Lutero e o capitalismo incipiente
Joachim Fischer
1. LUTERO NO ”CAPITAL” DE KARL MARX
O que Lutero tem a ver com o capitalismo? Quando falamos de capitalismo, pensamos geralmente naquilo que é chamado de ¨sistema capitalista¨ em nossa época, Disso Lutero parece estar muito distante. O reformador pertence à Alemanha do século XVI. Nós vivemos no Brasil do século XX. Porém, antes de formarmos uma opinião mais definida a esse respeito, seria bom refletirmos um pouco. Pois a pergunta: ¨Como funciona o sistema capitalista?¨ não fica totalmente alheia àquele que uma vez pensou poder fugir deste nosso mundo pecaminoso para a tranquilidade espiritual do claustro. Mas, dentro do que esperava ser seu refúgio e o lugar apropriado para se encontrar a si mesmo em harmonia com seu Deus, estava obrigado a reconhecer seu tremendo egoísmo piedoso. Depois de ter experimentado a libertação do cativeiro do seu Eu para o serviço grato às criaturas de Deus, expressou muitas vezes a regra básica válida para a vida do cristão, como, por exemplo, no ¨Sermonário¨ de 1526: ¨Maldita seja a vida que alguém leva exclusivamente em prol de si mesmo e não em prol de seu próximo. Mas bem-aventurada sela a vida em que alguém não vive para si mesmo nem serve a si mesmo, e, sim, ao seu próximo, orientando, corrigindo, ajudando com todos os meios possíveis e de todas as maneiras possíveis… Assim devemos cuidar de fazermos tudo em prol do nosso próximo…¨ (1) No ¨Catecismo Menor, de 1529, Lutero aplica essa regra a um determinado setor da vida humana da seguinte maneira; ¨Devemos temer e amar a Deus, de maneira que não tiremos ao nosso próximo o dinheiro ou os bens, nem nos apoderemos deles por meio de mercadorias falsificadas ou negócios fraudulentos, porém o ajudemos a melhorar e conservar os seus bens e o seu ganho¨ (salário) (2). Mercadorias, negócios, bens, salário — com esses termos já não estamos mais tão distantes da realidade ¨capitalismo¨, em que tais grandezas são fatores constitutivos.
Acrescento mais uma observação. No 2º. semestre de 1979 e no 1º. semestre de 1980 participei, respectivamente, do Grupo de Trabalho ¨Marxismo e Cristianismo¨ e do Seminário ¨Marx e as Religiões¨. Ocupamo-nos com vários aspectos das análises de Marx. Conhecemos Marx como crítico de qualquer tipo de religião. Mas evidenciou-se que não é possível entender corretamente essas críticas à religião sem conhecer também sua base. Por isso estudamos igualmente a teoria econômica de Marx. Nesse contexto foi levantada a pergunta pelas origens históricas do capitalismo. Marx vê uma das características fundamentais do capitalismo na existência antagônica de duas classes. Os capitalistas possuem o dinheiro que lhes permite construir fábricas e comprar máquinas, matérias-primas e mão-de-obra para a produção de mercadorias. Os operários não possuem nada senão sua força de trabalho e estão obrigados a vendê-la ao capitalista para poderem sustentar-se. Como, quando, onde e sob que circunstâncias surgiu e desenvolveu-se essa distinção e divisão? Como alguns conseguiram acumular dinheiro, transformando-se em capitalistas, enquanto que os outros perderam o que possuíam, transformando-se em mão-de-obra ¨livre¨, à disposição dos capitalistas? Marx chama esse processo histórico de ¨acumulação primitiva¨ e analisa-o no 1º. volume de sua obra ¨O Capital¨(3). Lá encontramos de repente o termo ”pecado original¨. A ocorrência desse termo teológico em Marx naturalmente despertou o interesse do teólogo. Estamos acostumados a encontrar esse assunto, por exemplo, no 29 artigo da Confissão de Augsburgo e em lugares semelhantes, mas não em Marx.
Marx, afirma que, na ciência econômica (¨economia política¨), a acumulação primitiva, o primeiro passo no caminho do capitalismo, tem mais ou menos a mesma importância que na teologia tem o pecado original, a queda de Adão, o primeiro passo no caminho do pecado (4). Em outras palavras: o surgimento dos primeiros capitalistas é o ¨pecado original¨ na história econômica dos povos. Nessa história, pois, existe algo que pode ser muito bem caracterizado com um termo teológico. Mas para entender todas as implicações do mesmo, deve-se consultar um teólogo, como Lutero, por exemplo, que realmente entendeu de teologia, enquanto que Marx não entendeu muito ou quase nada neste campo. Eis mais um ponto de encontro entre Lutero e o fenômeno ¨capitalismo¨.
Podemos dizer mais ainda. Na leitura do ¨Capital¨ de Marx encontrei uma vez — por acaso? pela providência de Deus? — uma alusão a Lutero. Nela o reformador não foi criticado ou combatido como representante do ‘fenômeno superado ¨religião¨, como se poderia esperar em Marx, nem como traidor dos camponeses nem em outros sentidos. Ao contrário, Marx apresenta Lutero em alguns pontos quase como um antecessor seu. Afirma que já Lutero viu certas coisas na vida econômica de sua época que agora ele, Marx, iria analisar mais detalhada e cientificamente. Foi uma surpresa. Verifiquei no índice de nomes outros trechos no livro de Marx em que Lutero é mencionado ou citado. Li e constatei que Marx somente uma única vez observa que uma afirmação sua não deve ser entendida como Lutero entendeu o assunto (5). Em todos os outros casos Marx menciona ou cita Lutero para fundamentar, reforçar ou ilustrar uma afirmação sua (6). Apresento um exemplo. Os capitalistas da época de Marx costumavam dizer que, produzindo mercadorias, preteriam um serviço à sociedade e aos seus próximos. Marx rejeita a qualificação da produção de mercadorias como serviço e cita as seguintes palavras de Lutero: ¨nem tudo que se chama de serviço e bem-fazer, é realmente serviço e bem-fazer ao próximo. Pois uma adúltera e um adúltero prestam um ao outro um grande serviço e prazer… O próprio diabo presta a seus servos um serviço grande e até imenso… Em resumo, o mundo está cheio de serviços e benefícios grandes, excelentes, diários. ¨(7) Num outro lugar Marx afirma que Lutero sabia mais de certas coisas econômicas do que o socialista francês Pierre Joseph Proudhon, o autor da famosa tese de que ¨propriedade é roubo¨, que viveu 300 anos após Lutero(8). O próprio Marx chama Lutero de ¨o mais antigo representante alemão da ciência da economia nacional¨. Qualifica suas doutrinas sobre o trabalho e a profissão como burguesas, mas progressistas dentro de sua época e como pressuposição importante da teoria clássica da burguesia sobre trabalho e valor(9). Essa teoria, por sua vez, é pressuposta por Marx.
Podemos, ver, pois, que no ¨Capital¨ Marx não critica Lutero. Refere-se a ele quase sempre positivamente. São alusões não relativas a afirmações teológicas do reformador, e, sim, relativas a manifestações sobre economia. Portanto, se Marx encontrou algo positivo em Lutero, nós teólogos não deveríamos ser menos luteranos do que Marx, isto é, não deveríamos ignorar o ¨economista¨ Lutero. Pois não creio que as alusões de Marx a Lutero tenham sido somente uma tática, aplicada porque os alemães geralmente consideravam o reformador como herói nacional, como um ídolo que deve ser respeitado como tal. Uma leitura atenta leva-me a concluir que Marx realmente apreciou Lutero como ¨economista¨.
