Proclamar Libertação – Volume 35
Prédica: Mateus 10.40-42
Leituras: Jeremias 28.5-9 e Romanos 6.12-23
Autora: Ângela Lenke
Data Litúrgica: 2º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 26/06/2011
1. Introdução
Entre o texto de Jeremias e de Romanos temos o texto que aponta o fio principal de nossa reflexão. Jeremias, um profeta fiel e corajoso para trazer o povo de Deus exilado na Babilônia para junto de Deus, revela que é um profeta que não dá falsas esperanças, aponta para o pecado e a volta a Jerusalém por causa da misericórdia de Deus.
Romanos 6 traz a mensagem muito clara de que estamos sob a graça de Deus; portanto o pecado precisa ser abandonado. No passado, fomos servos e escravos do pecado, mas agora é preciso andar como verdadeiro discípulo de Jesus, que segue a verdadeira justiça e não a justiça do pecado. O antigo pecado está morto pela obra de Cristo.
Mateus 10.40-42 é a mensagem carinhosa e confortante de Jesus para aqueles que servem a ele como Senhor e Salvador. Ele é o profeta principal.
2. Exegese
V. 40 – “Quem vos recebe, a mim me recebe; e quem me recebe, recebe aquele que me enviou.” A boa-nova desse versículo é que receber Jesus Cristo significa receber Deus e a salvação que ele oferece. Receber Jesus Cristo é o mais importante. Ele vem em primeiro lugar, porque, recebendo-o, recebe-se Deus. Quem cumpre a tarefa do fazer conhecido o nome de Jesus Cristo são os discípulos; assim encoraja seus amados discípulos, afirmando quão nobre é a sua vocação. O fato de receber os discípulos revela a intimidade de Jesus com seus discípulos. Jesus os encoraja, mostrando-lhes que quem os recebe tem a salvação. Assim, Jesus mostra aos discípulos quão elevada posição ocupam. O verdadeiro discípulo sustém as relações com Deus e aponta que a cruz que levam é fonte de bênção, apesar das perseguições, abdicações e sofrimentos (2Tm 1.7-9a).
V. 41 – “Quem recebe um profeta na qualidade de profeta receberá a recompensa de profeta; quem recebe um justo na qualidade de justo receberá a recompensa de justo.” A figura do profeta, desde o Antigo Testamento, é respeitada. Para nós ministros, não é novidade que no Antigo Testamento o profeta era o elo entre o povo e Deus. Não apenas transmitia a mensagem de Deus para o presente, mas com autoridade anunciava o futuro, julgava as ações do povo em forma de denúncia. No Novo Testamento, o profeta tem o ministério mais elevado após os apóstolos. Jesus classificava João Batista como o maior dos profetas, sendo que João Batista nem fez milagres e suas profecias foram poucas. A profecia é dom, em que a autoridade e a orientação vêm diretamente do Espírito Santo. Os profetas eram instrumentos especiais de anúncio e denúncia.
No texto, Jesus declara que receber um profeta significa receber a mensagem de Deus e deixar-se corrigir por sua palavra (2Tm 3.16s). Naturalmente, os apóstolos eram profetas; entretanto, outros também exerciam papel profético. Receber um profeta significa receber os benefícios vinculados ao profeta. Os escritos judaicos registram: “Aquele que recebe em sua casa um homem sábio ou presbítero é como se tivesse recebido o shekinah (a presença de Deus)” […] “Aquele que fala contra o pastor fiel é como se falasse contra o próprio Deus” (CHAMPLIN, p. 370).
Provavelmente, Jesus usa a expressão “Quem recebe um justo, no caráter de justo, receberá o galardão de justo”, para que as pessoas não tenham somente o cuidado em receber ministros ou profetas, mas todas as pessoas de bem, independentemente de seu serviço, classe social ou profissão. Assim, Jesus inclui todo servo e discípulo fiel de seu reino.
O galardão prometido a quem recebe profetas ou justos refere-se às bênçãos neste mundo, mas principalmente ao mundo vindouro.
V. 42 – “E aquele que der até mesmo um copo de água fresca a um desses pequeninos, na qualidade de discípulo, em verdade vos digo que de modo algum perderá a sua recompensa.” Considerando a região seca e quente de Israel, era uma atitude hospitaleira quando um judeu dava um copo de água fria em vez de água normal ou quente. Isso envolvia todo um cuidado com a água. Quem era considerado importante recebia água fria para saciar sua sede.
Jesus chama seus discípulos de “pequeninos”, expressão usada pelos rabinos para com seus alunos. Ele sabia da fraqueza e do medo de seus discípulos. É uma forma carinhosa, simpática e misericordiosa de chamar assim a quem se quer bem. “Todo aquele que lhes mostrasse misericórdia, que lhes prestasse algum serviço, ainda que pequeno, ajudando-os no caminho e aliviando-lhes a sede, não deixaria de ser notado por Deus e ser abençoado física e espiritualmente” (CHAMPLIN, p. 371).
