Proclamar Libertação – Volume 37
Prédica: Lucas 24.1-12
Leituras: Isaías 65.17-25 e 1 Coríntios 15.19-26
Autores: Alfredo Jorge Hagsma e Vera Regina Waskow
Data Litúrgica: Domingo da Páscoa
Data da Pregação: 31/03/2013
1. Introdução
Esta é a terceira vez que o texto de Lucas 24.1-12 é estudado como texto-base para a prédica na série Proclamar Libertação. Em 1978, no volume II, sob a responsabilidade de Gottfried Brakemeier (p. 34ss), e em 1994, no volume XX, sob a responsabilidade de Carlos Musskopf (p. 127ss). Vale a pena conferir.
Mais uma vez é Páscoa, e mais uma vez os olhos da grande família cristã estão voltados para o túmulo vazio, para a pedra removida. Parece óbvio, não tem como ser diferente. Na Páscoa repousa a origem da igreja cristã. Pois como afirmou o apóstolo Paulo: “Mas, de fato, Cristo ressuscitou dentre os mortos, sendo ele as primícias dos que dormem” (1Co 15.20). A prova material da ressurreição de Cristo repousa nos lençóis de linho sem o corpo. Isso é muito para quem crê, mas nada representa para quem duvida. Ou seja, mais uma vez a comunidade cristã é confrontada com o óbvio da fé: “por que buscais entre os mortos ao que vive?”. Entre a tênue linha que separa a certeza da dúvida está a fé, que sustenta a caminhada da comunidade cristã em todo o mundo.
Os dois textos de leitura (Is 65.17-25 e 1Co 15.19-26) também apontam para o elemento fundante da fé cristã. Na Primeira Epístola aos Coríntios, o apóstolo deixa claro que sem a ressurreição nada teríamos para anunciar: “E, se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé, e ainda permaneceis nos vossos pecados” (1Co 15.17). Já o profeta Isaías aponta para a nova realidade que brota do poder de Deus: “Nunca mais se ouvirá nela nem voz de choro nem de clamor”. Pois Deus tem o poder de criar novos céus e nova terra. Da morte Deus pode criar vida. Ou seja, os três textos apontam para o mesmo foco: a vitória da vida é definitiva.
2. Considerações exegéticas
A passagem em estudo encontra paralelos em Marcos 16.1-8, Mateus 28.1ss e João 20.11ss. Cada evangelista relata do seu jeito a ressurreição de Jesus. O evangelista Lucas diz que, depois de haverem respeitado a lei do sábado no primeiro dia da semana, as mulheres vão ao túmulo. O evangelista Lucas não menciona a preocupação das mulheres com o túmulo fechado, como fazem os outros evangelistas. A pedra aqui não é motivo de preocupação. As mulheres, sem obstáculos, entram no túmulo de Jesus e são confrontadas com a ausência do corpo. Ou seja, o objetivo pelo qual tinham ido até o túmulo havia sido frustrado. Não havia mais corpo para embalsamar. Foram surpreendidas por dois homens que disseram: “Por que vocês estão procurando entre os mortos aquele que vive?” Aqui o processo natural é questionado. Como não ir ao túmulo após a morte de um ente querido? Como não prestar uma última homenagem ou um último cuidado? A lógica de Deus é outra. A morte foi vencida, e não há mais motivo para ocupar-se com ela. Por isso a notícia é dada às mulheres: Ele não está mais aqui. Ele vive. No entanto, essa passagem não é automática: o ser humano vive a dialética entre o passado e o futuro, entre a dúvida e a fé. As citações a seguir apontam para essa dialética natural.
Cada dia inicia com o movimento do sol, que, rompendo a densa madrugada, se levanta, “trazendo vida nos seus raios”, conforme profetizou Malaquias (4.2). O luto mobiliza as reservas emocionais da pessoa. O chorar é extremamente benéfico; por isso se diz que é como lavar a alma. Já cantara o salmista: “O choro pode durar a noite inteira, mas de manhã vem a alegria” (Sl 30.5). Ou seja, existe um tempo que podemos denominar – como S. João da Cruz – de noite escura da alma. É o tempo em que cessaram as possibilidades e o caos se impõe. Muitas vezes, é assim que sentem os que estão passando por um luto. Confusão e sentimentos como angústia, raiva, medo e desamparo vão se alternando e tomam de assalto os pensamentos. A certeza se vai, e fica a insegurança.