2. O LUGAR DE LUTERO NA HISTÓRIA DO CAPITALISMO
O capitalismo é um fenômeno histórico. Está sujeito, pois, ao processo da história, ou seja, surgimento, desenvolvimento em ascensão, auge e declínio. Como já foi dito, existe um primeiro passo neste caminho que pode ser situado historicamente. Existe o ¨pecado originai¨ da primeira acumulação de capital como algo bem concreto da história, Quando, onde e como foi dado aquele passo fatal? Para Marx, conforme sua análise no ¨Capital¨, o surgimento do capitalismo começou com acontecimentos violentos e repentinos, a saber, a expropriação de um grande número de agricultores que desta maneira foram jogados no mercado de trabalho como proletários ¨livres¨. Marx analisa esse processo no exemplo da Inglaterra, o único país em que a expropriação dos agricultores aconteceu em sua forma clássica. Em si o capitalismo mais antigo desenvolveu-se na Itália. Mas num determinado momento o processo histórico inverteu-se. Os operários foram jogados nas regiões de agricultura, transformando-se em minifundiários. A Inglaterra tornou-se o país clássico do capitalismo, pelo menos para Marx. Lá a expropriação dos agricultores aconteceu no último terço do século XV e nos primeiros decênios do século XVI. Assim surgiu lá a base do sistema capitalista. Em outros países o mesmo processo apresenta aspectos diferentes e aconteceu em épocas diferentes. Mas com isso Marx não se ocupa. Restringe-se ao surgimento do capitalismo na Inglaterra(10). Por isso, de sua obra ¨O Capital¨ não podemos deduzir um quadro geral da história do capitalismo.
Tais quadros, no entanto, podemos encontrar em outros lugares. Para o historiador brasileiro José Jobson de A. Arruda, por exemplo, o início da Idade Moderna está marcado pela transição do feudalismo ao capitalismo, em primeiro lugar(11), e isso num sentido geral. Ele distingue na história do capitalismo quatro fases ou quatro formas do capitalismo, como segue:
1. Na fase do pré-capitalismo, de 1100 a 1450, aproximadamente, desenvolveram-se as condições para a formação do sistema capitalista;
2. O capitalismo comercial, a primeira forma do capitalismo, de 1450 a 1750/1900, aproximadamente, caracteriza-se pelo predomínio da atividade comercial e pelo trabalho assalariado generalizado:
3. O capitalismo industrial, a segunda forma do capitalismo, surgido a partir de 1750/1900 com a primeira revolução industrial, caracteriza-se pela atividade industrial; a revolução industrial aconteceu, de 1760 a 1850, quase exclusivamente na Inglaterra e atingiu. de 1850 a 1900, a Europa Continental (Bélgica, França. Alemanha, Itália, Rússia). América do Norte, Ásia (Japão):
4. O capitalismo financeiro, a mais recente forma do capitalismo, em que as diversas atividades (indústria, comércio, agricultura, pecuária) dependem essencialmente de empréstimos bancários. (12)
O Brasil dificilmente pode ser enquadrado nesse esquema. Já nos foi dito que devido à falta de pesquisa não é possível dizer com alguma precisão quando começou a se formar e a predominar o sistema capitalista de produção. Encontrei a informação de que ¨em 1889… funcionavam no Brasil 636 estabelecimentos industriais, …ocupando 54.000 operários¨(13) para uma população total que em 1890 foi recenseada em quase 14.334.000 habitantes(14). O pequeno número de estabelecimentos industriais e a quota de 0,37% de operários industriais são provas muito claras de que no fim do século XIX no Brasil não existiu capitalismo industrial nem classe operária propriamente dita. Há autores que afirmam que na última década do século passado entrou no país o pré-capitalismo(15), que, conforme Arruda, na Europa se instalou entre 1100 e 1450. Há um certo consenso de que a revolução industrial somente aconteceu, em proporções maiores, após a revolução sócio-política de 1930(16). Citam-se como significativos para a década de 30 os versos de Mário de Andrade:
Eram caminhões bondes autobondes
anúncios-luminosos relógios
faróis rádios motocicletas telefones
gorjetas postes chaminés…
Eram máquinas e tudo na cidade
era só máquina(17).
Mas muitas questões ficam ainda abertas. O surgimento e desenvolvimento do capitalismo no Brasil exige uma análise própria. Não pode ser interpretado através de um esquema deduzido da história do capitalismo em outros países. Para entender corretamente o capitalismo brasileiro, pode tornar-se necessário acrescentar às quatro formas do capitalismo já mencionadas, o pré-capitalismo e os capitalismos comercial, industrial e financeiro, uma quinta forma, o capitalismo agrário. Se é verdade que o pré-capitalismo entrou aqui entre 1890 e 1900, então já agora podemos perceber que o desenvolvimento que na Europa levou 900 anos, leva no Brasil apenas 90 anos, isto é, acontece com uma rapidez dez vezes maior, o que já em si constitui algo violentíssimo. Por isso devemos contar também com a possibilidade de que as diversas formas do capitalismo não se sucedem, e, sim, existem lado a lado, ao mesmo tempo. Posso imaginar que também a extensão geográfica do país facilita a coexistência de um capitalismo financeiro ou multinacional num Estado como São Paulo com um pré-capitalismo (ou até um estágio anterior a qualquer tipo de capitalismo) no interior de um Estado do Nordeste.
Mas voltemos a Lutero. Situá-lo dentro da história do capitalismo é muito mais fácil do que analisar e entender o capitalismo brasileiro. O capitalismo que Lutero conheceu, o capitalismo de sua época, foi o capitalismo comercial. Consequentemente, o tema ¨Lutero e o capitalismo incipiente¨ quer dizer, mais precisamente, ¨Lutero e o capitalismo comercial¨. Sobre esse tipo de capitalismo podemos procurar e esperar manifestações do reformador. Mas penso que tais manifestações contêm verdades válidas também em outras épocas e situações.
3. A TRADIÇÃO DA ÉTICA CRISTÃ PARA A VIDA ECONÔMICA
Frente à tradição teológica e eclesiástica de sua época Lutero foi um revolucionário e toda a Reforma Evangélica uma revolução. O melhor livro que conheço sobre as grandes revoluções europeias(18) inclui com toda a razão a Reforma do século XVI(19). O já mencionado historiador brasileiro Arruda caracteriza a Reforma como ¨uma revolução no terreno religioso¨(20). Friedrich Engels, amigo e colaborador de Karl Marx e co-fundador do marxismo, chamou a ¨assim chamada Reforma¨ de ¨disfarce religioso da primeira revolução burguesa¨(21). E a historiografia marxista atual tem uma forte tendência de abordar como revolução não apenas a guerra dos camponeses ou o movimento de Tomás Müntzer e, sim, entende ¨Reforma e guerra dos camponeses¨, juntas, como ¨forma primitiva (uma forma, não duas!) de uma revolução burguesa no início da época da transição do feudalismo ao capitalismo¨(22).
No entanto, a vida não é somente fé, culto, Deus, alma, oração. É também sociedade, política — e economia. Foi Lutero também um revolucionário frente à realidade econômica de sua época?
Antes de tentar responder a pergunta, devo dizer que a Igreja durante os séculos desenvolvera uma determinada ética para a vida e as atividades econômicas. Para entendermos bem a tomada de posição de Lutero, devemos conhecer, um pouco pelo menos, os princípios dessa ética, pois Lutero conheceu-a bem, porque foi educado dentro dela, e chegou a uma posição própria debatendo-se com aquela ética cristã econômica tradicional.
O que encontramos nessa ética? Em primeiro lugar encontramos a herança bíblica, sobretudo do Antigo Testamento. Em alguns lugares a lei judaica proibiu cobrar juros sobre o dinheiro emprestado a um pobre. Assim diz Êxodo 22.25: ¨Se emprestares dinheiro ao meu povo, ao pobre que está contigo, não te haverás com ele como credor que impõe juros.¨ Em Levítico 25.35-37 lemos: ¨Se teu irmão empobrecer, e as suas forças decaírem, então sustentá-lo-ás… Não receberás dele juros nem ganho… Não lhe darás teu dinheiro com juros, nem lhe darás o teu mantimento por causa de lucro.¨ Em outros lugares cai essa restrição ao pobre e proíbe-se cobrar juros de qualquer compatriota, permitindo-se a cobrança de juros somente do estrangeiro: ¨A teu irmão não emprestarás com juros, nem dinheiro, nem comida, nem qualquer coisa que se empresta com juros. Ao estrangeiro emprestarás com juros, porém a teu irmão não emprestarás com juros; para que o Senhor teu Deus te abençoe em todos os teus empreendimentos, na terra a qual passas a possuir¨ (Deuteronômio 23.19-20). Nessa forma geral a proibição aparece ou transparece também no Salmo 15.1 e 5: ¨Quem, Senhor habitará no teu tabernáculo? Quem há de morar no teu santo monte? … o que não empresta o seu dinheiro com usura…¨ E transparece em Ezequiel 18.5. 7 e 8: ¨Sendo o homem justo, e fazendo juízo e justiça… tornando ao devedor a cousa penhorada… não dando o seu dinheiro à usura, não recebendo juros…¨. Essa proibição distinguiu Israel de outros povos em que, às vezes, era praxe cobrar juros de até 25 ou 33 % do valor do empréstimo(23).
