Proclamar Libertação – Volume 36
Prédica: Marcos 12.28-34
Leituras: Deuteronômio 6.1-9 e Hebreus 9.11-14
Autora: Scheila Roberta Janke
Data Litúrgica: 23º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 04/11/2012
1. Introdução
As leituras previstas para este final de semana têm como tema principal o duplo mandamento do amor.
Em Deuteronômio 6.1-9, a expressão “ouve, ó Israel…” faz parte da oração judaica Shemá (ouve). O amor ao Deus único, único Senhor do mundo e de seu povo, não é uma escolha; é um mandamento. Esse amor, que corresponde ao amor de Deus por seu povo, inclui temor a Deus, obrigação de servi-lo e observar seus preceitos. O amor ao Deus único deve estar acima de todas as coisas.
Marcos 12.28-34, texto para a prédica, lembra que o amor ao Deus único e o amor ao próximo são mais importantes do que todos os holocaustos e sacrifícios. Essa é a verdadeira adoração a Deus. Esses dois mandamentos, originalmente encontrados no Antigo Testamento de forma separada, são reunidos por Jesus nesse duplo mandamento do amor. Somente quando amamos nosso próximo, também estaremos amando a Deus. O amor a Deus é concretizado no amor ao próximo.
Hebreus 9.11-14 refere-se ao sacrifício único oferecido de uma vez por todas por Cristo, quando Ele derramou seu próprio sangue para a nossa redenção. Somente por meio de Cristo nós podemos prestar culto ao Deus vivo, pois por meio dele nós somos purificados de nossos pecados. Em Jesus, Deus demonstra seu grande amor por nós, seu povo, pois Deus entrega seu Filho Unigênito para morrer na cruz e nos salvar. Deus não apenas exige amor de seu povo, mas demonstra seu amor de forma concreta ao enviar seu Filho a nós.
2. Exegese
Marcos 12.28-34 localiza-se no bloco de controvérsias em torno de Jesus. Em Marcos 11, são relatados a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, o episódio da figueira estéril e a purificação do templo, marcando o início da caminhada de Jesus em Jerusalém. Em seguida, são tratadas as controvérsias: a questão sobre a autoridade de Jesus, o tributo a César e a ressurreição. Logo depois, aparece o nosso texto, que trata do grande mandamento do amor, seguido da pergunta sobre quem seria o Filho de Davi, da advertência contra os escribas e da oferta da viúva pobre. Sendo assim, nosso texto faz parte da seção que descreve os conflitos de Jesus em Jerusalém (Mc 11.1-12.44), antes do assim chamado “pequeno Apocalipse”, que trata de suas profecias sobre a destruição do templo, a perseguição aos cristãos e a vinda do Cristo glorificado e trata da narrativa da paixão e ressurreição de Jesus.
V. 28 – Provavelmente, o escriba está perguntando sobre o sentido mais profundo de toda a lei de Deus. Jesus combina os dois grandes mandamentos de Deuteronômio 6.4 e Levíticos 19.18b para formar um resumo da lei. Para um sistema legalista, responder a essa pergunta do escriba não era tarefa fácil, e mais respostas com certeza já haviam sido dadas pelas escolas rabínicas da época.
V. 29 – O Deus único deve ser objeto supremo da adoração e do amor, amor que é visto como desenvolvimento espiritual. O que amamos é o nosso Deus, o que nos aproxima bastante da definição de Lutero: “aquilo a que prendes o teu coração é propriamente o teu Deus”. Só existe obediência aos mandamentos de Deus quando há entrega em amor a Deus. Tudo o que não provém do amor a Deus e da entrega em amor ao próximo jamais poderá ser considerado cumprimento de qualquer mandamento de Deus. Na verdade, qualquer mandamento cumprido sem amor é pecado, mesmo que tenha a aparência de ser algo santo, puro e bom.
V. 30 – Aquele que nos ama, Deus, exige nosso amor. Amar a Deus é ter interesse pelos outros e servi-los. É fazer o bem, de coração, a quem precisa, é dar a alguém algo que eu poderia reter para mim mesmo, aprendendo a ser menos egoísta e tornando-me mais amoroso. Amar a Deus é contemplá-lo, é dar-lhe a alma inteiramente, obedecer a seus mandamentos, realizar seu serviço, pensar os seus pensamentos e buscar o bem que Ele busca. Na obediência e dedicação, na renúncia ao mal e aos bens secundários, posso retornar àquele que é a fonte de todo o bem que me sucede. Amar a Deus é entrar em contato com o divino por meio do treinamento do intelecto, do estudo da Escritura, da oração, da meditação, da busca pelos dons espirituais para servir ao próximo e crescer na fé e na santificação, renunciando ao mundo e a seus encantos. O mandamento do amor a Deus e ao próximo é o resumo de todos os demais mandamentos. Esses dois mandamentos formam uma unidade. Só amamos verdadeiramente o próximo por meio do nosso amor e nossa entrega a Deus, e só amamos a Deus quando amamos o próximo e nos entregamos a ele, servindo em amor.
