Proclamar Libertação – Volume 32
Prédica: Lucas 24.13-35
Leituras: Atos 2.14a, 36-41; 1 Pedro 1.17-23
Autor: Tânia Cristina Weimer
Data Litúrgica: 3º Domingo de Páscoa
Data da Pregação: 06/04/2008
1. Introdução
Ausência de esperança, medo, tristeza e olhos impedidos de ver. Assim caminham duas pessoas em direção à aldeia chamada Emaús. Conversam sobre os acontecimentos dos últimos dias, que mudaram completamente sua vida. A razão de sua tristeza é a cruz. É por causa dela que saíram de Jerusalém. Sabe-se de outros relatos bíblicos que os discípulos abandonaram a capital ou se esconderam, pois os seguidores de Jesus corriam o risco de ter o mesmo destino do Mestre.
Em meio à turbulência desses sentimentos, o próprio Jesus aproxima-se e caminha com eles. Escuta o que dizem, sem interromper. Mas eles não o reconhecem. Seus olhos estão como que impedidos de ver, de reconhecer. Somente depois de um gesto concreto, no partir do pão, seus olhos abriram-se e reconheceram que era Jesus, o crucificado, que os acompanhava. Dessa certeza nos fala Pedro em seu discurso (At 2): “O Jesus que vocês crucificaram é aquele que Deus tornou Senhor e Messias”.
E vem a pergunta: “O que devemos fazer?”. Essa pergunta certamente os discípulos de Emaús também se fizeram. E Pedro, em Atos, assim como também no texto de 1 Pedro 1.17-23, aponta para o arrependimento, para o reconhecimento público da aceitação de Jesus, amor ao próximo e o que os discípulos de Emaús fizeram, conforme Pedro também aponta: testemunhar. Viver a partir da realidade da morte e da ressurreição de Jesus.
Os textos do domingo são um chamado a assumir o “ser cristão”, ou seja, tomar consciência de nossa missão como discípulos e discípulas de Jesus Cristo, que Deus tornou Senhor e Messias.
2. Exegese
Duas pessoas caminham na estrada. Elas vêm de Jerusalém, onde experimentaram fortes emoções nos últimos dias, e seguem agora para Emaús, onde moram. Emaús, uma pequena aldeia, fica a cerca de 11 km de Jerusalém.
Do texto e da sequência da narrativa (v. 19-24) ficamos sabendo que tais acontecimentos são a condenação e a crucificação de Jesus, além do boato espalhado pelas mulheres de que Ele teria ressuscitado.
Lucas identifica um dos dois como Cléopas (v. 18). Uma antiga tradição identifica Cléopas como irmão de José, marido de Maria. Sabemos do Evangelho de João 19.25 que, junto à cruz, estava, ao lado da mãe de Jesus, de sua irmã e de Maria Madalena, ainda uma outra Maria, mulher de Cléopas. É mesmo Cléopas que anda no caminho de Emaús. E quem caminha com ele pode muito bem ser sua mulher, Maria. Visto que somente é citado o nome de um dos caminhantes e somente Cléopas fala, parece que a outra pessoa não está em pé de igualdade. Isso era comum na sociedade da época, em se tratando de mulheres.
O próprio Jesus aproxima-se dos dois e caminha com eles um pedaço da estrada. Escuta o que dizem. Jesus pergunta o que os preocupa. E eles apontam a razão de sua tristeza: a cruz. Os dois não reconhecem Jesus, pois “seus olhos estavam impedidos de o reconhecer” (v. 16). O que teria cegado os dois discípulos? As suas colocações (v. 19-21) dão a entender que esperavam de Jesus que ele fosse o Rei esperado, que resolvesse os problemas sociais e políticos de Israel.
No entanto, suas esperanças se desfizeram. Já se passavam três dias desde a sua crucificação. Também a esperança de que Jesus pudesse recuperar a vida se desfez, visto que “já é este o terceiro dia desde que tais coisas sucederam” (v. 21).
Jesus é duro com os dois (v. 25-27). Em suas instruções ele esclarece, desde os tempos de Moisés, as profecias sobre o Messias. Ele lhes mostra que todo o Antigo Testamento é testemunho do Cristo, que teria de sofrer para “entrar na glória” (v. 26).
