por isso o engano dos calculistas que prevêem nos terremotos, no inverno sem frio, na dissolução dos costumes, nas ditaduras militares, etc., o fim do mundo. Sinais são apenas sinais. Servem para lembrar-nos de que terra e céu passarão. Sempre os houve na natureza do universo e na história humana, e sempre os haverá, até que se verá o Filho do homem vindo numa nuvem, com poder e grande glória. Mas ainda não são o fim (Lc 21.9).
8 – Todos reconhecem estes sinais. Todos sabem que uma guerra nuclear ou um desastre da natureza podem ser o fim de tudo. E todos notam que os prenúncios dessas coisas sempre aparecem. Também o povo de Israel tinha sua tradição apocalíptica e provavelmente também os povos pagãos. Mas apenas os cristãos têm condições de interpretar esses sinais corretamente. Os cristãos não desconhecem em nenhum momento que os sinais foram, são e serão grandes, imensos, terríveis, assustadores. Não desconhecem que há sofrimento, morte e perseguição, não somente para os outros, mas para todos (Lc 21.35), principalmente para os que são testemunhas de Cristo (Lc 21.12 e 13), a ponto de serem estregues pelos próprios pais e parentes para serem mortos, e a ponto de serem odiados de todos por causa de Cristo (Lc 21.16 e 17).
Mas a interpretação especificamente crista dos sinais reside no fato de que lhes é dito: Não se assustem (Lc 21.9). Não se perderá um só fio de cabelo de vocês (Lc 21.18). Não são o medo e o desespero que devem ser provocados por toda essa desgraça, mas um exultar. Os sinais do fim deverão ser motivo de esperança para o dia em que poderão erguer as cabeças (Lc 21.28). São sinais de que a jornada, a luta, se aproxima do fim, e o fim é a redenção total, o Reino de Deus (21.31). O desespero e o medo são antes demonstração de que não se vê nestas catástrofes, naturais ou históricas, a mão de Deus, mas do demônio do destino que abate sem esperança.
A interpretação correta dos sinais é feita apenas com os olhos da fé. O resto é desespero e medo.
9 – Além da esperança, os sinais são para os cristãos avisos para estarem preparados e alertas (21.34-36). E isto é exatamente o conteúdo desta época de Advento.
Despreparados estão aqueles cujo comprometimento com as coisas, com seu bem-estar, com sua segurança, toma conta de sua existência. A fé e o reconhecimento positivo dos sinais do fim deverão levar a pessoa e a sociedade a construir a sua existência e a levar a sua vida a partir da espera pelo fim e a partir da caminhada histórica para este fim. Somente assim se poderá estar preparado para o que virá, somente assim estremos comemorando Advento.
III – Alienação
10 – Toda a preocupação apocalíptica, que é a essência da espera e da expectativa do Advento, pode ser interpretada como alienação dos problemas enfrentados pelo homem. Esses problemas e as consequentes preocupações são atiradas para o futuro, e isso faz com que a pessoa fanaticamente se desinteresse por tudo e todos. E numa atitude de desligamento total, de introversão religiosa e de contemplação fique apenas ainda aguentando o saeculum presente até que venha o dia da libertação. Essa alienação religiosa sempre de novo se manifesta, principalmente lá onde a pregação não passa de uma geração preto-e-branco do tipo no mundo tudo é mau, no céu tudo é bom e que tem como consequência o desligamento das coisas do mundo, o desinteresse pelo bem-estar próprio e dos outros, o menosprezo pelos problemas sociais e políticos que desumanizam a sociedade.
11 – A pregação e a vivência do Advento a partir da esperança pelo fim não poderão nunca ser alienantes, pois estarão sempre colocando o homem, crente ou não, dentro da ação dos sinais (21.35). E a experiência física e intelectual desses sinais lhe mostrará sua participação, se não na causa, pelo menos nos efeitos das catástrofes naturais e históricas. O sofrimento, a traição, a perseguição e a morte não são frutos de alienação, mas são muito reais e são e serão sentidos como tais.
12 – Além disso a alienação traz consigo uma espera apática e fixadora de valores existentes. Mas a esperança do fim traz consigo um caminhar conjunto, uma constante procura pelo caminho certo, pelos sinais do Reino, e por isso uma dinamicidade e uma criatividade renovadoras.
Isso significa que, por onde passarem os cristãos nesta jornada, ficarão os sinais de sua passagem. E esses sinais serão: inquietude de esperança, quebra com as tradições que prendem, construção de vida e de sociedade não mais a partir de experiências do passado e de sentimentos da consciência apenas, mas principalmente a partir da esperança pelo fim, a partir do que está pela frente e é prometido por Cristo a todos que crêem: Vida e sociedade que não construam suas cidades, seus edifícios, seus muros, suas armas, por causa do medo; que não procurem mais seguranças atrás de poderes humanos, dirigidos por filosofias desumanas.
Se é o Cristo do fim que dirige nossa existência, se é a esperança do Advento, de que o Senhor finalizará a história, então seguranças,certezas, poupanças, ativismos, armamentos e outras coisas que nos cercam diariamente é que se tornam alienações. E além disso são duplamente perigosos: a) não são o que parecem ser, b) voltam-se, em última análise, contra o próprio homem.
