Martim Lutero: Pecador, mas Evangelista de Cristo *
(O que Lutero acha de si próprio?)
Albérico Baeske
UM QUADRO CÉLEBRE
Durante quase 35 anos Martim Lutero viveu na cidade alemã de Wittenberg. Lá pregou com regularidade na igreja matriz. No pedestal do altar da mesma existe um quadro célebre. Vê-se um crucifixo no centro; à esquerda, a comunidade, fixando-o; no lado oposto, Lutero, no púlpito, indica com o braço direito o crucificado e com o outro a Bíblia, aberta na sua frente.
Esta pintura expressa, por excelência, quem é Martim Lutero.
UMA PESSOA DE NADA
Como pessoa, nada — pelo menos assim ele se enxerga:
¨O pobre pecador Lutero¨;
mais forte:
¨Eu falei a mim mesmo: tu és ‘verme, e não homem‘ (S1 22. 6) … para ti serviria melhor chumbo ou uma corda no pescoço (quando lhe deram um anel de ouro)¨;
e, violento, se qualifica com expressões como:
¨Cocô de ratinho¨, ¨saco cheio de vermes¨ —
o que o povo de Wittenberg, pelo menos na época, deve ter entendido, pois não olha para ele, mas direto para o crucificado.
DEUS ESCOLHE
O Deus da Bíblia, ou como Lutero costuma dizer, ¨o Deus que se deu face humana em Jesus¨, escolhe exatamente pessoas assim para suas testemunhas no mundo. Lutero afirma:
¨A Palavra de Deus transforma homens em deuses.¨ Deus até ¨já falou através de uma jumenta (Nm 22. 28ss)¨.
Este Deus o obriga a sair para a luta. O que Lutero faz doravante acontece sob imposição de Deus. ¨Movido pelo poder do Espírito¨, ele se sabe ¨mais agido por Deus do que ele próprio agindo¨. Ai de Lutero se não ensinar a Palavra de Deus (cf. 1 Co 9. 16) — e isto tanto mais que é ¨doutor juramentado da Sagrada Escritura¨:
¨Deus me arrasta. Ele verá o que consegue comigo, pois eu estou bem certo que nada de tudo isso eu procurei ou aspirei por mim mesmo, antes, está sendo espremido de mim pelo furor de um outro (sc. Deus).¨
Lutero não quis nem planejou a Reforma. Jamais é o seu sujeito ou inventor. Ele não começou nada; é plano de Deus que se realiza:
¨Deus me empurrou, contra a minha vontade, para dentro do trabalho junto ao Evangelho … Ele simplesmente me colocou anteolhos como se coloca num cavalo de corrida, quando se pretende montá-lo no hipódromo. Por isso, ao começar, falei ao nosso Senhor Deus com grande seriedade e de todo o coração … : se ele quer iniciar um jogo comigo, que o faça sozinho e me resguarde para que eu não misture aí a mim, o que vale dizer, a minha sabedoria. Esta oração ele ouviu grandemente. Ele conceda graça também no futuro.¨
E agora Deus passa a empurrá-lo, sempre em frente. Desde que deu com ele a arrancada para a Reforma, o desenrolar dos fatos, causados pela Palavra de Deus, envolve Lutero cada vez mais. Ele se vê lançado para dentro da lógica da Palavra de Deus. Ele não consegue dominar as conseqüências do vigor da mesma. Os acontecimentos se precipitam. Lutero, embora profundamente assustado, afirma:
¨Se a obra (da Reforma) é de Deus, quem a pode barrar? Se ela não é de Deus, quem a pode promover? Não a minha, nem a sua, nem a nossa, mas a tua vontade seja feita, Pai nosso que estás no céu.¨
Deus lhe concede a certeza de que tem cuidado dele em tudo, de modo maravilhoso. E Lutero conclui
¨senão eu já teria perecido há muito tempo¨.
Por isso não se justifica, nem pede licença, mas comunica de forma lapidar ao seu governador:
¨Vossa Mercê sabe — ou, se o ignora, queira agora receber esta informação — que eu tenho o Evangelho não por parte dos homens, mas sim do céu, através do nosso Senhor Jesus Cristo …, destarte eu poderia ter me gabado e chamado (o que futuramente farei) de servo (de Deus) e evangelista.¨
¨MALDITO AQUELE QUE AGORA É PREGUIÇOSO¨
O próprio Evangelho lhe mostra como ¨sofre misérias¨, o que impede Lutero de ¨rastejar de volta para a sua toca¨ como fizera Johannes von Staupitz, seu vigário-geral confidente, seu confessor e professor. Não pode deixar o Evangelho sozinho no fogo cruzado, ele precisa ¨salvá-lo¨. Jesus Cristo mesmo lhe mostra como está sendo ¨condenado, despido e escarnecido¨ e como, no seu sofrimento, olha à esquerda e à direita para ver quem o reconhece.