Nota-se, nesse texto de Mateus 10.40-42, uma escala descendente, segundo Champlin:
1. Receber um profeta; 2. Receber uma pessoa justa; 3. Receber um “pequenino”.
Entretanto, analisando o texto, a escala seria:
1. Receber Jesus Cristo; 2. Receber um profeta; 3. Receber uma pessoa justa; 4. Receber um “pequenino”/discípulo.
O galardão (= a recompensa) será dado àqueles que receberem e servirem a Jesus Cristo, porque é em seu nome que os discípulos agem e, recebendo a ele, recebe-se o próprio Deus.
3. Meditação
“Quem vos recebe, a mim me recebe; e quem me recebe, recebe aquele que me enviou” (Mt 10.40). Todos nós que somos os fiéis discípulos e testemunhas de Jesus Cristo são englobados nessa expressão de proteção e encorajamento de Jesus Cristo. Jesus sabia que muitos não receberiam seus discípulos, que muitos iriam apontar dedos acusando-os (Mc 14.66s). Nos primeiros séculos da fé cristã, não foi diferente. Muitos cristãos não foram recebidos, muitos morreram. Os anos passaram e, ainda hoje, é um desafio, especialmente nas cidades, ser recebido para evangelizar, para ter um pouco de atenção das pessoas que são ou não cristãs. Devemos levar em consideração que essa palavra de Jesus também pode significar que é necessário recebê-lo em nosso coração e em nosso convívio familiar.
Quem receber um profeta, uma pessoa justa ou algum “pequenino” discípulo tem a promessa da recompensa. “Quem recebe um profeta na qualidade de profeta receberá a recompensa de profeta; quem recebe um justo na qualidade de justo receberá a recompensa de justo” (Mt 10.41). Temos aí algo muito delicado a tratar enquanto Igreja Evangélica de Confissão Luterana. O ser humano aspira por poder, saber e ter. A competição é ensinada desde cedo e parece ser tratada como normalidade. As crianças são educadas a fazer para poder receber. A teologia da prosperidade vinga mundo afora. As pessoas estão carentes e acham que tudo se resume numa troca. Acontece que Deus não faz trocas, não negocia. E muitos ainda pensam que receber alguém renderá um benefício no futuro. Deus salvou-nos por graça, e receber alguém em seu nome é resultado da gratidão. O galardão, ou seja, a recompensa é andar diante de Deus com a consciência e o coração limpos e certo de que está praticando seu discipulado. A recompensa será como eu receber e tratar quem vem em nome de Deus.
Como reconhecer e receber um enviado de Deus? Será que essa não é a pergunta de milhões de pessoas? Sempre houve profetas, mas entre eles houve profetas falsos. O texto de Jeremias 28. 5-9 esclarece que a veracidade da profecia é comprovada com o tempo: “O profeta que profetizar paz, só ao cumprir-se a sua palavra, será conhecido como profeta, de fato, enviado do Senhor” (Jr 28.9). Jesus nos alerta: “Acautelai-vos dos falsos profetas” (Mt 7.15); “…levantar-se-ão muitos falsos profetas” (24.11); “Surgirão falsos cristãos e falsos profetas” (Mc 13.22). Também o apóstolo Paulo orienta: “…tais sãos falsos apóstolos, obreiros…”. O verdadeiro profeta e cristão que deseja ser recebido e precisa entrar nos lares e nas comunidades cristãs é aquele que ensina o puro e reto evangelho, para o qual basta somente a Escritura, somente a graça, somente Jesus Cristo e somente a fé.
Muitas pessoas já me disseram que não abrem as portas de suas casas por causa da insegurança, especialmente nas cidades. Cada ovelha deveria conhecer seu pastor. Cada ovelha precisa receber o alimento que sua igreja oferece para que outros profetas (e podem ser falsos) não os afastem com outras ovelhas para outros pastos. Enquanto isso, há também pessoas tão frias e materialistas, que já deixaram seu coração e sua fé esfriarem, que nem ouvem ou fazem de conta que não ouvem quando Jesus bate à porta e deseja ser recebido em seu coração e em suas casas. Onde está a insegurança? Parece que até queremos estar seguros de que mandamos quando Jesus pode ou não entrar em nossa vida e na vida das outras pessoas, esquecendo que Deus veio ao nosso encontro e nos alcançou por graça.
Havemos de esperar outra recompensa? Havemos de servir para receber recompensa? A Escritura nos diz: “… mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 6.23b). Não receber um dos “pequeninos” de Jesus é desobedecer à sua ordem, o que implica pecado, e pecado é tentar viver escondido de Deus, como fez Adão. E a Escritura adverte: “… o pecado não terá domínio sobre vós, pois não estais debaixo da lei, e sim da graça” (Rm 6.14).
