Proclamar Libertação – Volume 35
Prédica: Mateus 17.1-9
Leituras: Êxodo 24.12-18 e 2 Pedro 1.16-21
Autor: Jeferson André Samuelsson
Data Litúrgica: Último Domingo após Epifania
Data da Pregação: 06/03/2011
1. Introdução
A perícope tem três momentos específicos: a transfiguração; o aparecimento de Moisés e Elias; e a voz que veio da nuvem e os envolveu, dizendo que Jesus é o Filho amado de Deus, e um pedido de que o ouçamos.
O que pregar sobre esse texto? Pode-se optar pela exaltação de Jesus em sua transfiguração, levando em consideração as diferenças e semelhanças entre essa e a de Moisés. Por outro lado, pode-se tratar do conteúdo da afirmação vinda da nuvem, destacando a pessoa de Jesus e os motivos pelos quais precisamos ouvi-lo.
“Este é meu filho amado, em quem me comprazo; a ele ouvi.” Se atentarmos para o final dessa frase – “a ele ouvi” –, sem observar o que antecede a perícope, não daremos muito valor a ela. Basta voltar um pouco no texto para perceber dois diálogos significativos. O primeiro traz a confissão de Pedro, que é a confissão da igreja: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”. O segundo, por sua vez, versa sobre o sofrimento e a morte que Jesus teria de passar e sua ressurreição, bem como o caráter do discipulado. Esse nos leva ao período da Epifania.
O texto de Êxodo 24.12-18, das leituras do dia, apresenta Moisés subindo ao monte para receber as tábuas da lei. Existem aspectos semelhantes com o evento registrado em Mateus: um monte, a glória do Senhor pousou sobre o monte, uma nuvem o cobriu, do meio da nuvem o Senhor chamou Moisés. Além de Êxodo, propõe-se a leitura da Segunda Carta de Pedro 1.16-21. Nessa, Pedro destaca que seu testemunho é fidedigno, porque eles foram testemunhas oculares da majestade de Jesus no monte. Estavam junto dele quando Deus lhe deu honra e glória. Destaca ainda que ouviram a voz que veio do céu, que confirmou a palavra anunciada pelos profetas.
2. Exegese
Seis dias depois do quê? O evangelista tem o cuidado de registrar que seis dias depois de Jesus ter anunciado que era necessário ele sofrer muitas coisas, ser morto e ser ressuscitado, tomou Pedro, Tiago e João e levou-os, em particular, a um alto monte. Não se pode deixar de dizer que se tratava de um momento crítico de seu ministério. Talvez esteja aí uma possível explicação para a presença de Moisés e Elias. Eles o estavam consolando? O que eles conversaram?
Enquanto Jesus orava, um evento maravilhoso acontece. Ele é transfigurado na presença dos discípulos. Um detalhe! Não somente seu rosto brilhava como o sol, mas suas vestes se tornaram brancas como a luz. O brilho do sol e a luminosidade excessiva ofuscam a visão de qualquer pessoa. Contudo, eles viram perfeitamente, a ponto de Pedro propor a construção de tendas para permanecer ali por mais tempo.
Pedro, Tiago e João reconheceram Moisés e Elias. Como? O texto não diz, porém as palavras de Pedro testificam isso. Os personagens históricos, que eles conheciam das profecias e de quem ouviram Jesus falar, estavam ali, em pessoa conversando com Jesus.
Outro aspecto relevante da perícope diz respeito ao testemunho do próprio Deus sobre seu Filho. Maravilhados pela transfiguração, vendo Jesus com seus interlocutores, percebem a presença de um quarto personagem. Uma nuvem envolveu-os e do meio dela veio a voz que disse: “Este é meu Filho amado, em quem me comprazo; a ele ouvi”. Ouvindo essa voz, os discípulos caíram de bruços, tomados de grande medo. As palavras ouvidas são parecidas como as ditas no evento do batismo de Jesus. A afirmação é um testemunho solene a respeito de Jesus como Messias e Filho de Deus, que quer entrar nos corações e mentes.
