Proclamar Libertação – Volume 33
Prédica: Marcos 11.1-11
Leituras: Zacarias 9.9-17; João 2.1-12
Autor: Manuel Bernardino Santana
Data Litúrgica: Domingo da Paixão
Data da Pregação: 05/04/2009
1. Introdução
O fato histórico da entrada de Jesus em Jerusalém assemelha-se à chegada do Filho de Deus ao mundo. Marcos apresenta esse relato carregado de cores fortes. Zacarias mostra que aquele que vem chega como rei para a sua comunidade. João mostra a necessidade de um novo início. Mas o Senhor já entra na cidade ameaçado. Seus dias não serão muitos ali. Havia boatos e tentativas de desacreditá-lo. Segundo a narrativa joanina, líderes judaicos já estavam iniciando contatos para um plano de tirar sua vida. Haviam até resolvido também matar Lázaro, pois por causa dele muitos estavam crendo em Jesus. Foi esse sinal que fez com que muitos fossem esperar Jesus adentrar os portões de Jerusalém (Jo 12.9-11).
O esquema de Marcos, seguido por Mateus e Lucas, é:
Domingo: Entrada triunfal e volta a Betânia (11.1-11)
Segunda-feira: Maldição da figueira e purificação do templo (11.12-19)
Terça-feira: Vários discursos (11.20-13.37)
Quarta-feira: Unção em Betânia e traição (14.1-11)
Quinta-feira: Preparação para a Páscoa; última ceia; Getsêmani; detenção; julgamento diante do Sinédrio (14.12-72)
Sexta-feira: Julgamento ante Pilatos; condenação; crucificação; sepultamento (15.1-47)
Sábado: Jesus no túmulo (15.42-47)
Domingo: A ressurreição (16.1-8)
2. O texto
1. Quando se aproximavam de Jerusalém, de Betfagé e Betânia, junto ao monte das Oliveiras, enviou Jesus dois dos seus discípulos
2. e disse-lhes: Ide à aldeia que aí está diante de vós e, logo ao entrar, achareis preso um jumentinho, o qual ainda ninguém montou; desprendei-o e trazei-o.
3. Se alguém vos perguntar: Por que fazeis isso? Respondei: O Senhor precisa dele e logo o mandará de volta para aqui.
4. Então, foram e acharam o jumentinho preso, junto ao portão, do lado de fora, na rua, e o desprenderam.
5. Alguns dos que ali estavam reclamaram: Que fazeis, soltando o jumentinho?
6. Eles, porém, responderam conforme as instruções de Jesus; então, os deixaram ir.
7. Levaram o jumentinho, sobre o qual puseram as suas vestes, e Jesus o montou.
8. E muitos estendiam as suas vestes no caminho, e outros, ramos que haviam cortado dos campos.
9. Tanto os que iam adiante dele como os que vinham depois clamavam: Hosana! Bendito o que vem em nome do Senhor!
10. Bendito o reino que vem, o reino de Davi, nosso pai! Hosana, nas maiores alturas!
11. E, quando entrou em Jerusalém, no templo, tendo observado tudo, como fosse já tarde, saiu para Betânia com os doze.
3. Contexto histórico
Marcos afirma que, a partir de Betfagé e Betânia, Jesus inicia seu movimento em direção à cidade de Jerusalém. Betfagé significa lugar dos figos. Betânia é mais conhecida na tradição bíblica por ser a aldeia onde Jesus pernoitava em suas viagens, hospedando-se na casa de Maria e Marta (Lc 10.38,39). Betânia era considerada parte do território sagrado, segundo a tradição rabínica. Ficava a sudoeste de Jerusalém, mais longe da cidade do que Betfagé, que ficava à jornada de um sábado (At 1.12), ou seja, a cerca de um quilômetro de distância. Lugares como esses representam, em nosso contexto, os subúrbios de nossas grandes cidades, cidades-dormitório, para aqueles mais pobres, despossuídos, incapazes de adquirir uma propriedade dentro dos muros, protegidos dos ataques de grupos hostis.
