Proclamar Libertação – Volume 32
Prédica: Mateus 11.2-11
Leituras: Isaías 35.1-10 e Tiago 5.7-10 (11)
Autor: Heloisa Gralow Dalferth
Data Litúrgica: 3º Domingo do Advento
Data da Pregação: 16/12/2007
Tema: Advento
1. Breve introdução
O nosso texto para prédica bem como os textos previstos como leituras bíblicas já foram trabalhados nos PLs 3 (p. 215s.), 21 (p. 30s.) e 27 (p. 22s.).
Neste estudo, eu procurei concentrar-me nas informações do Evangelho de Mateus ou de João Batista, bem como no estudo da perícope, que podem ser usadas na prédica neste 3º Domingo de Advento.
2. O autor do evangelho
Este evangelho foi escrito por Mateus, um dos discípulos de Jesus (Mt 9.9 e Mt 10.3), um cobrador de impostos convertido de Cafarnaum. Nos evangelhos de Marcos e Lucas, o nome desse cobrador de impostos é Levi. Provavelmente Jesus lhe deu esse “novo nome”, Mateus, que significa “dádiva de Deus”. No entanto, não se tem plena certeza se realmente se trata da mesma pessoa. Mateus parece ter sido um homem de posses. Em seu evangelho, ele mesmo não menciona a grande festa (um banquete em sua casa) que ele dá quando é chamado para o discipulado (Lc 5.29), nem o sacrifício pessoal que o “ser discípulo” significou para ele no início.
Também no livro de Atos dos Apóstolos, Mateus é mencionado uma vez (At 1.13), mas nada mais acerca de sua obra e atuação posterior. Nem as cartas neotestamentárias fazem qualquer menção sobre ele. Caso ele não tivesse escrito esse evangelho, teríamos tão poucas informações acerca de sua pessoa como temos dos outros discípulos.
3. Local de redação – as comunidades de Mateus
O Evangelho de Mateus foi escrito para comunidades judaico-cristãs da diáspora judaica, provavelmente da Síria. As comunidades de Mateus, cujos membros de judeus e judias criam firmemente no Messias, em Jesus como filho de Deus (conforme Mt 1.2), são a parte do judaísmo que luta pelo futuro da fé e da vida judaica depois da destruição de Jerusalém e do Templo por parte do poder romano.1
Nos primeiros séculos, o judaísmo não era de forma alguma uma unidade, mas era representado por um grande número de comunidades locais, com diferenças significativas. Não basta simplesmente diferenciar entre comunidades judaico-cristãs e gentílico-cristãs. Havia comunidades judaicas e judaico-cristãs que tiveram abertura para com comunidades gentílico-cristãs. No primeiro e no segundo séculos, era assim que pessoas que se entendiam como seguidoras do “Jesus Messias” contavam, assim como os judaico-cristãos para o judaísmo. Esse convívio de tradições não era de forma alguma sempre pacífico. E o Evangelho de Mateus surgiu em um momento de conflitos entre as diversas comunidades judaicas/judaico-cristãs/judaico-gentílicas, tanto por questões conflitantes dentro do judaísmo cristão como por questões entre as comunidades em si.2
Mateus tem um grande interesse em mostrar Jesus de Nazaré como aquele Messias anunciado pelos profetas do Antigo Testamento. Mateus quer-nos mostrar Jesus como “Rei”. A palavra “Rei” (reino) aparece 55 vezes em seu evangelho, “reino dos céus”, 32 vezes, e “filho de Davi”, sete vezes.
Segundo Mateus, o “evangelho do reino” que Jesus e seus discípulos pregavam (Mt 4.23; 10.7) significava a vinda próxima visível de um reino político e espiritual ao mesmo tempo aqui na terra, no qual Jesus, como filho de Davi, deveria reinar. Quando o povo judeu o rejeitou como seu Messias e Rei, o evangelista acentuou o evangelho como mensagem da salvação de todos os perdidos através de Cristo. O Evangelho de Mateus passou a ser o “evangelho da graça de Deus” para todas as pessoas.
4. Nossa perícope
Já no início, o texto espelha a intenção do evangelista Mateus em seu evangelho. A pergunta que João Batista pede a seus discípulos para fazer a Jesus – “És tu aquele que estava para vir?” – é a pergunta pela certeza se Jesus é o Messias, o Rei que todos estavam esperando. Interessante é a situação na qual João se encontra quando ouve falar das “obras de Cristo”: ele está preso e sabe que não deixará a prisão com vida. Até parece que finalmente a boca desse “pregador de penitências” foi calada.
Mas não somente a situação de João Batista está complicada. Também dentro dele há inquietação e dúvida. Ele preparou o caminho de Jesus, batizou-o. Mas a incerteza se Jesus era realmente o Messias parece ter tomado conta dele.
Certamente lhe veio a pergunta: “Será que a minha pregação e o engajamento de minha vida foram em vão?”.