Nesse sentido, a parte final das palavras de Deus merece destaque – “a ele ouvi”.
2.1 – Transfiguração
No Novo Testamento, a palavra metamorphoõ é empregada quatro vezes: Mateus 17.2; Marcos 9.2; Romanos 12.2 e 2 Coríntios 3.18. Lucas, relatando a transfiguração, omite a palavra. No relato de Êxodo 34, a pele do rosto de Moisés resplandecia, depois de haver Deus falado com ele. Diferentemente de Moisés, na transfiguração de Jesus suas vestes também ficaram brilhantes: “brancas como luz”. Os três evangelhos sinóticos mencionam as roupas radiantes. A aparência total de Jesus foi transformada.
Os apóstolos encararam a experiência como um evento real. Pedro, em2 Pedro 1.16-18, utiliza a transfiguração como evidência da fidedignidade do evangelho cristão. Ele considerava que o evento histórico tinha um valor apologético convincente, pois declarou que ele mesmo fora testemunha ocular. Cabe ressaltar que o significado essencial do evento da transfiguração não se centraliza em um acontecimento passado ou futuro; centraliza-se, acima de tudo, na pessoa transfigurada. A voz do céu revela isso. As palavras proferidas por Deus relembram quatro passagens cristologicamente importantes: Salmo 2.7 sobre a realeza do Filho (“Ele me disse: Tu és meu Filho, eu, hoje, te gerei”); Gênesis 22.2 acerca do Filho amado (“Acrescentou Deus: Toma teu filho, teu único filho, Isaque, a quem amas, e vai-te à terra de Moriá; oferece-o ali em holocausto, sobre um dos montes, que eu te mostrarei”); Isaías 42.1 a respeito do servo escolhido em quem a alma do Senhor se compraz (“Eis aqui o meu servo, a quem sustenho; o meu escolhido, em quem a minha alma se compraz; pus sobre ele o meu Espírito, e ele promulgará o direito para os gentios”); e Deuteronômio 18.15 Último Domingo após sobre a profecia de Moisés (“O Senhor, teu Deus, e suscitará um profeta do meio de ti, de teus irmãos, semelhante a mim; a ele ouvirás”).
2.2 – Ouvir
Ouvir pode ter tanto um sentido de audição física como também apreensão de algo com a mente. Apreensão exige aceitação, escuta, compreensão e atenção à coisa ouvida. Na revelação bíblica, o “ouvir” tem significativa relevância, justamente porque Deus, em sua Palavra, encontra-se com o homem pelo ouvir. Isso não exclui a revelação de Deus na esfera visível. Na transfiguração, os apóstolos viram e ouviram.
Seguidamente, no Antigo Testamento, deparamo-nos com as seguintes afirmativas: “Assim diz o Senhor” e “Fala, pois teu servo ouve”. Essa última expressa a disposição daquele que recebe a revelação. Assim deveria ser a disposição de todos aqueles que querem ouvir ao Senhor. Ouvir ao Senhor é ouvir a Jesus, pois Ele é a palavra de Deus que se fez carne.
No Novo Testamento, além de outras acepções, o ouvir (akouõ) merece destaque quando perguntamos: como o homem ouve a mensagem do Novo Testamento? O conteúdo dessa mensagem é Jesus Cristo, o Messias prometido. Essa foi a revelação da voz que veio da nuvem. No entanto, também o ver está associado ao ouvir. Jesus disse: “Bem-aventurados, porém, os vossos olhos, porque veem; e os vossos ouvidos, porque ouvem. Pois em verdade vos digo que muitos profetas e justos desejaram ver o que vedes e não viram e ouvir o que ouvis e não ouviram” (Mt 13.16-17).
No monte da Transfiguração, os discípulos de Jesus viram a sua glória oculta e ouviram a voz que lhes dizia: “a ele ouvi”. Os pastores, que viram Jesus na manjedoura, voltaram glorificando e louvando a Deus por tudo o que tinham ouvido e visto, como lhes fora anunciado (Lc 2.20). A respeito disso, cabe ressaltar que o Novo Testamento não faz distinção entre a pregação de Jesus e a dos apóstolos. Esses são testemunhas autorizadas de Jesus. Ouvir a mensagem é ouvir a Cristo e ouvir a palavra da verdade (Ef 1.13; 4.20-21).