A tradição do Antigo Testamento transparece no Novo Testamento em Lucas 6.35: ¨Emprestei, sem esperar nenhuma paga.
Nessa tradição bíblica baseou-se a Igreja da Idade Média em sua ética e legislação. O motivo bíblico foi reforçado, quando no auge da Idade Média se aceitou a filosofia de Aristóteles como instrumento auxiliar para fazer teologia. Assim aceitou-se também seu princípio: ¨Moeda não gera moedas.¨ Consequentemente, a legislação eclesiástica da Idade Média proibiu cobrar juros(24). Tomás de Aquino qualificou o desejo de obter lucros como torpitude ou torpeza (latim: turpitudo). A ¨atividade dirigida para a aquisição¨ foi considerada como algo que em última análise é vergonhoso (latim: pudendum) e ¨que devia ser tolerado somente por causa das necessidades inalteráveis da vida neste mundo¨(25). A finalidade do trabalho não é o lucro, e, sim, principalmente o servir à sociedade. Também os bens deste mundo visam o bem de todos. Finalmente estabeleceu-se e discutiu-se o princípio de que as mercadorias devem ter um ¨preço justo¨ (latim: iustum pretium).
A ética econômica da Idade Média conteve alguns elementos que permitiram uma aplicação bastante flexível dos princípios que em si eram muito rígidos. Tomás de Aquino ensinou que a atividade econômica deve satisfazer às necessidades de uma pessoa segundo sua posição. Considerou-se, portanto, como legítimo que um grande dispõe de muito dinheiro e um pequeno de pouco. Além disso permitiu-se uma indenização ou remuneração pelo trabalho realizado. Ao ¨trabalho¨ deu-se uma interpretação bastante ampla. Em certos casos valeu como trabalho até a preocupação com o dinheiro que alguém emprestou a outrem. Nos séculos XIV e XV desenvolveu-se uma casuística muito sutil que possibilitou muitas atividades econômicas em meio àqueles princípios rígidos. Finalmente não devemos esquecer que muitas pessoas simplesmente desrespeitaram a ética econômica com a qual a Igreja tentou impedir abusos e arbitrariedades e disciplinar a economia (26).
4. A RAIZ ANTROPOLÓGICA DO CAPITALISMO
Muitas vezes se ouve que a ambição de lucro é a característica ou uma das características do capitalismo. Pode ser. Mas não podemos negar que ganância e avareza existiram muito antes do capitalismo, a ganância que o dicionário define como ¨ambição de ganho¨, e a avareza que o dicionário define como ¨excessivo e sórdido apego ao dinheiro¨(27). Certamente não é por acaso que a palavra ¨avaro¨, que significa aquele que é sórdida e excessivamente apegado ao dinheiro, é a palavra com o segundo maior número de sinônimos que até agora descobri na língua portuguesa. Não creio que todos os 66 sinônimos que o ¨Novo Aurélio¨ registra, são decorrência da existência do capitalismo em Portugal ou no Brasil. Max Weber escreve acertadamente: ¨A auri sacra fames (fome do sacro ouro) é tão velha quanto a história do homem… A aquisição impiedosa, onde foi possível, ocorreu em todos os períodos da história. Tal como a guerra e a pirataria, o comércio tem sido irrestrito em suas relações com estrangeiros e com estranhos ao grupo… a aquisição capitalista aventureira era natural em todos os tipos de sociedade econômica que conhecessem o comércio monetário, e que lhe oferecessem oportunidades… Do mesmo modo, a atitude interior do aventureiro, que se ri de todas as limitações éticas, é universal.¨(28) Muitos contos de fada falam de pessoas que de repente encontraram imensas riquezas. Da história sabemos que nas mais diversas épocas e nos mais diversos povos houve alguns poucos que possuíam muito e uma grande massa de pessoas que possuía pouco. É claro que os bens dos que possuíam muito não caíram do céu. Não possuiriam muito, se não tivesse havido ganância e avareza que acumulou aqueles bens — e isso geralmente aconteceu às custas de outrem.
Se, portanto, ganância e avareza não são características exclusivas do capitalismo, devemos admitir, por outro lado, que o capitalismo tem uma de suas raízes, e uma raiz muito forte, na ganância e avareza das pessoas. Tem uma de suas raízes, em outras palavras, no coração do homem. Para mim o próprio Karl Marx confirma essa constatação em sua análise, já mencionada, da origem do capitalismo na Inglaterra. Um número enorme de agricultores foi expulso de suas terras por alguns — e esses se destacaram por sua ganância, avareza, violência e falta de escrúpulos. Por que alguns poucos agiram assim, tornando-se os primeiros capitalistas modernos, e a grande massa foi diferente, tornando-se os primeiros proletários modernos, Marx não explica e provavelmente não pôde explicar, pois não se ocupou suficientemente com a antropologia. Mas fica claro que a atuação dos poucos contra a grande massa de agricultores livres e proprietários de suas terras nasce, também para Marx, de seu coração.
E Lutero? Ele mostra com toda a clareza justamente esse fato, essa realidade antropológica. Sempre de novo aponta para esse ponto nevrálgico. A partir do Evangelho ele critica, questiona, acusa: do coração do homem nascem a ganância e a avareza que, juntamente com fatores externos, criam o espírito e o sistema do capitalismo de sua época. Como bom conhecedor e exegeta da Bíblia Lutero, em última análise, não faz outra coisa a não ser pregar, ensinar e explicar o que está escrito em 1 Timóteo 6.9 e 10: ¨Os que querem ficar ricos caem em tentação e cilada, e em muitas concupiscências insensatas e perniciosas, as quais afogam os homens na ruína e perdição. Porque o amor do dinheiro é raiz de todos os males.¨ Ele caracteriza a vida econômica em vista dos males nela existentes com palavras como desgraça, roubo, exploração, arbitrariedade, atrevimento, petulância, injustiça. Para as pessoas que praticam tais atos ele tem adjetivos como maliciosos, insolentes, não-cristãos, inumanos, ¨panças avaras¨. Seu ponto de partida, como já foi dito, foi o Evangelho. Esse ¨castiga e mostra as obras das trevas… Pois é uma luz brilhante que ilumina todo o mundo e ensina como as obras do mundo são más, e mostra as verdadeiras obras que devem ser praticadas em relação a Deus e ao próximo. ¨(29) A intenção de Lutero foi ¨salvar alguns, mesmo que sejam pouquíssimos, do abismo e da garganta da avareza¨(30), como escreveu no livrinho ¨Sobre Comércio e Usura¨, publicado em 1524. Como cristão e teólogo, Lutero estava em condições de dar uma resposta à pergunta que Marx, por exemplo, não conseguiu responder satisfatoriamente, a pergunta: Como é possível que no coração do homem nasçam ganância e avareza? Para Lutero a grande tentação do homem é querer viver e realmente viver ¨sem temor de Deus, sem confiança em Deus, e com concupiscência¨, como o formulou mais tarde Melanchthon no 2º. artigo da Confissão de Augsburgo(31). ¨Com concupiscência¨ para mim quer dizer também: o homem sem Deus está cheio de ganância e avareza e neste sentido e por causa disso é também o criador do capitalismo.
