Viva! Hoje é dia de descanso
Proclamar Libertação – Volume 42
Prédica: Marcos 2.23-3.6
Leituras: Deuteronômio 5.12-15 e 2 Coríntios 4.5-12
Autoria: Antonio Carlos Oliveira
Data Litúrgica: 2º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 03/06/2018
1. Introdução
A temática para este 2º Domingo após Pentecostes é o descanso. O povo judeu respeita o sábado como dia de descanso semanal. Nesse dia da semana é proibido fazer determinados trabalhos. É um dia destinado para as preces e a confraternização com a família e os hóspedes. Para as pessoas cristãs, o dia de descanso passou a ser o domingo, dia da semana em que ocorreu a ressurreição de Jesus. No entanto, alguns grupos dentro do cristianismo ainda guardam o sábado, como é o caso da Igreja Adventista do Sétimo Dia.
Em Deuteronômio 5.12-15 encontramos a ordem de Deus para guardar o sábado como dia de descanso. O texto é parte da perícope dos dez mandamentos, aqui repetida a partir do livro de Êxodo 20.8-11. O relato se refere à lei do sábado, que diz respeito não só às pessoas da família, mas também às pessoas escravas ou mesmo às estrangeiras, tanto homens como mulheres. O mandamento também inclui no descanso semanal os animais domésticos usados para o trabalho.
No texto de 2 Coríntios 4.5-12, o apóstolo Paulo usa os potes de barro como exemplo para se referir à missão de anunciar o evangelho. O valor do tesouro não depende do pote onde está guardado. O evangelho de Jesus Cristo pode ser levado por pessoas simples, suscetíveis e fracas. O poder vem unicamente de Deus e não depende da eficácia humana. Deus, inclusive, é capaz de mostrar seu poder através daquilo que as pessoas consideram como mais frágil e insignificante.
2. Exegese
Em vários textos Jesus questiona a lei do sábado, considerada fundamental para a religião judaica. No texto de Marcos 2.23-3.6, indicado para a prédica desta semana, Jesus rompe com essa lei e a redimensiona em dois momentos: em primeiro lugar, quando seus discípulos, num dia de sábado, colhem espigas no campo para se alimentar; em segundo lugar, quando, no mesmo sábado, Jesus cura a mão ressequida de um homem na sinagoga. O ensinamento de Jesus é que todo dia é dia de fazer o bem. Vamos caminhar com Jesus de uma plantação de trigo até uma sinagoga e entender melhor esse assunto.
O termo grego paraporeuesthai, traduzido como “atravessar”, também pode significar “passar por”. Isso nos permite entender que Jesus e seus discípulos realizam uma viagem naquele dia e rompem ou estavam prestes a romper o sábado caminhando mais do que a lei permitia, nesse caso, aproximadamente 880 metros. Mas parece que esse detalhe passou despercebido aos espiões fariseus. Fato é que Jesus e seus discípulos seguem viagem e caminham por entre uma plantação de cereais (Mc 2.23). Os discípulos arrancam espigas, debulham os grãos com as mãos e comem, pois estão com fome. Jesus, ao que parece, não participa da singela refeição, pois o questionamento dos fariseus que espreitavam o grupo se dirige unicamente aos que seguiam Jesus. No entanto, Jesus não repreende os discípulos, sua resposta vai em defesa deles.
A lei judaica permitia que pessoas necessitadas ou famintas colhessem algumas espigas e frutas que ficavam à margem dos caminhos para saciar a sua fome. Essa prática não era considerada crime nem roubo. Inclusive, recomendava-se que as pessoas, ao ceifarem seus campos, deixassem uma pequena parte da produção sem colher, para que esses alimentos ali deixados para trás pudessem saciar a fome das pessoas viajantes e carentes. O problema, nesse caso, não está na coleta desses grãos, mas no dia da semana em que isso acontece.
