Epifania e batismo como novo começo em Cristo
Proclamar Libertação – Volume 42
Prédica: Marcos 1.4-11
Leituras: Gênesis 1.1-5 e atos 19.1-7
Autoria: Júlio Cézar Adam
Data Litúrgica: 1º Domingo após Epifania
Data da Pregação: 07/01/2018
1. Introdução
Encontramo-nos no 1º Domingo após Epifania, tempo da revelação de Deus em Jesus Cristo, como Messias e Salvador. Em especial, neste domingo, refletimos sobre o batismo de Jesus Cristo, como marco inicial de seu ministério, e terá sua culminância na cruz. As antigas veredas da sociedade e do velho jeito de viver chegaram ao fim. Em seu lugar surge algo novo, um novo começo em forma de boa notícia: Jesus Cristo.
Assim inicia o Evangelho de Marcos, início direto, dentro do qual se encontra a perícope de Marcos 1.4-11. É urgente revelar Jesus Cristo como aquele que João Batista anuncia e promete. Algo novo está para acontecer e esse novo é muito bom. Esse novo passa pela água, pelo batismo de arrependimento e pelo batismo do próprio Jesus Cristo. Lembremos que as grandes passagens do povo de Deus estiveram relacionadas com água: antes de criar o mundo (Gn 1.2), o Espírito paira sobre as águas; após o dilúvio, Deus faz nova aliança com Noé; a libertação do Egito tem na travessia do mar uma de suas marcas; a entrada na Terra Prometida passa pelo Jordão. Trata-se, portanto, neste início do Evangelho, da prefiguração de uma nova criação, da nova luz, da boa luz do primeiro dia (Gn 1.4-5), de uma nova libertação, um novo começo, uma nova aliança que está em curso. Essa nova criação irá se completar no Domingo da Páscoa, no novo primeiro dia da semana, no domingo (Mc 16.9), culminância do novo tempo e da nova aliança.
A novidade, porém, não é algo restrita à economia divina. O batismo de Jesus Cristo, através do qual Deus revela o Messias, seu filho, respinga água para dentro do nosso batismo, onde também Deus, por meio da obra de Jesus Cristo, nos possibilita uma nova relação como filhos e filhas de Deus. Essa nova relação tem como consequência o seguimento a Jesus Cristo no ministério cristão, na igreja, de modo que aquilo que é divino torna-se também humano. Nenhum sentido tem o batismo se não for para integrar a pessoa no corpo de Cristo, no ministério da igreja. Exatamente isso será relatado em Atos 19.1-7. Aqui se relata sobre o batismo de 12 discípulos, em Éfeso, para dentro da vida e obra de Jesus Cristo, por meio do Espírito Santo e da fé. Como avisara João Batista, ele batizava com água, mas viria aquele que é mais poderoso e batizaria com o Espírito Santo. Ou seja, viria aquele que realizaria a obra ampla da salvação e da libertação, obra que se expandiria através de discípulos e discípulas, um batismo diário, profético e transformador.
Epifania será, portanto, a revelação do novo começo, da nova criação de Deus em Jesus Cristo, marcada pelo seu batismo e pelo desdobramento desse no ministério de todas as pessoas batizadas. Essa revelação encontra seu sentido no serviço (no ministério) de esparramar o evangelho para dentro da vida de todos os tempos e lugares.
2. Exegese
A escrita do Evangelho de Marcos é situada pela pesquisa em torno do ano 68. A atribuição a Marcos, como autor, foi feita pela tradição cristã do século II. Considera-se que o autor seja João Marcos, parente de Barnabé (Cl 4.10), conhecido da igreja primitiva. Ele acompanhou Barnabé e Paulo na missão (At 12.12, p. ex.). Outra possibilidade é de que o texto tenha sido escrito por mais de uma mão, em forma de mutirão, em torno das comunidades cristãs de Roma e do sul da Itália ou por comunidades da Galileia e da Síria. A pesquisa também aponta que as comunidades de Marcos podem ser de pessoas que saíram da Galileia e Síria e foram para Roma e o sul da Itália (Mosconi, 1996, p. 19).