A partir da posição básica descrita no parágrafo anterior, Lutero manifestou-se em diversas ocasiões de maneira bem definida e clara sobre diversos aspectos do capitalismo de sua época, o capitalismo comercial. Já em 1519 publicou o assim chamado ¨Pequeno Sermão sobre a Usura¨(32). Como não foi muito bem entendido, explicou sua posição muito mais detalhadamente no assim chamado ¨Grande Sermão sobre a Usura¨, publicado em 520(33). Bem brevemente aborda problemas da vida econômica no seu apelo ¨À Nobreza Cristã da Nação Alemã¨(34), um escrito considerado por muitos como manifesto programático da Reforma luterana, de 1520, e no escrito ¨Sobre as Boas Obras¨(35), uma pequena ética evangélica, também de 1520. Esse último escrito nem sempre foi e é devidamente considerado. Muitas vezes fala-se de três grandes escritos da Reforma, publicados no ano de 1520, excluindo-se justamente a ética de Lutero(36). Na verdade, porém, trata-se de ¨um dos escritos mais notáveis de Lutero¨(37) e de ¨uma das mais importantes contribuições de Lutero ao pensamento protestante¨(38), como reconheceram historiadores como Franz Lau, Williston Walker e Kurt Dietrich Schmidt(39). Quando em 1523 as teses radicais contra os juros, apresentadas pelo pregador evangélico Jacó Strauss, na cidade de Eisenach, desencadearam uma acirrada discussão pública do problema, Lutero tomou mais uma vez posição publicando, em 1524, o escrito ¨Sobre Comércio e Usura¨(40). A segunda parte desse escrito é uma reedição do ¨Grande Sermão sobre a Usura¨. A primeira parte existe em tradução espanhola (41). Outras manifestações de Lutero encontram-se em diversas prédicas (42).
Finalmente, temos ainda uma manifestação bastante extensa e detalhada do velho Lutero. Em 1539, devido a uma seca, escasseou, na região de Wittenberg, o trigo. Especuladores aproveitaram a oportunidade para reter o trigo ainda existente e forçar assim uma alta do preço, na intenção de ganhar muito. Lutero reclamou ajuda, primeiramente do Conselho da cidade, depois do príncipe. Proferiu uma prédica muito dura e agressiva contra a avareza dos usuários. No fim formulou seus pensamentos por escrito e publicou, com a data de 1540, o escrito ¨Aos párocos, para que preguem contra a usura, admoestação¨(43), basicamente Lutero repetiu o que já escrevera 15 anos antes. Apesar disso o escrito é importante e interessante. Certamente não foi por acaso que Karl Marx costumou citar trechos desse escrito. Pois Lutero, apesar de já com 56 anos de idade, isto é, bastante velho segundo os padrões daquela época, não evidencia os menores sinais de acomodação. Ao contrário. Não entra apenas mais nos detalhes da questão. Está também mais preciso na linguagem, mais crítico e agressivo contra os causadores daquele mal social e econômico e, se podemos dizer assim, mais decidido no assunto. ¨Peço pelo amor de Deus a todos os pregadores e párocos que não silenciem nem deixem de pregar contra a usura e de admoestar e prevenir o povo¨, diz o velho reformador logo no início do panfleto (44). E no fim consta o apelo: ¨Pois bem, não te preocupes mais com ele. E tu, pároco, cuida… para não compartilhar de seus pecados. Deixa-os morrer como os cachorros. Deixa o diabo devorá-los com corpo e alma. Não os admitas ao sacramento (à Santa Ceia) nem ao batismo nem à comunhão cristã… Avareza e usura será o principal pecado mortal. Por causa dele todos nós teremos que sofrer a ira e a vara de Deus, porque toleramos tais pessoas malditas entre nós e não os punimos nem os combatemos, e, sim, mantivemos comunhão com eles. E, sobretudo príncipes e senhores têm que pagar caro por terem a espada em vão, deixando tais assassinos e ladrões (usuários e avarentas) livremente assassinar e roubar em seus territórios com usura e inflação arbitrária. ¨(45)
No que segue tentarei resumir o que Lutero escreveu principalmente nos anos de 1520 a 1524. O escrito de 1540 merece uma análise própria que darei, talvez, numa outra oportunidade.
5. O CRISTÃO E OS BENS TERRESTRES
Lutero distingue três atitudes essencialmente cristãs frente aos bens terrestres. Elas baseiam-se na ética do Sermão da Montanha, que é uma espécie de ¨catecismo de comportamento do discípulo de Jesus¨ (46).
a) Se alguém nos tira nossos bens com violência, devemos suportá-lo. Devemos estar dispostos a deixa-lo levar mais, se ele o quiser. É a atitude mais difícil, mas também mais cristã, por assim dizer, e corresponde a Mateus 5.40: ¨Ao que quer demandar contigo e tirar-te a túnica, deixa-lhe também a capa.¨ É o mesmo ¨direito¨ cristão que Lutero proclamou também na época da Guerra dos Camponeses: ¨Sofrer, sofrer, cruz, cruz é o direito dos cristãos e têm este direito, nenhum outro.¨(47) Não significa que devemos dar voluntariamente mais do que nos é tirado. Somente não devemos resistir à violência. Em outras palavras: exige-se do cristão disposição ao sofrimento. O mandamento de Deus questiona até o direito da assim chamada ¨legítima defesa¨. Se não nos orientamos na vida santa e pacífica, no ensino e no Evangelho de Cristo, a consequência é aquilo que está diante dos olhos de todos: o ¨jogo cruel¨ das inúmeras brigas, controvérsias, processos, guerras e derramamentos de sangue. É a maneira em que também os lobos e todos os outros animais ¨respeitam¨ o Evangelho. Assim Lutero deixa atrás de si todas as sutilezas da casuística medieval e proclama a ética simples de Jesus. Para quê? A meta de Lutero é o convívio pacífico, puro e celestial das pessoas. O sofrimento, a não-violência, é o único caminho para a paz. Caminhar nesse caminho é para nós um exercício: aprendemos desprender nosso coração dos bens falsos e temporais deste mundo e esperar exclusivamente pelos bens eternos e invisíveis do céu. Podem tirar tudo de nós. Mas assim aprendemos que Deus fica.
Então vale a ética da passividade? Não. Não devo resistir à violência com minha ação. Mas devo denunciá-la com a palavra. Devo assustar o violento. Devo mostrar-lhe a injustiça que comete, e o juízo de Deus. Devo orar por ele como Cristo na cruz. E tudo isso não por minha causa, e, sim, por causa dele.
E Deus instituiu a autoridade civil e a autoridade espiritual, o Estado e a igreja, para castigar os maus e salvar os oprimidos. Mas também aqui o cristão injustiçado não deve procurar seu direito diante das autoridades. Os outros devem denunciar a injustiça cometida pelos violentos e a inocência dos que sofrem (48).
b) O mandamento salutar de Cristo nos diz que é o dever do cristão dar e ajudar gratuitamente a cada irmão que necessita dessa ajuda ou a solicita, conforme Mateus 5.42: ¨Dá a quem te pede, e não voltes as costas ao que deseja que lhe emprestes.¨ Entre cristãos não convém que alguém passe necessidades ou mendigue.
Lutero adverte seus leitores que não devemos dar preferencialmente a nossos amigos, aos ricos e poderosos para sermos por eles louvados e honrados e recompensados. A corrente deve ser dirigida para o lado para o qual Cristo dirige sua palavra, a saber, para os pobres, necessitados, doentes, aleijados e cegos, pois todos eles são os verdadeiros membros vivos de Cristo. Nem sequer nossos inimigos estão excluídos do número daqueles que merecem nossa ajuda. Lutero acentua que não devemos ajudar somente numa situação de real emergência, de extrema necessidade, porque a ajuda facilmente pode chegar tarde demais. E chama a atenção para a necessidade de ajudar não apenas com bons desejos, e, sim, ¨exteriormente¨, com ¨obras¨. Tudo isso é difícil e amargo. Requer um cristão autêntico que põe toda a sua confiança em Deus. Tal pessoa, diz Lutero, é um ¨animal estranho nesta terra¨. Mas o mandamento de Cristo quer que nos tornemos tal ¨animal estranho¨, isto é, que aprendamos a confiar somente em Deus no que diz respeito a coisas temporais e eternas. (49)
c) A terceira atitude do cristão frente aos bens terrestres é estar dispostos a emprestar a alguém com prazer para ajudá-lo, sem esperar qualquer recompensa ou juros, não exigindo de volta o que foi emprestado, e, sim, correndo livremente o risco de perdê-lo, se não for devolvido. É uma atitude menos difícil do que as duas primeiras. Já foi exigida no Antigo Testamento (50). Mas mesmo assim é ainda uma obra altamente cristã e estranha (rara). Exige esforço e trabalho. Só é possível entre cristãos verdadeiros. Pois somente esses não se aproveitam da situação. Considerando-se mutuamente como irmãos devolvem com prazer o que emprestaram. Não são preguiçosos nem desavergonhados no sentido de se entregarem à ociosidade, fugindo do trabalho próprio e vivendo do trabalho de outros. Isso faz o capitalista, mas não o cristão. Lutero admite expressamente também neste lugar que há poucos cristãos verdadeiros nesta terra.