A caminhada termina. Os discípulos convidam o desconhecido para ficar (v. 28-31). E ali, junto à mesa, Jesus toma o pão, abençoa-o, reparte e oferece aos discípulos. Nesse momento, abrem-se os seus olhos e eles reconhecem Jesus.
No caso dos discípulos de Emaús, esses, depois que se abriram os seus olhos, partem para o testemunho (v. 32-35).
Quanto às leituras bíblicas que acompanham o texto da pregação deste domingo, Atos 2.14a, 36-41 aponta para a certeza de que o Jesus que foi crucificado é, de fato, aquele que Deus tornou Senhor e Messias. São dadas três respostas à pergunta: O que devemos fazer?
a) arrepender-se: para receber o Espírito Santo
b) ser batizado: para ter os pecados perdoados, como reconhecimento público da aceitação de Jesus
c) testemunhar
Já 1 Pedro 1.17-23 aponta para um “julgar de acordo com o que cada um tem feito”. Era, pois, necessário que Jesus passasse pela morte na cruz para que nós, sem acepção de pessoas, fôssemos libertados por seu precioso sangue. Deus ressuscitou-o e lhe deu a glória. O novo nascimento traz pureza, que se manifesta em amor pelos outros.
3. Meditação: Ele anda conosco
Não é difícil compreender a frustração e total desorientação dos dois discípulos, uma vez que tinham acabado de perder tudo o que possuíam de mais precioso. Tudo isso foi sepultado com Jesus. Parecia que esse fato destruíra todos os seus anseios e esperanças, a ponto de se esquecerem dos ensinamentos do Mestre, de suas promessas. Estavam, pois, completamente sem direção, perdidos. Tudo o que criam, o que esperavam, seus planos, tudo tinha acabado.
Por seu aspecto podemos até imaginar que estivessem dizendo algo mais ou menos assim: “Se Jesus teve poder para curar os enfermos, expulsar demônios, ressuscitar mortos, andar sobre as águas, silenciar o mar e falar às multidões de forma tão inspirada, por que não conseguiu evitar uma morte tão vergonhosa e humilhante? Será que estávamos enganados com relação a ele? De que adiantou segui-lo?”.
Estavam tão distraídos, que nem notaram que tinham uma companhia especial. Eles conheciam Jesus e o amavam. Entretanto, quando Jesus apareceu ao lado deles e pôs-se a caminhar com eles, não o reconhecerem. Será que Jesus se disfarçou para que eles pudessem falar com toda a liberdade e abrir o coração a ele? Ou será que foi aquele sentimento de derrota que impediu que o identificassem?
Lucas registra que eles não o conheceram porque seus olhos estavam fechados. Imagine que você esteve no enterro de seu melhor amigo, viu tudo, volta para casa triste, mas três dias depois aparece alguém muito parecido com ele; mas não pode ser ele, você o viu baixar morto na sepultura.
A cegueira não é externa, é interna, no coração. Não podem reconhecer Jesus, pois é ilógico que seja ele. Eles o tinham visto morto.
Na mente desses discípulos não existia a possibilidade de um Jesus ressurreto, pois não haviam aceitado a morte de Jesus, a perda do líder libertador.
As verdades declaradas por Jesus eram ouvidas por todos, mas não se tornaram verdades para os discípulos. Pedro até disse que isso não iria acontecer (a morte de Jesus).
Nos v. 25 e 26 nos é dito qual é o problema desses discípulos, e o nosso também: somos tardios em crer em todas as coisas, em toda a verdade, não apenas no que nos é agradável, mas em todas as coisas. Encontramo-nos bloqueados para as verdades de Deus.
Aqueles discípulos criam que Jesus era o salvador, mas não criam que para ser o salvador era necessário morrer.
Ao perceber que eles não o reconheciam, Jesus foi explicando as Escrituras e fortalecendo-os na fé durante todo o caminho. Convidado para uma refeição, foi reconhecido por eles no partir do pão e imediatamente desapareceu.