V. 31 – Jesus vincula as duas leis do amor. Ele eleva o significado do mandamento do amor ao próximo ao colocá-lo ao lado do mandamento do amor a Deus. A ágape consiste de boa vontade, benevolência ilimitada em favor do próximo, inspirada pela fonte do amor, Deus, por meio da ação do Espírito, que nos transforma à imagem de Cristo. O amor deve governar todos os nossos atos.
V. 32 – Somente em Marcos se obtém a impressão de que o escriba indagou com sinceridade e não astuciosamente para apanhar Jesus e que ele aprovou a resposta de Jesus, repetindo e comentando-a brevemente.
V. 33 – A realidade da experiência espiritual, expressa no dia a dia, ultrapassa em importância as exigências sacramentalistas e legalistas da lei. O amor é o maior dom que podemos ter. Sem ele, até mesmo manifestações carismáticas são vazias, assim como as formalidades dos sacrifícios. O ser humano, em tudo o que ele é, deve envolver-se na obediência ao mandamento do amor. Não adianta querermos servir a Deus por meio de cerimônias, cultos, celebrações ou sacrifícios, por mais especiais, bonitos e significativos que eles possam ser, se no dia a dia nos esquecemos de demonstrar amor uns pelos outros, se no dia a dia somos maldosos, traiçoeiros, egoístas e invejosos. Nossos cultos serão vazios se o dia a dia não for preenchido com amor. O que não for feito com amor a Deus e ao próximo não corresponde à vontade de Deus.
V. 34 – Para aquele que ama, o reino está perto. O reino pode estar perto inclusive para um escriba, estudioso da lei e fiel seguidor dela, mas que conseguia compreender a necessidade de colocar o amor a Deus e ao próximo em primeiro plano. O reino pode estar perto até mesmo para um malfeitor crucificado ao lado de Jesus, que reconheceu ser ele o Filho de Deus, que amou e serviu as pessoas e, por fim, entregou sua vida por nos amar e para nos salvar. Jesus espantou os mais experientes teólogos e os silenciou, pois a verdade estava com ele. Mas nem por isso eles mudaram sua forma de pensar e terminaram por usar a violência contra Jesus, entregando-o à morte de cruz. Mas “estar perto” do reino não significa “já estar” no reino de Deus. Não é assim que Deus exige de nós todas as coisas para então nos dar algo. É justamente por Deus já nos ter concedido e presenteado com seu amor, revelado em Cristo, que Ele exige amor. Ele primeiramente nos presenteia, enviando seu Filho para revelar seu amor por nós, para entregar-se por nós na cruz e nos salvar. Só podemos entender o duplo mandamento do amor olhando para a cruz. Somente quando reconhecemos que Jesus, o Filho de Deus, morreu na cruz por nos amar e para nos salvar é que podemos amar a Deus e ao próximo.
3. Meditação
Neste texto de Marcos 12.28-34, um doutor da lei quer saber de Jesus qual é o maior mandamento. Hoje, também muitas pessoas querem saber o que é mais importante na religião. Uns acham que o mais importante é ser batizado. Outros acham que é rezar. Outros ainda afirmam ser importante participar dos cultos e celebrações. Muitas pessoas estão mais preocupadas com as aparências ou com os cargos na igreja, com aquilo que já fizeram pela comunidade. Outros também acham que o mais importante é ajudar a quem precisa.
É bastante cômodo buscar diante de Deus uma posição de segurança, ou seja, é mais fácil querer agradar a Deus observando leis e costumes do que confiar na bondade de Deus. Jesus mostra que o amor é a verdadeira vontade de Deus. Quem ama o próximo corresponde ao amor de Deus, pois, sendo Deus nosso Pai, somos todos irmãos e irmãs, chamados a viver isso na prática.
“À medida que o povo de Deus foi aprofundando o significado e o alcance do amor de Deus, foi percebendo que o amor de Deus só será real e verdadeiro se ele se concretizar no amor ao próximo.”1 Sendo assim, o mandamento do amor ao próximo é semelhante ao mandamento do amor a Deus. “Se alguém disser ‘amo a Deus’, mas odeia a seu irmão, é um mentiroso” (1Jo 4.20).
No entanto, nem para o povo de Deus tampouco para nós hoje o alcance das exigências do amor ao próximo é tão claro quanto parece.
1 – O Antigo Testamento já ensinava a “amar o próximo como a si mesmo” (Lv 19.18). Mas é mais fácil entender ‘próximo’ como sendo um parente, ou seja, amor aos que fazem parte da mesma família ou do mesmo povo.
2 – No tempo de Jesus, havia a discussão sobre quem seria o “próximo”. Alguns doutores achavam que o conceito de próximo deveria abranger outros povos e raças. Outros não concordavam com isso. Jesus mostrou com a parábola do bom samaritano (Lc 10.29-37) que o próximo é todo aquele que se aproxima de você e precisa de ajuda, independentemente de religião, cor, raça, sexo ou língua. Próximo é quem precisa de você, e você é chamado a amá-lo.