A quem o cristão deve emprestar? Não somente a amigos, ricos e pessoas que lhe são simpáticas, isto é, não somente a pessoas que em outras ocasiões por sua vez estariam em condições de lhe dar um empréstimo. O cristão deve emprestar também a necessitados e pobres dos quais não pode esperar nenhuma retribuição. Assim fica claro que suas intenções não são egoístas.
O dever do cristão de emprestar não é, para Lutero, um princípio que pode ser aplicado indiscriminadamente a qualquer situação. O cristão somente precisa dar empréstimos daquilo que lhe sobra e que não precisa para si mesmo e sua família. Pois, antes de dar qualquer empréstimo a outros, o cristão tem o dever de satisfazer as necessidades da esposa, dos filhos e dos que convivem com a família (os empregados). Cristo mesmo diz: ¨Quem tiver duas túnicas, reparta com quem não tem¨ (Lucas 3.11). Não diz: quem tiver uma túnica, dê-a a quem não tem nenhuma.
Finalmente Lutero responde a uma indagação que diz: a posição que ele defende, abriria as portas àqueles que gostam de viver às custas dos outros, e no fim todos perderiam o que é seu, porque têm que dá-lo como empréstimo. Para impedir tal caos, perda de paz e destruição do relacionamento e da comunhão humana existe, afirma Lutero, a autoridade civil. E ela deve ser dura e rigorosa. Deve obrigar os maus a não tirarem nem roubarem dos outros o que é deles, deve obrigar os maus a devolverem o que emprestaram. Se houvesse somente cristãos verdadeiros nesta terra, essa ordem civil não seria necessária. Mas há poucos cristãos. Os não-cristãos, no entanto, não podem ser governados com o Evangelho. Precisa-se do poder estatal, das leis, do direito, dos tribunais. Tudo isso tem a finalidade de combater a injustiça. (51)
Assim Lutero termina sua descrição das três atitudes cristãs frente aos bens terrestres. Resumindo podemos dizer que o cristão se agarra na promissão consoladora de Cristo, não nos bens terrestres. Desiste de querer dispor do futuro e confiar em bens materiais, em homens ou em si mesmo. Confia exclusivamente em Deus. (52)
6. O CRISTÃO E O COMÉRCIO
Além das três atitudes do cristão frente aos bens terrestres existem outras maneiras em que o cristão tem algo a ver com tais bens. Ele pode herdar uma herança. Há a transmissão de bens. Há, sobretudo a compra e venda de mercadorias, isto é, o comércio. Lutero admite-o como necessário. São dádivas de Deus que são compradas e vendidas no comércio. Como poderia ser ilegítimo lidar com dádivas de Deus? Mas Lutero é realista. O quadro geral da realidade do comércio é sombrio. A má natureza do homem, a avareza, a perfídia e o egoísmo produzem seus frutos também neste setor da vida humana Muitos comerciantes são ladrões manifestos e verdadeiros ¨cortadores de pescoços¨. Há no comércio muitos horrores, injustiças, astúcia, maldade, fraude e exploração. Para qualquer um que trabalha no comércio existem enormes perigos. São tão grandes que comerciantes dificilmente podem ser sem pecado. Mas há alguns que são cristãos. Não são muitos, mas existem. Foram despertados pelo Evangelho. Começaram a perceber os males e as distorções no seu campo de trabalho. Preferem ser pobres com Deus do que ricos com o diabo. A esses Lutero quer mostrar como podem e devem agir no comércio como cristãos, com consciência boa. Ao mesmo tempo quer denunciar e combater os abusos e pecados. Neste sentido aborda uma série de práticas comerciais que visam aumentar o lucro do comerciante ou conquistar-lhe uma posição dominante ou monopolista no mercado. São práticas que existem até hoje(53). Não pretendo apresenta-las todas. Restrinjo-me a quatro que me parecem ser as mais importantes.
a) A forma ideal do comércio é para Lutero a compra e venda à vista ou na base da troca imediata de mercadorias. Mas a realidade da vida econômica apresentou já naquela época a prática muito difundida da compra e venda sob fiança. Essa prática parece ser, à primeira vista, algo bom, um ato de amor ao próximo, porque permite que alguém adquira mercadorias que não pode pagar logo. Na verdade, porém, nessa prática residem os maiores e mais prejudiciais perigos e defeitos do comércio. Ela arruína muitas pessoas. Por isso Lutero a critica e rejeita. Em parte baseia-se em argumentos da razão e da observação ou experiência que nos mostram que a prática é insensata. Em parte Lutero tira seus argumentos da Sagrada Escritura em que principalmente o livro de Provérbios proíbe ou desrecomenda ser fiador ( 54). O argumento principal, porém, é de caráter teológico. É o seguinte: a prática da compra e venda sob fiança contradiz a verdadeira fé. Ela é não-cristã. É fruto da incredulidade, do desrespeito a Deus, da falta de temor de Deus. Por quê? Porque não está ao alcance do homem. É uma intromissão atrevida na obra de Deus. Nessa prática confia-se em homens. Mas a natureza humana é incerta, falsa, fútil, mentirosa. E confia em si mesma. Assim o homem torna-se Deus. Pois aquilo em que confia, é seu Deus. Na verdade, porém, ninguém pode dispor de si mesmo, de seu corpo e de seus bens, nem do corpo e dos bens daquele pelo qual é fiador. Deus mesmo resiste ao atrevimento e à falsa segurança dos incrédulos. Tudo, realmente tudo e todos estão nas mãos de Deus, como a Sagrada Escritura testemunha em muitos lugares (55). Tem seu sentido que no Pai Nosso pedimos pelo pão nosso de cada dia para hoje, não para amanhã.
Se não houvesse a prática da compra e venda sob fiança, viver-se-ia muito mais de acordo com a verdadeira fé. E ninguém poderia viver acima de suas possibilidades. Todos deveriam viver sobriamente. As pessoas não pensariam somente dia e noite em como poderiam ficar ricas. Por isso, conclui Lutero, o cristão não se deve tornar fiador de ninguém nem aceitar alguém como fiador. Ou se o fizer, deve realmente estar em condições para tanto e deve estar disposto a arcar com todas as consequências (56).
b) Um outro problema importante abordado por Lutero é o do preço das mercadorias e do lucro. O comércio em geral orienta-se exclusivamente no lucro. Quer o mais alto lucro possível. Por isso vende as mercadorias pelo preço mais alto possível. Assim, porém, diz Lutero, abrem-se ao diabo portas e janelas da sociedade. Aquela praxe é inumana: é um horror e uma injustiça: viola o direito natural. Pois o comércio aproveita-se do fato de que há procura por suas mercadorias, de que as pessoas precisam dessas mercadorias e não têm outra escolha senão comprá-las. Isso é simplesmente roubo. A praxe é também não-cristã ou anti-cristã. Viola o mandamento do amor ao próximo. Prejudica o próximo. Aproveita-se do fato de que o próximo necessita da mercadoria para seu sustento. Lutero afirma que desta maneira vende-se ao necessitado praticamente sua própria necessidade. Marx diria que se vende a mercadoria por seu valor de troca, não por seu valor de uso.
