Prédica: Marcos 8.22-26
Autor: Augusto Ernesto Kunert
Data Litúrgica: 12º. Domingo após Trindade
Data da Pregação: 21/08/1983
Proclamar Libertação – Volume: VIII
I — Alguns pensamentos para introdução
Marcos é reconhecidamente o evangelista que leva a tarefa do Messias muito a sério. Sua tese, que o Messias se revelará em toda sua autoridade depois da cruz, leva a guardar o segredo do Messias. Daí o motivo do isolamento do enfermo, exigindo que o resultado obtido com a cura permaneça desconhecido. (Schniewind, p. 113) Isto nos e dado a verificar também em Mc 1,44; 5.43; 7.36.0 curado recebe a ordem de retirar-se para sua casa, sem antes procurar o povoado. Jesus não quer que a ocorrência seja divulgada entre o povo.
Entre Jesus e o enfermo se estabelece um contato direto. Sintomático para a expectativa do contato direto é o texto em Mc 5.28, onde uma mulher enferma dizia para si mesma: Se lhe tocar as vestes, ficarei curada. De maneira sucinta, porém expressiva, nos relata Mc 6.56 que muitos enfermos, nas praças, cidades e campos, alimentavam a esperança que o tocar ao menos na orla de sua veste significaria sua cura. E, neste contexto, Mc 6.56 testemunha: quantos o tocavam saiam curados.
Um grupo de exegetas considera a cura por etapas como importante, dizendo que a cura lenta, como a temos anteriormente mencionada (7.31), fica melhor descrita no texto Mc 8.22-26. (Schniewind, p. 113) Outro grupo de exegetas é de opinião que a cura lenta é uma simples forma literária a descrever o contato entre Jesus e o enfermo.
Temos alguma semelhança nos textos Mc 7.31-37 (cura de um surdo e gago) e Mc 8.22-26 (cura de um cego). A partir desta relação, não faltam as vozes dos que opinam que se trata de uma só ocorrência, que foi, posteriormente, desdobrada em duas curas. Em geral se opina que são duas curas distintas, arrolando-se como argumentos: 1. A cura do surdo e gago aconteceu no roteiro da viagem de Tiro para Sidon. A cura do cego ocorreu em Betsaida. 2. A narrativa dos acontecimentos de uma difere da outra. 3. Numa ocorrência fala-se nos que se maravilharam, a outra silencia a respeito. 4. Numa. em decorrência do EFATA = abre-te, a cura foi mais rápida, enquanto que em 8.22-26 temos a cura lenta. Concordo com os que afirmam que temos dois aconteci¬mentos distintos.
II — Referências exegéticas
V.22: Nos textos 7.32 e 8.22 nos é dito que “lhe trouxeram um surdo, respectivamente um cego. Considero esta constatação importante. Ela o é exatamente para o serviço cristão do membro e da comunidade toda. Pessoas preocupadas com outras pessoas. Pessoas envolvidas com problemas de irmãos. O cego não é abandonado. A família, amigos, pessoas se põem a serviço do doente. No lhe trouxeram, mesmo que aconteça no anonimato, se manifesta o serviço cristão (veja Ef 4.11-12). para o qual somos convocados como membros no corpo de Cristo, na resposta obediente da fé.
As pessoas que trouxeram o cego pedem que Jesus o toque. O contato direto entre Jesus e o doente é importante. É importante no ato da cura. mas não é menos importante como relacionamento entre Jesus e nos. Mesmo que não haja hoje o contato físico, o nosso contato/relacionamento com Jesus é indispensável. Enquanto que Mc 8.22 fala no que o tocasse, Mc 7.32 dz que impusesse a mão sobre ele. Aqui me vem o pensamento da bênção, da imposição das mãos como benção, como transmissão de força, de poder, de ajuda, de aceitação. O procedimento de tocar no doente ou de lhe impor as mãos é praxe em Israel como método de transmissão de forca. Tanto em 7.32, quanto em 8.22, o contato pessoal transmite ao doente forca que cura. que renova, que salva da doença.
Vv.23 e 24: Jesus toma o cego à parte. A cura não ocorre no meio da multidão. Mesmo assim, o v.24 nos deixa subentender que havia pessoas por perto. Não sabemos se foram os discípulos ou se foram estranhos que estiveram por ali.