Aqui é citado também (11.1) o monte das Oliveiras. No Antigo Testamento, ele é citado apenas em Zacarias (14.4). Esse monte possui, na tradição judaica, uma importância singular. Teria sido dali que a pomba teria trazido a folha de oliveira a Noé na arca. Está separado de Jerusalém apenas pelo vale do Cedrom.
Jesus enviou dois de seus discípulos para buscar um jumentinho para que pudesse entrar montado na cidade. Aparentemente foi de Betânia que ele deu a ordem para que se buscasse o jumentinho. Marcos destaca que o animal não fora ainda montado por ninguém. A ordem é clara: ao serem interrogados, deveriam responder: O Senhor precisa dele! Sem dúvida, o relato é pós-pascal. O querigma – Jesus como Senhor (Kyrios) – pertence à igreja tardia, com uma elaboração cristológica amadurecida. Jesus pregou o reino de Deus, sua iminência e seu caráter escatológico. Somente após a ressurreição é que seus discípulos passaram a pregar Jesus como Senhor. É Pedro, no discurso de Pentecostes, quem elabora um querigma com centralidade na pessoa de Jesus de Nazaré como verdadeiro Deus: “Esteja absolutamente certa, pois, toda a casa de Israel de que a este Jesus, que vós crucificastes, Deus o fez Senhor e Cristo” (At 2.36). Marcos usa a expressão Kyrios em 11.3, título só atribuído a Jesus pela comunidade que fez a experiência da ressurreição.
Naquele momento, seria impensável atribuir tal título a Jesus. Essa cristologia não seria desenvolvida senão muito mais tarde pelas comunidades pós-apostólicas na elaboração das releituras dos profetas e suas apropriações pelas comunidades cristãs emergentes. Por enquanto, ainda não se pensava dessa forma.
Outras conclusões podem ser pensadas: 1 – Jesus havia combinado o empréstimo com alguém, e seus discípulos foram buscar o animal sabendo exatamente onde encontrá-lo e a quem procurar; 2 – pode-se pensar também que o autor de Marcos deixa de lado, na redação do texto, a questão histórica e pensa apenas em Jesus como Senhor. Seria uma espécie de vaticínio exeventu, ou seja, ele fala a partir dos acontecimentos posteriores, da confirmação da leitura que a comunidade pós-apostólica fará dessas narrativas. Quanto à sua devolução, Mateus muda completamente seu sentido, e Lucas omite esse fato completamente.
Marcos está bem atento ao fato de que aquela marcha pelo meio da cidade teria um efeito de aclamação, vitória, procissão militar. Era assim que os generais vitoriosos entravam em suas cidades depois de grandes campanhas. Marcos escreve o Evangelho como se Jesus estivesse de fato envolvido em campanhas. A primeira começa em 1.6, quando ele chega junto ao mar e depois entra na sinagoga de Cafarnaum; a segunda começa exatamente aqui, quando chega a Betânia e inicia a caminhada com o propósito de chegar ao templo e realizar sua purificação. O fato de partir de Betânia sugere que o mestre elegeu esse povoado como seu quartel-general, uma espécie de retiro, lugar que lhe dava uma certa segurança diante da hostilidade da cidade de Jerusalém. Betânia serve-lhe de abrigo, não somente na casa das irmãs Maria e Marta, mas também lhe proporciona vários contatos, como o banquete na casa de Simão (14.3), quando é ungido por uma mulher.
