Proclamar Libertação – Volume 36
Prédica: Marcos 4.26-34
Leituras: Ezequiel 17.22-24 e 2 Coríntios 5.6-10
Autor: Nilton Giese
Data Litúrgica: 3º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 17/06/2012
1. História do Equador
O bispo Gonzalo López Marañón é um espanhol que foi enviado nos anos 1970 a Sucumbíos, no norte do Equador. Ele pertence à Ordem dos Carmelitas Descalços. Seu ministério desenvolveu-se por mais de 40 anos num contexto altamente violento e de extrema pobreza. A região de Sucumbíos faz fronteira com o sul da Colômbia, uma região de guerrilheiros, paramilitares, narcotraficantes e um grande número de pessoas que foram expulsas de suas terras por esses grupos armados. Nesse contexto, o trabalho do bispo Gonzalo enfatizou a organização das comunidades, o trabalho social, os mutirões, a solidariedade ecumênica.
Aos 75 anos, um bispo católico romano deve aposentar-se. De repente, quarenta anos de pastorado acabaram em quatro dias. Esse foi o prazo que o Vaticano deu ao bispo Gonzalo para deixar a diocese, juntamente com os Carmelitas Descalços. No lugar deles, o Vaticano anunciou a chegada dos Heraldos do Evangelho, um grupo carismático que usa botas militares e apresenta-se com uma vestimenta do tempo das Cruzadas.
A notícia comoveu as organizações civis de Sucumbíos. As vozes de protesto dos moradores não tiveram eco no Vaticano. A única resposta era: Roma locuta, causa finita. Monsenhor Gonzalo e os Carmelitas tiveram que deixar a Diocese de Sucumbíos e foram para Quito, onde todas as tardes eles começaram a celebrar um momento de oração e eucaristia numa praça pública, para que as comunidades superassem o momento de frustração pela possibilidade de viver e preservar sua fé nesse contexto totalmente diferente. Esse gesto concreto de não violência fortaleceu os grupos populares em Sucumbíos, que se afirmaram cada vez mais no seu compromisso com os mais pobres. Mesmo sem o apoio oficial da diocese, as comunidades continuam fortalecendo suas associações e projetos comunitários, afirmando que as sementes lançadas pelos Carmelitas Descalços não foram em vão.
2. Introdução
Quem trabalha nos ministérios da igreja sente frustração algumas vezes. Muitas vezes, somos questionados pelo impacto e pelos resultados concretos de nossa presença e ação. Nem sempre podemos medir esses impactos e resultados concretos, porque eles não são imediatos. Muitas vezes, o que semeamos em termos de formação pessoal, organização social, solidariedade etc. só se torna realmente visível alguns anos depois, quando essa pessoa assume alguma liderança na sociedade.
Os textos bíblicos aqui referidos querem demonstrar que a vida sempre vai abrindo caminho, mudando a sorte dos que sofem sob qualquer forma de opressão, pois Deus é reconhecido como tal por seus atos libertadores (primeira leitura). O apelo de Jesus é para que as pessoas de boa vontade se unam a ele, confiantes, para sentir a força que o Reino possui. A união com Jesus – passando de fora para dentro do Reino – traz consequências que marcam para sempre a conduta cristã (segunda leitura). Num exercício de leitura bíblica ecumênica para os textos propostos neste estudo, vou usar algumas reflexões do padre biblista José Bortolini e dos Irmãos Claretianos, que estão em nosso site do Conselho Latino-Americano de Igrejas (www.claiweb.org).
3. Exegese
3.1 – Primeira leitura (Ez 17.22-24)
O profeta Ezequiel foi levado para o exílio na Babilônia durante a primeira deportação (597 a.C.). É no exílio, vivendo com seu povo o peso da opressão babilônica, que exerce sua atividade profética. Sendo ao mesmo tempo sacerdote, procura animar seu povo, projetando a futura reconstrução de Jerusalém e do templo, símbolos da identidade nacional perdida. O livro de Ezequiel é uma proposta nova de sociedade, pois a que provocou a ruína do povo nada mais contém de bom. Os versículos de hoje têm sabor messiânico. Empregando uma imagem agrícola, o profeta apresenta Deus como aquele que tira um galho da copa do cedro (o povo eleito), transplantando-o para o alto monte de Israel (isto é, em Jerusalém, v. 22-23a). O cedro transplantado é apresentado como majestoso e cheio de frutos; debaixo de sua sombra, todos os pássaros do céu farão seus ninhos (v. 23b). É a descrição da sociedade ideal, que serve de abrigo e proteção internacional (os pássaros do céu representam as nações). O fim do exílio é visto como mudança de sorte, porque Deus é o Deus dos fracos. A imagem agrícola continua, agora expressa em termos de poda e crescimento: ele abaixa a árvore alta (o império babilônico opressor) e eleva a árvore baixa (isto é, liberta o povo oprimido; cf. Lc 1.52). O simbolismo torna-se ainda mais eloquente: agora se trata de secar a árvore verde (e isso está ao alcance de qualquer um) e de fazer brotar a árvore seca (o que ninguém poderá fazer, a não ser o que tem o poder sobre a vida).