Jesus usa saliva. Jesus usa o contato físico e a saliva como método de cura. Com isto Jesus não introduz novidade no processo da cura, mas permanece na tradição existente. Jesus evita, com o seu procedimento, ser considerado milagreiro ou curandeiro. O método é externo. O poder de curar tem outra fonte. O contato e a saliva dão ao cego p entendimento de que algo vai acontecer com ele. de que Jesus se envolve com ele, de que Jesus o aceitou. O contato não é a cura em si. mas o meio da transmissão de poder, como nos relata Mc 5.30: Jesus reconheceu que dele saíra poder… Aqui. no poder de Jesus, está a (orça da cura.
Jesus pergunta ao cego: Vês alguma coisa? Ele vê alguma coisa. Os seus olhos novamente receberam a luz. Eles sabem distinguir os objetos, porém, ainda não têm visão nítida. Ela ainda está prejudicada, continua confusa. Mas a escuridão total foi vencida. No cego nasce a esperança de que os seus olhos se abrirão novamente.
V.25: Diante da falta de nitidez da visão do enfermo, Jesus volta a colocar-lhe suas mãos nos olhos e o enfermo passa a ver claramente. O homem tem suas vistas completamente recuperadas. O termo restabelecido, em 8.25, ou, como fala em 3.5, restaurado é um termo técnico na medicina da época, mas tem, ao mesmo tempo, significação apocalíptica. O fato ocorrido indica a presença daquele que há de vir. Aponto a tese do segredo messiânico de Marcos. Jesus, o Messias, cura os males, perdoa pecados, é Senhor sobre o sábado.
V.26: Jesus despede o curado. O mesmo recebe a recomendação de que não divulgue o acontecido, que evite o povoado. Diversos exegetas, conforme literatura à minha disposição, opinam que Marcos usa este procedimento para encobrir ainda a identidade do Messias; que, para Marcos, Jesus somente poderá ser reconhecido em sua plenitude, a partir da cruz. A cruz, portanto, é a revelação do Filho do Deus vivo, que veio para buscar e salvar o que estava condenado e perdido. Até o acontecimento da cruz, vale para Marcos o que Jesus disse em Jo 2.4: Ainda não é chegada a minha hora. Para Marcos, a cruz é a hora da revelação de Jesus como o Messias prometido.
Joachim Gnilka (p. 313) afirma que a perícope pertence à pregação missionária dos cristãos judeus e helenistas. Ela anuncia a Jesus como o renovador da criação e como aquele que traz a salvação messiânica.
III — O rito da saliva
A saliva, na compreensão popular e na dos rabinos, tinha força de cura de doenças, forças para banir o maligno. Os rabinos a usavam como remédio contra infecções dos olhos. E Jesus usou saliva na cura do surdo e gago e na cura do cego. Com este procedimento, Jesus aceita e usa tradições e práticas conhecidas entre o povo. As curas nos textos 7.31 s e 8.22s obedecem a um processo com categorias populares e aceitas em Israel. O uso da saliva e a imposição das mãos são o sinal para o doente de que algo está acontecendo com ele. O enfermo nota que lhe é prestado auxílio. A saliva em si não tem poder. Ela é veículo para transmitir ao paciente o poder renovador de Jesus, assim como o é a imposição das mãos.
IV — Os milagres de Jesus
Os sinóticos relatam, de maneira especial, os milagres de Jesus. Joachim Gnilka esclarece que os relatos dos milagres têm 3 partes essenciais (p. 221):
1. A exposição: As pessoas são apresentadas. Os motivos que levam as pessoas para junto de Jesus são arrolados. Mostra-se a conduta das pessoas.
2. Segue a descrição do milagre.
3. A conclusão: Nela acontece a despedida do curado. Ocorre a reação do povo frente ao presenciado.
Os milagres acontecem em determinadas situações, em situações concretas, portanto, em momentos históricos. Lembro como exemplo a cura do homem com mão ressequida (Mc 3.1-6). Era sábado e estavam observando a Jesus, para ver se curaria em dia de sábado… O local da cura foi a sinagoga, onde tradicionalmente se reúne a comunidade israelita, no sábado. O ponto de discussão é a viabilidade ou não de fazer curas no sábado.