Para Lutero a venda de mercadorias não é algo somente sujeito à minha vontade ou arbitrariedade. Não é algo para o qual não houvesse nenhuma regra ou lei. Pois não sou Deus. Para a venda de mercadorias vale o princípio do preço justo. Que preço é justo? É dificílimo responder a pergunta. Há diversos fatores não previamente calculáveis. Por isso os preços não podem ser tabelados uma vez por todas. É possível, no entanto, indicar alguns fatores que permitem um cálculo aproximado do preço justo de uma mercadoria. Devo tomar em consideração a qualidade da mercadoria, o trabalho que invisto em sua aquisição e venda, meu risco e o comprador. Pois vender uma mercadoria é essencialmente um relacionamento com meu próximo. Consequentemente devo respeitá-lo, não prejudicá-lo nem explorá-lo. Também posso incluir, no cálculo, um lucro adequado. Mas o lucro não deve ser o principal critério, e, sim, apenas um entre outros, talvez o último.
Porém, parece que Lutero não confiou muito na capacidade e boa vontade dos comerciantes de calcularem preços justos para suas mercadorias. Em vez disso deixa transparecer uma confiança muito grande e até demasiadamente grande no governo. Pois propõe, como a melhor maneira, a maneira mais acertada de fixar preços justos, a criação de uma espécie de SUNAB, um grêmio de pessoas sensatas e honestas que calculariam desinteressadamente os preços. Mas o reformador já soube que não se podia contar com tal iniciativa do governo. Então aponta para a segunda melhor maneira: deve-se exigir o preço de mercado ou o preço que se costuma exigir por uma determinada mercadoria num determinado país. Onde também isso não for possível, Lutero recomenda que cada um siga a sua consciência: deve calcular e fixar o preço de tal maneira que tenha nisso uma boa consciência diante do seu próximo — não deve querer explora-lo — e diante de si mesmo — deve procurar somente seu sustento, não o lucro mais alto possível. Não precisa acertar o preço justo com 100 % de precisão. É suficiente esforçar-se seriamente e realmente ter a vontade e intenção de encontrar o preço justo. Os erros inevitáveis compensar-se-ão mutuamente. E estão incluídos nos pecados pelos quais pedimos e recebemos perdão na oração do Pai Nosso.
E o lucro? Para Lutero é justo que o comerciante tenha um lucro. Precisa viver e deve receber uma remuneração. Para calcular o lucro servem como critérios o trabalho investido no negócio, considerando-se tanto o tempo como o caráter do trabalho, e o risco que está relacionado com a compra e venda da mercadoria. Isso é para Lutero um princípio bíblico. Ele aponta para Lucas 10.7 e 1 Coríntios 9.7. E como se valoriza o trabalho investido no negócio? Para tanto Lutero estabelece um valor de referência. Esse valor chamaríamos hoje de salário mínimo. É, na linguagem do século XVI, o salário de um diarista. Como o comerciante corre um risco maior em seus negócios, pode, conforme Lutero, calcular um salário mais alto do que o do diarista. Mas aparentemente Lutero quer dizer que o salário do comerciante deve estar relacionado ou vinculado com o salário mínimo. Em princípio, embora baseado numa análise muito mais detalhada e científica, também Marx defende esse critério, quando distingue entre trabalho simples e trabalho complexo, admitindo para o último uma remuneração mais alta, por exemplo, três vezes mais alta do que a remuneração do trabalho simples(57). Isso naturalmente não quer dizer que Lutero tenha sido um marxista ou Marx um luterano(58).
c) Outro objeto de crítica é para Lutero o comércio exterior, mais precisamente a importação de artigos de luxo como fazendas (seda: veludo, brocado dourado), roupas, especiarias e objetos de ouro. Essa importação fomenta a inveja e a altivez das pessoas, o desejo de possuir tais coisas e a concordância entre as pessoas quanto à ostentação. Na verdade essa importação é o grande navio que leva o dinheiro do país. Os importadores são qualificados como ¨ladrões clandestinos¨ e a própria importação como exploração financeira que leva ao empobrecimento do país importador e ao enriquecimento dos países em cujas mãos está tal comércio, como a Inglaterra e Portugal. As mercadorias importadas nada mais são do que artigos de luxo e como tais supérfluas. Não são necessárias nem úteis. Por isso Lutero sugere a proibição desse tipo de comércio por parte das atividades civis (59).
d) O último exemplo do posicionamento de Lutero são os monopólios. São comerciantes ou empresas que querem dominar todo o mercado. Querem conquistar e ocupar uma posição exclusiva no mercado. Por isso esmagam sem qualquer escrúpulo os comerciantes pequenos. Lutero conhece bem e descreve as práticas que os monopólios empregam para alcançar seu objetivo (60),
Ele vê claramente que os monopólios querem ter a liberdade de fixar arbitrariamente os preços das mercadorias para aumentarem seus lucros. Sua análise é até mais profunda ainda. Ele constata que os monopólios querem garantir sempre seu lucro e que não querem perder nunca nem correr qualquer risco. Assim exploram todo o mundo e tornam-se senhores de todos os bens.
Na avaliação dos monopólios, Lutero distingue-nos, primeiramente, da prática de armazenamento e de previdência. Ela visa o bem da população, não o lucro. Por isso é boa e verdadeiramente cristã.
Mas os monopólios propriamente ditos são um caso perdido. Aqui a avareza e a injustiça são tão grandes que Lutero somente pode qualificá-los como algo perverso. Pois não querer correr riscos é simplesmente contra a natureza dos bens terrestres. Os monopolistas agem como se fossem senhores das criaturas de Deus e como se fossem livres de todas as leis da fé e do amor. Os monopólios são incompatíveis com qualquer tipo de direito, o civil, o divino e o cristão. Devido à sua total incompatibilidade com a fé cristã nada pode ser feito neles com boa consciência. Os monopolistas não merecem ser chamados de criaturas humanas nem merecem morar entre homens. Lutero não faz neste ponto a mínima concessão. Coloca diante dos cristãos a alternativa claríssima: Ou os monopólios ficam e justiça e honestidade perecem, ou justiça e honestidade ficam e os monopólios desaparecem. A única coisa que o cristão pode fazer é sair deles. Pois todo o sistema ruirá por si mesmo, morrendo devido a suas contradições internas. Ou Deus vai eliminar tudo, tanto as autoridades civis que participam dos monopólios, como os próprios monopolistas. Pois as autoridades não cumprem seu dever que neste caso seria punir e proibir os monopólios, expropriá-los e banir (expulsar) os seus donos(61).
7. O CRISTÃO E O SISTEMA CREDIÁRIO
Lutero ocupa-se crítica e detalhadamente com uma prática da vida econômica que em sua época foi chamada de ¨compra de juros¨ (alemão: Zinskauf) e que hoje chamaríamos de hipoteca: alguém que tem dinheiro dá o mesmo a outra pessoa como crédito; a outra pessoa, o devedor, responde pela dívida com os bens que possui (terra, casa, animais). Pelo crédito tem que pagar regularmente os juros previamente combinados. No fim do prazo tem que devolver o crédito. Imaginava-se que o credor ¨comprava¨ os juros. O direito civil permitiu essa prática. Por isso pensava-se que nela não haveria pecado. Pois argumentava-se que o credor poderia ter ganho algo em outro lugar ou em outra atividade com o dinheiro que deu como crédito.
Para Lutero, no entanto, essa prática foi a maior desgraça de sua pátria. Empobreceu e arruinou o país e as pessoas. Foi inventada peio próprio diabo que quer que assim se lhe venda o mundo inteiro (62). Por isso Lutero chama tais credores de ladrões, assassinos, lobos, animais irracionais e usurários, isto é, pessoas que exigem e querem lucros exagerados. Também essa prática é uma manifestação da avareza e do egoísmo desavergonhado do velho Adão que a usa como disfarce. Contradiz o direito natural e o mandamento de Deus. É, pois, pecado, como qualquer forma de egoísmo.