O João Batista de nosso texto está bem mais próximo de nós do que o “pregador de penitências”, aquele homem forte e robusto que vivia no deserto, alimentando-se de mel silvestre e gafanhotos. Aqui nos vem alguém frágil, com medo e com dúvidas. A sua fé vacila. Parece que o sentido de sua vida
– “preparar o caminho do Senhor” – perdeu seu sentido, caso esse “Jesus” nem seja o esperado Messias.
A pergunta e a dúvida de João Batista também não nos são tão estranhas nem distantes. Muitos cristãos e cristãs se perguntam: “É esse realmente o Messias, em quem podemos depositar as nossas esperanças? – Ou deveríamos antes esperar por um outro, por alguém que realmente ‘dá um jeito’ nesse mundo de guerras, injustiças, pobreza e morte… um Messias que realmente entende as nossas necessidades comuns e particulares?“. Ainda mais agora nesta época de Advento, quando todos se preparam para o Natal, para a festa da vinda do Messias, à espera de sinais ou ao menos “frestas” que permitem esperar uma mudança!
Permito-me refletir as questões acima de uma forma talvez até ousada: Graças a Deus que pessoas fazem perguntas e questionamentos; graças a Deus que pessoas procuram por sinais de esperança. E graças a Deus que nós conseguimos formular e externar essas ansiedades em vez de desistir ou resignar. João Batista poderia ter feito um “trato” com Herodes, pois naqueles tempos ele era um profeta bastante conhecido na região – e os “poderosos” precisavam de alianças com gente assim. Outra opção seria definhar em sua cela, resignando totalmente.
Mas o que ele faz? Em sua ansiedade e dúvida, ele dirige-se a Jesus. E Jesus lhe responde. Em sua resposta, Jesus mostra que ele não espera mera obediência das pessoas, mas as respeita e as leva a sério em suas dúvidas. Ele toma o cuidado para não machucar João. Ele não diz diretamente: “Sim, eu sou o Messias, mas eu não sou assim como tu o anunciaste. Tu não entendeste certo! Tu achaste que tudo estava ao alcance das pessoas, que elas poderiam arrepender-se e fazer tudo o que tu fosses pedir em nome de Deus”. Jesus teve cuidado em não feri-lo, externando-se de forma terapêutica nesse momento tão delicado de sua vida na prisão. A mensagem que chegou a João é que aquilo que ele esperou e pregou realmente acontecerá, mas de forma totalmente diferente daquela que ele imaginara.
Os discípulos de João relatam-lhe uma “corrente” de milagres, dos quais são testemunhas, os quais eles mesmos enxergam (não falam de ouvir falar), conforme Mateus 11.4b-5: “Ide, e anunciai a João o que estais ouvindo e vendo: Os cegos veem, os coxos andam, os leprosos são purificados, e aos pobres está sendo pregado o evangelho”. Essa é a “corrente” de milagres da qual já os profetas do Antigo Testamento falavam (confira Is 35.5-6; 61.1). Pessoas isoladas são reintegradas no convívio da comunidade; elas recuperam a esperança e a certeza de ser amadas por Deus; é-lhes devolvida a dignidade de vida, pois está escrito que aos pobres está sendo pregada a “boa-nova”.
Jesus enxergou as pessoas de outra forma. Ele viu como são pobres, frágeis e incapazes de se tornar “pessoas boas”. Ele viu suas limitações, e todos são incluídos em sua graça e em seu amor.
No último versículo de nossa perícope, João é elogiado: “Entre os nascidos de mulher, ninguém apareceu maior do que João Batista” (v. 11a). A intenção de João Batista foi reconhecida por Jesus, pois ele queria uma “vida nova” para as pessoas. A diferença em Jesus é que ele se deixou tocar em primeiro lugar pelas necessidades e ansiedades das pessoas e não por sua culpa ou por sua capacidade de arrependimento. Não são a ameaça nem o castigo que poderão ajudá-las, mas a graça, o perdão e o amor.
Graça, paz e amor – assim preparemos o caminho do Senhor neste Advento!
E a pergunta que temos sempre é: Sim, até queremos preparar o caminho do Senhor assim… Mas como? Daqui a alguns dias é Natal… Os preparativos correm em quase todos os lares do mundo, em muitas instituições. Mas com que perspectiva e com quais objetivos?
Alguns dias atrás, nós estivemos em Frankfurt, participando de um seminário. Visitamos muitas instituições e igrejas. E uma das visitas foi a um “lar para pessoas sem teto”, que fica junto a uma igreja perto da estação de trem.