A cura da filha da mulher siro-fenícia (7.24-30) acontece ligada à doutrinação. A literatura sobre os milagres de Jesus, por mim examinada, opina, em sua maioria, que os milagres recebem tanta importância e ocupam largo espaço nos evangelhos, pelo fato de constituírem momento importante na pregação missionária da comunidade primitiva. Também o momento apologético merece a atenção da comunidade primitiva
Considero importante e válidos tanto o trabalho missionário, quanto o interesse catequético e apologético, como fatores da divulgação dos milagres. Creio, porém, que os milagres são testemunho decisivo do senhorio de Jesus Cristo, Salvador e Renovador. Também a concordância com o conceito de Marcos, que a revelação do Messias se dá a partir da cruz, não invalida, pelo contrário confirma, o senhorio de Jesus como Salvador e Renovador.
Também o pensamento que dá lugar à interpretação alegórica dos milagres, sejam os da epifania, como o temos em Mc 6.42-52 (Jesus anda sobre o mar), os da dádiva, como os são os milagres da multiplicação dos pães (Mc 6.30-44; 8.1-9), ou ainda o milagre chamado de salvação, quando Jesus acalmou os ventos e o mar (Mc 4.35-41), evidencia com toda clareza o senhorio de Jesus. Não há área de nossa vivência, também não a há na natureza, que não esteja sob a ação, a interferência e o poder de Jesus. Tudo o que foi feito, foi feito por ele e através dele. É o Messias presente, mesmo que ainda encoberto, em ação. Jesus é o Cristo, que atua na natureza e na vida do homem. Ele é o Filho do Deus vivo, com poder sobre o sábado, os ventos e o mar e também sobre a doença. Ele é o Salvador que perdoa pecados e o Renovador que faz novas todas as cousas. Dai considero imprescindível que a pregação e a catequese deixem claro, muito claro, que a renovação, todas as curas, a reconciliação estão envolvidas com o senhorio de Jesus Cristo. Somente assim iremos manter a unidade de anúncio e serviço, de missão e diaconia.
A tradição teológica vê nos milagres a presença de duas características: o poder da Palavra e o uso de práticas de cura. No meu entendimento, uma terceira característica é fundamental: o serviço. O milagre acontece na autoridade da Palavra e o serviço — a diaconia — é o fruto da Palavra. A Palavra é carregada de autoridade. A Palavra é atuante. Ela concretiza aquilo para que foi enviada. A cura do doente, acontecida pela Palavra de Jesus Cristo, é a concretização da Palavra como serviço em favor do homem, como efeito do anúncio da Palavra.
O poder da Palavra cria uma nova realidade. A partir daí, compreendemos que Jesus renova o homem, tanto em sua vida interior, quanto de pessoa doente para pessoa fisicamente sadia. O conceito que afirma que Marcos entende o Evangelho a partir da Paixão de Jesus faz com que os milagres sejam para ele direcionados da mesma maneira. A fé, no contexto a fé no crucificado e ressurreto, vem a ser fundamental (Mc 10.52). A fé faz com que tenhamos sal em nós mesmos e paz uns com os outros. (Mc 9.50) O anúncio da Palavra, a exposição doutrinária e os milagres estão interligados. Os relatos dos milagres são mensagem. Considero-os a concretização, o serviço da Palavra. Isto compreendemos melhor, quando Mc 1.2 nos diz maravilharam-se de sua doutrina; também 1.27 o repete com as palavras todos se admiraram. A admiração, o maravilhar-se está ligado com a doutrina, tanto quanto com os milagres (Mc 7.37). O milagre é pregação visível. O milagre é a concretização da Palavra. Exatamente por este motivo, devemos manter a unidade de pregação e ação, de anúncio e serviço. Separar anúncio e serviço é também separar a vivência cristã em sacro e profano; seria divorciar a mensagem da vivência concreta do homem.
Lamentavelmente, a separação é um fato para muitos. Seu comportamento no domingo de manhã, no culto, é um. Na segunda-feira, em sua vida profissional, é outro. A confissão de domingo não tem mais validade durante os dias úteis da semana. Ocorre uma sepra-ção, e a vida espiritual é considerada algo pessoal, particular e íntimo, sem relacionamento com o meu ambiente de convívio com outras pessoas. Esta separação é realmente lamentável. Ela não se enquadra no Evangelho. Jesus quer frutos da fé. E os frutos são o serviço decorrente da fé. O serviço é a conscientização da fé. E o serviço acontece tanto no domingo, quanto na segunda-feira. Seguramente o serviço cristão durante os dias úteis da semana é bastante mais difícil do que na reunião de culto, quando juntos louvamos, agradecemos e adoramos. Durante a semana encontramo-nos com pessoas difíceis, enfrentamos problemas e somos questionados a desistir de interesses, de vantagens e lucros.
