Quem é Jesus para nós hoje?
Proclamar Libertação – Volume 47
Prédica: Mateus 16.13-20
Leituras: Isaías 51.1-6 e Romanos 12.1-8
Autoria: Uwe Wegner, Carla Andrea Grossmann
Data Litúrgica: 13° Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 27/08/2023
1. Introdução
O texto da pregação, Mateus 16.13-20, é uma reprodução atualizada do texto de Marcos 8.27-30, com a inclusão de três versículos novos sobre a função de Pedro como rocha sobre a qual é edificada a igreja de Jesus (Mt 16.17-19). O texto sem os v. 17-19 trata da natureza mais exata da identidade de Jesus: Quem diz o povo que eu sou? E quem dizem vocês que eu sou? O assunto é, pois: afinal, quem foi Jesus para o povo e os discípulos de sua época e, por extensão, quem é Jesus para nós hoje?
Os textos sugeridos para as leituras são Isaías 51.1-6 e Romanos 12.1-8. O texto de Isaías inicia a fala sobre a restauração de Sião, que vai até 52.12. Em 51.1-6, compara-se o povo de Israel exilado na Babilônia com pedras cortadas de uma rocha (v. 1). Mateus 16.13ss também fala de uma pedra, sobre a qual Jesus constrói sua igreja, mas nesse contexto a pedra refere-se a Pedro. Em Isaías 51.4-5 são feitas referências à justiça e salvação que Deus trará para seu povo exilado, duas características aguardadas também do messias.
O texto de Romanos 12.1-8 fala sobre um novo culto espiritual que os crentes oferecem a Deus com o seu corpo e com uma mente renovada para identificarem a sua vontade. Os v. 3-8 abordam a diversidade e a interdependência dos dons existentes no corpo da igreja em Cristo, o que deve excluir a vanglória. Caso se quisesse fazer uma ponte com Jesus como Ungido, talvez se pudesse dizer: Jesus pretende ensinar as pessoas a se entenderem como participantes e construtores de uma unidade maior, o corpo da igreja, para que haja vida de cooperação, na qual as partes se preocupam em servir não só a si próprias, mas ao conjunto eclesial e social dentro do qual vivem. Ora, foi exatamente essa uma das grandes metas de Jesus Messias: ensinar as pessoas a viverem baseadas em participação e colaboração, não só olhando para si próprias e suas vantagens pessoais.
2. Exegese
V. 13 – Mateus reproduz aqui Marcos 8.27. Ele troca “aldeias” (Mc 8.27) por “bandas”/“regiões” (grego: merē = parte de um todo maior) de Cesareia Filipe, que era a capital da tetrarquia de Herodes Filipe, cidade construída em 3/2 a. C. no lugar da antiga Pânias e que ficava próxima a um dos afluentes do rio Jordão. A atividade de Jesus era abrangente, sobretudo na Galileia, ao redor do grande lago, mas também nas regiões de Tiro e Sidom, mais ao norte (Mt 15.21ss).
Em Mateus, Jesus pergunta: Quem dizem os homens ser o Filho do Homem? (Em Marcos, a pergunta é: Quem dizem os homens que eu sou?). Mateus provavelmente usou a denominação “Filho do Homem”, dada a Jesus nesse contexto, sob influência da mesma expressão empregada em Marcos 8.31, pouco adiante no texto paralelo. Essa expressão pode designar simplesmente “eu”, “homem”, “pessoa”, ou então ser titular, aludindo ao “Filho do Homem” esperado para os tempos do fim. Se Mateus a emprega titularmente, é com a correção de 16.21: é título salvífico, mas é um “Filho do Homem” que vai ter que passar por sofrimento, ou seja, diferente do concebido usualmente.