O respeito pelo sábado como dia de descanso é uma das marcas do judaísmo. Segundo Adolf Pohl (1998): “A importância do sábado para os judeus daquela época pode ser percebida pelo simples fato de que a palavra retorna quase 60 vezes nos evangelhos. No AT a obrigação de santificar o sábado é confirmada mais que qualquer outro mandamento. O tratamento deste tema no judaísmo ofusca qualquer outro assunto. Junto com a circuncisão, o sábado é o sinal que une o povo de Deus disperso pelo mundo inteiro”. Na época de Jesus, a violação intencional da lei do sábado era considerada um crime, punido com a pena de morte. Havia uma lista extensa de atividades que não deveriam ser feitas nesse dia, entre elas, por exemplo, a colheita e o preparo de alimentos. Debulhar espigas era considerado como preparação de alimentos.
Os fariseus espionam Jesus e seus discípulos e aproveitam qualquer oportunidade para questionar e criticar as ações e os ensinamentos de Jesus. Isso acontece em passagens anteriores: Jesus perdoa os pecados e cura um paralítico (Mc 2.6ss); Jesus e seus discípulos comem na casa de um cobrador de impostos e se sentam à mesa junto com outros pessoas de má fama (Mc 2.16ss); Jesus e seus discípulos não jejuam como os fariseus e os discípulos de João Batista (Mc 2.18ss).
Na sequência do capítulo 2, lemos: Por que é que os seus discípulos estão fazendo uma coisa que a nossa lei proíbe fazer no sábado? (v. 24ss). Jesus responde citando uma passagem de 1 Samuel 21.2-7, em que o rei Davi e seus companheiros, por estarem famintos, entraram no santuário de Nob e comeram os pães consagrados. A máxima de Jesus (v. 27) cala momentaneamente os seus opositores: O sábado foi feito para servir as pessoas e não as pessoas para servirem o sábado. E com a frase seguinte (v. 28) Jesus afronta ainda mais seus interlocutores: Portanto, o filho do Homem tem autoridade até mesmo sobre o sábado.
No v. 27, a preposição diá significa “por causa de”. Ela se refere à instrumentalização das pessoas em relação ao sábado. E revela quem detém maior importância na perspectiva de Jesus. Para os fariseus, a lei e o seu cumprimento eram o mais importante. As pessoas existiam para cumprir a lei. Para Jesus, as pessoas vêm em primeiro lugar, ou seja, as leis existem com o propósito de ajudar as pessoas, e não para escravizá-las.
O texto continua ainda contando sobre os acontecimentos daquele sábado (Mc 3.1ss). Jesus vai para uma sinagoga, onde realiza a cura de homem com a mão ressequida (paralisada). Curar era considerado um trabalho proibido segundo a lei do sábado. Era permitido prestar socorro em caso de risco de morte ou evitar que um ferimento piorasse, mas não se podia fazer algo para a melhora do doente. O homem da mão ressequida não corria perigo, ele certamente poderia esperar mais um dia.
Jesus apresenta a seguinte questão diante de seus perseguidores: O que é permitido fazer no sábado? O bem ou o mal? Salvar alguém da morte ou deixar morrer? (Mc 3.4). Nesse versículo o termo apokteinai fica melhor se traduzido como “matar” ou “tirar” a vida. Jesus parece conhecer o pensamento e as intensões de seus acusadores. Enquanto ele planeja, no dia de sábado, salvar uma vida, os fariseus que ali estavam conspirando contra ele planejavam tirar a vida. Diante do silêncio de seus interlocutores, Jesus mostra o que deve ser feito. Ele chama o homem e pede que estenda a mão, e naquele momento ele recuperou o movimento da mão. O texto conclui essa parte com a indicação de que os fariseus saíram da sinagoga e, juntamente com outros simpatizantes de Herodes, começaram a tramar a morte de Jesus (Mc 3.6).