O Evangelho situa o início da marcha perto do monte das Oliveiras, lugar associado, na tradição apocalíptica, à batalha final contra os inimigos de Israel. É o que nos diz a profecia de Zacarias:
Porque eu ajuntarei todas as nações para a peleja contra Jerusalém; e a cidade será tomada, e as casas serão saqueadas, e as mulheres, forçadas; metade da cidade sairá para o cativeiro, mas o restante do povo não será expulso da cidade. Então, sairá o Senhor (IAHWEH) e pelejará contra essas nações, como pelejou no dia da batalha. Naquele dia, estarão os seus pés sobre o monte das Oliveiras… (Zc 14.2-4)
Estará Marcos supondo que Jesus sai para uma luta? É uma pergunta sem resposta concreta. No entanto, lembra que o líder rebelde Simão Macabeu entrou em Jerusalém como um vitorioso e foi aclamado com grande alegria. Confira o relato:
Então clamaram a Simão para que aceitasse a sua mão direita, e ele os atendeu. Expulsou-os, porém, dali e purificou a Cidadela, removendo-lhe as abominações. Finalmente nela entraram ao vigésimo terceiro dia do segundo mês do ano cento e setenta e um (começos de junho do ano de 141 a.C.) entre aclamações e palmas, ao som de cítaras, címbalos, harpas, e entoando hinos e cânticos, porque um grande inimigo havia sido esmagado e expelido fora de Israel (I Mc 13,50-51 – Bíblia de Jerusalém).
Essa entrada comemorava o fim da ocupação selêucida em Jerusalém, que durou desde 167 a.C. Mas os paralelos são inevitáveis. Considerando que a narrativa de Marcos sobre a marcha de Jesus rumo a Jerusalém teria sido escrita apenas uns poucos anos depois de 66 d.C., quando Manaém partiu de Massada para Jerusalém como um rei, não resta dúvida da pretensão política do paralelo. A profecia de Zacarias (9.9) contrapõe-se à de Daniel (7.13). Há um dito do século III, atribuído ao rabino Josué ben Levi, indicando a tradição de Zacarias, interpretada como um julgamento de Israel: “Estai atentos, o Filho do Homem vem ‘sobre as nuvens do céu’ e ‘humildemente montando um jumento’”. Se eles (Israel) forem dignos, virá ‘com as nuvens do céu’; se eles não forem dignos, virá ‘humildemente e montando um jumento’. Nesse caso, a entrada de Jesus constituiria um indício para os pecados de seu povo.
Só que Marcos pinta seu “quadro” com cores fortes. Acentua os detalhes. A ênfase recai sobre as instruções de preparação, na fala com os dois discípulos enviados, na preparação da procissão. Há muito cuidado nos detalhes, planejados e coreografados. Mas não se enquadra nos relatos tradicionais sobre a libertação de Jerusalém, porque é um texto claramente antimilitar em seu tom. Jesus não tenciona lutar em favor da cidade de Jerusalém como cidade-Estado. Seu significado é contrário ao sentido de outras marchas, essas sim de caráter militar, descritas aqui antes.
4. Meditação
O sentido do texto aponta mais para a alegre manifestação popular pela presença de alguém que inspira confiança e promove a paz. Por isso o cenário inclui coro, danças, procissão, poesia lírica.
O animal é coberto de panos, o que promove certa solenidade. O Senhor pisará o solo sagrado daquela cidade, e ali se consumará sua trajetória de sofrimento e vitória. Ele, que agora entra em Jerusalém com essa procissão, só sairá dali expulso com uma cruz em suas costas. Será posto para fora como um excluído, como alguém que não pode terminar sua vida dentro da área sagrada. Ele será condenado por um complô (Jo 11.50). Suas atitudes e pregação são consideradas perigosas para o status quo. Aqueles que estão no poder não negociam as condições vigentes. É preciso manter a todo custo regalias, privilégios e ostentação.
Marcos observa o relato profético para colocar o Messias adentrando a cidade vindo do monte das Oliveiras (Zc 9.9). Em cada detalhe, o cortejo desenrola-se da maneira como o profeta o anunciou (Is 62.11). Está implícito na narrativa que Deus mesmo se encarregou de que tudo seja feito de acordo com o que Ele prometeu.