O direito natural, como Mateus 7. 12 e Lucas 6. 31 o formulam, diz: ¨Como quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles.¨ É a primeira parte da regra geral para o relacionamento mútuo entre as pessoas. A hipoteca não corresponde a esse princípio de reciprocidade e igualdade. É algo bastante unilateral. O credor geralmente procura sua própria vantagem, nunca ou raras vezes na mesma medida também o bem do devedor. A vantagem fica sempre no lado do credor. Esse ganha pela perda do devedor que é onerado e prejudicado. Da segurança ao credor. O risco que é próprio de todos os bens terrestres, fica exclusivamente com o devedor. Permite ao credor ficar rico com grande facilidade, sem trabalho, esforço e preocupação próprios. Favorece os ricos que têm o dinheiro para darem créditos, embora, sendo ricos, não precisem dos juros, enquanto que são oneradas pessoas necessitadas, às quais se deveria ajudar, em si, com doações ou empréstimos. O sistema da hipoteca, pois, favorece os ricos em suas aspirações de aumentarem sua renda às custas dos pobres. Em resumo, todo este sistema crediário, é, em seus efeitos, igual à usura, isto é, à cobrança de juros excessivos: explora e arruína países e pessoas.
A ¨lei¨ do amor cristão, como o formula 1 Coríntios 13.5, diz: ¨O amor não procura os seus interesses.¨ É a segunda parte da regra geral para o relacionamento mútuo das pessoas, parte esta que vale especificamente para os cristãos. A hipoteca contradiz também essa lei e o mandamento de Deus de ajudar aos necessitados com doações e empréstimos, pois é nada mais nada menos do que a tentativa de compra a bênção de Deus. Outros pontos de divergência entre a lei cristã e a prática da hipoteca já foram mencionados no parágrafo anterior.
E Lutero? Ele aponta para o fato de que a chance de ganhar algo com seus bens terrestres (ou com os bens de outrem) nunca pode ser separada do risco de perder algo com os mesmos bens. Nesse sentido deve haver igualdade entre credor e devedor. O credor deve participar de todos os riscos que atingem os bens sobre os quais foi dado o empréstimo, ou o devedor, sem que este tenha culpa ou tenha sido negligente, como morte, doença, enchente, incêndio, temporal, granizo, etc. Somente assim reconhece-se com a devida clareza que tudo está nas mãos de Deus.
Como taxa de juros Lutero admite até entre 4 e 6 %. Acha que quanto menor for a taxa de juros, tanto mais cristã ela é. Uma taxa de 7 a 10% é elevada demais. É, portanto, opressão e exploração do povo pobre e simples.
No fim Lutero apela a autoridades civis e eclesiásticas e a todas as pessoas em geral no sentido de contribuírem para a abolição total de todo o sistema crediário da ¨compra de juros¨(63).
8. CONCLUSÃO
O Reino de Deus é paz e comunhão em amor e fidelidade fraternais. O cristão é chamado a ser um cidadão desse Reino. Consequentemente transparece algo dessa cidadania já agora, nesta vida terrestre, inclusive nas atividades econômicas. O cristão, pois, não quer dispor do futuro. Confia exclusivamente em Deus. Ajuda ao seu próximo, isso é muito mais fácil, para Lutero, como parece, numa sociedade agrária, em atividades de agricultura. Ele diz expressamente: ¨Sei muito bem que seria muito mais divino fomentar a agricultura e diminuir o comércio. Agem muito melhor aqueles que conforme a Escritura trabalham a terra, procurando nela seu alimento.¨(64) Em seu relacionamento com outras pessoas, também em sua atividade econômica em que necessariamente se relaciona com outras pessoas, o cristão, como cidadão do futuro Reino de Deus, orienta-se na voz de seu coração e de sua consciência. Mas visto que essa voz muitas vezes não é ouvida tão claramente, porque há muitas outras vozes no ar, o cristão tem uma boa diretriz naquilo que Lutero diz na explicação do 7º. mandamento, explicação essa já citada no início, mas que pode também muito bem concluir esse estudo: ¨Devemos temer e amar a Deus, de maneira que não tiremos ao nosso próximo o dinheiro ou os bens, nem nos apoderemos deles por meio de mercadorias falsificadas ou negócios fraudulentos, porém o ajudemos a melhorar e conservar os seus bens e o seu salário.¨
Notas:
(1) Prédica sobre João 20, 19-23 para o 1 °domingo após Páscoa (WA 10 I 2, 240, 13-16. 22-23)
(2) Explicação do 7º. mandamento do decálogo. Em: Livro de Concórdia. As Confissões da Igreja Evangélica Luterana, trad. de Arnaldo Schüler, (São Leopoldo — Porto Alegre,1980), pág. 368.
(3) Karl Marx — Fiedrich Engels: Werke I Obra, editadas pelo Institut für Marxismus-Leninismus beim Zentralkomitee der Sozialistischen Einheitspartei Deutschlands, vol. 23, (Berlin. 1962), pág. 741-791.
(4) Ibid. pág. 741.
(5) O Capital. vol. 3 em: Karl Marx Friedrich Engels: Werke [Obras], editadas pelo Institut für Marxismus-Leninismus beim Zentralkomitee der Sozialistischen Einheitspartei Deutschlands, vol. 25, (Berlin), pág. 613. Trata-se de uma afirmação sobre a reação contra a usura.
(6) Trata-se dos seguintes trechos no 1, volume do –¨Capital¨ (v. acima anat. 3): pág. 149 anot. 96 (distinção entre diversas formas e funções do dinheiro); pág 328 anot. 206 e pág. 781 e vol. 3 (v. acima anot 5), pág. 911 (citação da expressão de Lutero ¨sociedade de monopólio¨ ou ¨monopólio¨); pág. 619 anot 34 (caracterização da vontade de dominar como elemento da aspiração por enriquecimento na pessoa do usurário, que é uma figura um pouco antiquada, mas sempre renovada do capitalista); no 39 volume: pág. 343 anot. 48 (caracterização do capital comercial como um sistema de pilhagem); pág.,. 407 (crítica ao argumento capitalista da perda dupla que na verdade visa duplicar o lucro) pág 624 s. (citação de 2 trechos de Lutero sobre juros e usura).
(7) O Capital. vol. 1 (v. acima anot_ 3), pág. 207 anot. 15.
(8) O Capital. vol. 3 (v. acima anot. 5), pág. 359 ano! 56. O assunto em discussão é o lucro que existe tanto nos empréstimos a juros como nas compras.
(9) Karl Marx Friedrich Engels: Werke [Obras], vol. 23 (v. anat. 3), pág. 905
(10) O Capital, vol. 1 (v. anot. 3), pág. /44-46.
(11) História Moderna e Contemporânea, 9a ed., (São Paulo, 1978), pág. 11.
(12) ibid, pág: 11 s.
(13) Helio Vianna: História do Brasil, vol. II: Monarquia e República, 7a. ed., (São Paulo, 1970), pág. 157.
(14) Artur Ramos: Introdução à Antropologia Brasileira, vol. 3, Rio de Janeiro, Livraria Editora da Casa de Estudante cio Brasil. em: Lydinéa Gasman (ed.). Documentos Históricos Brasileiros, (Rio de Janeiro. 1976). pág. 144.
(15) Cheywa R. Spindel: Homens e Máquinas na Transição de Uma Economia Cafeeira, (Rio de Janeiro, 1980 (7) ), conforme ¨Veja¨ n°.630, de de outubro de 1980, pág. 96.
(16) Almiro Petry: Realidade econômica (2), em: José Odelso Schneider — Matias Martinho Lenz — Almiro Petry, Realidade Brasileira, Estudo de Problemas Brasileiros, P. ed. (Porto Alegre, 1976), pág. 114s.
(17) Nosso Século, vol. 2, (São Paulo, 1980), pág. 88.
(18) Eugen Rosenstock-Huessy: Die europäischen Revolutionen und der Charakter der Nationen, ed., (Stuttgart, 1961)
(19) ibid. pág. 207-263. As outras revoluções abordadas neste livro são: a revolução papal da Idade Média, a revolução parlamentar inglesa do século XVII, a Revolução Francesa de 1789, a revolução das grandes potências alemãs do século XIX e a revolução mundial russa de 1917.
(20) História Moderna e Contemporânea (v. anot. 11), pág. 37.
(21) Adolf Laube — Max Steinmetz — Günter Vogler: IIlustrierte Geschichte der deutschen frühbürgerlichen Revolution, Berlin, 1974), pág. 5.
(22) ibid..