V. 14 – Segundo os discípulos, Jesus é concebido entre as pessoas como: a) Elias (cf. 1Rs 17-19; 21.17-28; é mencionado 29 vezes no NT). Ele não teria morrido, mas sido elevado aos céus (2Rs 2.1-12), como Enoque (Gn 5.24), e era aguardado, sobretudo, como profeta anunciador da vinda do fim (Ml 4.5; Eclo 48.10). Ele foi extremamente crítico ao governo do rei Acabe (1Rs 18.16ss; 21) e também se notabilizara por milagres (milagre da farinha e do óleo; ressurreição do filho de uma viúva: 1Rs 17). A crítica de Jesus a autoridades civis e religiosas e os seus múltiplos milagres tornam essa identificação perfeitamente compreensível. b) João Batista (cf. Mc 6.14), pregador contumaz do arrependimento e juízo para quem não se arrependia (Mt 3.1-10). Também nesse caso é compreensível uma identificação, pois que, à semelhança de João, também Jesus se caracterizara por uma pregação de arrependimento (Lc 5.32; 13.3, 5; 15.7; 16.30 etc.; em sumários: Mc 1.14; Mt 4.17 etc.). c) Jeremias ou algum dos profetas. Os profetas eram vistos, em geral, como intérpretes e anunciadores da vontade graciosa ou punitiva de Deus nas diferentes épocas. Assim, não é de estranhar a identificação de Jesus com um profeta, já que a essência de sua pregação era justamente o reinado presente e futuro de Deus. A própria identificação de Jesus com João Batista e o Elias redivivus ( Mc 6.14-16), considerados profetas, já o interpretava dessa maneira. Curiosa é a menção explícita do profeta Jeremias em Mateus 13.14. Terá sido feita porque havia tradições que o consideravam como vivo junto de Deus e, portanto, apto para assumir certas funções (cf. 4Esd 2.17ss ou 2Mac 15.12ss)? Ou porque a comunidade de Mateus, que testemunhou a ruína e derrota de Israel pelos romanos, se identificava especialmente com esse profeta, que igualmente prenunciou e viveu a ruína do reino israelita do sul em 597 e 587 a. C.? Não há como saber mais exatamente.
V. 15-16 – Depois disso, Jesus pergunta aos discípulos como eles próprios interpretavam a sua pessoa. Em resposta, Simão Pedro diz: Tu és o Ungido (Marcos e Mateus), o Filho do Deus vivo (só Mateus). A particularidade dessa confissão de Pedro é que, logo após ser proferida, Jesus recomendou que a ninguém dissessem ser ele o Ungido. Essa confissão de Jesus como sendo o “Ungido” remete a uma antiga esperança de Israel, segundo a qual no fim dos tempos Deus traria a sua salvação para o povo e as nações através de um Ungido. Esse termo no hebraico é “Messias” e na linguagem popular, o aramaico, Meshiha. Vertido para o grego, o termo fica Christos, Cristo. O verbo grego é chriein = ungir, e o seu equivalente hebraico é masah.
Em Israel, ungia-se com óleos especiais (Êx 30.23ss); a unção era usada para consagrar a Deus com a finalidade de servir a sua obra, em Israel ou no mundo, coisas que o próprio Deus separava para si: lugares (Gn 28.18), objetos (Êx 30.26ss; 29.2) e, sobretudo, homens encarregados de determinadas funções/ministérios: reis (1Sm 12.3, 5; 16.3; 1Rs 1.34; Sl 2.2; 18.51 e outros), por vezes sumos sacerdotes (Lv 4.3, 5, 16; Êx 28.4; 29; 1Cr 29.22 etc.) e raramente profetas (1Rs 19.16). Segundo Theissen (2002, p. 558ss), embora o NT derive o termo “Messias”/“Cristo” de reis, sacerdotes e profetas ungidos do AT, seu conteúdo vem de figuras redentoras veterotestamentárias que não recebem explicitamente o nome de “Messias”. Segundo Theissen (2002, p. 559), pode-se falar de figuras messiânicas quando são preenchidos os seguintes três critérios: 1) elas introduzem uma virada escatológica, ou seja, uma nova e definitiva situação na Palestina e no mundo, como antes nunca havia existido; 2) elas exercem uma atividade essencialmente salvífica, tanto para Israel como, muitas vezes, para toda a humanidade, através