Marcos não só foi o primeiro evangelho a ser escrito, mas é o único que de fato recebeu o título de evangelho (Mc 1.3). Evangelho é uma boa notícia. Originalmente, ela era trazida por reis e imperadores em forma de anúncio dos benefícios que seriam feitos ao povo. A boa notícia em Marcos é Jesus de Nazaré e a possibilidade e a necessidade de segui-lo, como forma de viver concretamente a novidade. Com Jesus Cristo, o Messias prometido, o filho que agrada a Deus, o Reino irrompeu.
A novidade desse Messias chama-se serviço. É isso que agrada a Deus. Segundo Bortolini (2003), o versículo No mesmo instante o cego começou a ver de novo e seguia Jesus pelo caminho (Mc 10.52b) é como uma síntese do Evangelho de Marcos. Com a epifania de Jesus Cristo, os olhos se abrem e o seguimento ao Messias, o serviço cristão, será a consequência. Para Marcos, Jesus é o Messias, um Messias diferente, um Messias que serve, é o servo sofredor, o crucificado e ressuscitado, verdadeiro filho de Deus.
A boa notícia de Marcos acontece na região da Galileia, região pagã, onde há mistura de raças e impureza. O evangelho acontece enquanto Jesus anda rumo a Jerusalém com os seus discípulos, como uma escola de discipulado, caminho no qual, mais que falar, ele age e faz, cura, expulsa demônios, sendo os pobres e marginalizados os principais agraciados. Há grande entusiasmo em torno de Jesus (multidões vão até ele, assim como vão até João Batista), para perguntar quem ele é. Assim como há entusiasmo, há também resistências, suspeitas, calúnias, principalmente por parte dos poderosos e das autoridades de Jerusalém. Há também desentendimentos com os próprios discípulos (1.36-38, p. ex.). O conflito com o poder terá como desfecho sua morte na cruz. Após a ressurreição, ele aparece aos discípulos na Galileia, onde tudo iniciou.
Quanto aos destinatários do evangelho, podemos imaginar que as comunidades em torno das quais o evangelho foi formulado, estavam vivendo momentos de perseguição, crises, dúvidas, por vezes perdidas, convivendo com opiniões diferentes. Também essas pessoas estão em um itinerário de fé. Faz-se necessário uma fé firme e unânime, uma atitude confiante para assumir a cruz.
A boa notícia de Marcos está dividida em duas grandes partes (Mosconi, 1996, p. 14ss).
Marcos 1.16 até 8.26 – Lança-se a pergunta sobre quem é Jesus de Nazaré.
Marcos 8.27 até 16.20 – Busca-se responder quem é Jesus de Nazaré.
Uma outra pergunta que permeia todo o evangelho é o que significa ser discípulo de Jesus Cristo e como segui-lo (46 vezes aparece a palavra discípulo e 18 vezes a palavra seguir, em Marcos).
Nossa perícope faz parte de um conjunto maior (1.2-13), que pode ser dividido em três pontos:
O cumprimento da profecia (1.2-5)
João Batista como o precursor desse cumprimento (1.6-8)
O batismo de Jesus Cristo como sua investidura messiânica e horizonte da sua missão (1.9-13)
Analisemos especificamente a perícope 1.4-11:
v. 4: apareceu João Batista no deserto, pregando batismo de arrependimento para remissão dos pecados. Após se retomar Êxodo 23.20 e a profecia de Isaías 40.3 (v. 2 e 3), João Batista é apresentado como novo profeta. Sua tarefa é ser o precursor do Messias. Ele prepara o caminho, seguindo uma tradição antiga. Em Êxodo 23.20 e 33.2, Deus promete enviar um anjo para guiar e preparar a Terra Prometida. Em Isaías 40.3, o profeta anuncia o fim do cativeiro babilônico, pedindo para abrir caminho e aplainar a estrada. Em Malaquias 3.1 anuncia-se o retorno de Elias para restaurar a aliança com Deus (Bortolini, 2003, p. 21). A partir de tudo isso João Batista representa: um anjo, um anunciador do fim do cativeiro, um restaurador da aliança de fidelidade com Deus. Isso irá custar a vida do profeta (Mc 6.14-29).