Quando eles reconheceram Jesus, Jesus desapareceu. Mas eles não ficaram mais tristes, pois compreenderam claramente como reconhecer a constante presença de Jesus. Quando entra a verdade de Deus, Jesus desaparece, mas a alegria continua.
Os discípulos voltaram a Jerusalém para reencontrar os demais e anunciar que, de fato, Cristo havia ressuscitado.
Uma vez que conseguimos ver a mão de Deus em meio às nossas dificuldades, a dificuldade deixa de ser o mais importante e a presença de Deus passa a ser o central. Diz uma frase muito conhecida por nós: “Não diga a Deus: Eu tenho um grande problema. Diga ao problema: Eu tenho um grande Deus”.
Muitos andam tristes e sem esperança pelas estradas da vida. E no dia-a-dia, em meio às frustrações, nem percebem a presença de Deus. Isso conduz à desesperança, ao desânimo, à falta de perspectivas para o futuro.
Abraçar a cruz implica aceitar o inevitável, afinar o ouvido para discernir a voz de Deus.
Durante o período da Páscoa, quando celebramos a ressurreição de Jesus, somos convidados a perceber, deixar nosso coração arder, queimar com a presença de Deus, ou seja, com o presente maravilhoso da morte e ressurreição de Cristo em nosso favor. Apesar das circunstâncias, busquemos edificar nossos corações e, consequentemente, nossas comunidades. Deus revela-se a nós através de seu caminhar conosco e manifesta-se em nossas vidas, dando esperança, força, sentido para a vida.
No caminho de Emaús, observamos o cuidado que Jesus tem conosco, deixando-o aproximar-se de nós.
Depois dessa descoberta, saiamos a testemunhar.
4. Imagens para a prédica
Uma das imagens que mais me agrada é a imagem do “caminho”. Os primeiros cristãos eram chamados de “os do caminho”. O cristão está sempre caminhando e quanta coisa se aprende no caminho, quantas pessoas encontramos, deixamos para trás, alcançamos!
Poderia ser feito um caminho no local da celebração. Nesse caminho podem ser colocados alguns obstáculos (pedras, espinhos, placas questionando, confundindo…). As pessoas que vêm ao culto são convidadas a passar por esse caminho, dirigindo-se a seus lugares. Uma pessoa, caracterizada como Jesus (quem sabe uma pessoa desconhecida da comunidade), poderia ficar circulando pelo caminho, aproximar-se das pessoas, acompanhá-las, abraçá-las, sentar a seu lado por um momento. Destacar o lado poimênico, o estar juntos, lado a lado. E, na hora da prédica, resgatar junto às pessoas como elas se sentiram ao passar pelo caminho, ao sentir a aproximação de uma pessoa que lhes deu atenção. Encontramos pessoas que nos estendem a mão e, às vezes, nem percebemos.
Creio que cabe muito bem nesse texto a reflexão sobre a “igreja do cuidado”. Em tempos de individualismo e competitividade, em tempos de dor em que caminhamos como que sozinhos, sentir a companhia de irmãos e irmãs na fé, a presença da igreja, sentir-se parte de um corpo é fundamental para reconstruir vidas.
Uma encenação atualizada, que questiona as pessoas, a partir do texto: Com que nós estamos frustrados? Quem caminha ao nosso lado?
O momento em que os discípulos reconheceram Jesus foi no gesto do partir do pão. Celebrar a Santa Ceia nesse contexto, frisando a imagem do repartir do pão mexe com nossos sentimentos. Partir o pão virou uma marca pessoal de Jesus.
E, para falarmos, ou seja, testemunharmos do que vimos e ouvimos, mas também do que experimentamos, é preciso fazer arder o coração. Em que momento, que experiências comunitárias já fizeram nosso coração arder? Quando sentimos queimar o nosso peito por gestos concretos de amor e solidariedade?