IV – Segurança e desenvolvimento – binômio do medo
13 – A filosofia de ação que perpassa mundo de hoje e dirige as preocupações dos governos de quase todos os países do mundo é a de garantir a tranquilidade e impossibilitar a intromissão de outros países em seus negócios. Igualmente na política interna é usado tudo, desde a repressão sub-reptícia através da propaganda dos veículos de comunicação até a repressão aberta e armada a tudo que possa pôr em dúvida a tranquilidade e a ordem interna de um país. As opiniões que divergem da oficial são controladas e reprimidas. Tanto para fora como para dentro, os mandatários da maioria dos países armam-se contra o seu maior inimigo: o homem. Irmãos entregam irmãos, pais seus filhos em nome da segurança nacional (21.16).É um sinal do fim, que deve nos deixar alertas.
14 – Esta segurança e necessária para que possa existir a outra parte considerada importante por todos os países: o desenvolvimento. Também aqui não se pergunta muito pelos meios usados para se poder participar na área internacional dos diálogos e dos interesses dos países ricos. Alguns desses interesses são: armamentos para a segurança, a dívida externa, a participação no clube atômico, a compra e a venda de mão-de-obra e de matéria-prima baratas, através das multinacionais. Em área nacional se fala de poupança, de racionalização, de apertar o cinto, de concentração de renda para futura distribuição mais justa, isto em detrimento daqueles que não podem poupar porque nada têm, que já há muito apertam o cinto e que até agora ainda não viram nada da distribuição de renda. O desenvolvimento é apenas unilateral, existindo e permanecendo um sub-desenvolvimento em enormes áreas da população. A renda se concentra na mão de poucos, e estes poucos são os que garantem a ordem e a segurança para dentro e para fora dos países. Sua segurança e seu desenvolvimento.
15 – Se segurança e desenvolvimento são importantes para aqueles que dirigem de um ou de outro modo os países, então também aqueles que são reprimidos, que sofrem, são levados a acreditarem que é justo o que está acontecendo, que é justo sofrer para que haja desenvolvimento. E em vez de lutarem por seus direitos, são ainda contra aqueles que, com voz fraca, tentam acordá-los para a realidade.
E este pensamento esta dentro da maioria de nossas famílias evangélicas de classe média, que por sua vez educam seus filhos dentro desse pensa mento e exigem das escolas a mesma filosofia.
Está, no entanto, provado que são exatamente os filhos da burguesia que se revoltam nas universidades, participam de grupos terroristas ou se tornam joguetes nas mãos de ideologias radicalmente opostas à dos pais. O feitiço vira constantemente contra o feiticeiro. E ninguém parece notar.
16 – No fundo desta filosofia esta o medo do caos e da insegurança. O binômio segurança e desenvolvimento – sem dúvida nenhuma, necessidades, mas secundárias – alcançou o nível de importância de primeira ordem, porque o homem esta colocado, dentro dos sinais do fim, numa aflição, num medo e numa expectativa cada vez maiores. E quanto maiores forem estas coisas, tanto maior será a procura por segurança. Mas a segurança das armas coloca o homem dentro do círculo vicioso de que eles provocam sempre mais medo e sempre mais insegurança, obrigando a todos ao uso de mais armas, mais poder. É uma corrida que só pode acabar no desespero.
17 – Somente o reconhecimento e a fé de que somos passageiros neste mundo e que Deus é que mantém o desígnio da historia na mão, podendo finalizá-la a qualquer momento, poderão quebrar este círculo de pânico, amenizar as consequências ou, quem sabe, até brecar um desenvolvimento, cujo futuro é desalentador.
Se o desenvolvimento e a segurança são necessários, porque, por um lado Deus nos fez responsáveis pelo mundo, mas por outro lado, somos pecadores e egoístas, estas grandezas sempre de novo deverão ser relativizadas a partir da esperança e do consolo de que não somos nós que construiremos o definitivo Reino dos Céus no mundo e principalmente não com armas, fixação de valores morais e defesa do que existe. Muito antes nosso encargo é o de vigiar para não sermos envolvidos totalmente pela preocupação por nossa própria segurança e por nosso próprio desenvolvimento. Apesar de precisarmos passar por estas coisas, participar delas, não devemos esquecer que precisamos estar em pé na presença do Filho do homem. Isto é nossa esperança e também nosso desafio.
18 – Advento é a esperança, a vigília e a oração pela realização total do Reino de Deus. E como tal não exclui nossa ação. Mas será uma ação provisória e não dirigida pelo medo do definitivo. O medo faz procurar seguranças irreais (o exemplo acima pode ser substituído por muitos outros), fixa, não permite andar. Os sinais do fim – que no Advento deveriam aparecer mais claros – sempre de novo nos levarão à procura, a uma vida menos preocupada consigo mesma, mas com os companheiros de jornada, com os quais há necessidade de partilha, de ajuda, de apoio. Mas o que de fato poderá guiar os passos dos que andam é a esperança de que logo poderão exultar e erguer as cabeças, pois a vinda do Filho do homem será sua meta.
Dietrich Bonhoeffer em sua poesia Estações no Caminho para a Liberdade diz no fim:
Vem, festa suprema no caminho para a eterna liberdade.
Morte, derruba os pesados grilhões e as muralhas de nosso corpo transitório
e de nossa cega alma para que vejamos finalmente
o que não nos é permitido ver aqui.
Liberdade, procuramos-te longamente na disciplina, na ação e no sofrimento.
Morrendo, agora, reconhecemos-te na face de Deus.”
(Resistência e Submissão)