Proclamar Libertação – Volume 35
Prédica: Mateus 13.1-9, 18-23
Leituras: Isaías 55.10-13 e Romanos 8.1-11
Autora: Márcia Blasi
Data Litúrgica: 4º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 10/07/2011
1. Introdução
Estamos vivendo o tempo após Pentecostes ou Tempo Comum. Esse não tem como auge uma grande celebração, nem é marcado por inúmeras datas festivas. É o tempo em que somos convidados a perceber a ação de Deus nas coisas comuns da vida diária: no acordar e no dormir, no cantar e no chorar, no trabalho e no descanso, no semear e no colher. Neste domingo, os textos bíblicos levam-nos a perceber que a criação inteira se alegra com a libertação do povo de Deus, que o Espírito Santo nos proporciona força e coragem para andar no caminho de Deus e que, por causa de tudo isso, somos convidados a continuar o trabalho do Semeador, semeando sem medo e com o coração cheio de esperança e amor.
O texto do profeta Isaías, capítulo 55, versículos 10 a 13, relata que a fartura e a abundância da natureza são sinais daquilo que Deus fez, faz e continuará fazendo. O profeta anuncia a mensagem de esperança que vem de Deus: a palavra de Deus sempre é criativa e produz resultados. A salvação prometida vai ser alcançada.
Na Carta aos Romanos (8.1-11), o apóstolo Paulo afirma que a vida das pessoas que creem não pode ser dominada pela lei, que, muitas vezes, é injusta. Suas vidas devem ser guiadas pelo Espírito Santo, que vive nelas e as liberta para viver o amor e construir novas relações baseadas nesse princípio. O texto também afirma que a salvação já foi alcançada por Jesus e, da mesma maneira como Deus ressuscitou Jesus, Deus também pode salvar-nos dessa vida morta que vivemos.
O texto do Evangelho de Mateus previsto para a pregação neste final de semana procura responder aos acontecimentos descritos nos capítulos anteriores do livro de Mateus: Jesus veio para trazer nova vida, mas muitas pessoas rejeitaram seus ensinamentos.
Mateus 13.1-9,18-23 relata a parábola do semeador e sua explicação. Não fazem parte de nossa perícope os v. 10-17. Nesses versículos, Jesus afirma que os segredos do reino dos céus são revelados somente para as pessoas que já aceitaram Jesus, nesse caso, os discípulos, e que as parábolas não seriam entendidas pelo povo. Há muita discussão em torno do motivo que levou Jesus a contar parábolas. Para um grupo, as parábolas (seriam) são contadas ao povo e entendidas somente como histórias bonitas, enquanto outro grupo acredita que o poder das parábolas é de justamente ajudar o povo a entender o que é o reino de Deus. Há também controvérsias entre os exegetas quanto à explicação da parábola. Algumas pessoas afirmam que ela é original, tendo sido elaborada por Jesus, enquanto outras pessoas afirmam que a explicação é um acréscimo desenvolvido nas primeiras comunidades.
A parábola do semeador é encontrada também em Marcos e Lucas. Das muitas parábolas contadas por Jesus, somente duas contêm uma explicação. Essa é uma delas.
2. Exegese
V. 1 – Naquele mesmo dia, saiu de casa: a expressão “mesmo dia” é uma continuação do relato anterior de Mateus 12.46-50, em que Jesus está numa casa, muito provavelmente a casa onde ele fica quando está em Cafarnaum, e recebe a visita de seus familiares. Jesus saiu dessa casa e foi ensinar à beira do lago da Galileia. O espaço limitado da casa também limitava o ensino. A margem do lago possibilitava o ensino a um grupo maior de pessoas.
V. 2 – A multidão é tão grande, que ele precisa entrar num barco e ensinar de lá, enquanto as pessoas ficam na beira do lago.
V. 3 – Jesus usou comparações παραβολαϊς: parábolas são a maneira favorita utilizada por Jesus para ensinar a multidão. Jesus não utilizou conceitos teológicos abstratos, como fez o apóstolo Paulo, mas fez uso de experiências bem concretas para ensinar sobre Deus e seu reino. Uma pessoa saiu para semear: trata-se de uma tarefa comum, bem conhecida de seus ouvintes.
V. 4 – Sementes caem à beira do caminho e são comidas por pássaros.
V. 5-6 – Sementes caem onde há muita pedra e pouca terra. Semente nasce logo. O sol queima as plantinhas que não têm raízes profundas.
V. 7 – Sementes caem no meio de espinhos, que sufocam as plantas. Os espinhos ou outras plantas são mais fortes.
V. 8 – Sementes que caem em terra boa produzem fruto em abundância.
V. 9 – É um chamado: Prestem atenção. Pensem. Isso não é somente uma historinha. Abram suas mentes e corações e descubram o que isso significa para a vida.
V. 18 – Jesus quer que seus discípulos aprendam a interpretar as parábolas e por isso lhes dá o que podemos chamar de uma “aula inicial”.
