Proclamar Libertação – Volume 38
Prédica: Mateus 13.31-33
Leituras: 1 Reis 3.5-12 e Romanos 8.26-39
Autor: Erní Walter Seibert
Data Litúrgica: 7º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 27/07/2014
1. Introdução
O cenário em que Jesus estava quando contou as parábolas do evangelho deste domingo é bem especial. Ele estava à beira do lago da Galileia, não longe da cidade de Cafarnaum. A cidade de Cafarnaum era uma pequena cidade na qual Jesus passou boa parte do tempo de seu ministério público.
O capítulo 13 de Mateus registra várias parábolas que Jesus contou para ensinar o povo. A parábola era uma figura de linguagem que Jesus utilizava para ensinar lições ao povo. A interpretação dessas parábolas sempre foi um exercício difícil para os leitores do evangelho e não deixou de ser difícil para os primeiros ouvintes. Muitos não as entendiam.
As parábolas deste capítulo são conhecidas como as parábolas do Reino. Jesus conta essas parábolas para trazer ensinamentos sobre o Reino do Céu. Muitas delas começam da mesma maneira: “O Reino do Céu é como…”. No texto do evangelho deste domingo, a comparação é com uma semente de mostarda e com o fermento.
As outras duas leituras do domingo parecem não ter relação direta com o ensinamento do evangelho. Na leitura do Antigo Testamento, 1 Reis 3.5-12, é contado o episódio em que o rei Salomão pede, em sonho, sabedoria a Deus para governar o povo. Sabedoria é necessária para andar nos caminhos de Deus e para entender sua Palavra. Talvez esse seria um ponto de contato com a leitura do Antigo Testamento.
A leitura da epístola do domingo encontra-se em Romanos 8.26-39. O texto de Romanos aponta para a ação de Deus em favor do ser humano por meio do Salvador Jesus Cristo.
2. Exegese
A primeira parábola – a do grão de mostarda – é entendida de forma mais ou menos unânime pelos comentaristas bíblicos. Todos falam que se trata de mostrar o espantoso e rápido crescimento do Reino do Céu. Aplica-se isso também, de forma mais restrita, ao crescimento da igreja.
A semente de mostarda era a menor das sementes utilizadas na Palestina. Mesmo sendo de pequeno tamanho, ela germinava e tornava-se uma planta que atingia a altura de dois metros e meio a três metros e meio. O texto chama a atenção para o tamanho pequeno da semente e seu crescimento até se tornar uma planta bastante grande. Assim seria o crescimento do Reino do Céu.
Isso normalmente é atribuído à igreja cristã. Ela teve um começo modesto, pequeno, cresceu e tornou-se uma árvore frondosa, espalhada pelo mundo.
Alguns comentaristas procuram encontrar um significado para os passarinhos que são mencionados no texto. Eles vêm, fazem ninhos nos ramos da árvore e ali se abrigam e vivem. É levantada a hipótese de que eles sejam os não judeus que entram no Reino. A figura de uma árvore em que se abrigam pássaros e até animais é encontrada em Ezequiel 17.23 e Daniel 4.12,21. A figura, portanto, não é desconhecida do contexto bíblico. O próprio Evangelho de Mateus menciona a entrada de não judeus no Reino nos seguintes textos: Mateus 8.11; 28.19. É
possível, pois, fazer essa alusão. No entanto, a quantidade de informação que o próprio texto nos dá não nos permite ser conclusivos de que essas palavras se refiram a isso. Entretanto, o ponto-chave da parábola, sem dúvida, é a referência ao crescimento do Reino.
É preciso, porém, tomar algum cuidado para não utilizar o texto para um discurso triunfalista sobre o crescimento da igreja. Existem tantos outros textos, de igual forma, que falam que o rebanho de Deus na terra será pequeno. Pequeno e grande sempre é algo relativo ao que se compara. Se tomarmos a população total da Terra e o número de pessoas cristãs, mesmo tomando as estatísticas mais otimistas, o cristianismo continua sendo minoria em relação ao número de não cristãos.