O deserto, lugar onde Israel é engendrado, está aqui em oposição à sociedade constituída. Deserto é o lugar onde o povo de Deus prepara projetos alternativos de vida e liberdade. Lá o povo peregrinou 40 anos, sendo tentado para voltar ao Egito, tentando a Deus. Do deserto o povo entrou na Terra Prometida, cruzando o Jordão. Agora João Batista, que veio do deserto, batiza pessoas no Jordão, chamando-as ao arrependimento e à mudança de vida. Para o deserto Jesus será, logo após seu batismo, impelido pelo Espírito, para ser tentado por Satanás. A mensagem de João Batista é uma ação simbólica: um banho como forma de marcar duas ações interligadas, o arrependimento e a remissão dos pecados. É uma mensagem que se dirige a indivíduos e não a instituições.
v. 5: Saíam a ter com ele toda a província da Judeia e todos os habitantes de Jerusalém; e, confessando os seus pecados, eram batizados por ele no rio Jordão. Judeia e Jerusalém formam um paralelo à terra da opressão, o Egito. De lá partem as pessoas que vão até João. Não vão até o templo para buscar a redenção, mas até João, nas margens da outrora Terra Prometida, e o deserto, no rio Jordão, para confessar os pecados. O pecado é o reconhecimento pessoal da necessidade de um novo começo e a libertação da situação de crise e de injustiça social. Ou seja, o pecado pessoal está relacionado às injustiças sociais da sociedade. O batismo marcará a morte e a renúncia do passado de injustiça e disposição para começar de novo.
v. 6: As vestes de João eram feitas de pelos de camelo; ele trazia um cinto de couro e se alimentava de gafanhotos e mel silvestre. As vestes de João Batista o identificam com Elias (2Rs 1.8). As vestes também são uma forma de denúncia ao luxo de alguns às custas da miséria de outros. Também a comida natural é uma forma de denúncia dos excessos de uns e da miséria de outros. Gafanhotos e mel silvestre são comidas naturais, simples, que remetem ao nomadismo, representando aqui alguém que está afastado, separado do estado de corrupção da sociedade. João Batista é colocado, assim, como profeta precursor, alguém com autoridade para preparar o caminho do Messias. Palavras, roupa, comida, o lugar, o rito do batismo, tudo faz parte de uma mesma mensagem, a denúncia das estradas tortas e velhas nas quais o povo de Deus se encontrava e a preparação do povo para o novo.
v. 7: E pregava, dizendo: Após mim vem aquele que é mais poderoso do que eu, do qual não sou digno de, curvando-me, desatar-lhes as correias das sandálias. João Batista atrai multidões e, por isso, provavelmente, era considerado o próprio Messias. Mas o protagonismo não é seu. Por isso ele faz questão de anunciar alguém mais forte e poderoso do que ele. A força e o poder aqui não são algo sobrenatural ou político, mas estão relacionados a uma intervenção divina, à possibilidade de batizar o povo com o Espírito Santo. A metáfora de desatar as sandálias lembra a lei do cunhado, a lei do levirato (Dt 25.5; Rt 4), segundo a qual, desatar e tirar as sandálias signifi cava assumir o direito do esposo. Com isso João Batista coloca Jesus como messias-esposo, ao qual João está totalmente submisso. É uma forma clara de dizer o quanto Jesus é maior que ele.
v. 8: Eu vos tenho batizado com água; ele, porém, vos batizará com o Espírito Santo. Segundo Isaías 44.3-5 e Ezequiel 36.26-28, o Espírito infunde o novo ser humano. Esta será a tarefa do Messias que vem, por meio do Espírito, criar a possibilidade de um novo ser humano. O batismo no Espírito Santo se tornará mais claro com o recebimento de Jesus do Espírito, em forma de pomba. Mais do que mergulhar nas águas (significado do termo grego batizar), Jesus mergulha no Espírito (ou o Espírito “mergulha” nele) e nos convida a fazer o mesmo (Bortolini, 2003, p. 23). Esse mergulho será estendido a toda pessoa. Ou seja, João não só anuncia a vinda do Messias, mas promete que sua vinda e seu batismo possibilitarão uma profunda mudança na vida das pessoas, mais que o próprio batismo de João.