3.2 – Segunda leitura (2Co 5.6-10)
Alguns coríntios, levados pelas filosofias do tempo, achavam que os sofrimentos e as perseguições enfrentados por Paulo não tinham sentido nem valor. Melhor seria deixar a morada do corpo (morrer) para ir habitar junto do Senhor (v. 8). Paulo concorda, em parte, com eles. Ele também achava preferível morrer e estar com o Senhor (cf. Fl 1.23), mas continuar vivendo acarreta, tanto para ele como para os cristãos de Corinto, sérias responsabilidades das quais não podiam subtrair-se. No trecho de hoje, Paulo é movido pela confiança (v. 6-8) e pela fé. De fato, o centro do texto é o v. 7: “Caminhamos pela fé, e não pela visão”. Ora, a fé tem consequências concretas. Para Paulo, crer é comprometer-se, em comunidade, com o projeto de Deus, vivendo o amor, enfrentando e superando todos os obstáculos que aparecem, sobretudo sofrimentos e perseguições, esforçando-se para agradar a Deus (v. 9).
3.3 – Evangelho (Mc 4.26-34)
Duas boas análises desse texto já foram publicadas em edições anteriores (PL 22, p. 175-181, por Julio C. Schweickardt, e PL 28, p. 240-246, por Teobaldo Witter).
Nosso ponto de partida para a reflexão do evangelho é: Qual é o elemento libertador dessas parábolas? Como podemos encontrar a chave hermenêutica libertadora nessas parábolas?
Originalmente, as parábolas faziam parte da tradição oral das histórias sobre Jesus. E como toda tradição oral, a possibilidade de retoques para o uso na pregação, no ensino e no compartilhar doméstico influi na proposta original. Tratar de procurar o sentido original da parábola dentro do contexto histórico de Jesus é uma das tarefas da exegese bíblica.
Julio Schweickardt lembra que a comunidade de Marcos estava em Roma em torno do ano 70 d.C., quando já tinha sofrido as perseguições do imperador Nero. As bases dessa cidade estavam na escravidão e na repressão. É nesse contexto conflitivo de perseguição e sofrimento que a comunidade de Marcos ansiosamente reflete sobre parusia para o seu tempo. A parábola quer mostrar que a semente já foi lançada, mas não há nada que se possa fazer para adiantar o tempo da colheita. O que importa saber é que o reino de Deus está em marcha. As forças contrárias, que agora são as dominantes, estão com os seus dias contados. O reino de Deus começa com uma expressão religiosa pequena, com um trabalho que parece não ter muito impacto e visibilidade, mas que por sua visão universal e ecumênica vai se estendendo por sua mensagem de inclusão, onde todos e todas terão lugar debaixo da árvore.
Teobaldo Witter lembra que esse discurso não é muito fascinante, porque o ser humano quer show. O ser humano quer um Reino que seduz e deixa todos de boca aberta pelos milagres, triunfos e revelação de privilégios. Por isso o discurso da cruz, de deixar-se constranger pelo grito dos sofredores, da compaixão com os excluídos é algo contraditório com o que o ser humano espera ouvir. Conforme Marcos, para entender o reino de Deus, é necessária a fé. Com a imagem cotidiana dos agricultores (semeador) e das mulheres (grão de mostarda), as parábolas querem explicar que o reino de Deus é um processo, não um show. Para instaurar o reino de Deus, são necessários mais do que milagres e shows. É preciso transformar as pessoas e criar uma nova humanidade. Isso não acontece de um momento para outro. Isso é um processo para o qual é necessário ter muita paciência e esperança.
4. Meditação
O padre José Bortolini nos diz que, para entender as parábolas de Marcos 4, é oportuno nos perguntarmos a qual etapa da atividade de Jesus elas correspondem; em outras palavras, por que Marcos as inseriu nesse lugar?
