Epifania: é para todos os povos!
Proclamar Libertação – Volume 44
Prédica: Mateus 2.1-12
Leituras: Isaías 60.1-6 e Efésios 3.1-12
Autoria: Nádia Cristiane Engler Becker
Data Litúrgica: Epifania de Nosso Senhor
Data da Pregação: 06/01/2020
1. Introdução
Isaías anuncia que o tempo de humilhação e sofrimento que o povo vive será sucedido por um tempo de alegria radiante, em que o coração estremecerá e se dilatará de júbilo (v. 5). Isso acontecerá porque as trevas que encobrem a humanidade serão dissipadas pela luz gloriosa do Senhor. Essa luz iluminará e atrairá todas as nações. A luz não se deixa limitar pelas fronteiras: é desejo de Deus que sua luz ilumine e atraia todas as gentes, não apenas o povo de Israel! Também os povos do além-mar serão atraídos pela luz resplandecente! É desejo de Deus que todos sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento da verdade (1Tm 2.4). O apóstolo Paulo descreve esse desejo de Deus como um mistério a ele revelado: os gentios são coerdeiros, membros do mesmo corpo e coparticipantes da promessa em Cristo Jesus por meio do Evangelho (Ef 3.6). O que antes era mistério, agora foi revelado. O que estava na escuridão, foi trazido à luz.
O texto do evangelho relata sobre os magos, personagens de um país oriental que estudavam os astros e viam neles sinais do curso da história humana. Eles representam, antecipadamente, os povos não judeus que foram atraídos pela luz do Salvador nascido em Belém, que chegaram a reconhecer Jesus como o Messias e que se deixaram guiar pela sua luz.
O fio vermelho que perpassa as três leituras é a Epifania, a revelação da graça de Deus no Cristo nascido em Belém, que resplandece como luz sobre toda a humanidade e deseja atrair e guiar todos os povos, raças e culturas no caminho da paz. Existem pelo menos quatro possibilidades de aprofundamento: a) A temática do poder. b) A redenção de todos os povos. c) O medo que paralisa versus a fé que mobiliza. d) Qual luz me guia?
2. Considerações exegéticas
Em dias do rei Herodes: Herodes Magno governou de 37 a.C. até 4 a.C. Essa data permite concluir que houve equívoco na definição do início da era cristã: o nascimento de Jesus se deu, de fato, em torno do ano 6 a.C. Herodes não foi magno na condução dos negócios do Estado, mas na crueldade e na tirania. Pela força da espada, destronou a dinastia dos macabeus, matando vários de seus componentes. Com a ajuda dos romanos, conquistou Jerusalém, causando dentro dela um horrível banho de sangue. Era, por isso, profundamente temido e odiado pelos judeus. Sob seu governo, parecia que a bênção de Jacó seria convertida em maldição e que Israel iria ao encontro da sua ruína definitiva. Porém Herodes era “politiqueiro” e, na tentativa de conquistar a simpatia do povo, investiu numa majestosa ampliação do templo. Do outro lado, cortejava os romanos para obter seu favor.
Nesse contexto, eis que vieram uns magos. Com as partículas eis que é introduzido o surgimento do anjo que anuncia o nascimento de Jesus (1.20). A intenção é indicar surpresa. Sim, era algo inusitado que pagãos, que perante os judeus não valiam nada, viessem procurar pelo Messias. Os magos provêm, possivelmente, da Mesopotâmia, entre os rios Tigre e Eufrates, no antigo reino babilônico, onde os judeus haviam sido exilados seis séculos antes. Esses judeus da diáspora certamente propagaram sua esperança da vinda do Salvador, de modo que os magos, ao reconhecer nos astros o sinal indicado pelas Sagradas Escrituras, se puseram a caminho, seguindo a estrela. Ela mostra o caminho, mas não é capaz de levar os magos ao local exato. É a Escritura Sagrada que vai determinar a localização (v. 5s). A estrela desaparece e só se faz ver novamente quando a direção indicada pela profecia passa a guiar o caminho dos magos. Não são as estrelas, não são os astros que indicam o caminho. É a Palavra! (DREHER, 1985).