¨Falou o Senhor Deus, quem não profetizará?¨ (Am 3. 8). Como o profeta Amós, tampouco Lutero consegue silenciar. Calar seria abjurar a Deus, ofender a Jesus Cristo e rejeitar o Espírito Santo que dá coragem e elimina a falsa humildade. Está na hora de gritar, pois, ¨hoje em dia, tudo que se trata com calma, de pronto cai no esquecimento¨. E logo convoca também os companheiros:
¨Maldito aquele que agora é preguiçoso!¨
¨Não há mais tempo de pensar em perigo ou salvamento. Agora, a nossa única preocupação é evitar que o Evangelho se torne escárnio dos malvados, porque nós não arriscamos confessar (perante a opinião pública) aquilo que temos ensinado (nas salas de aula), temendo perder a vida em consequência disto.¨
Ser ativo significa para Lutero:
1) levar a Palavra de Deus, a automotriz, às pessoas, de viva voz e impressa:
¨Apenas acionei a Palavra de Deus, preguei e escrevi; no mais, nada fiz … Esta fez tanto … enquanto eu estava dormindo¨, ou ¨bebendo cerveja … Não fiz nada; a Palavra fez e conseguiu tudo … Eu deixei a Palavra agir¨;
2) interceder pelo curso do Evangelho no mundo. O único que ainda pode e deve ser feito é que a gente
¨apóie o Evangelho com as suas orações¨.
Quem tem muito a fazer, ora muito. Lutero dá o exemplo; um dos seus convivas relata: ¨Não passa dia algum, em que ele, no mínimo, não use três horas das mais convenientes para o estudo, para a oração¨;
3) antes de tudo, porém, o muito engraçado — a folga oriunda da fé, que dissipa o afobamento, deixa tomar uma cerveja em calma, proporciona sono profundo no meio da confusão e sangue frio no aperreio:
¨Serve-se a Deus folgando, sim, de nenhum outro jeito melhor do que folgando.¨
AINDA ASSIM, DEUS ATUA SOZINHO
Tudo isso, no entanto, porque Lutero foi inabalavelmente convencido por Deus de que
este mesmo ¨deve aqui atuar sozinho sem preocupação e interferência de homens¨. Deus, às vezes, abandona os vultos ¨para que se veja que ele sozinho é quem pode proteger o Evangelho. Nós, por acaso, nos imaginamos o seu baluarte? Nem durante uma horinha o somos!¨
Resta a Lutero confessar: ¨O Senhor, ele próprio, é o único autor e tutor da sua Palavra.¨ Ele ¨o (o movimento da Reforma) começou, isto eu sei; ele o terminará, isto eu creio.¨
Para Lutero, a Igreja, seu governo e renovação pertencem ao Credo:
¨A Igreja está sendo regida e mantida exclusivamente por Deus, é evidente que ela não é regida e mantida por nós. Todavia, Deus a rege de maneira maravilhosa: ele a esconde sob o invólucro: ‘Eu creio’.¨
Em momentos de grande crise, por exemplo durante a Dieta de Augsburgo, Lutero simplesmente confia:
¨Deus pode ressuscitar os mortos. Ele pode também conservar a sua causa, quando ela está em declínio; quando cai, levantá-la de novo; e quando está de pé, continuá-la.¨
Sim, sabendo em risco a causa e honra do Senhor Deus, Lutero chega a desafiar, numa carta ao seu governador presente em Augsburgo:
¨Eu desejo ver aqueles que querem vencer o próprio Deus … Em nome de Deus, que venham! Está escrito: ‘Os homens sanguinários e fraudulentos não chegarão à metade dos seus dias’ (Sl 55. 24). A gente tem de deixar que comecem e ameacem, mas terminar e executar — isto não lograrão.¨
ALEGRE DESPREOCUPAÇÃO
Aí reside o permanente motivo para a alegre despreocupação de Lutero. Ele não procura nada, contudo Deus sim. Não é Lutero que ganha ou perde, mas Deus. Por isso:
¨Deixamos a tristeza e a sua agitação¨ para outros. ¨Nós queremos suportar essa batalha como pessoas que se preocupam com coisas totalmente diferentes. É assunto de Deus, é preocupação de Deus, é vitória de Deus, é glória de Deus; ele lutará e vencerá — sem nós.¨
Já que Deus se ergue e entra na arena, é tranqüilo:
¨Ventas vincet — A verdade (livre, pura e revelada) vence.¨ ¨A verdade se salva com o seu próprio braço.¨
Esse fato impele Lutero a constatar:
¨Agora é a hora em que o Reino de Deus consiste não em palavras, mas em poder.¨
O EVANGELHO É IRRESISTIVEL
Como assim? O Evangelho ¨irrompeu¨, ¨nasceu¨ sobre todo o povo tal qual o sol da manhã; ele ¨aumenta¨, ¨corre¨, ¨repreende¨, ¨governa¨ e ¨traz frutos¨:
¨Cria em toda a parte corações livres e corajosos.¨ ¨Das pedras suscita filhos.¨
Vale em verdade o que se lê no profeta Isaías: ¨Os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos os meus caminhos, diz o Senhor¨ (Is 55. 8). Não há outra explicação para o fenômeno da Reforma. Neste sentido, o velho Lutero articula, olhando para trás — e é nítido como ainda agora está se admirando:
¨É um Deus esquisito. Não podemos falar nada (dele), pois está escrito (Êx 33. 23): A minha face não se verá, o que eu pretendo, tu não o deves saber; tu me verás pelas costas, quando eu o fiz então tu o verás, jamais antes.¨
Em anos anteriores, Lutero até tinha descrito tal realidade com maior profundidade:
¨Cristo, que começou a sua obra sem o nosso conselho, a levará a cabo contra o nosso conselho.¨
As veredas do ¨Deus esquisito¨ são, por princípio, contrárias a todo e qualquer pensar, querer e desejar humanos. Justo as conquistas e os brios, as convicções e os princípios dos piedosos ele derruba.
Ao ¨Deus esquisito¨ corresponde a paz esquisita, que proporciona onde, aparentemente, não há paz: no meio das aflições e tentações. Não tem paz aquele a quem nada atrapalha — isto seria a paz do mundo —, mas este que é atrapalhado por tudo e todos e que, no entanto, aguenta isto com alegria. A cruz deixa de ser cruz quando é bem-vinda.
A Palavra de Deus provoca tal inversão dos conceitos e valores, ela vira a existência humana de pernas para o ar. A Palavra é impetuosa, radical e fatal. Ela não atura nada, incrimina sem exceção; ela devora, arranca, derriba (cf. Jr 1. 10). É este ¨o seu característico¨:
¨espada, guerra, subversão, escândalo, destruição, veneno e — como diz Amós (certo é: Os 13. 7s) — : como leopardo espreito no caminho, e como ursa, roubada dos filhos que ataca.¨
A Palavra de Deus é irresistível. Lutero, caso quisesse, não conseguiria mais parar esta ¨revolução bem-aventurada¨:
¨É a Palavra de Deus, que — sem dúvida alguma — permanecerá … e nós também permaneceremos todos os que nele se agarram e nele crêem, independente de que nós (pessoalmente), entrementes, devemos chegar ao fracasso e ao sono da morte.¨
É patente, Deus soltou a sua Palavra. Esta ¨não voltará para¨ ele ¨vazia, mas fará o que¨ lhe ¨apraz, e prosperará naquilo para que a¨ designou (Is 55. 11).
E Lutero? Deus o usa como ¨instrumento morto¨ ou o ¨põe de lado¨ — bem como ele quiser. Para Lutero tanto faz; ele está calmo e alegre. Lutero não mistura a sua pessoa com a sua pregação. Ele as mantém rigorosamente separadas.
QUEM É LUTERO, AFINAL?
Por isso detesta, de fundo do seu coração, o conceito ¨cristãos luteranos¨:
Os verdadeiros luteranos ¨largam Lutero, seja ele um safado ou um santo¨. ¨Deus pode falar … por Balaão …, por Caifás e Pedro, até por um jumento. Partidário deste sou, pois eu mesmo não conheço Lutero, nem o quero conhecer, também não prego nada dele, mas de Cristo¨.
E implora
¨que se silencie do meu nome e não se chame de luterano. O que é Lutero? A pregação/doutrina não é minha. Também não fui crucificado por ninguém … Como eu, pobre e fedorento saco de vermes, poderia chegar a que os filhos de Cristo fossem chamados com meu infame nome… Vamos eliminar os nomes partidários e nos chamar de cristãos, cuja (de Cristo) pregação/doutrina temos. Eu não sou nem quero ser mestre de ninguém¨.