A autoridade de Jesus se manifesta na sua Palavra. Um bom exemplo é Gn 1.3, quando Deus disse: Haja luz, e houve luz. Assim Jesus, o homem verdadeiro e Deus verdadeiro, falou EFATA, e os ouvidos do surdo se abriram (7.34). Na cura da mulher enferma, Jesus anuncia: Filha, a tua fé te salvou… e fica livre do teu mal. (5.34)
Mesmo que Jesus proíba aos curados de falarem no ocorrido, seu nome se torna conhecido pelo país afora. E o povo se pergunta: Quem é este Jesus? (1.27; 4.41; 6.14-16) E o próprio Jesus pergunta aos discípulos: Mas vós, quem dizeis que eu sou? (8.29) Os milagres fazem parte da revelação de Deus em Jesus Cristo. Eles também são resposta à pergunta: Quem é Jesus?. Eles são testemunho do poder, da autoridade de Jesus. Eles participam da revelação a quem é dado reconhecer: Tu és o Cristo. (8.29) Os milagres atestam a presença de Deus no mundo; Deus está conosco. São sinais da preocupação do Senhor com o mundo, com o homem, sua saúde, seu bem-estar. Os milagres são sinais da atuação renovadora de Jesus Cristo no mundo caído. São sinais do Reino de Deus, já agora e aqui. Eles são serviço do amor de Jesus Cristo.
A mensagem da Paixão e a mensagem dos milagres estão ligadas entre si. Jesus, o operador dos milagres, é o mesmo Jesus do sofrimento. Há aqui uma tensão dialética. Não podemos, porém, separar o próprio Jesus. Sim, ele é o Senhor e Salvador do mundo e, ao mesmo tempo, sofre para salvar o mundo. É importante reconhecermos que Jesus, o que fala com autoridade, e Jesus, o que opera milagres, é o mesmo Jesus da Paixão, da morte na cruz, pois o caminho da ressurreição e da reconciliação passa pela cruz.
V — Pensamentos para a prédica
1. Ao observarmos o texto da cura do cego, que é seguido da confissão de Pedro Tu és o Cristo (8.29), e as referências ao sofrimento de Jesus (8.31-33), entendemos dois aspectos: a) Jesus é o Cristo e age com toda autoridade. Ele é o Senhor, b) Jesus abre os olhos cegos e os ouvidos surdos, para que a pessoa enxergue novamente, mas também tenha abertos os olhos e ouvidos para ver e compreender os sinais dos tempos.
Esta compreensão do texto nos dá duas dimensões para a prédica:
a) Jesus é o Cristo. Jesus é o Filho do Deus vivo e, como tal, é o Senhor do mundo, que age com autoridade, tem poder sobre o sábado, a doença, etc.
b) Jesus, o Senhor do mundo, nos abre, juntamente com a cura dos males, a compreensão de sua Palavra.
Referente ao item b, temos uma interpretação alegórica do texto Esta interpretação é viável. Já as referências na localização do texto dão margem para tanto. Ao diálogo doutrinário de Jesus segue a cura do cego. Disse Jesus no diálogo aos discípulos: Tendo olhos, não vedes? e, tendo ouvidos, não ouvis? (8.18) Jesus previne os discípulos: Vede guardai-vos do fermento dos fariseus. (8.15) E, continua Jesus Não compreendeis ainda? (8.21) A esta situação segue a cura do cego (8.22-26). E diz Grundmann que a cura do cego é o sinal para aquilo que deve acontecer com os discípulos. (p. 165)
2. Concordo com que o conceito alegórico seja aproveitado na prédica. O pregador, porém, deve ter o cuidado de que sua pregação não se vá limitar à interpretação alegórica. No meu entendimento os milagres de Jesus apontam dois conceitos, antes do conceito alegórico: o senhorio de Jesus e a unidade de Palavra e ação. O tratamento unilateral do texto na linha alegórica vai marginalizar o senhorio de Jesus Cristo, o que vai pôr em cheque a interpretação alegórica. Essa é possível pelo fato de que Jesus Cristo é Senhor e Salvador. Como Senhor e Salvador, Jesus veio e atua, tanto na carência espiritual, quanto na necessidade corporal do homem.