3 – Amar o próximo é amar como Jesus amou. Jesus disse ao doutor da lei: “Você não está longe do Reino” (Mc 12.34), pois o Reino consiste em unir amor a Deus e amor ao próximo. Jesus amplia o mandamento do amor ao próximo como a si mesmo quando diz: “Amai-vos uns aos outros como eu vos tenho amado! Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15.12s).
Nós facilmente caímos na tentação de escolher quem será nosso próximo e a quem devemos amar ou não. Facilmente afirmamos que amamos a Deus de todo o coração, de toda a alma, de todo o entendimento e com toda a força. Nesse sentido, parecemos muito com os doutores da lei. É claro que amamos a Deus! Mas amar a Deus significa amar também o próximo, não apenas os familiares ou amigos, mas também quem não se conhece ou quem facilmente se desprezaria pela forma como ele se apresenta; amar aquele que precisa de nós, independentemente de sua classe social, sua cor, sua raça ou seu gênero; e mais ainda, amar como Jesus amou, mesmo que essa pessoa possa ser um inimigo. Isso é muito mais difícil do que inicialmente aparenta ser. Amar o próximo significa amar sem escolher quem será meu próximo. Significa compreender que Deus nos amou primeiro, apesar de não merecermos seu amor. Significa ser grato a Deus por ter enviado seu Filho para nos salvar, não apenas para salvar alguns que acreditam poder merecer a salvação por suas obras ou por obedecer a lei. Como podemos dizer que amamos a Deus se não queremos amar nosso próximo, por quem Ele também derramou seu sangue na cruz? Essa pergunta precisa ser feita a nós mesmos pessoalmente antes de pregarmos sobre esse tema.
Com certeza, é mais fácil obedecer a Deus por meio da observância de leis e mandamentos. É mais fácil dizer que amamos a Deus, pois fazemos questão de frequentar os cultos todos os domingos, ocupar cargos de liderança e orar como é devido. É claro que tudo isso é importante, mas amar a Deus é mais do que isso. Amar a Deus significa amar o próximo, que é um filho tão amado ou uma filha tão amada por Ele quanto eu. Amar a Deus de todo o coração é amar uns aos outros, como Jesus nos amou. É para isso que esse texto nos desafia.
4. Imagens para a prédica
a – Para falar do amor ao próximo, sugiro usar o exemplo de doadores de sangue, que doam sem saber para quem, desinteressadamente, mas ajudando a salvar ou recuperar vidas.
b – Também se poderia iniciar a mensagem fazendo a mesma pergunta feita a Jesus. Em seguida, a comunidade poderia ser incentivada a refletir sobre as perguntas: Amo a Deus acima de todas as coisas? Amo o meu próximo? Quem é meu próximo? Meu próximo é apenas quem vive comigo ou quem frequenta e faz parte da mesma comunidade?
5. Subsídios litúrgicos
Confissão de pecados:
Confesso, amado Deus, o meu pecado por não te amar e confiar em ti acima de todas as coisas. Confesso que falhei ao não te amar de todo o coração, de toda a alma, de todo o entendimento e com todas as forças, amando mais os prazeres, os bens, o poder e as facilidades do mundo. Confesso que falhei também ao não amar o meu próximo como a mim mesmo e como Tu nos amas. Confesso que facilmente caí na tentação de querer escolher meu próximo de acordo com minhas preferências, deixando de perceber tantas pessoas que precisavam de minha ajuda e de meu amor. Perdão, Senhor, por minha arrogância, por meu egoísmo e por minha falta de amor. Amém.
Canto:
Perdão, Senhor, perdão (ou Tem misericórdia, HPD 2, hino 408).
Poema:
Tua mão – uma parábola, conforme Livro de Culto – Recursos Litúrgicos diversos (seção VII), p. 284, n. 12.
Seria significativo se, no momento da comunhão, durante a Ceia, se for o caso, se formasse um grande círculo, incluindo todas as pessoas. No gesto da paz, a comunidade poderia ser incentivada a abraçar pessoas que ainda não se conhecem.
Sugestão de hinos: antes da prédica – HPD 2, 397; oferta – HPD 2, 166; como bênção – HPD 1, 118.
Nota:
1 MESTERS, Carlos; LOPES, Mercedes. A Palavra na Vida – Caminhando com Jesus: Círculos Bíblicos do Evangelho de Marcos. 2ª parte: Mc 8.22 – 16.20, p. 75.
Bibliografia
CHAMPLIN, R. N. O Novo Testamento interpretado versículo por versículo, v. 1. São Paulo: Candeia, 1995.
SCHABERT, Arnold. Das Markusevangelium – Eine Auslegung für die Gemeinde. München: Claudius Verlag, 1964.
MESTERS, Carlos; LOPES, Mercedes. A Palavra na Vida – Caminhando com Jesus: Círculos Bíblicos do Evangelho de Marcos, 2ª parte: Mc 8.22 – 16.20. São Leopoldo: CEBI, 2003.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).