3. Meditação
No relato de Marcos 2.23-3.6, Jesus rompe com a lei judaica do sábado ou a redimensiona em dois momentos: quando seus discípulos, no dia de sábado, colhem espigas no campo para se alimentar; quando Jesus, no mesmo sábado, cura a mão ressequida de um homem na sinagoga.
Ched Myers (1992), em seu comentário ao Evangelho de Marcos, chama essas ações de Jesus de desobediência civil. Em seu entendimento, Jesus está sistemática e propositadamente desobedecendo a uma lei de sua época para revelar o problema da desigualdade social. “Como na prática moderna da desobediência civil, que faltaria à lei a fim de discutir problemas mais profundos de sua moralidade e de seus objetivos, também Jesus, antes de cruzar a linha, dirige um desafio ao seu auditório. Mostrando sua missão de compaixão e justiça junto aos pobres e contra os imperativos da ordem dominante, Jesus questiona todo o edifício ideológico da lei. Ele reproduz a conhecida pergunta da fé deuteronômica (Dt 30.15ss): É legal no sábado fazer o bem ou o mal?”.
A reflexão sobre essas passagens do evangelho nos faz questionar sobre algumas leis ou comportamentos injustos de nossa sociedade atual. Podemos relacionar isso aos escândalos da corrupção no governo das cidades e do país, às reformas nas áreas educacional, trabalhista, previdência, entre outras que ouvimos nos últimos anos. Diante disso, qual tem sido a reação da maior parte da população? Será que o povo está cansado de exercer seu dever político?
Mesmo em nossas igrejas, por vezes, parece haver necessidade de um entendimento melhor sobre o que é mais importante (Mc 3.4): fazer o bem ou fazer mal?. A comunidade precisa estar atenta para ser acolhedora, inclusiva, diaconal, missionária. O perigo de ficar olhando só para si mesma é constante. Facilmente as lideranças são absorvidas por um trabalho só de manutenção e atendimento. Isso acaba por se tornar um trabalho sem fim e sem descanso. Não raramente as pessoas são “pegas a laço” para ocuparem os cargos das diretorias. São imprescindíveis o planejamento, a formação e a visitação.
Podemos falar de um descanso mais amplo e profundo do que o de ficar de “pernas e papo para o ar”. Mesmo porque o descanso e o conforto de algumas pessoas são muitas vezes conquistados às custas do esforço e cansaço de outras. Jesus questiona o que se pode fazer no dia de descanso. Para ele, santificar o dia de descanso não significa uma rotina do que se deve ou não se deve fazer, e sim, antes disso, de uma opção forte e contundente em defesa da vida e do direito das pessoas mais fracas.
Pensando nisso, o dia de descanso das pessoas cristãs, que é comemorado aos domingos ou em qualquer outro dia da semana eleito para ser santificado, pode ser uma ótima oportunidade de contato mais intenso com a nossa espiritualidade e como investimento em nossas relações familiares e de amizade, inclusive comunitárias. Mesmo que em todos os dias e com todos os nossos afazeres e trabalhos possamos render glórias a Deus, é importante marcar um tempo para nos encontrarmos com esse propósito. Pensemos em como seria difícil nos reunirmos para um culto caso não existisse um dia predeterminado. É o caso, hoje em dia, quando nem sempre todas as pessoas têm o mesmo dia disponível. Por isso é preciso encontrar esse momento e aproveitar as oportunidades da melhor maneira possível.
O equilíbrio entre o trabalho e o descanso também pode ser uma marca do povo de Deus e da liberdade que temos em Jesus Cristo. Podemos entender que o mais importante não é a corrida desenfreada pelo sucesso ou pelo dinheiro, mas partilhar e aproveitar bem a vida que nos foi presenteada por Deus. Por outro lado, é preciso incentivar as pessoas ao trabalho, a progredirem nos estudos e em suas profissões, visando ao próprio bem e ao bem da coletividade.