de Israel; 3) elas são pessoas carismáticas, notabilizando-se em relação às demais por sua profunda proximidade de Deus. Por isso, nos textos messiânicos clássicos do AT (a maioria sem o emprego específico de “messias”), como Isaías 8.23 – 9.6; 11; Jeremias 23.5-6; Miqueias 5.1-5 e Zacarias 9.9s, anuncia-se a vinda de um rei salvífico que trará paz, segurança e bem-estar para os seus habitantes, reinando com justiça e, como frisa o Salmo 72, julgando os aflitos do povo, salvando os filhos dos necessitados e esmagando os opressores, porque ele acode o indigente que clama e também o pobre que não tem protetor; tem compaixão do fraco e do necessitado e salva a vida dos indigentes. Ele os redime da astúcia e da violência, o sangue deles é valioso aos seus olhos (v. 4 e 12-14). Mesmo que, sobretudo, em Qumran nos tempos de Jesus, houvesse claramente a noção de um messias profeta e um messias sumo sacerdote ao lado da esperança pelo messias régio, a ciência neotestamentária é unânime em afirmar que, naquela época, o que predominava mesmo era a esperança por um messias-rei que viesse libertar o povo da dominação estrangeira romana, implantando justiça e paz, ou seja, reinando de uma forma comprometida com a vontade e os preceitos de Deus. A entrada triunfal de Jesus em Jerusalém dá prova disso, pois ele é aclamado como o que vem em nome do Senhor, e o povo exclama: Bendito o reino que vem, o reino de Davi, nosso pai! (Mc 11.9s). A mesma esperança pode ser encontrada também nas palavras dos discípulos ao ressurreto: Senhor, será este o tempo em que restaures o reino a Israel? (At 1.6). Também cabe não esquecer que Jesus foi crucificado como rei dos judeus (Mc 15.2, 9, 12, 18, 26), o que pode perfeitamente pressupor um Ungido.
V. 20 – Curiosamente, no processo de crucificação, Jesus não responde à pergunta de Pilatos sobre se ele é ou não rei, limitando-se a constatar: Tu o dizes (Mc 15.2). Não diz que é nem que não é. Em nosso texto de prédica, ele também não nega a identificação com o Ungido, embora peça para que isso não seja divulgado a ninguém (Mt 16.20). Afinal, por que Jesus não assume clara e publicamente ser o rei messiânico dos judeus? Por que essa aura de segredo em torno de sua identidade messiânica? Por que esse segredo messiânico relacionado à sua pessoa?
A verdade é que a identidade de Jesus não era de fácil compreensão por parte dos discípulos (cf. Mc 4.13; 6.52; 8.17s, 21; 9.10; 10.32), ou seja, a pessoa de Jesus com seu ensino e ações – sua identidade última – aparentemente não era de evidência messiânica à primeira vista. Aos demônios que o identificavam como enviado e santo de Deus ele ordenava que calassem a respeito (Mc 1.25; 1.34; 3.12; 4.35); aos curados ele solicitava não divulgarem ou propagandearem as suas curas (Mc 1.44; 5.43; 7.36). Ora, por que não divulgar um milagre de Jesus? Aparentemente uma propaganda dele concentrada unicamente na sua atividade milagreira levaria a uma compreensão errônea ou, no mínimo, parcial de sua verdadeira identidade messiânica. As pessoas iriam procurá-lo em massa para a cura de seus corpos. Mas teriam compreendido mesmo o que, no fundo, ele queria? Segundo Mateus 11.20-24, os milagres deveriam levar ao arrependimento, mas não foi isso o que aconteceu em cidades como Corazim, Betsaida e Cafarnaum.
Ocorre coisa semelhante com a identificação direta de Jesus diante dos seus discípulos, na confissão de Pedro e na transfiguração (Mc 8.30; 9.7). Pedro o confessa como Messias/Cristo = Ungido, e a voz saída da nuvem na transfiguração dizia: Este é o meu Filho amado – a ele ouvi! Mas também nesses casos percebe-se sempre certa incompreensão por parte dos discípulos. No caso da transfiguração, eles queriam permanecer no monte, mas Jesus desceu (Mc 9.5, 9).