3. Considero o texto muito oportuno para o pregador mostrar a unidade de missão e diaconia; de Palavra e ação; de anuncio e serviço. O aceitar da cura como fato, como acontecimento histórico nos ou que Jesus Cristo está presente em nosso hoje, que atua no mundo e em minha vida; que Jesus Cristo está envolvido com o mundo e com os homens; que Deus zela pelo seu mundo, sua terra e suas criaturas. A concretitude da cruz me diz que Jesus é o renovador, é quem muda situações, é quem transforma minha vida e minha estrutura.
Ao observarmos o sadio equilíbrio entre os itens a e b acima, estaremos fazendo justiça ao texto e ao seu contexto. A prédica deve considerar e respeitar a realidade da comunidade. Isto quer dizer que o pregador deverá se dar conta de que a carência espiritual e uma triste realidade e que o sofrimento do corpo é igualmente uma verdade entre nós.
4. O texto nos permite a compreensão de que a cura do cego (outras curas também) é a ação de Jesus Cristo contra a miséria humana em um mundo caído. Ele nos dá margem para situar a cura como transformação de situações, a partir do poder e da ação de Jesus Cristo, contra a injustiça social, contra a marginalização de pessoas e contra a exploração do homem pelo homem. Seguramente os milagres, como de resto a mensagem de Jesus, estão relacionados com a situação calamitosa em que vive grande parte do povo. Ao reconhecermos que os milagres são pregação concretizada, reconhecemos a importância dos mesmos para a nossa situação brasileira. Devemos, porém, ter todo cuidado para não nos atermos a princípios econômicos, sociais e políticos, prejudicando ou até confundindo a mensagem evangélica com conceitos ideológicos, resultando nossa prédica numa tremenda moralina, e caracterizando-se como se mudanças, transformação e renovação dependessem da maior ou menor boa vontade do homem. Uma tal linha na prédica seria um desastre e um total abuso do texto.
Os milagres, como manifestação da vontade renovadora e transformadora de Deus, são, ao mesmo tempo, chamado aos cristãos para o serviço; são ação libertadora de Deus, tanto libertação do pecado, quanto libertação do homem do sofrimento e da injustiça. É claro, e deve ficar claro na prédica: o agente da libertação, transformação e renovação é Jesus Cristo, Senhor e Salvador.
5. O Evangelho nos mostra a grande luta do Reino de Deus contra o poder das trevas. O poder das trevas nada poupa. (1 Jo 3.8) E a luta acontece na vida das pessoas e na história do mundo. A Bíblia desenvolve os acontecimentos desde a criação do mundo, da queda do homem, da salvação e consumação dos tempos. A mesma caminhada está no sofrimento e na cura do cego. Assim como o corpo sadio pode ser um exemplo para o milagre da natureza intata, demonstra-se no sofrimento do cego a miséria do mundo caído que, submisso ao poder maligno, não consegue ouvir a Deus. Mas o Senhor do mundo, que tudo fez bem com o cego, fará tudo bem no final dos tempos e devolverá à criação caída sua ordem primitiva, voltando a ser válido o que foi válido no principio dos tempos. (Lohmeyer, p. 202) Viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom. (Gn 1,31) Assim, com o Cristo presente, na ação do Cristo no mundo, na vida das pessoas, como renovação do homem interior e como renovação do corpo, irrompe o Reino de Deus entre nós, em nosso tempo. No sofrimento do ainda não, nos vem a alegria do já agora. Assim foi dado aos discípulos experimentar, na ação de Jesus, o Reino de Deus em seu meio. A cura do cego é indício da presença do Reino de Deus. Na cegueira, o cego vivia no sofrimento do ainda não. Em sua cura, tanto espiritual, quanto corporal, viveu a alegria do já agora do Reino de Deus. Vivemos na tensão do ainda riflo e do já agora, indo ao encontro da consumação dos tempos, quando Deus será tudo em todos, quando a criatura receberá libertação plena, os homens e toda criação serão renovados, então o já agora se terá desenvolvido em sua plenitude e o Reino de Deus se manifestará em todo seu resplendor.