Nunca se atribui ou admite o título de reformador; de vez em quando, porém, com grande relutância, se diz profeta:
¨Ouve-se como profeta exclusivamente a Cristo.¨ ¨Eu tenho uma profecia, a saber, esta de que a Palavra de Deus é verdadeira.¨
PECADOR, MAS EVANGELISTA DE CRISTO
Quem é Lutero, afinal? O que está no quadro daquela igreja em Wittenberg: o que aponta para Jesus Cristo, um tipo de João Batista (Jo 1. 29. 36), ou melhor, um tipo de capitão ao pé da cruz de Jesus (Lc 23. 47).
Existe clara consciência em Lutero da tarefa com a qual Deus o encarregou:
¨Pastor em Wittenberg, pela graça de Deus¨; ¨evangelista indigno de Cristo, meu Senhor.¨
¨Eu sei que não sigo aquilo que prego¨, e que ¨o maior teólogo é simultaneamente o maior pecador¨.
¨É verdade que somos pecadores e ingratos mas, por causa disto, ele (Deus) de jeito nenhum se torna mentiroso. De resto, nós não podemos ser pecadores em uma coisa tão santa e divina (a Reforma, suscitada por Deus), embora sendo, em outras coisas, maus em nossos caminhos.¨
Lutero destaca a sua condição pessoal, ¨escória e imundície do pecado¨, em oposição à missão recebida de Deus de honrar a sua Palavra, que sonda as coisas e lhes dá nome, e de colocar a verdade como ela é: ¨simples, livre, pura e sem rodeios¨. Lutero insiste nesta parte até a exaustão por dois motivos.
Primeiro, nota que Waldus, Wiclif, Hus e Savonarola visaram mais a vida do que, como ele, à pregação/doutrina da Igreja.
¨CONHECIDO NO CÉU, NA TERRA E NO INFERNO¨
Segundo, no fato de que Deus o emprega tal qual é e continua sendo, para Lutero se evidencia a Divindade de Deus que consiste em misericórdia, cujo poder não tem limites e em poder sem limites, cuja natureza é misericórdia. Deus coloca o seu tesouroem vasos vazios e de barro para que este, por contraste, apareça (cf. II Co 4. 7). Ele reduz — através do tolo e fraco, do desavergonhado e desprezado — a nada o que se acha alguém (cf. I Co 1. 26ss). Só desta feita fica cristalino que exclusivamente Deus está agindo. Assim Lutero chega a não confiar na carne (cf. Fp 3. 3), ele percebe que quanto mais se gloria nas suas fraquezas (cf. II Co 11. 30; 12. 5. 9) tanto mais se gloria no Senhor (cf. 1 Co 1.31). Daí se vê constrangido a enaltecer tudo o que este está lhe concedendo e através dele a outros. Humildade, agora, seria blasfêmia, e ¨negar o carisma que Deus¨ lhe ¨deu¨, soberba. Pela graça de Deus é o que é (cf. I Co 15. 10). Neste espírito de-clara:
¨Minha pregação/doutrina é a parte principal, nela teimo não apenas contra os príncipes e reis, mas também contra todos os diabos … A outra parte, minha vida … , sei muito bem que é pecaminosa e não constitui nenhum motivo para alguma teimosia. Eu sou um pobre pecador e deixo, despreocupado, os meus inimigos serem santos e anjos … Em relação à minha pregação/doutrina sou muito, muito, muito mais orgulho, duro e vaidoso perante diabo, imperador, rei e todo o mundo. Em relação à minha vida, no entanto, sou humilde e sujeito a qualquer criança.¨
¨Ralhe, calunie, julgue a mim pessoalmente, à vontade, quem quiser; isto já lhe é perdoado. Contudo, ninguém conte com a minha benevolência ou paciência se intenciona tornar mentirosos o meu Senhor Jesus Cristo, pregado por mim, ou o Espírito Santo. Eu não importo, mas vou defender — com coração alegre e coragem desdobrada, sem acepção de pessoas — a Palavra de Cristo. Para tal fim Deus me deu espírito vivo e intrépido, e espero, aliás para sempre, que não vão conseguir enfraquecê-lo.¨
No seu testamento, quatro anos antes da sua morte, Lutero coloca:
¨Deixem-me ser a pessoa que … sou: amplamente conhecido no céu, na terra e também no inferno¨, porque ¨Deus, o Pai de toda a misericórdia, confiou a mim — pecador condenado, pobre, indigno, miserável — o Evangelho do seu querido Filho; além disto me fez nele fiel e honesto, até agora, assim me conservou e encontrou, de maneira que muitos no mundo o (o Evangelho) aceitaram por meu intermédio e me consideram um professor da verdade, não obstante a bula de excomunhão do papa, a ira do imperador, de reis, príncipes, padrecos, sim, de todos os diabos.¨
¨QUEM ME DESPREZAR, SERÁ DESPREZADO¨
Contudo, o fundamental: Lutero sabe que o Evangelho chega a nós incorporado em Jesus Cristo. Sempre de novo, o Evangelho toma corpo. Evangelho sem corpo é ilusão. Porque é vivo, não é abstrato. Em vez de interpretar, transforma ¨a terra e tudo que nela se contém¨ (S1 24. 1) .