V. 19-23 – Semente significa palavra de Deus, e os tipos de solo são as pessoas que recebem ou não as sementes.
O convite de Jesus na parábola tem três passos: primeiro, ouvir a palavra; o segundo é segurá-la firme, deixar criar raízes, deixar crescer; o terceiro é produzir bons frutos.
3. Meditação
A parábola do semeador é talvez uma das parábolas mais conhecidas. Quem sabe você cantou no Culto Infantil ou canta hoje com as crianças a canção que diz: “O passarinho comeu a semente que caiu na beirada do caminho…” Ou então aquela outra canção: “A tua palavra é semente, e tu és o semeador, o meu coração é a terra que tu semeaste, Senhor”.
Justamente por ser tão conhecida, é um desafio pregar sobre essa parábola. A pergunta que precisamos fazer é: o que a parábola do semeador ainda tem a nos dizer? Ou então, o que a parábola do semeador tem a nos dizer em 2011?
Esse texto já foi trabalhado em PLs anteriores com diferentes enfoques. Neste estudo, gostaria de enfatizar o desperdício de sementes que acontece na parábola como sendo algo bom. Esse desperdício tem tudo a ver com a graça de Deus. Deus semeia graciosamente em nós a semente-palavra e confia que possamos fazer as escolhas certas para que as sementes do amor, da justiça e da solidariedade possam brotar dentro de nós, crescer e produzir mais sementes para ser repartidas. Acredito que cada um e cada uma de nós tem dentro de si todos os tipos de solo. Somos tudo ao mesmo tempo, e Deus sabe disso.
Segundo a teóloga feminista Sallie McFague, uma parábola é uma metáfora expandida. Para ela, parábola não é alegoria, em que o significado é encontrado fora da história, nem é uma história-exemplo, como a história do bom samaritano, em que todo o significado é encontrado na história. Segundo McFague, o significado da parábola é encontrado somente dentro da história, mas não é limitado por ela (Mc FAGUE, Sallie. Speaking in Parables, p. 6). O extraordinário de uma parábola é que ela utiliza algo extremamente comum e, através de um certo exagero, ela nos leva a uma nova compreensão. Seguindo essa lógica, podemos constatar um exagerado descuido do semeador, que joga sementes para todo lado, confiando que alguma vai cair em solo fértil.
Parábolas nos fazem pensar em nossa história e em nossa vida. Parábolas começam despretensiosamente. Vamos ouvindo-as e, quando menos esperamos, estamos dentro delas, e dali de dentro não temos mais como escapar. Eis um dos grandes méritos de Jesus como pregador, como anunciador do reino de Deus.
Em nossas comunidades, entra muitas vezes em questão se as atividades que desenvolvemos darão certo. Fazer estudos bíblicos nos bairros vai trazer mais gente ao culto? Destinar verbas a uma sala de costura que vai atender pessoas de fora da comunidade não é jogar dinheiro fora? Construir um jardim de oração e um labirinto ao lado da igreja vai trazer mais gente para a comunidade? Não deveríamos construir ali um estacionamento rotativo, que daria lucro certo?
Perguntas como essas são comuns. Por um lado, é muito difícil para presbitérios apoiarem projetos que não visem ter algum lucro financeiro como resultado. Por outro lado, ministros e ministras estão tímidas/os em suas iniciativas. Nesse contexto, a parábola do semeador tem muito a contribuir, pois facilmente constatamos que, na parábola, há um desperdício enorme de sementes. Quem, nos tempos de hoje, com a “agricultura de precisão”, ainda joga sementes para todo lado? Acredito que ninguém. A maioria das sementes utilizadas nas lavouras custa muito caro e não pode ser desperdiçada. Técnicos fazem as contas de quantas sementes podem cair das máquinas para garantir uma colheita farta.
Na parábola, nada disso acontece. Sem fazer distinção entre os tipos de solo, a pessoa que semeia vai semeando. Algumas sementes caíram “à beira do caminho e foram comidas pelos pássaros (aqui poderia também ser explorada a pergunta se alimentar os pássaros é algo ruim). Outras sementes brotaram, mas por causa das pedras ou dos espinhos não cresceram. Em todo caso, seguindo a lógica comum, o semeador não cumpriu sua função corretamente: ele desperdiçou sementes. Acaso não é também isso que Deus faz? Deus “desperdiça” seu amor por nós. É preciso deixar claro também que, em nenhum dos casos acima, a não-produção tem algo a ver com a semente. As sementes são boas; são as forças alheias que não as deixam crescer.
Olhando novamente para nossas comunidades e também para nosso ministério, pergunto se não estamos muito cuidadosas/os em lançar sementes. Com nosso excesso de cuidado com a semente, deixamos de semear, e muito solo fértil não está recebendo sementes. Essa parábola desafia nossa maneira de compreender o jeito que trabalhamos, servimos, pregamos, estudamos, a maneira como nos reunimos em culto. Será que devemos “desperdiçar” o batismo em crianças cujas famílias não participam da comunidade? Será que devemos “desperdiçar” o pão e o vinho com um grupo de pessoas pecadoras? Será que devemos “desperdiçar” nosso tempo fazendo cobertinhas para os bebês em situação de pobreza? Será que devemos “desperdiçar” a boa palavra em presídios? Será que plantar flores não é “desperdiçar” a contribuição das famílias da comunidade?