Constantemente, Jesus chamava a atenção de seus ouvintes: “quem tem ouvidos para ouvir, ouça” (Mt 11.15; 13.9; Mc 4.9; Lc 8.8); “ouvi e entendei” (Mt 15.10); “atentai no que ouvis” (Mc 4.24); “quem tem ouvidos para ouvir, ouça o que o Espírito diz às igrejas” (Ap 2.7,11,17; 3.6,13,22). Alguns eram receptivos às palavras, outros não. Lucas escreve (Lc 15.1ss) que, certa ocasião, muitos cobradores de impostos e outras pessoas de má fama chegaram perto de Jesus para ouvi-lo. Essas pessoas ouviam-no com devoção, com o coração. Entre as palavras duras ditas aos fariseus, Jesus disse que as prostitutas estavam tomando os lugares deles, isto é, estavam precedendo-os no céu.
3. Meditação
Ainda sabemos ouvir? Quando não queremos ouvir algo, tapamos os ouvidos. Entretanto, a declaração de Deus foge a qualquer tipo de som. Os três caíram no chão. Ela retrata o cumprimento da promessa feita pela boca dos profetas. Deus disse: “Este é o meu Filho amado”. Contudo, ela diz mais e é o próprio Deus dizendo: “a ele ouvi”.
A grande questão é que não mais sabemos ouvir. Talvez um dos grandes males de nossa sociedade, de nossa igreja, hoje, seja que as pessoas não mais sabem ouvir. Porém nós temos necessidade de ser ouvidos. Gostamos muito quando nos dão atenção. Para Deus podemos dizer tudo. Ele nos ouvirá com toda a certeza.
Mas nós ouvimos a Deus quando ele quer falar conosco? Ele está nos dizendo que Jesus é o seu Filho querido e que precisamos ouvi-lo. Somente aqueles que não creem em Deus não conseguem ouvi-lo. As Escrituras dão testemunho de Deus e de Jesus. Nelas, podemos ouvir voz de Deus e ser agraciados com a vida eterna. Muitos fariseus endureceram seu coração, murmuravam quando ouviam a multidão comentando a respeito do que Jesus fazia. Muitas pessoas murmuram hoje contra aqueles que ouvem e creem em Jesus. Jesus, para testificar que era o Filho de Deus, convidou Pedro, Tiago e
João para ir com ele ao monte. Havia um costume judeu de que as coisas eram confirmadas pelo testemunho de duas ou mais pessoas. E foi o que aconteceu. Os três viram a majestade de Jesus. Puderam ver aquela cena maravilhosa – Jesus em glória conversando com Moisés e Elias. Pedro, atônito, não queria que aquilo terminasse; queria fazer tendas para os três: Moisés, Elias e Jesus. Então uma voz veio de uma nuvem, foi o próprio Deus quem falou: “Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo; a ele ouvi”. A voz era tão forte, tão alta, tão poderosa, que Jesus precisou acalmá-los dizendo: “Não tenham medo”.
Falando sobre o evento, Pedro atesta em sua segunda carta: “Não vos demos a conhecer o poder e a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo seguindo fábulas engenhosamente inventadas, mas nós mesmos fomos testemunhas oculares de sua majestade, pois ele recebeu, da parte de Deus Pai, honra e glória, quando pela Glória Excelsa lhe foi enviada a seguinte voz: ‘Este é meu Filho amado, em quem me comprazo’. Ora, essa voz, vinda do céu, nós a ouvimos quando estávamos com ele no monte santo. Temos assim tanto mais confirmada a palavra profética, e fazeis bem em atendê-la, como uma candeia que brilha em lugar tenebroso; até que o dia clareie e a estrela da alva nasça em vosso coração” (2 Pe 1.16-19). Como ouvir verdadeiramente o Filho amado? A atitude das pessoas de má fama dá-nos um excelente exemplo. Nossa vontade, porém, na maioria das vezes, afasta-nos da presença de Deus. Através de uma simples leitura da Escritura podemos ouvir, pelo auxílio do Espírito Santo, a voz de Deus. Basta saber ouvir, mas nos enfadamos facilmente. Cansamos! Nem nos damos conta de que ela é uma linda canção de amor que Deus cantou para nós, pela boca dos profetas, pela boca dos apóstolos, e canta pela boca dos pastores, pela boca de todos os cristãos que testemunham a respeito de Jesus.