v. 9: Naqueles dias, veio Jesus de Nazaré da Galileia e por João foi batizado no rio Jordão. Finalmente, o portador da boa notícia é apresentado. Ele vem da Galileia, de onde, de acordo com o Evangelho de João (1.46), nada de bom poderia vir. Essa região, ao norte da Palestina, há séculos era considerada terra de gente pagã, sem valor, de pobres e excluídos (Bortolini, 2003, p. 25). Embora não precisasse, Jesus se submete ao batismo de João. Seu batismo é prefiguração da cruz: morte e ressurreição – afogar e sair da água. Deixando-se batizar, Jesus não só apoia e reforça o movimento de João, mas assume o compromisso de entrega para uma causa divina. “Naqueles dias” é uma fórmula usada pelos profetas para anunciar uma nova aliança (Jr 31.31-33).
v. 10: Logo ao sair da água, viu os céus rasgarem-se e o Espírito descendo como pomba sobre ele. O céu rasgado significa o cumprimento de um antigo desejo do povo de Deus (Is 63.19b): Quem dera rasgasses o céu para descer! Ou, ainda, a descida do Espírito sobre alguém que faria justiça ao povo (Is 11.1-5). Rompem-se, assim, a fronteira entre o mundo divino e o humano, indicando plena e permanente comunicação de Deus e o ser humano. O verdadeiro batismo de Jesus Cristo será o do Espírito Santo, como uma verdadeira unção messiânica. Jesus Cristo é investido pelo Espírito, o mesmo Espírito que pairava sobre as águas antes da criação, para sua missão. A partir de agora ele está sob o domínio do Espírito. O mesmo Espírito irá em seguida impeli-lo para o deserto, para a tentação.
v. 11: Então foi ouvida uma voz dos céus: Tu és o meu Filho amado, em ti me comprazo. A voz que vem do céu é a voz de Deus, a qual reconhece Jesus como filho, mas também como amado, alguém que agrada a Deus, o que remete ao servo de Javé (Is 42.1) ou a adoção por Deus (Sl 2.7). O Espírito Santo não só batiza Jesus, mas passa a conduzi-lo. É o Espírito que o impele para o deserto, para a tentação (40 dias significa totalidade, a vida inteira).
3. Meditação
A perícope leva-nos a pregar a novidade do evangelho de Jesus Cristo. Essa novidade é anunciada e preparada por João Batista, como novo profeta, precursor do Messias, aquele que faz a ponte entre a primeira aliança e a nova. A novidade inicia com o batismo de Jesus de Nazaré e sua investidura, sua unção como Messias pelo Espírito, para o ministério do serviço em favor dos pobres e desfavorecidos. Ele mesmo irá nos possibilitar o acesso a um batismo ainda mais significativo, o batismo que leva à fé em Jesus Cristo, por meio do Espírito Santo. Batismo aqui, tanto o de Jesus como o das pessoas que irão segui-lo, implica seguimento radical, tomar a cruz e servir de forma a transformar as velhas estradas em novos caminhos. Tudo neste texto aponta para a novidade, para mudança radical de vida, para uma marca significativa por parte de Deus na história do seu povo e da pessoa individualmente. Só temos como entender essa radicalidade da novidade se olharmos todo o restante do evangelho, onde se descreve toda a obra de Cristo.
Encontramo-nos no final do ciclo natalino, ainda celebrando o novo começo do ano civil e também o começo do ano litúrgico. Epifania complementa esse estado de novidade, de revelação de algo novo, a experiência da boa notícia. Na cultura brasileira, misturado com o Natal e o novo ano, celebra-se muito mais o fim de um ciclo, o ano velho, que o início de outro. Mesmo assim, o ciclo do Natal vem carregado com a esperança de que começando um novo ano, o ano será melhor que aquele que passou.
No culto de Epifania, muitas pessoas talvez estejam de férias, marcando assim, com o descanso, o ano que passou e o novo ano que inicia, com planos, expectativas, promessas e possibilidades. Para a maioria das pessoas é um bom tempo. Ao mesmo tempo, apesar de toda essa carga emocional positiva, o Brasil vive tempos sombrios, difíceis, de profunda crise ética, moral, com reflexos muito visíveis na política do país. Anseia-se por novos ares, um tempo onde a justiça e equidade sejam mais presentes na vida cotidiana. O Brasil precisa ser passado a limpo, dizem vozes das mais diferentes procedências. Também no âmbito da fé e do ministério cristão se vive certo marasmo, desânimo e mesmice. Carece-se de uma espiritualidade que viva e perceba a novidade do evangelho e a radicalidade do batismo, como meio da graça e caminho do seguimento e discipulado de Cristo. A prédica deveria apontar para a novidade, mesmo em meio a uma realidade de resignação e desesperança.