No Brasil, nos últimos anos, fala-se muito do grande crescimento dos evangélicos. Podemos ficar felizes com o crescimento do número de cristãos no mundo e agradecer a Deus porque sua promessa de crescimento continua se cumprindo. Mas não nos devemos permitir um discurso de superioridade, porque, se temos crescimento, não se deve a nós, mas à bondade de Deus. Sem ele nada podemos fazer, como nos lembram as leituras do Antigo Testamento e da Epístola.
A segunda parábola contada por Jesus – a do fermento – tem uma dificuldade adicional para a sua compreensão. Na parábola da semente de mostarda, o ponto de comparação é a questão do crescimento. Na parábola do fermento, é dito que um pouco de fermento se espalha por toda a massa. O fermento pode ser considerado o fator de crescimento da massa. Aí então a interpretação teria a ver com o texto da parábola do grão de mostarda.
No entanto, em outros textos bíblicos, o fermento é dado como o elemento que se espalha negativamente no meio da massa. Aí então seria o mal se infiltrando dentro do Reino do Céu. O que Jesus queria realmente dizer com essa parábola? Falava ele do crescimento do Reino do Céu ou da infiltração do mal nesse mesmo Reino? Na primeira hipótese, o texto estaria ligado ao texto anterior. Na segunda hipótese, o texto estaria ligado ao contexto posterior, que fala da parábola do joio. As duas hipóteses de interpretação levam-nos, no mínimo, a ter cautela com uma interpretação triunfalista de crescimento.
No texto paralelo de Lucas 13, em que as duas parábolas do evangelho deste domingo também são contadas, o texto que vem depois da parábola do fermento fala das dificuldades de entrar no reino de Deus. Isso nos mostra que a intenção de Jesus ao contar essas parábolas era que confiássemos em Deus. A semente é dele, o crescimento vem dele, e sem ele nada podemos.
3. Meditação
A questão do crescimento do Reino é chave para esse texto. Nas últimas décadas, muito se falou a esse respeito, olhando para o aspecto do crescimento da igreja. Quantas reuniões, seja de sínodos ou de lideranças de uma igreja local, já se voltaram para esse assunto? A igreja está crescendo numericamente? A igreja está diminuindo? Será que o crescimento é apenas numérico? Como analisar essa questão?
Um teólogo disse que, muitas vezes, reuniões de igreja são como uma reunião de banqueiros sobre o balanço financeiro de seu empreendimento. Querem saber se o mesmo está dando lucro, se ele está se expandindo, se ele tem boa posição no mercado, e assim por diante. São pessoas nervosas e preocupadas com o crescimento. Esse teólogo mencionou que, nessas reuniões, a palavra “graça” e a confiança nessa “graça de Deus” estão praticamente ausentes.
Existem igrejas que, não verificando crescimento numérico de seus membros, procuram outra característica como sendo aquela segundo a qual examinam sua situação. Dizem que sua preocupação não é o crescimento numérico, mas a preservação da doutrina. Ou então dizem que a sua tradição não é de crescimento, mas de presença e influência no meio cristão e na sociedade.
Richard Niebuhr, em sua obra As Origens Sociais das Denominações Cristãs, faz uma análise de cunho social do crescimento das igrejas. Ele demonstra que muitas preocupações e ações sobre e para o crescimento têm a ver com questões mais sociológicas do que teológicas.
Teólogos do movimento Church Growth, ao lado de estudos estatísticos e questões práticas em geral, têm convicção de que a questão do crescimento da igreja é uma questão teológica.
No Brasil, nas últimas décadas, tivemos um grande fenômeno de mobilidade ou trânsito religioso. A igreja católica, que era amplamente majoritária no país, perdeu enorme fatia de seus membros especialmente para as igrejas pentecostais e neopentecostais. As igrejas protestantes, com poucas exceções, observaram o mesmo fenômeno da parada de crescimento ou diminuição que a igreja católica observa. No entanto, o grande crescimento numérico verificou-se entre os grupos pentecostais e neopentecostais. Afirma-se com bastante entusiasmo que até 2050 o Brasil será um país evangélico.