No Evangelho de Marcos, Jesus inicia sua atividade com um estrondoso sucesso. Rapidamente, porém, o sucesso é substituído pela hostilidade da família e dos adversários de Jesus, a ponto de ele formar, com os que lhe são fiéis, uma nova família. As parábolas de Marcos 4, portanto, estão no centro do conflito entre Jesus e seus adversários. São parábolas que visam superar a crise. Mas não se trata só da crise de Jesus. O Evangelho de Marcos foi, talvez, o primeiro catecismo para os catecúmenos. Com eles também acontecia algo semelhante em relação à atividade de Jesus: no início, estavam bem dispostos, prontos para tudo, assíduos. Aos poucos, porém, o esmorecimento, dúvidas, crises e abandonos se avolumam. As parábolas, portanto, visam superar as crises da caminhada (dos catecúmenos e dos cristãos de todos os tempos). Marcos afirma que é preciso começar de novo (cf. 4.1, onde Jesus começa de novo. O Evangelho de Marcos tem diversos começos: cf. 1.1; 4.1; 8.31. É preciso começar sempre). Os catecúmenos e os cristãos de todos os tempos tendem ao desânimo ao ver o projeto de Deus sofrendo rejeições fortes, como aquelas que Jesus enfrentou. E se perguntam: se Jesus é de fato o Messias, o Filho de Deus (cf. 1.1), por que não é aceito? Por que ele não reage de forma mais convincente? Que atitude tomar diante da indiferença ou hostilidade em relação ao projeto de Deus?
4.1 – O reino de Deus tem força irresistível (v. 26-29)
A parábola da semente que cresce por si só é uma das respostas à crise na atividade de Jesus e na caminhada das comunidades cristãs. Em meio aos conflitos, crises e resistências, o importante é ir semeando. É o que fez Jesus e o que devem fazer os cristãos. A parábola faz ver como trabalhavam os agricultores no tempo de Jesus: depois de semear, só voltavam a se ocupar com a lavoura na hora da colheita (o que não acontece mais hoje em dia, onde se faz necessário cuidar continuamente da plantação). O centro da parábola está no fato de que a semente, por si mesma (em grego, automate automaticamente), cresce e produz fruto. Isso porque possui dentro de si uma força irresistível. Basta semear, e vocês verão! Seu processo é lento, mas progressivo: folhas, espigas e, por fim, grãos que enchem a espiga (v. 28). É um alerta para os que querem tudo pronto; e também um aviso às comunidades sufocadas pela burocracia, estruturas e organismos. Cuidado: a semente do Reino cresce por si só. O importante é semear.
4.2 – Pequenez e grandeza do Reino (v. 30-32)
A parábola do grão de mostarda, tida popularmente como a menor de todas as sementes, ilustra o contraste entre o início e o resultado da ação de Jesus e dos cristãos. O centro da parábola está no contraste entre a menor de todas as sementes da terra e a maior de todas as hortaliças. De fato, nas colinas do mar da Galileia, a mostardeira atingia três metros de altura ou mais. E as aves do céu construíam ninhos em seus ramos. Assim é a proposta do Reino: pequena em seu início, insignificante por causa dos conflitos e resistências, mas grandiosa em seu resultado, tornando-se proposta universal: as aves do céu representam nações e povos que vão aderindo ao projeto de Deus, semeado por Jesus, beneficiando-se dele. O reino de Deus será o ponto de encontro de todos os povos.
4.3 – Entrar na lógica do Reino para sentir-lhe a força (v. 33-34)
A lógica do Reino é diferente daquela dos adversários de Jesus. Mesmo que o matem, ele é a semente jogada na terra, destinada a produzir fruto (cf. Jo 12.24: “Se o grão de trigo não cai na terra e não morre, fica sozinho. Mas se morre, produz muito fruto”). Para sentir a força do Reino, é preciso ter a lógica de Jesus: “Quem tem ouvidos, ouça!” (4.9). Em outras palavras, é preciso entrar para fazer parte do Reino, porque, estando fora (cf. 4.11), não será possível superar crises, hostilidades e escândalos.
5. Imagens para a prédica
– Deus é reconhecido como tal por seus atos de libertação. O texto de Ezequiel pode ajudar-nos a perceber Deus libertando para a vida mediante a organização da comunidade em torno de lutas específicas: terra, moradia, salários justos, saneamento, transporte etc. Quais são os sinais de esperança?
– A força do reino de Deus. O evangelho de hoje pode ser atualizado, tomando-se uma conquista da comunidade: as dificuldades do início, resistências, conflitos e alegria pelas vitórias obtidas.
– Consequências da fé (segunda leitura). A fé tem consequências diretas na carne das pessoas. Paulo ajuda a superar a divisão corpo-espírito. Quais são as consequências disso?
6. Subsídios litúrgicos
O bambu japonês
http://www.youtube.com/watch?v=DjE-LEuV0Ig
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).