O diácono responsável por esse trabalho contou-nos que essa igreja só tem condições de ser mantida por causa do trabalho diaconal com as pessoas sem teto organizado pela comunidade, pois recebem incentivo, doações e colaboração de muitas pessoas e entidades da cidade. O que mais me impressionou foi quando ele falou sobre como eles festejam, todos os anos, a noite de Natal:
Organizamos um culto, uma ceia, um estar juntos, aqui na igreja, aberto a todas as pessoas que querem vir. E vêm muitas pessoas sem teto se aquecer, se alimentar e procurar comunhão aqui na igreja. E também vêm muitas pessoas que residem aqui em Frankfurt, que têm um lar, um emprego, que poderiam muito bem festejar o Natal com a família, com amigos… ou fazer uma viagem. Mas o que elas fazem? Elas vêm a esta igreja à procura daquela paz e daquele calor que está tão difícil de ser encontrado. E muitas dessas pessoas dizem: “Somente aqui a noite de Natal faz sentido para mim. Agradeço a Deus por poder estar aqui”. E essas pessoas não só participam do programa oferecido, mas ficam por aqui durante muitas horas conversando, fortalecendo-se
mutuamente. Muitas até passam a noite aqui.
A visita àquela igreja e àquele lar para pessoas tão excluídas é um sinal visível de que também hoje o “reino de Deus está próximo”. Um sinal como aqueles sinais dos quais fala o nosso texto: “Os cegos veem, os coxos andam, os leprosos são purificados, e aos pobres está sendo pregado o evangelho”.
Falta muito para a plenitude – sim, com certeza. Mas a plenitude está com Deus. E nós certamente temos condições de ajudar a colocar alguns pequenos sinais de que um mundo melhor é possível.
As palavras de Jesus em nosso texto libertam-nos do medo de um Deus severo e autoritário, bem como da culpa. Em vez disso nos é apresentado um Deus gracioso, em quem podemos confiar sempre. Em liberdade, somos convidados a ser seus instrumentos, como sinal de gratidão, de fé e de amor. Amém.
5. Subsídios litúrgicos
Versículo bíblico para o Introito:
A saudação para este 3º Domingo de Advento são palavras do Antigo Testamento, mais precisamente do profeta Isaías (40.3 e 10): “Voz que clama do deserto: Preparai o caminho do Senhor; endireitai no ermo vereda a nosso Deus. Eis que o Senhor Deus virá com poder”.
Oração do dia:
Deus, Pai e Mãe! Mais uma vez celebramos Advento. Parece fazer parte do costume e tradição de todos os anos – um período que vem e passa. Mas é o tempo em que tu mesmo queres chegar a nós pessoas. Faça, ó Deus, que o Advento realmente venha a nós, em nossos corações, e que continue sendo Advento depois do Natal. Ouve a nossa oração e ajuda-nos a seguir o exemplo de João Batista: preparar o caminho de teu Filho Jesus e deixá-lo entrar em nossos corações. Amém.
Oração de intercessão:
Cristo Jesus, tu és Immanuel, o Deus conosco. Em gratidão chegamos a ti, e em liberdade nos abrimos e colocamos os nossos pedidos e ansiedades: Agradecemos-te porque vieste ao mundo. Deixa todos os cristãos e cristãs experimentarem a tua paz. Que mesmo em momentos de tristeza, dor, doença ou luto não se esqueçam que tu és Deus e que os entendes também em seu desespero. Nós clamamos a ti:
Com. – Ouve-nos, Deus, e tem piedade de nós.
Pedimos-te por todos os povos da Terra. Que as diferenças sejam vistas como enriquecimentos e não como motivos para discórdia. Nós clamamos a ti:
Com. – Ouve-nos, Deus, e tem piedade de nós.
Agradecemos-te pelos sinais de esperança e pela certeza de tua presença em todos os momentos de nossas vidas. Fortalece-nos para que possamos fortalecer principalmente as pessoas que mais necessitam, as pessoas excluídas pela sociedade. Perdoa-nos quando nós excluímos. Nós clamamos a ti:
Com. – Ouve-nos, Deus, e tem piedade de nós.
Que tenhamos coragem para denunciar injustiças e não calar por covardia. Que enxerguemos as necessidades dos irmãos e irmãs, de perto e de longe. Que não nos acomodemos em nossa rotina, mas que encontremos tempo para a nossa espiritualidade pessoal e motivação para o engajamento em favor de tua seara. Que nos lembremos que o caminho preparado por João Batista para a vinda de teu Filho ao mundo também vale para nós. Nós clamamos a ti:
Com. – Ouve-nos, Deus, e tem piedade de nós.
Ó Deus, segura-nos. Não nos deixes ir. Vem a nós em meio à inquietação e à agitação de nossas vidas. Que neste ano o teu Advento seja de paz, amor e esperança, para nós e para todas as pessoas. Tu, Jesus, nos ensinaste a orar assim: Pai nosso…
Bibliografia
1. GNADT, Martina S. Das Evangelium nach Matthäus. Judenchristliche Gemeinden im Widerstand gegen die Pax Romana, in: SCHOTTROFF, Luise und WACKER, Marie-Therese (Hg): Kompendium Feministische Bibelauslegung, 2. ed. Gütersloh, 1999, p. 483.
2 GNADT, Martina S. Das Evangelium nach Matthäus, p. 483-484.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).