Essa parábola anima-nos a arriscar, a tentar coisas novas, a não nos preocupar tanto com o resultado, mas a confiar que, acima de tudo, Deus está agindo. O importante aqui é o processo. Deus está preparando o solo e convida-nos a jogar sementes. Cedo ou tarde, elas brotarão, e essa é a esperança que nos move. Cada uma e cada um de nós pode, e precisa, participar dessa tarefa.
“Ainda que a olhos humanos tantos trabalhos pareçam inúteis e infrutíferos, por mais que na aparência insucesso siga insucesso, Jesus está cheio de ânimo e de confiança: a hora de Deus vem e com ela a bênção duma colheita que supera todo desejo e compreensão. Apesar de todo insucesso e de toda oposição, Deus fará emergir dos inícios sem esperanças o fim magnífico que ele prometeu” (JEREMIAS, Joachim. As Parábolas de Jesus, p. 52-53).
4. Imagens para a prédica
Sugiro relacionar o solo onde a palavra cresce com Gênesis 3.7, que diz: Do pó da terra o Deus Eterno formou o ser humano. Somos pessoas feitas de terra, e todos nós temos o potencial de germinar sementes. Seria interessante levar até o púlpito uma bacia de vidro com terra e algumas sementes, pedras, espinhos. Explore um pouco essa imagem, mas, acima de tudo, reconte a parábola do semeador com muito empenho. Uma parábola bem contada já é em si uma profunda pregação. Jesus não só contou uma história; ele quis que cada pessoa caminhasse pelo caminho, semeando, experimentando sensações. Jesus também queria que as pessoas fossem terra, espinhos, pedras, pássaros. Isso é o que faz uma parábola. Você pode proporcionar às pessoas que o ouvem um momento único. Confie que cada pessoa vai descobrir na parábola algo que fale para ela naquele momento. Enfatize o desperdício como algo bom, algo gracioso, algo esperançoso.
Reparta com a comunidade exemplos de “desperdício” que trouxeram e trazem vida. Tenho certeza de que cada uma e cada um de vocês têm exemplos para contar. Aqui pode ser muito salutar fazer uma ponte com o tema do ano: Paz na criação de Deus – esperança e compromisso.
5. Subsídios litúrgicos
Invocação:
Em nome de Deus, que cria e recria a boa semente.
Em nome de Jesus Cristo, que espalhou as sementes neste mundo.
Em nome do Espírito Santo, que cultiva e protege a boa semente para que
possa germinar e crescer.
Hinos:
A tua palavra é semente – Hinos do Povo de Deus 2 – n° 380;
A boa colheita – Hinos do Povo de Deus 2 – n° 490.
Oração geral da igreja:
Espírito de paz, enche toda a terra com tua presença renovadora.
Que as lideranças de todas as nações possam governar com maturidade e justiça.
Que todas as nações possam desfrutar de tranquilidade e que seus filhos e filhas sejam benditos.
Que os povos e seus rebanhos e manadas estejam livres de moléstias.
Que os campos possam produzir fruto abundante e que a terra seja fértil.
Que a face de todos os inimigos possa voltar-se em direção à paz.
Resposta cantada:
Espírito de unidade, oramos por tua igreja. Enche teu povo com toda a verdade e paz. Onde há corrupção, torna-nos pessoas puras. Onde há erros,
corrige-nos.
Onde há faltas, transforma-nos. Onde há justiça, fortalece-nos.
Onde há necessidade, sustenta-nos. Onde há divisão, aproxima-nos uns dos outros e umas das outras.
Resposta cantada:
Espírito de amor, zela pelas pessoas que passam a noite acordadas em vigília ou em pranto e guarda com teus anjos aquelas pessoas que dormem.
Atende as pessoas doentes, provê repouso às pessoas cansadas, concede coragem às mulheres prestes a dar à luz, conforto as pessoas que sofrem e
abençoa as pessoas que estão à beira da morte.
Resposta cantada:
Deus da criação, do plantio, da produção e da colheita.
Assim como a semente se dispersa nos campos e terrenos férteis, semeia em meio a este mundo o potencial pleno de tua Palavra em nossas vidas.
Pela presença de teu Filho, nossa luz e nossa vida, sustenta as sementes da fé para que elas cresçam fortes e sadias.
Pelo poder de teu espírito, ajuda-nos a ceifar uma colheita de fé sincera, unidade, justiça, paz e amor. Amém.
(adaptada de: Em tua graça. Livro de culto e orações. Nona Assembleia, Conselho Mundial de Igrejas, 2006. p. 44-45)
Bênção:
Que a terra abra caminhos sempre à frente dos teus passos. E que o vento sopre suave nos teus ombros. Que o sol brilhe sempre cálido e fraterno no teu rosto. Que a chuva caia suave entre teus campos. E até que nos tornemos a encontrar, Deus te guarde no calor do teu abraço; e até que nos tornemos a encontrar, Deus te guarde, Deus nos guarde em seu abraço (Coleção Miriã 2, 34).
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).