As mulheres, fiéis discípulas, rompem a madrugada e aparentemente buscam elaborar a perda do amigo e mestre através de rituais fúnebres. Com perfumes, unguentos e especiarias, elas se movimentam em direção à sepultura. Jesus, o Sol da justiça, havia se levantado das trevas da morte. Lucas enfatiza que o corpo não estava lá. Contudo, ressuscitar não faz parte do repertório vivencial do ser humano. Portanto é mais fácil sugerir outras hipóteses. Ressurreição estava fora de cogitação. O conhecimento teórico é diferente da experiência de vida; assim elas não se lembram do que Jesus havia predito sobre sua morte e ressurreição.
– A função dos dois homens de branco (anjos) é relembrá-las do que Jesus havia anunciado (Bíblia de Estudo Conselheira, NT, p. 183).
A cada ano, somos tomados pela falta de esperança, pelo comodismo, pela descrença, que são acentuados pelos fatos que acontecem ao nosso redor. Mas vem sempre a Páscoa e reafirma que tudo pode ser diferente, não por nossas forças, mas porque Deus continua agindo entre nós.
3. Meditação
No PL II, de 1978, encontramos uma valiosa reflexão sobre o texto em estudo, realizada pelo P. Dr. Gottfried Brakemeier. Faremos aqui uso de algumas ideias ali desenvolvidas e sugeridas.
Por que tanta incredulidade dos discípulos e seguidores de Jesus diante do milagre da ressurreição?
As mulheres foram ao túmulo de Jesus com a intenção de embalsamá-lo. Três delas sabemos quem são (v. 10): Maria Madalena, Joana e Maria. Chegando lá, a pedra estava removida. Elas ficaram perplexas, assustadas. Dois homens de roupas brilhantes questionaram: “Por que buscam entre os mortos aquele que vive?” E por eles são lembradas daquilo que Jesus mesmo havia falado sobre sua morte e ressurreição. As mulheres compreenderam, lembraram-se de suas palavras (v. 8) e voltaram anunciando aos onze discípulos o que viram e ouviram. Infelizmente, o testemunho dessas mulheres soou como tolice, e os onze não deram crédito a elas. Pedro foi certificar-se, mas isso tampouco mudou a situação. Ele vê os lençóis e o sepulcro vazio e retira-se, voltando para casa.
Temos algumas diferenças entre os paralelos, mas todos os evangelistas concordam que foram as mulheres que descobriram o túmulo vazio na madrugada. Os discípulos não acreditaram no testemunho das mulheres. Por que tanta incredulidade? A morte, o sofrimento, a dor cegam-nos e levam ao limite a nossa fé, fazem-nos pessoas incrédulas diante dos milagres da vida.
A nossa realidade denuncia diariamente o sofrimento, o desespero, o medo das pessoas (violência em todas as suas formas, drogas, preconceito, ódio, abuso de poder, traição…). Estamos em meio a uma realidade em que a morte mostra constantemente seus sinais e seu poder. Essa realidade de morte já é uma constante e parece tão forte e tão óbvia, que também duvidamos da Páscoa. Diante de tudo isso cabe perguntar pelo fundamento de nossa fé: Em qual realidade cremos? Cremos na “onipotência” da morte ou na onipotência de Deus? Nós ficamos incrédulos como os discípulos ou testemunhamos a vitória da vida, como fizeram as mulheres?
Cabe também desafiar a comunidade a olhar para o seu entorno e perceber os testemunhos de vida que encontramos. Em meio a essa realidade de morte, dor e sofrimento, existe vida, há sinais de vida abundante com a qual Deus nos quer saciar. Onde ela está? Nós a vemos? Nós a percebemos? Será que também não estamos procurando aquele que vive em meio à morte?
Quando voltarmos nosso olhar para essa realidade em que a vida insiste em prevalecer, em que a esperança não morre e a vida ganha um novo sentido, descobriremos então que a Páscoa acontece todos os dias. Ela é simultaneamente um acontecimento do passado e uma realidade dinâmica do presente. Pelo poder do Espírito Santo, o Cristo vivo vem a nós e a nós se revela. A Páscoa revela todo o amor de Deus por nós na entrega de Jesus Cristo. A Páscoa revela o desejo de Deus a cada um, cada uma de nós, libertação dos pecados, libertação de toda a maldade humana, libertação do sofrimento e da morte. Páscoa é vida. Somos destinados a viver, a proclamar a vida, a defender a vida, pois foi para tal que fomos libertados da morte.