V. 17-19 – E no caso da confissão de Pedro, ele inicialmente recebe um elogio de Jesus. Jesus diz que ele é “rocha” (=Pedro), e que sobre essa pedra pretende edificar sua igreja. De fato, os três primeiros evangelhos nos atestam a importância de Pedro entre os discípulos, ao lado de Tiago e João, já durante o ministério de Jesus. Também depois da ressurreição, Pedro se destacou ao lado de Tiago e João (Gl 1.18; 1Co 1.12; Lc 22.31-34; Jo 21.15s). Também o fato de Jesus lhe outorgar as chaves do reino dos céus para “ligar e desligar” atesta a importância que deteve para Jesus. O significado desses verbos provavelmente se refere à competência para determinar doutrinas e condutas éticas como normativas ou secundárias e errôneas. Na Palestina, quem supunha deter essas chaves para ligar e desligar, oportunizando ou não a entrada no reino dos céus, eram os escribas e fariseus (Mt 23.13). Apesar disso tudo, a continuidade da história da bela confissão de Pedro mostra que, no fundo, também ele se enganou quanto à verdadeira identidade de Jesus. Pois foi só Jesus informar aos discípulos que seria necessário seguir para Jerusalém e sofrer muitas coisas (Mt 16.21), e Pedro de imediato começou a reprová-lo: Tem compaixão de ti, Senhor. Isso de modo algum te acontecerá (v. 22)! Ou seja, Pedro tinha identificado um traço importante da identidade de Jesus, mas dentro dela só cabia exercício de poder regado a sucesso, glória e aceitação geral, o que Jesus corrige com uma palavra bastante dura: Arreda, Satanás! Tu és para mim pedra de tropeço, pois não cogitas as coisas de Deus, e sim, dos homens (16.23).
Parece-nos residir na questão do poder e de como exercitá-lo um dos grandes fatores pelos quais Jesus corria o perigo de ser mal entendido como o novo Ungido de Deus. Inédito no cristianismo é o fato de ele ter associado um Ungido de Deus com sofrimento, e isso de forma tão contundente, a ponto de Cristo ter virado nome próprio de Jesus: “Jesus Cristo”. Em Marcos 8.31-33; 9.30-32 e 10.32-34, Jesus prediz seu sofrimento e rejeição por três vezes! É desconhecido que judeus da época tivessem associado algum ungido com tais características derrotistas. Os ungidos da linhagem de Davi eram aguardados, muito mais, como fortes e vencedores sobre seus oponentes e inimigos! O quanto era diferente a concepção de poder que Jesus tinha e pregava para seus discípulos em relação à concepção usual também fica claro em sua crítica ao poder praticado por governantes usuais, onde os poderosos geralmente querem ser os grandes e usufruir das melhores vantagens e benesses que uma autoridade oferece. Jesus propunha o contrário: quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o primeiro entre vós, será escravo de todos (Mc 10.43-44). Theissen (2002, p. 566) vai ainda mais longe ao afirmar que, ao contrário dos Salmos de Salomão 17.26 (escrito do século I), em que a tarefa do messias é reunir o povo (da dispersão) e julgar suas (12) tribos, Mateus 19.28 e Lucas 22.28-30 afirmam que serão os 12 discípulos que, um dia, se sentarão em tronos e julgarão as 12 tribos de Israel. Para Theissen, em decorrência, os 12 discípulos formariam um grupo messiânico. Jesus, então, teria tomado a expectativa messiânica dirigida a uma pessoa individual e a reformulado no sentido de um messianismo de grupo: “Pessoas simples do povo, pescadores e camponeses deveriam governar como representantes das doze tribos – no sentido de um governo popular representativo”.