Mas a marcha em si é burlesca. Um rei sobre um jumento que nem mesmo lhe pertence e que ele precisa devolver depois do uso. Um rei sem coroa, sem cetro, sem espada, sem corte. Seu caminho não está coberto de ricos tapetes, mas de panos velhos, as vestes de um povo sofrido e empobrecido. Roupas de gente peregrina, suarenta. Faz lembrar o ato de consagração do rei Jeú (2 Rs 9.13). Improvisaram galhos de árvores, folhas de palmeiras, galhos cortados na última hora, arrancados às pressas. Essa mesma multidão que grita, cheia de esperança, aclama-o enquanto supõe que ele se ajusta a seu imaginário de um ídolo messiânico. No entanto, vai condená-lo quando perceber que ele não corresponde ao que se esperava dele. Não terá Jesus sofrido mais com esse júbilo do que ter encontrado satisfação?
Apesar de tudo, o gesto era uma homenagem. Mais significativa do que a entrada de um rei. Os ramos fazem parte da festa das Tendas e apontam para a presença de Deus. Diante do Eterno, o povo vive em tendas provisórias. Jesus é o rei que vem em definitivo. Vem habitar em meio a seu povo. É Deus que se encarna e vem ao encontro do ser humano. Multidão cheia de esperança, como nosso povo hoje, sofrido, mas ainda mantendo a esperança em um futuro melhor. Mas ali, em Jerusalém, proclamavam Jesus como Messias, cumprimento das expectativas messiânicas de Israel.
Ele é aclamado como o verdadeiro rei de Israel; também afirmam que seu reino não é deste mundo. E a multidão, aglomerada nas alamedas, grita: Hosana, que tem o significado de “salva-nos, Senhor”. Também se cumpre a profecia de Zacarias (9.9). O Messias prometido está ali. Chega montado em seu jumentinho. Zacarias anunciara que o Messias inauguraria um domínio pacífico para seus súditos. Todas essas profecias só seriam assimiladas mais tarde, com o passar dos tempos, pela igreja que se organizava e ia aos poucos relendo os textos a partir de um novo princípio hermenêutico: o evento cristológico. No entanto, naquele instante, ao adentrar Jerusalém, só havia a primeira expectativa. Aquele homem simples, com um punhado de discípulos, gente tirada de todas as classes sociais, que assumiram aquele projeto estranho. Sim, aquele homem era sua esperança em pessoa.
O conceito de “povo de Deus” precisa ser reestudado. O que significa ser “povo de Deus”? É dizer não à exclusão. Jesus chama todos para se tornar povo de Deus. Na parábola das bodas (Mt 22), ele enviou seus servos para as encruzilhadas dos caminhos e mandou convidar todas as pessoas que eles encontrassem para a sala do banquete. No evangelho de Jesus não há excluídos, não há impuros, não há leprosos. Há convidados e convidadas.
A religião exclui; o evangelho de Jesus inclui. Um judeu não comia com gentios, porque esses seriam impuros. Jesus choca porque come com todos os que o convidam. Pratica a inclusividade.
Não é sem razão que um teólogo como Karl Barth afirma que a religião é a mais alta expressão do pecado humano, e Dietrich Bonhoeffer levanta sua voz na cela da Gestapo para anunciar a desintegração da religião diante da cultura moderna. A humanidade chega à idade adulta, na qual o problema da religião não tem mais relevância. Bonhoeffer afirma que mesmo Jesus não foi um homem religioso e, quando se ocupou da religião e dos religiosos, foi para denunciá-los. Mário de França Miranda também oferece uma distinção entre fé e religião. Segundo ele, fé significa, em seu sentido bíblico, a atitude fundamental do ser humano em resposta à iniciativa salvífica de Deus. Ela consiste em fundamentar a vida em Deus, deixar que ele disponha dela. A fé envolve a totalidade da pessoa, afirma Miranda. A religião, entranhada nas sociedades, acaba sendo usada por ideologias dominantes, que se beneficiam de suas tradições para impor determinado modo de existência.