4. Imagens para a prédica
Celebrar e pregar a epifania de Jesus Cristo e seu ministério, neste contexto, a partir do texto bíblico de Marcos 1.4-11 nos leva a organizar pelo menos dois aspectos: um novo começo e o batismo.
Um novo começo: Vivemos tempos de cansaço frente às velhas ordens, à mesmice, às situações que não mudam, como a corrupção na política, a violência cotidiana, o excesso de trabalho e o corre-corre, o consumismo e individualismo, falta de entusiasmo na igreja. Carecemos de uma novidade que nos desperte para um novo começo, como um novo dia, diferente e totalmente bom. Precisamos de uma boa nova notícia! Não basta qualquer novidade, como a nova oferta do mercado, um novo celular, um novo modelo de carro, mas algo que impacte para a vida inteira, algo que dê um sentido novo. Jesus Cristo e seu evangelho de serviço é essa novidade. Precisamos redescobri-lo e vive-lo em intensidade, pessoalmente, na comunidade e na sociedade.
Seria interessante pensar em novidades que de fato transformam a vida: o nascimento de uma criança, uma nova relação que se inicia, iniciar os estudos universitários ou uma nova carreira, aquisição de uma casa, ou, ainda, receber o diagnóstico de cura de uma doença, perdoar e ser perdoado, conseguir pagar uma dívida, ou encontrar um sentido e uma razão para viver. Esses talvez sejam exemplos que possam ajudar a entender a radicalidade do evangelho de Jesus Cristo. Poderíamos, na preparação da prédica, sondar membros da comunidade para pensar como a novidade do evangelho poderia ganhar um novo colorido, se tornar uma epifania cativante e transformadora.
Batismo: Nas aulas de batismo na Faculdades EST, falamos da necessidade de redescobrir o batismo na vida pessoal e comunitária. Um dos espaços para trabalhar essa redescoberta é na pregação do culto. Originalmente, na tradição da igreja, Epifania, ao lado da Páscoa e de Pentecostes, era um dia de batismo. Por isso, neste domingo, quando celebramos o batismo de Jesus Cristo e temos como base o texto de Marcos 1.4-11, seria bom refletir sobre o significado do batismo. Mais que um rito social ou um rito de proteção pessoal ou de mera salvação individual, o batismo é um sacramento, um meio da graça, que nos dá acesso à fé em Jesus Cristo e seu ministério. Somos batizados diariamente para dentro da fé em Jesus Cristo, fé que nos compromete com o evangelho e, consequentemente, com a transformação do mundo. O Batismo de Jesus também é o nosso batismo. O batismo é uma escola, um itinerário de como tornar-se pessoa cristã. O batismo nos confronta com as tentações de viver ao largo da vida ou servindo a tantos senhores e poderes, afastados de um sentido mais profundo para a vida e a existência. Perguntas que poderiam auxiliar na construção da prédica (uma enquete nas redes sociais poderia ser feita) é sobre o que significa o batismo para cada pessoa e como a partir do batismo e da fé temos deixado marcas do evangelho em nosso contexto.
Sobre o novo começo a partir do batismo, lembrei-me de uma história chamada “Pai, começa o começo!”:
Quando eu era criança e pegava uma tangerina para descascar, corria para meu pai e pedia: – “Pai, começa o começo!” O que eu queria era que ele fizesse o primeiro rasgo na casca, o mais difícil e resistente para as minhas pequenas mãos. Depois, sorridente, ele sempre acabava descascando toda a fruta para mim. Outras vezes, eu mesmo tirava o restante da casca a partir daquele primeiro rasgo providencial que ele havia feito. Hoje, já adulto e sem meu pai, sinto falta dele para, pelo menos, “começar o começo” de tantas cascas duras que encontro pelo caminho. Hoje, minhas “tangerinas” são outras. Preciso “descascar” as dificuldades do trabalho, os obstáculos dos relacionamentos com amigos, os problemas no núcleo familiar, o esforço diário que é a construção do casamento, os retoques e pinceladas de sabedoria na imensa arte de educar os filhos, ou, então, o enfrentamento sempre tão difícil de doenças, perdas, traumas, separações, mortes, dificuldades financeiras, e até mesmo as dúvidas e os conflitos que nos afligem diante de decisões e desafios. Em certas ocasiões, minhas tangerinas se transformam em enormes abacaxis… Lembro-me, então, que a segurança de ser atendido pelo pai quando lhe pedia para “começar o começo” era o que me dava a certeza que conseguiria chegar até ao último pedacinho da casca e saborear a fruta (autor desconhecido).