Os profetas cantaram essa promessa. Ela se cumpriu. Nós podemos ouvir essa bela canção – Jesus.
4. Imagens para a prédica
O próprio relato proporciona uma imagem que aguça o sentido dos ouvintes. Obviamente, é preciso narrá-la como se estivesse cativando a atenção de crianças para o evento maravilhoso e fantástico que se descortinou frente aos olhos daqueles apóstolos. Os sentidos da visão e da audição precisam ser aguçados. Os antigos contadores de histórias tinham a capacidade de pintar com as palavras imagens na mente das pessoas. O que nos diferencia deles é que não estamos mais acostumados a contar e nem ouvir histórias. Nós assistimos a filmes! Nós assistimos ao noticiário!
Caso a ênfase do sermão recaia sobre o ouvir, duas parábolas podem ser utilizadas como ilustração. A parábola do semeador, que saiu a semear, especialmente a explicação de que o próprio Jesus dá a seus discípulos, em Mateus 13, a respeito dela. A outra é a que termina o Sermão da Montanha (Mt 7.24ss) Jesus compara o homem que ouve e pratica a palavra de Deus com aquele que edifica a sua casa sobre a rocha. Em ambas, pode-se retomar a ideia do ouvir no sentido de apreensão, compreensão e atenção à coisa ouvida.
5. Subsídios litúrgicos
Oração (Coleta):
“Ó Deus, que na gloriosa transfiguração do teu unigênito Filho confirmaste os mistérios da fé pelo testemunho dos pais e que, por meio da voz que saiu da nuvem luminosa, predisseste de maneira maravilhosa a adoção de filhos, concede, misericordioso, que sejamos co-herdeiros do Rei em sua glória e no-la faze desfrutar; mediante Jesus Cristo, teu Filho amado, nosso Senhor. Amém.” (Liturgia Luterana)
Oração responsiva:
Oficiante – Ó Senhor, nosso Deus, tu tens feito grandes coisas por nós. Não há ninguém igual a ti. Tu tens feito muitos planos maravilhosos para o nosso bem. Ainda que nós quiséssemos, não poderíamos falar sobre todos eles, pois são tantos que não podem ser contados.
Congregação – Ensina-nos a esperar com paciência por tua ajuda, pois sabemos que tu escutas e ouves a nossa oração.
Oficiante – Ó Senhor, nosso Deus, tu nos deste ouvidos para ouvir, e por isso nós respondemos: “aqui estamos para ouvir as tuas instruções, registradas na Escritura Sagrada”.
Congregação – Ensina-nos a cantar uma nova canção e que seja um hino de louvor a ti, para que, quando as outras pessoas a ouvirem, ouçam a voz do teu Filho.
Oficiante – Ó Senhor, nosso Deus, na reunião de todo o teu povo, cantamos a boa notícia de que tu nos salvas.
Congregação – Ensina-nos a anunciar a notícia da tua salvação. Ajuda-nos a falar da tua fidelidade e do teu poder salvador.
Oficiante – Ó Senhor, nosso Deus, sabemos que nunca deixarás de ser bom para aqueles que ouvirem as palavras do teu Filho amado. Por isso, nós te pedimos.
Todos – Ouve a nossa oração. Amém. (Adaptada: Salmo 40)
Bibliografia
BROWN, Colin; COENEN, Lothar. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. V. 1 e 2. São Paulo: Vida Nova, 2000.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).