Imperioso insiste na obediência das gentes. Por isso Lutero encerra ¨Do arbítrio escravizado¨ — único livro entre as centenas de suas publicações que, junto com os Catecismos, queria que ficasse para a posteridade — da seguinte forma:
¨Eu não tenho colecionado (conceitos filosóficos) neste livro, mas (baseado nas Escrituras Sagradas) afirmado e assegurado, o que (agora) faço mais uma vez e para o que não desejo parecer de ninguém: aconselho a todos que obedeçam.¨
Em se tratando do Evangelho incorporado, Lutero ¨insta, quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta com toda a longanimidade¨ (II Tm 4. 2);
¨Não digo que eu seja um profeta. Digo, no entanto, que eles têm tanto mais a temer … quanto mais me desprezam e pregam a si próprios … Embora não sendo eu um profeta, estou certo para mim mesmo, que a Palavra de Deus está comigo e não com eles (que me desprezam e pregam a si próprios).¨
¨E ainda que nós (pessoalmente) merecemos que nos desprezem, mesmo assim não devem desprezar os salmos, os apóstolos e o próprio Cristo (que nós pregamos).¨
Por conseguinte: ¨Serei eu desprezado, chegará um que, por seu turno, desprezará o desprezador.¨
¨MINHA DOUTRINA DEVORARÁ VOSSA MERCʨ
Em nenhuma outra explanação Lutero fala tão plástico e drástico a esse respeito do que na carta ao Rei da Inglaterra:
¨Pelo amor de Deus, eu peço mais uma vez: se é possível a Vossa Mercê, então não se meta com Lutero. Em verdade não é a Lutero que caça. Vossa Mercê … terá de deixar … intocada a pregação/doutrina de Lutero, inclusive se Vossa Mercê aparecesse com dez mundos. Meu corpo é logo esfolado, mas a minha pregação/doutrina esfolará e devorará a Vossa Mercê. E isto para que se note … de quem é minha pregação/doutrina, já que ela até o presente momento tem se defendido ao ponto de que ninguém a conseguiu alquebrar e tem permanecido intrépida e invicta em meio de alguma tempestade.¨
E não continua assim até hoje?
*Originalmente publicado IN: Grande Sinal. Revista de Espiritualidade, Petrópolis, 37 (9/10): 670 – 682, 1983
Fontes:
LITERATURA CONSULTADA PARA ESTE ENSAIO
LUTHER, Martin. Ausgewählte Werke (¨Münchner Ausgabe¨)3, Chr. Kaiser Verlag München, 1951ss. passim; em especial: Ergänzungsreihe I, p. 248ss
LUTHER, Martin. Briefe von der Veste Coburg4, idem, 1967, passim
(FAUSEL, Heinrich.), D. Martin Luther (Der Reformator im Kampf um Evangelium und Kirche. Sein Werden und Wirken im Spiegel eigener Zeugnisse)2, Calwer Verlag, 1955, passim; em especial: 65 — 280
(A. B.), Coletâneas de Citações de Martim Lutero (particular).
Ensaios:
CAMPENHAUSEN, Hans Freiherr von. Reformatorisches Selbstbewusstsein und reformatorisches Geschichtsbewusstsein bei Luther 1517 — 1522. IN: Tradition und Leben. Tübingen, J. C. B. Mohr, 1960, p. 318ss
IWAND, Hans Joachim. Martin Luther — Der Kampf um die reine Lehre. IN: Am Kampf um die Erneuerung der Kirche. Moers, Neukirchener Verlag, 1959, p. 20ss
SCHEMPP, Paul. Der Mensch Luther als theologisches Problem. IN: Gesammelte Aufsätze, München, Chr. Kaiser Verlag, 1960, p. 258ss
SCHEMPP, Paul. Luthers Stellung zur Heiligen Schrift. IN: Theologische Entwürfe, München, Chr. Kaiser Verlag, 1973, 10ss.
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