Em Jesus Cristo e no batismo temos uma clara ajuda para começar o começo.
5. Subsídios litúrgicos
Confissão de pecados
Deus da vida, assim como João Batista chamava ao arrependimento e à confissão de pecados, como forma de experimentar algo novo; assim como Jesus Cristo é reconhecido no batismo como teu filho amado e ungido pelo Espírito Santo, dando início à novidade, assim queremos nós hoje, aqui, por causa do nosso batismo, reconhecer o nosso pecado.
Reconhecemos que não vivemos nosso batismo de forma comprometida com o evangelho. Reconhecemos que criamos divisões e qualificações entre nós e julgamos as pessoas conforme sua aparência, suas posses e suas ideias. Reconhecemos que não cuidamos e preservamos o planeta, as plantas e os animais, desperdiçamos os recursos naturais, vivemos orientados para o lucro sem medida.
Reconhecemos que nos resignamos diante da corrupção dos governos e dos velhos esquemas e não acreditamos que podemos construir uma sociedade de paz e justiça social, uma sociedade onde todas as pessoas tenham dignidade, direito e espaço.
Reconhecemos que não mais nos impactamos com a novidade de Jesus Cristo e da sua boa notícia, mesmo que ele, a cada ano, se revele a nós como o Messias servidor. Deus do novo começo, pedimos que tu perdoes o nosso pecado, nossa indiferença e descrença, e que o mesmo Espírito que rasga o céu
e desce sobre Jesus Cristo, desça sobre cada um e uma de nós, nos dignificando para com fé vivermos o nosso batismo, limpos dos pecados. Em nome de Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador, que contigo e o Espírito Santo vive e reina de eternidade a eternidade. Amém.
Oração eucarística:
L. Deus da vida, tu que deste início à vida, tu que criaste os céus e a terra, chamaste à existência a luz e tudo mais que existe, tu que nos deste Jesus Cristo, teu filho amado, luz da nova criação, nós te louvamos, agradecemos e engrandecemos, unindo nosso canto com o louvor dos anjos, cantando o sempiterno hino:
Santo, Santo, Santo.
C. Santo, Santo, Santo
L. Deus do novo começo, tu que no tempo oportuno enviaste João Batista para preparar o caminho de Jesus de Nazaré da Galileia, tu que nomeaste Jesus no batismo como teu filho amado, o Messias servidor, nós te agradecemos pelo seu serviço em favor das pessoas simples e frágeis, serviço que lhe custou a própria vida, na cruz, serviço que rememoramos nesta ceia, pois Jesus Cristo na noite em que foi traído… (segue a narrativa da instituição).
C. Jesus, tua morte anunciamos e louvamos tua ressurreição, até que venhas com teu poder.
L. Que os céus também hoje se rasguem e que teu Espírito desça sobre nós, tua comunidade, fortalecendo a nossa fé, e que o pão e o fruto da videira sobre esta mesa sejam para nós comida e bebida da salvação.
C. Envia teu Espírito, Senhor.
Bênção e envio
A bênção e o envio podem ser proferidos desde a fonte batismal. O liturgo ou a liturga pode molhar as mãos na água da fonte e proferir a bênção e o envio, lembrando, assim, o batismo como possibilidade de novo começo no seguimento e no serviço a Jesus Cristo.
Bibliografia
BORTOLINI, José. O Evangelho de Marcos: para uma catequese com adultos. São Paulo: Paulus, 2003.
CAMACHO, Fernando; MATEOS, Juan. Marcos: texto e comentário. São Paulo: Paulus, 1998.
MOSCONI, Luis. Evangelho de Jesus Cristo segundo Marcos: para cristãos e cristãs rumo ao novo milênio. São Paulo: Loyola, 1996.
MULHOLLAND, Dewey M. Marcos: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, [s.d.].
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).