(23) Hans Walter Wolff: Antropologia do Antigo Testamento, trad. de Antônio Steffen, (São Paulo. 1975), pág. 246.
(24) Francis Rapp: Art. ¨Wirtschaftsgeschichte — III, Kirchliche, I¨ em: RGG 3a. ed., vol. 3a. (Tübingen, 1922), pág. 1758.
(25) Max Weber: A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo em: Textos Selecionados, trad. de MaurícioTragtenberg e outros, 24 ed. (São Paulo, 1980), pág. 201. (Os Pensadores).
(26) Francis Rapp (v. anot. 24), pág. 1758 s.
(27) Aurélio Buarque de Holanda Ferreira: Novo Dicionário da Língua Portuguesa, (Rio de Janeiro, 1975).
(28) A Ética Protestante (v. anot_ 25), pág. 190.
(29) Sobre Comércio e Usura, 1524 (WA 15.293. 1-7).
(30) ibid. (WA 15, 3, 22 s.)
(31) Livro de Concórdia (v. anot 2), pág. 64.
(32) WA 6.3-8.
(33) WA 6, 36-60.
(34) W A 6. 404-469.
(35) WA 6, 202-276.
(36) Os três escritos ¨principais¨ são: o manifesto ¨À Nobreza Cristã da Nação Alemã¨, ¨Prelúdio do Cativeiro Babilônico da Igreja¨ e ¨Da Liberdade Cristã¨. Este último é o único dos três escritos traduzido para o português, a tradução é de Leônidas Boutin e Heinz Soboll, a 3ª. edição foi publicada em 1979 pela Editora Sinodal de São Leopoldo. A tese dos três ¨grandes¨ escritos de 1520 encontra-se, por exemplo. em Karl Heussi: Kompendium der Kirchengeschichte, 11ª.ed, (Tübingen, 1957), pág.291 (75 u): Albert Greiner: Lutem, Ensaio Biográfico, trad de Bertoldo Weber, (São Leopoldo. 1969), pág. 70: Gottfried Fitzer: O Que Lutem Realmente Disse, trad. de Ernesto J. Bernhoeft e Marcos Santarrita, (Rio de Janeiro, 1971) (O Que Eles Realmente Disseram. 2), pág. 80 e 122: Jerônimo Jerkovic: Martinho Lutero, do Catolicismo à Reforma. em: Jerônimo Jerkovic & Breno Schumann. Martinho Lutero 450 Anos Depois…, (Petrópolis, 1967), (Sinais do Tempo), pág. 58: Lucien Febvre, Martinho Lutero: Um Destine, trad. de Maria Elizabeth Cabral, (Lisboa 1976), (Tempo Aberto), 142: Karl Bihlmeyer Hermann Tuechle: História da igreja, vol. 3: Idade Moderna. (São Paulo, 1965), pág. 30 e 34
(37) Franz Lau: Lutero, trad. de Walter O. Schlupp, (São Leopoldo, 1974), pág. 58.
(38) Williston Walken História da Igreja Cristã, revista por Cyril C Richardson. Wilhelm Pauck, Robert T. Handy, vol. 2, trad. de N. Duval da Silva, (São Paulo, 1967). pág. 16 (as palavras citadas referem-se em si à tese central defendida por Lutero neste escrito).
(39) Kurt Dietrich Schmidt: Grundriss der Kirchengeschichte, 3, ed., (Göttingen, 1960). pág. 330.
(40) WA 15, 293-322 e WA 6, 36-60.
(41) Obras de Martin Lutem, tomo 11, trad. de Carlos Witthaus e Erich Sexauer, (Buenos Aires. 1974), (Biblioteca Ciencia e Historia de las Religiones, Coleción ¨Clasicos de Ia Religión¨, 1). pág. 103-121.
(42) Karl Holl: Luther und die Mittelalterliche Zunftverfassung. Em: Gesammelte Aufsätze zur Kirchengeschichte, vol. III: Der Westenr, (Darmstadt. 1965), (reedição), pág, 130-133.
(43) WA 51, 331-424. As informações reproduzidas no texto acima constam nas págs. 325-326.
(44) WA 51, W1. 26-28.
(45) WA 51. 421, 29-31: 422. 18-26.
(46) Leonardo Boff: Jesus Cristo Libertador, Ensaio de Cristologia Crítica para o nosso Tempo, 5ª. ed.. Petrópolis. Vozes. 1976 (Centro de Investigação e Divulgação. Publicações CID, Teologia: 2), pág. 85.
(47) WA 18, 310,28 s.
(48) WA 6. 36-41: 15. 300. 24 — 301,4
(49) WA 6.41-47, 15. 301. 5-14.
(50) Deuteronômio 15. 7 s.
(51) Lutero responde ainda duas outras objeções que são menos fundamentais e mais próprias da época. Afirmou-se que, dando um empréstimo, se perderia o lucro que se poderia fazer com o dinheiro que foi emprestado. Lutero responde que quem pensa assim, já não fala mais de empréstimo. Quem empresta desiste de antemão de qualquer lucro (juros). O outro argumento foi que ¨emprestar¨ para ter um lucro era um costume amplamente divulgado: até a Igreja participaria dele. Lutero responde que nenhum costume, por mais divulgado que seja pode invalidar o que é cristão, divino e natural.
(52) WA 6, 47-51; 15, 301, 15 — 303. 18. Também no apelo à nobreza cristã da Alemanha, Lutero defendera o principio: ¨Não convém que alguém seja ocioso às custas do trabalho de outrem: não convém que alguém seja rico e viva bem às custas da miséria de outrem._ Deus não mandou ninguém viver dos bens de outrem com exceção dos pastores que pregam (o Evangelho) e governam (a comunidade)¨ (WA 6. 451, 12-17).
(53) Lutero aborda as seguintes práticas e usos comerciais, além dos acima mencionados: vendas a prazo por preços mais altos do que o que valem nas vendas à vista — isso é ¨contra a palavra de Deus. contra a razão e contra toda a justiça¨ (WA 15, 305, 1-10); vendas acima do preço de mercado em vista da escassez de uma mercadoria — os que fazem isso são ¨ladrões e usurários públicos¨ (WA 15. 305, 11-18); vendas a descoberto por preços exagerados — quem faz isso. ¨alimenta-se na travessa com bens e dinheiro alheios¨ (WA 15, 307. 26-37); compra de mercadorias por preços abaixo do preço de mercado no caso de comerciantes que têm que vender devido a seus apuros financeiros (WA 15, 508. 1-16); venda e recompra da mesma mercadoria, com lucro duplo (WA 15, 309. 6-16 ), concordata e falência (WA 15, 309, 17 — 310, 7): fraude no peso das mercadorias (WA 15. 310. 29 — 311, 7); riscos do comércio por causa de salteadores etc. (WA 15. 311, 8.32).
(54) cap. 6. 1-5; 20, 1„ 22, 26;27. 13.
(55) Gênesis 43, 9-, 44. ss. 32 ss.; Provérbios 27, 1; todo o livro de Eclesiastes: Lucas 12, 16-21: Atos 1. 7; Tiago 4. 13-16.
(56) WA 15. 298.5 — 300. 25: 303.32 — 304. 10.
(57) Karl Marx: Para a Crítica da Economia Política Em: Karl Marx. Manuscritos Econômico-Filosóficos e Outros Textos Escolhidos. trad. de José Carlos Bruni e outros, 24 ed. (São Paulo, 1978), (Os Pensadores), pág. 138.
(58) WA 15, 294,24 — 298.4.
(59) WA 6, 465, 25 — 466, 12: 15. 293, 34 — 294. 20.
(60) Os monopólios compram todos os estoques de uma (ou mais) mercadorias: oferecem mercadorias abaixo de seu custo real para forçar a falência dos concorrentes: criam cartéis para depois ditar os preços das mercadorias.
(61) WA 15. 305. 19 – 309.5: 312. 1 – 313. 30,
(62 WA 6. 262 7-11: 466. 12-40
(63) WA 6, 51. 12 — 60. 13: 15. 321. 1 —322, 26.
(64) Apelo à nobreza cristã da nação alemã, de 1520 (WA 6. 466. — 467. 3).
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