Somos alcançados pela graça de Cristo, que morreu por nós. Então, como ficam nossas ações? O cristão sabe que “a fé é ativa no amor” (Gl 5.6). Por isso nossas ações sempre precisam ser fruto de nossa fé em Jesus Cristo, que nos ensinou como servir através dos diferentes dons. Todo cristão é chamado para servir como resposta de sua alegria em saber que foi salvo gratuitamente através de Cristo. Um gesto pequeno, como dar um copo de água, feito sem a intenção de receber recompensa, pelo contrário, feito agindo em nome de discípulo de Jesus Cristo, “Ele que vê tudo” saberá dar a recompensa. Enquanto isso, não precisamos ficar ansiosos. Façamos tudo, em palavra e em ação, com moderação (Fp 4.5; 2Tm 1.7), e em nome de Jesus Cristo, dando por ele graças a Deus Pai (Cl 3.17).
“E aquele que der até mesmo um copo de água fresca a um desses pequeninos, na qualidade de discípulo, em verdade vos digo que de modo algum perderá a sua recompensa” (Mt 10.42).
Ainda hoje temos realidades de seca, como da Palestina, e mesmo que moremos em área privilegiada nem sempre temos coragem e disposição para dar um copo d’água a alguém que vem de fora. Cada pessoa na comunidade é chamada a servir e a dar do que tem. A água é o elemento básico, mas na comunidade nem sempre temos pessoas dispostas a dar um pouco do que possuem em prol do reino de Deus, do anúncio do evangelho. A vida perde sua dignidade na frente de nossos olhos, sem que compartilhemos o que temos e sentimos.
É necessário que nos perguntemos que recompensa os pais e as mães têm recebido dos filhos em sua velhice? Que recompensa têm recebido as crianças amáveis, que são curiosas por natureza como um dia fomos, que nascem sem saber se terão carinho, cuidado, proteção, alimento e educação? Que recompensa tem recebido a pessoa honesta que vota, que paga os impostos, que conduz sua família com fidelidade? Se olharmos a situação de cada pessoa/cidadão, com certeza podemos concluir que falhamos, que não conseguimos por nossas forças e capacidades controlar as carências e a corrupção, saciar a miséria e aliviar o sofrimento de tantas pessoas e da criação de Deus. Assim chegamos à conclusão de que somos, sim, instrumentos de justiça e misericórdia neste mundo, mas a verdadeira recompensa é a vida eterna.
4. Imagens para a prédica
* Um dos textos que ajudará a ilustrar essa pregação é a parábola que Jesus conta em Mateus 25.31- 46. Esse texto aparece só no Evangelho de Mateus, assim como o evangelho indicado para o dia: Mateus 10.40-42. * O livro Um olhar para o Vale 3, organizado por Osvino Toillier, tem uma boa reflexão que poderá ajudar na mensagem do culto (veja p. 27). 5 Subsídios litúrgicos
Confissão de pecados:
Querido e misericordioso Deus, confessamos que deixamos a desejar em receber tua palavra e os que o Senhor envia para nos anunciar o evangelho. Deixamos a desejar quando, no dia-a-dia, esperamos recompensa. Somos fracos ao tentar enganar as outras pessoas, querendo sempre vantagens para nós mesmos. Pecamos quando não servimos em amor, quando negamos ajuda e quando não amamos quem o Senhor confiou aos nossos cuidados e para nossa companhia. Pecamos quando não recebemos nossos familiares e irmãos da tua igreja. Falhamos quando fechamos nosso coração para ti, quando ousamos o poder e aautossuficiência. Ajuda-nos, Senhor! Tem misericórdia de nós e perdoa os nossos pecados. Amém.
Bênção:
O Senhor derrame sobre ti a sua paz.
O Senhor te dê sensibilidade para perceber os dons ofertados a ti.
O Senhor te ensine a amar sem esperar recompensa.
O Senhor te ensine a servir com justiça e misericórdia.
O Senhor te acalme quando estiveres eufórico, achando que tudo depende de ti.
O Senhor te ofereça segurança e fé.
O Senhor te carregue quando estiveres cansado.
O Senhor seja tua fortaleza e porto seguro nas horas de dor, dúvida e sofrimento.
O Senhor seja a fonte de alegria da tua vida e a razão para servi-lo.
O Senhor seja contigo em todos os teus caminhos, para todo o sempre.
Assim te abençoe o Pai, e o Filho, e o Espírito Santo. Amém.
Bibliografia
CAMPLIN, Russel Norman. O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo. V. 1. São Paulo: Ed. Hagnos, 2002.
CHAMPLIN, Russel Norman. O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo. V. 4. São Paulo: Ed. Hagnos, 2002.
TOILLIER, Osvino (org.). Um Olhar para o Vale: 100 Mensagens de Fé, Esperança e Amor. 3.ed. São Leopoldo: Sinodal, 2004.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).