Dentro dessa ampla preocupação com a dignidade humana situa-se o problema de milhões de pessoas que estão abaixo da linha da dignidade humana. São os pobres da terra, sem vez nem voz. Mas o “pobre” não existe como uma fatalidade nem sua existência é neutra. Ele é um subproduto do sistema em que vivemos e pelo qual somos responsáveis. É o marginalizado de nosso continente, o explorado, o oprimido, o subempregado, o despojado do fruto de seu trabalho. Por isso a evangelização deve promover a construção de uma nova ordem social, na qual as desigualdades sejam banidas e o ser humano possa viver em dignidade e respeito. O que deve ser evitado é que essa nova ordem não promova novamente o que se combatia, ou seja, um processo institucionalizador que, pelo hábito, repita os erros do passado ao tornar a instituição mais importante do que as pessoas que a compõem, observam Berger e Luckmann.
5. Aplicação
Entrar em Jerusalém significa que Jesus está pronto para cumprir seu destino. Mostra que Jesus vai tocar na ferida. Os judeus buscavam com seus ritos de purificação sua santidade sacramental. Lavavam-se da imundície do convívio social, do qual às vezes não podiam fugir. Jesus transforma a intolerância em tolerância para recuperar a festa da convivência. Não por acaso, Jesus inicia seus “sinais” com o milagre da transformação da água em vinho. A água dos judeus separa. O vinho que Jesus traz une, reúne. Isto é, produz a volta da amizade, da conversa livre, do bate-papo amigo. Olhando assim, o milagre em si é secundário. O que importa é o resultado que esse gesto produz.
Dizer que o vinho acabou é dizer que desapareceu a possibilidade do diálogo, da convivência saudável. Quando a intolerância predomina, o vinho da convivência transforma-se nas talhas petrificadas da intransigência e da separação.
Nietzsche afirma em seu livro “Genealogia da moral” que ama o Antigo Testamento porque encontra nele um povo. No Novo Testamento, esse conceito de povo está inicialmente perdido. O evangelho de Jesus denuncia a incapacidade de construção de um povo sem que primeiro se reconstruam os caminhos da convivência. Quando se fala de igreja como povo de Deus, não é um povo já estabelecido; é um povo que está sendo construído, edificado. Mais e mais pessoas, excluídas, precisam entrar. Jesus chama todos e todas, mas nós queremos chamar apenas alguns que nós julgamos ser dignos. Nesse sentido, somos antipovo.
Lembramo-nos do cego de Jericó? Onde ele estava: “à beira do caminho” (Lc 18.35). Por que à beira? Excluído. Fora da estrada. Quando grita por Jesus, mandam que se cale. Mas o que Jesus faz? Chama-o para a estrada e inclui-o na comunidade. Esse é o maior milagre: é a inclusão no povo de Deus. Não é a cura física. Jesus não veio meramente para curar doentes físicos. A religião que estiver construindo sua fé em cima de milagres, exorcismos e curas está se distanciando do verdadeiro evangelho de Cristo.
Jesus recria as condições para a convivência. Deseja ensinar-nos a compartilhar, a dar mais atenção às pessoas do que às coisas. Para viver o evangelho, é preciso recuperar a convivência. É aqui que começa o evangelho.
A entrada em Jerusalém é prenúncio da mensagem do reino que chega até nós. A ordem vigente, injusta, precisa ser denunciada. Jesus vai ao templo e enche-se de indignação. Quebra as barraquinhas em frente ao templo. Por quê? Porque as barraquinhas lembram o sacrifício pelo mérito. Só sacrifica quem pode pagar. Será que tem alguma semelhança com hoje? Encontra uma samaritana e fala com ela. Ela se assusta. Por quê? Porque os judeus não falavam com samaritanos. Havia uma muralha étnica. Ele quebra a muralha e traz a mulher para dentro; depois em João 8 está a mulher pega em adultério sozinha. Ela não tem parceiro. Queriam apedrejá-la, pela lei. Jesus confronta aqueles religiosos hipócritas; manda atirar pedras se estiverem sem pecados. Ele então põe a mulher dentro da comunidade. Eles queriam sua exclusão radical com a morte. Jesus inclui-a no conceito de povo. E joga aquela lei deles para fora da muralha.