A ressurreição de Jesus é a base da esperança e da fé de toda pessoa cristã. É necessário a cada nova manhã colocar nossa confiança nessa gloriosa verdade.
A cada Páscoa cabe perguntar o que temos proclamado: Onde temos depositado nossa esperança? O que temos testemunhado? O que nossas mãos têm feito?
4. Recursos litúrgicos
Poema de acolhida: Servir (Gabriela Mistral, 1889-1957)
Toda a natureza é uma aspiração de servir.
Nessa vontade:
serve a nuvem,
serve o vento,
servem os sulcos do arado.
Onde houver uma árvore a plantar,
deves plantá-la tu;
… onde houver um erro a emendar,
deves emendá-lo tu;
onde houver um esforço a que todos se neguem,
deves aceitá-lo tu.
Sê aquele que retirou a pedra do caminho,
o ódio entre os corações e as dificuldades do problema.
Há a alegria de ser sadio e a de ser justo;
mas há, sobretudo, a formosa,
a imensa alegria de servir.
Que triste seria o mundo
se nele tudo estivesse feito.
Se não se pudesse nele plantar uma flor
ou iniciar uma conquista!
Não. Não gostes apenas dos trabalhos fáceis.
É belo fazer-se o que os outros evitam
porque é difícil!
Não caias no erro de acreditar
que só há grandeza
nos grandes trabalhos,
que são imensos trabalhos:
adornar a mesa,
pentear uma criança,
plantar uma flor…
Há uns que criticam,
há outros que destroem
– sê tu aquele que serve.
Servir
não é tarefa dos inferiores.
Deus, que dá o fruto e a luz,
serve.
Podemos chamá-Lo:
“O que serve!”
Quando o crepúsculo chegar,
fixa teus olhos em tuas mãos
e pergunta cada dia:
Serviste hoje? A quem?
À árvore, a teu amigo, a tua mãe, a Deus?
Invocação:
Invocamos-te, Deus da vida, que és luz do mundo, que és consolador: conduze-nos por teus caminhos, conduze-nos pela tua graça nesta manhã de grande esplendor.
Confissão pascal:
Deus de amor, Deus da bondade, amigo de todas as pessoas que sofrem: confessamos neste dia de alegria e de vida que temos sido indiferentes às mortes que acontecem ao nosso redor. Temos sido covardes diante das injustiças e nada solidários com as pessoas injustiçadas e sofridas. Temos escutado prantos de dor, gritos de socorro, mas nossos ouvidos e corações permanecem fechados e intocados. Alimenta-nos, Deus da vida, com tua luz, que brota da cruz vazia e concede aos nossos corações arrependidos paz e coragem para anunciar teu poder e proclamar o teu Reino. Amém.
Oração de intercessão:
Envolver jovens, mulheres e pedir que tragam situações de dor e sofrimento que fazem parte da realidade da comunidade. Da mesma forma, destacar pessoas que possam apontar sinais de vida, milagres que aconteceram em meio à realidade, motivos de gratidão.
Bênção pascal:
Que a bênção do Deus da vida, a coragem e a confiança de Jesus Cristo e o conforto do Espírito Santo estejam conosco quando fraquejarmos, transformando-nos, alegrando-nos e concedendo-nos a paz. Amém.
Poema pascal de envio (Vera Regina Waskow):
Páscoa lembra vida, lembra a cruz, lembra a entrega de Jesus.
Lembra o sofrimento, a dor e a solidão. Morte? Sim, mas não o fim!
Páscoa lembra a ressurreição.
Vida plena em grande luz, que resplandece da cruz.
E hoje recebemos o calor dos raios desse amor, por isso
vida também queremos levar e com mesmo amor abraçar.
Que tua luz de vida, Senhor, possa nos guiar, para na fé sempre andar e o
teu amor e a tua entrega na cruz sempre compartilhar.
Bibliografia
BÍBLIA DE ESTUDO CONSELHEIRA – Novo Testamento: Acolhimento, reflexão, graça. Sociedade Bíblica do Brasil, 2011.
BRAKEMEIER, Gottfried. Auxílio homilético para o Domingo da Páscoa: Lc 24.1-12. In: Proclamar Libertação II. São Leopoldo: Editora Sinodal,1978. p. 34-39.
CELEBRAR PÁSCOA em família e comunidade. Editora Sinodal, 2008.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).