Outras áreas, como as da ética e das relações sociais também dificultavam uma rápida e fácil identificação da identidade messiânica de Jesus. Ora, o amor, a máxima ética pregada por ele, não se limitava aos parentes, à família, aos conhecidos, aos da mesma classe e gênero. Ele, como Filho amado de Deus, como Ungido, pregou um amor para além dos meros laços familiares (Quem é minha mãe e meus irmãos? […] Qualquer que fizer a vontade de Deus (Mc 3.31-35), que não excluísse as crianças, pouco valorizadas na época (Mc 10.13-16), nem os samaritanos (povo de religião parcialmente diferente dos judeus, com os quais haviam tido uma história de ódios, inimizades e preconceitos: Lc 10.25-32; cf. Lv 19.18, 33s), nem qualquer outro tipo de inimigos (Lc 6.27-36/Mt 5.38-48: Jesus fundamenta isso com o próprio amor de Deus, que dá coisas boas para todas as pessoas, inclusive para os ingratos e maus, conclamando as pessoas para serem imitadoras desse Deus, para serem perfeitas e misericordiosas como ele [Mt 5.45 e Lc 6.35]). Além disso, a pregação e a atividade amorosa de Jesus sugeriam a necessidade do rompimento de preconceitos e discriminações de ainda outras classes sociais e religiosas: discriminados eram “pecadores” notórios como publicanos, prostitutas, ladrões, trapaceiros e adúlteros (Mc 2.15-17; Lc 7.31-35; Mt 11.16-19; Mt 21.31; Lc 18.11). Como não deve ter surpreendido os ouvintes quando Jesus proferiu uma palavra escandalosa como a de Mateus 21.31: Em verdade vos digo que publicanos e prostitutas vos precedem no reino de Deus! Também os pobres eram discriminados, mas Jesus, ao contrário, os contemplou com a conhecida bem-aventurança: Bem-aventurados os pobres, porque vosso é o reino de Deus. Vale o mesmo em relação ao grupo social das mulheres, uma classe com poucos direitos na época, a qual Jesus concedeu, entre outras coisas, participação em seu seguimento na Galileia e em Jerusalém (Mc 15.40-41; Lc 23.49). Outro fator de constante discriminação social era a diferenciação dos saberes, que ocorria entre grupos de letrados, conhecedores e intérpretes da lei, e o povo simples, em sua maioria, iletrado. Nesse particular, Jesus, o Ungido, novamente surpreende com a exaltação dos grupos socialmente à margem: Graças te dou, ó Pai […] porque ocultaste essas coisas aos sábios e instruídos e as revelaste aos pequeninos (Mt 11.25; Lc 10.21).
Seria possível continuar e aprofundar ainda mais como Jesus, com sua proposta inovadora do reinado de Deus, representou uma novidade messiânica na avaliação e em suas propostas para quase todos os setores da vida em religião, política e sociedade. Mas não é preciso. Nosso intento foi somente o de mostrar como a advertência dele aos discípulos para não contarem a ninguém ser ele o Ungido de Deus tinha um bom propósito. Jesus sabia que a concepção usual que as pessoas relacionavam com um aguardado Ungido de Deus era, principalmente, a do libertador político-militar (pelas armas e pela força) de inimigos que haviam invadido e ocupado o território outrora pertencente ao povo escolhido de Deus. Mas a libertação que ele como Ungido queria mesmo era não só muito mais abrangente e regida não pela violência, mas pelo amor, e, sim, implicava conversão não só dos outros, mas em especial e prioritariamente dos próprios discípulos. De fato, esse segredo do Messias não consegue ser assimilado por qualquer um, justamente pelas implicações de toda ordem que ele vai ter. Foi preciso a fé dos discípulos e será preciso, sempre renovadamente e com a ajuda do Espírito, a fé de nossa parte para conseguir assimilar e vivenciar o verdadeiro e autêntico Messias Jesus, e não aquele que nós hoje – assim como os seus discípulos antigamente – gostaríamos que ele fosse.
3. Meditação
O ano de 2022 foi o primeiro ano de testagem da flexibilização de regras de combate à Covid-19. Mesmo assim, o vírus ainda continua ativo e matando diariamente dezenas de pessoas. Na área da saúde mental há vários registros de surtos coletivos de ansiedade em decorrência do grande tempo de isolamento, ao qual todas as pessoas tiveram que se submeter. São como seixos (cascalhos) levados por fortes correntezas.