Jesus queria incluir todo mundo no conceito de povo de Deus. Eu penso que João 11.50 é a chave para entender todo o Novo Testamento. Já que ele queria incluir todos, é necessário que ele morra para que não venha a perecer toda a nação, isto é, toda aquela compreensão de povo de Deus que eles criaram para si. A sentença de morte foi estabelecida na ressurreição de Lázaro.
O evangelho de Jesus Cristo, nas narrativas de Mateus, Marcos, Lucas ou de João, é o evangelho da inclusão. Nele cabem judeus, samaritanos, gregos, gente de qualquer lugar e qualquer nacionalidade. O reino de Deus é formado por pessoas de todas as etnias e de todas as condições sociais. Não há distinção.
6. Subsídios litúrgicos
A entrada de Jesus em Jerusalém aponta para o significado último do evangelho: a concretização de um projeto de Deus que é a constituição de uma comunidade que abrace, que seja solidária, que anuncie o reino não tanto com a verbalização do evangelho, mas com a prática, a experiência de quem teve um verdadeiro encontro com Jesus.
Um dia, Jesus entrou em Jerusalém para encontrar ali seu destino. Isso é uma figura para mostrar que ele deseja entrar na vida de todas as pessoas. Ele disse (Jo 12.32) que, quando fosse levantado, atrairia muitos para si. Somos atraídos por seu amor, sua bondade, seu gesto de solidariedade.
Canto final: (trechos da oração “Um reino para todos”, PL 22 – Lori Altmann) Tu és o Salvador e Libertador de todos os seres humanos
E de toda a criação.
O teu reino está aberto a pessoas de todos os lugares,
A mulheres e homens, crianças e idosos,
A representantes de todas as raças e cores,
De todas as culturas e tradições:
Presentes estarão pessoas do Oriente com sua mística,
Pessoas do Ocidente com sua racionalidade,
Pessoas do Norte com sua ciência
E pessoas do Sul com sua esperança.
Tudo será de todos e todas.
Em teu reino há lugar para mulheres oprimidas e violentadas;
Crianças roubadas em sua infância;
Homens explorados em seu trabalho;
Povos indígenas massacrados;
Estrangeiros em sua própria terra.
Todos poderão contar suas histórias de sofrimento,
Partilhar suas experiências
De resistência e espiritualidade,
Enriquecer com seu amor e doação
A convivência e a comunhão.
Por que esperar por um futuro incerto,
Se o teu reino já está em nosso meio?
Por que protelar a partilha,
Se tu partilhas tudo conosco?
Por que discriminar as pessoas diferentes de nós,
Se tu nos aceitas em nossa alteridade?
Por que queremos uniformizar tudo em tua criação,
Se a fizeste tão heterogênea,
Tão diversificada, rica e colorida?
Agradecemos-te por poder ser diferentes.
Por não precisarmos ser tudo.
Por podermos ser limitados.
Por nos completarmos uns com os outros.
Por nos aceitares em nossa alteridade e
Por nos aceitares em nossa limitação
Agradecemos-te que também na morte
A vida não perde o sentido,
Porque tu lhe dás uma nova forma e
Um novo sentido em tua eternidade. Amém!
Bibliografia
BARTH, Karl. Church Dogmatics. I/2. § 17.1. O Problema da Religião na Teologia.
BERGER, Peter & LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade. Trad. Floriano de Souza Fernandes. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1976.
BONHOEFFER, Dietrich. Resistência e submissão; cartas e anotações escritas na prisão. Trad. Nélio Schneider. São Leopoldo: Sinodal, 2003. Carta de 30.4.1944.
MIRANDA, Mário de França. Existência Cristã Hoje. São Paulo: Loyola, 2005.
MYERS, Ched. O Evangelho de São Marcos. Trad. I. F. L. Ferreira. São Paulo: Paulinas, 1992.
RIENECKER, Fritz. Evangelho de Mateus. Trad. Werner Fuchs. Curitiba: Editora Evangélica Esperança, 1998.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).