5. Subsídios litúrgicos
Confissão de pecados
L – Senhor, nosso Deus amado, desde a Páscoa sabemos que tu és o todo-poderoso, cheio de amor e compaixão. Mas quantas vezes desanimamos e não enxergamos os teus feitos maravilhosos. Até mesmo chegamos a duvidar da ressurreição de Jesus, preferindo seguir os passos dos discípulos a caminho de Emaús: desanimados, descrentes, desiludidos. Por causa disso vamos em busca de sensações mais fortes, que acreditamos que nos possam levar a arder nosso coração; mas apenas nos ferimos e machucamos ainda mais a nós e nosso próximo. Assim ficamos devendo ao mundo o testemunho sobre a tua vitória pascal. Perdoa-nos por causa de Jesus Cristo e ouve-nos quando cantamos:
C – (comunidade responde cantando “Perante ti” da Coleção Miriã 2, p. 9)
Kyrie eleison
L – (costura) Viemos para este culto buscando o encontro com Deus. Neste encontro não nos afastamos dos problemas que nos cercam. Somos discípulos e discípulas a caminho do encontro com nosso salvador. Por isso vamos unir nossas vozes àquelas tantas que clamam à beira do caminho e pedem por compaixão.
(Para cada prece que segue são trazidos os símbolos espalhados pelo caminho: pedras, espinhos, uma cruz etc., lembrando das dificuldades que atravessamos, de pessoas que se ferem pelo caminho ou até por tomar outros caminhos, das pessoas que são vítimas da violência… Pessoas da equipe de liturgia ou da comunidade [uma criança, um jovem, um idoso, alguém do presbitério] podem buscar esses símbolos e trazê-los aos altar.)
Enquanto isso, a comunidade canta: Kyrie da Coleção Miriã 1, p. 9.
Oração do dia
L – Nosso Deus, tu que te revelas na cruz e na ressurreição, na tua palavra e no partir do pão, concede que compreendamos a razão de tanto sofrimento, para que saiamos daqui convictos de teu amor por nós, sabendo que Cristo caminha ao nosso lado; que ele nos sustenta, encoraja-nos para o testemunho da boa-nova da salvação. Por Jesus Cristo, que contigo e com o Espírito Santo reina de eternidade a eternidade.
C – Amém.
Oração eucarística
L – Oremos: É justo e do nosso dever que em todos os tempos e lugares te rendamos graças, ó Deus. Pois revelaste o teu grande amor para conosco através de teu Filho. Venceste o poder da morte com a ressurreição de Jesus. Na Páscoa do teu Filho, fortaleceste-nos na esperança de uma nova vida, que se estende até a vida eterna. Por tudo isso, Deus de amor, nós te adoramos.
C – Santo, santo, santo.
L – Nós te damos graças, ó Deus, porque teu Filho, antes de entregar-se à morte e ressuscitar, reuniu-se com seus discípulos em torno da mesa da comunhão.
C – Ele veio nos salvar.
L – E, enquanto comiam, Jesus tomou o pão… (segue a narrativa da instituição). Lembrando disso, Senhor, nós hoje nos reunimos ao redor desta mesa e experimentamos a mesma alegria pela certeza de que Jesus caminha ao nosso lado e por nós conquistou a vida eterna.
C – Anunciamos, Senhor, a tua morte e proclamamos tua ressurreição. Vem, Senhor Jesus!
L – Deus todo-poderoso, derrama o teu Espírito Santo, o Espírito que dá vida e faz nosso coração arder. Dá que, partilhando o pão e o cálice da comunhão, experimentemos a verdadeira Páscoa em nossa vida, e abrindo nossos olhos, demos o nosso testemunho.
C – Vem, Espírito Santo.
L – Lembra-te, ó Deus, de todas as pessoas que foram chamadas desta vida, irmãos e irmãs na fé. Reúne-nos com elas à mesa da comunhão no reino prometido e por Cristo inaugurado.
C – Por Cristo, com Cristo e em Cristo.
Sugestão de um hino: No caminho de Emaús – O povo canta, p. 112.
Sugiro ler (e usar) os versos que relatam a história “No caminho de Emaús”, p. 151 a 153, de autoria de Lindolfo Weingärtner, no livro O Evangelho segundo Lucas – em versos (Editora Sinodal).
Bibliografia
GEORGE, A. Leitura do Evangelho segundo Lucas. 2.ed. São Paulo: Paulinas, 1984. 94 p.
PIKAZA, Javier. A teologia de Lucas. 2.ed. São Paulo: Paulinas, 1985.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).