A inflação começa a achatar o poder de compra e o desemprego continua gerando pobreza para milhões de pessoas. O avanço da fome em nosso país aprofunda o flagelo social. No cenário político, as forças se reorganizam para uma concorrida eleição presidencial. As polarizações, as guerras entre narrativas, o mundo de pós-verdade têm dominado os relacionamentos e os processos. “Pedras” agudas lançadas com o propósito de machucar e matar. E isso, muitas vezes, em nome do “Ungido” Jesus, ou melhor, de um “certo” Ungido, bem ao gosto dos seus adeptos.
Na IECLB, é importante perguntar até que ponto esse cenário tem impactado em nossos campos de atividades ministeriais. Como está o engajamento das pessoas na vida comunitária? Como está a guerra de narrativas em nosso meio? A proposta de uma igreja híbrida (diversificada e plural), como temos ouvido falar mais fortemente nos últimos tempos, tem aterrissado em nosso chão? De que maneira? “Chuvas de pedras seremos…”?
4. Imagens para a prédica
E vocês?, perguntou ele. Quem vocês dizem que eu sou? A pergunta de Jesus é importante, fundamental. O povo tem muitas respostas para essa pergunta. Os discípulos aparentemente sabem: Tu és o Cristo. A resposta de Pedro não dá a ele nenhum ganho a mais, nenhuma vantagem em relação aos demais discípulos. Confessar Cristo é mais fácil que colocar essa confissão em prática. Muitas vezes, após esse momento, tanto Pedro quanto outros seguidores são corrigidos e repreendidos por Cristo. Hoje, na IECLB, muitas são as pessoas e comunidades que confessam Jesus como o Cristo. A vida comunitária, os ataques e as perseguições a ministros e ministras e também a grupos identitários, por exemplo, nos fazem perceber que entre confissão e prática dessa fé no Cristo está uma grande, uma imensa distância.
Uma abordagem da prédica poderia ser sobre a imagem que temos de Cristo. Quem nós dizemos que Jesus é? E como isso se reflete na prática de fé comunitária?
Pensemos também na referência à imagem da pedra, tanto no evangelho quanto no texto do profeta Isaías. Ela evoca nossa ligação com nossos pais e mães na fé. Faz lembrar que não somos seixos (cascalhos) isolados, presos às nossas verdades parciais, mas fomos gente “tirada”, por assim dizer, de uma rocha maior. Mesmo um seixo de rio em algum momento anterior foi parte de um único bloco de rocha. É uma imagem bonita para a prédica. Em tempos de tanta desunião, perseguição, cabe lembrar de onde viemos, que somos de Cristo por sua entrega na cruz. Também cabe aqui a lição da humildade, de que mesmo os discípulos e as discípulas que conviveram com Cristo e testemunharam a sua fé precisaram de correção e orientação muitas vezes na caminhada. Há que ser rocha líquida, lava, para vencer a imobilidade das posições antagônicas e sectárias, do amor frio e da falta de compaixão. Há que ser pedra útil na construção desse Reino em que cremos e que confessamos.
Podemos usar pedras no momento da pregação. Ter esse elemento no culto, junto ao altar, na imagem projetada, nas pedrinhas que as pessoas podem segurar na mão.
5. Subsídios litúrgicos
Acolhida: Acolhemos a todos e todas que vêm para esse culto com as palavras de Isaías 51.1: Escutem-me, vocês que buscam a retidão e procuram o Senhor: Olhem para a rocha da qual foram cortados e da pedreira de onde foram cavados. A palavra nos convida a celebrarmos e refletirmos sobre a rocha da qual também nós fazemos parte. Sejam todos e todas bem-vindas!
Aclamação do Evangelho: LCI 118 (Salmo 95.1)
Envio:
Não te deixes destruir…
Ajuntando novas pedras
e construindo novos poemas.
Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces.
Recomeça.
E faz de tua vida mesquinha um poema…
(Aninha e suas pedras, Cora Coralina)
Bibliografia
THEISSEN, G.; MERZ, A. O Jesus histórico. Um manual. São Paulo: Loyola, 2002. p. 558-568.
GOPPELT, L. Teologia do Novo Testamento. 2. ed. São Paulo: Teológica, 2002. p. 185-193.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).