As palavras de Jesus e sua prática nos provocam e nos questionam, mexem com nossos conceitos e rotinas. Pode ser que a resposta ao Jesus que desafia no dia de descanso com seu convite para segui-lo seja uma reles desculpa. Talvez se diga: Poxa, mas hoje preciso descansar! Quem nunca usou justificativas para fugir de um compromisso, ou mesmo para ficar mais um tempinho na cama recuperando o sono atrasado? Podemos também nos perguntar: o que fazemos com o restante do dia, ou qual a causa de tanto cansaço? Quem sabe uma caminhada com Jesus em busca de pão e justiça cure nossas “tendinites” e ociosidades.
4. Imagens para a prédica
Três cadeiras de praia, colocadas lado a lado no altar. Sente-se em uma delas e convide uma pessoa da comunidade para se sentar em outra, deixe a terceira vazia. Pergunte para a comunidade o que significa essa cena. A cena pode representar descanso, amizade, tempo para conversar. A imagem nos faz pensar que em geral não temos muito tempo livre em nossa semana para coisas desse tipo. A correria do dia a dia nos absorve a ponto de não termos tempo para as outras pessoas, e inclusive para a gente mesmo. Mas será que é importante ter um tempinho para descansar e conversar? A palavra de Deus diz que sim. Seu mandamento é que inclusive tenhamos um dia todo na semana para isso. E como está o nosso tempo para Deus? Será que temos encontrado tempo para orar, ler a Bíblia e nos reunir como comunidade? A terceira cadeira representa que Deus sempre está ao nosso lado em qualquer lugar, mas especialmente no culto. Pois Jesus diz: onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles (Mt 18.20).
Fazer o bem ou o mal está em nossas mãos. A história a seguir pode ser usada para ilustrar essa questão: “Numa pequena cidade da Grécia, vivia um sábio famoso que conhecia as respostas a todas as perguntas que lhe eram feitas. Um dia, um jovem estudante, conversando com seus amigos, disse que pretendia desafiar o sábio e iria enganá-lo. Disse que faria o seguinte: Apanharei um passarinho e o levarei escondido em minha mão até o sábio. Então vou perguntar a ele se o passarinho está vivo ou morto. Se ele disser que está vivo, esmago o passarinho e o mato, deixando-o cair no chão. Se ele disser que está morto, abro a mão e o deixarei voar, na frente de todas as pessoas. E assim fez. O jovem aproximou-se do sábio com o passarinho na sua mão e perguntou: Sábio, o passarinho em minha mão está vivo ou morto? O sábio olhou para o rapaz e disse: Meu jovem, a resposta está em suas mãos. Você me perguntou se o passarinho está vivo ou morto, mas isso é algo que depende unicamente de você” (Toillier, 2000).
5. Subsídios litúrgicos
Oração do dia: Senhor, tu chamaste os teus discípulos e as tuas discípulas para te seguir. Andaste com eles e elas nas vilas e nos campos, ensinando a boa nova do reino de Deus. Tu também chamas a cada um e cada uma de nós para caminhar contigo. Teu convite nos desafia a santificarmos este dia e todos os outros dias ao teu evangelho de paz e justiça. Humildemente te pedimos, Senhor, que o teu Espírito Santo nos guie na reflexão da tua Palavra. Que através dela tu nos ensines sobre a missão de Deus e do nosso compromisso com ela. Que este tempo que dedicamos a ti e ao convívio da comunidade seja uma oportunidade para fazer o bem e ajudar as outras pessoas, principalmente as que mais necessitam de apoio. Por Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador. Amém!
Bibliografia
POHL, Adolf. O Evangelho de Marcos. Curitiba: Esperança, 1998. (Comentário Esperança).
MYERS, Ched. O Evangelho de São Marcos. São Paulo: Paulinas, 1992.
TOILLIER, O. Cem histórias de vida e sabedoria. São Leopoldo: Sinodal, 2000.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).