6. Ao povo de Deus, que atende a sua missão na obediência de fé, o Senhor do mundo e da Igreja não deixará de confirmar a pregação da Palavra por meio de sinais (Mc 16.20); o serviço cristão (Ef 4.11-12) deverá considerar o homem todo. A separação do homem em corpo, espirito e alma não tem validade. Experiência muito importante temos na poimênica. A preocupação com o homem todo, como os milagres no-lo mostram, nos ensina que a oração com doentes, a bênção de doentes e a imposição das mãos são fatores importantes na vida do irmão que crê em Jesus Cristo. Não são poucos os casos que nos testemunham curas também de males físicos. Os milagres tratam da preocupação de Jesus com o homem todo. Ele age em nossa vida espiritual: Os teus pecados te são perdoados. (Mt 9.2) Ele age em nossos males físicos: Toma a tua cama e vai. (Mt 9.6)
VI — Subsídios litúrgicos
1. Confissão de pecados: Onipotente e misericordioso Deus, perdoa a culpa que diariamente aumentamos, pecando contra ti, quando desobedecemos, falhamos e nos descuidamos da nossa saúde e atentamos contra a saúde de outras pessoas. Não confiamos na tua Palavra. Desobedecemos aos teus mandamentos. Os poderes do mundo nos assustam, e em tudo procuramos a nossa sobrevivência, mesmo que aconteça em prejuízo dos irmãos. No intenso trabalho, esquecemo-nos dos doentes ao longo de nosso caminho. Não queremos perder tempo, e deixamos os doentes, os inválidos e sofredores de lado, como peças incómodas. Somos devedores do amor aos irmãos e deixamos de servi-los com os dons e saúde que tu nos deste! Por isso a ti rogamos: tem piedade de nós e perdoa nossos pecados. Assim pedimos, pelo sofrimento e a Paixão de teu Filho amado, nosso Senhor e Salvador!
2. Oração de coleta: A ti, Senhor e Salvador, que sofreste as dores da cruz, nós rogamos: fortalece, segundo a tua promissão, com a força do teu Espirito, a todos irmãos em sofrimento; em sofrimento por doença; em sofrimento por perseguição; em sofrimento por injustiça, em sofrimento por fome! Consen-te, Senhor, que a tua Igreja, em meio ao sofrimento, cresça em graça, cresça em consolo, para a glória de teu santo nome.
3. Sugestões para a oração de intercessão: Lembraremos os irmãos em sofrimento. Devemos incluir na intercessão os cegos, os paraplégicos, a todos os prejudicados física e mentalmente. Devemos também, no espirito da Palavra de Deus, como anúncio e ação, dizer da nossa responsabilidade de serviço em favor dos que sofrem; incentivar e agradecer pelos grupos de serviço na comunidade que visitam doentes e idosos, tanto nos lares, quanto nos hospitais. Julgo importante incluir na oração o trabalho anónimo, realizado por familiares, por vizinhos e pessoas amigas, em favor de pessoas fisicamente prejudicadas. Para tanto nos induz o e lhe trouxeram um cego do nosso texto. É importante considerar o serviço cristão nos valetudinários, nos hospitais, nos lares e nas ruas. Eu intercederia também pelo trabalho dedicado da APAE e de serviços similares existentes no âmbito da comunidade.
VI — Bibliografia
– GNILKA, J. Das Evangelium nach Markus. In: Evangelisch-Katholiscker Kommentar zum Neuen Testament. Vol. 2/2. Neukirchen-VIuyn, 1979.
– GRUNDMANN, W. Das Evangelium nach Markus. In: Theologischer Handkommentar zum Neuen Testament. Vol. 2. 2. ed. Berlin, 1959.
– LOHMEYER, E. Das Evangelium des Markus. In: Kritisch-exegetischer Kommentar über das Neue Testament. Vol. 1/2.16. ed. Göttingen, 1963.
– SCHMID, J. Das Evangelium nach Markus. In: Regensburger Neues Testament. Vol. 3. 4. ed. Regensburg, 1958.
– _____ El Evangelio según San Marcos. Barcelona, 1973.
– SCHNIEWIND, J. Das Evangelium nach Markus. In: Das Neue Testament Deutsch. Vol. 1. 5. ed. Göttingen, 1949.