Na Europa, a preocupação é um outro fenômeno. Com a estagnação da população autóctone do continente europeu e com a imigração de pessoas originárias de países de maioria muçulmana, fala-se da islamização da Europa. A França é apontada como um país que, em pouco tempo, terá maioria muçulmana na sua população. Philip Jenkins, um estudioso norte-americano desse fenômeno, em uma série de livros tem estudado esse fenômeno e como ele se apresenta tanto na Europa como em outras partes do mundo.
Praticamente em quase todas, senão em todas as cidades brasileiras, o fenômeno do trânsito religioso apresentou-se nas últimas décadas. Se olharmos o quadro estatístico das igrejas três ou quatro décadas atrás e olharmos o quadro de hoje, veremos que há grandes diferenças.
Essa questão, por via de regra, traz grande angústia para os membros da igreja quando sua denominação local não está crescendo e grande entusiasmo quando ela cresce. O que dizer para a igreja à luz do evangelho deste domingo?
Uma primeira lição, parece evidente, é que Deus prometeu crescimento para a sua igreja. Deus quer a expansão de seu Reino. A semente de mostarda que é lançada ao solo, germina, cresce e torna-se uma árvore frondosa é uma imagem clara disso. Não nos devemos voltar contra o crescimento do Reino. Se olharmos o primeiro grupo de seguidores de Jesus e a presença da fé cristã no mundo de hoje, esse crescimento fica evidente.
Outra lição que aparece é que o crescimento não depende do esforço da semente, mas vem da natureza dela e da bênção do Criador. Deus dá o crescimento à sua igreja. Não somos nós que promovemos esse crescimento. Deus o promove. Outro aspecto que o texto mostra é que a igreja deve ser acolhedora. Os passarinhos vêm e fazem ninhos em seus ramos.
Daí podemos dizer que poderíamos ter dois pontos ou duas partes muito claras nessa pregação. O tema poderia ser “características da igreja que cresce”. Na primeira parte, destacar-se-ia que essa igreja confia em Deus. Na segunda parte, poder-se-ia destacar que essa igreja é acolhedora.
4. Imagens para a prédica
A imagem mais forte que se pode usar para essa pregação é a semente. Trazer sementes para ajudar a enxergar com clareza essa característica da igreja. Para uma igreja no ambiente rural, isso é mais ou menos evidente e ajudará todos a ver, talvez como aconteceu com os primeiros ouvintes dessa parábola, a presença de Deus no dia a dia. Para pessoas da cidade, não deixa de ser uma experiência esclarecedora saber que de Deus depende o crescimento e que ele está presente, com sua graça, tanto na natureza como na igreja.
Outra imagem que pode ser explorada é o acolhimento, expresso na árvore que acolhe em seus ramos os pássaros que ali fazem ninhos. Como a igreja, cujo crescimento Deus promove, está acolhendo as pessoas? Quais os esforços ou atividades de acolhimento que são feitos?
A imagem do fermento que leveda toda a massa também está no texto. Nesse caso, fica a dificuldade de interpretação já apontada anteriormente.
5. Subsídios litúrgicos
Muitas igrejas chamam bem-vindos os visitantes em todos os cultos. Fazem isso no início, durante ou no final da reunião. Como nesse culto o crescimento da igreja está em foco, seria oportuna a reflexão a respeito do que está sendo feito para que esse crescimento ocorra sem dificuldades. Como está a pregação da Palavra? Como está a administração dos sacramentos? Palavra e sacramentos são claras apresentações da graça de Deus? Como é o ambiente da igreja? Como as pessoas que visitam pela primeira vez são recebidas? O que é feito para que todos se sintam bem? Isso perpassa toda a liturgia da igreja.
Bibliografia
JENKINS, Philip. The Next Christendom: The Rise of Global Christianity. New York: Oxford University Press, 2002.
NIEBUHR, H. Richard. As Origens Sociais das Denominações Cristãs. São Paulo/São Bernardo do Campo: ASTE/Ciências da Religião, 1992.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).