A pergunta pelo recém-nascido rei induz a enganos, pois sugere que a visita dos magos tenha acontecido imediatamente após o nascimento de Jesus. Porém, entre nascimento e visita, decorreu um tempo entre um e dois anos. O versículo 16 afirma que Herodes mandou matar todos os meninos com menos de dois anos. Maria também não ficou morando na estrebaria com a criança, mas havia encontrado abrigo numa casa (v. 11), certamente depois que as multidões que afluíram para Belém para o recenseamento haviam retornado para suas terras. O quadro que pintamos do nascimento de Jesus na estrebaria, com a estrela-guia e magos, portanto, não é biblicamente correto.
Os magos dizem: Viemos adorá-lo. No original, essa palavra significa ajoelhar-se e tocar com a testa na terra. Curvar-se dessa maneira é uma declaração de total sujeição à pessoa honrada.
Alarmou-se o rei Herodes, e, com ele, toda a Jerusalém. Imagino os magos decepcionados! Não apenas por que ninguém a quem perguntassem soubesse dizer algo a respeito do novo rei que havia nascido, mas também porque sua empolgação e alegria com a notícia causou susto e medo nas pessoas. Eles não sabiam que o medo do povo tinha razão de ser: Herodes era magno na tirania e não tolerava qualquer coisa que cheirasse a concorrência ou ameaça. O povo temia novo banho de sangue.
Para descobrir o local do nascimento, Herodes convoca o Supremo Conselho e obtém uma resposta: Belém da Judeia. Astuto, chama os magos e os inquire a respeito do tempo exato do nascimento do temido novo rei. Dissimulado, finge estar interessado em também ir adorá-lo. No fundo, porém, planeja sufocar na raiz qualquer movimento que ameaçasse seu poderio (2.16ss).
Após serem inquiridos por Herodes, os magos seguem sua busca. Eles viajam à noite. Andam no escuro, apreensivos pelas impressões colhidas em Jerusalém. Porém a aflição se dissipa diante do ressurgimento da estrela, a mesma que os havia guiado até ali! Estavam no caminho certo! E com intenso júbilo encontram a casa onde Maria e a criancinha estavam. Prostrados, o veneraram e, como era costume no Oriente, lhe presentearam: ouro, incenso e mirra. Alguns pais da igreja entenderam nesses presentes grande valor simbólico: o ouro, indicando que o menino é rei; o incenso, indicando a adoração devida a ele, visto ser ele o próprio Deus. E a mirra, de gosto amargo, oferecida à criancinha, indicando a amarga morte na cruz que sofreria para redimir a humanidade. Sendo três presentes, a igreja antiga também concluiu serem três os magos. Por fim, a tradição batizou-os de Gaspar, Melchior e Baltazar, que seriam representantes das três famílias de Cam, Sem e Jafé. Afirmou também serem três reis. Porém reis recebiam e não davam presentes. Reis eram venerados e não veneravam outros reis. O texto bíblico não informa nada disso. Todavia, informa que foram protegidos por Deus de serem manipulados pelo plano malévolo de Herodes ao serem prevenidos, em sonho, do intuito do tirano.
Esse fato é extremamente importante! Não apenas por salvar a vida da criancinha, mas porque, ao intervir e se comunicar ele mesmo com os magos, representantes dos povos pagãos, o próprio Deus releva (epifania!) que com o nascimento da luz do mundo, a fronteira que separava judeus e pagãos foi definitivamente ultrapassada. Por meio de Jesus, Deus estabelece contato direto com pagãos. Em resposta, os magos desobedecem à ordem de Herodes e decidem obedecer à voz de Deus, prenunciando o que Pedro afirma com claras palavras em Atos 5.29: Mais importa obedecer a Deus do que às pessoas.
Ao celebrar a Epifania no dia 06 de janeiro, dia dedicado à memória dos “reis” magos, a igreja cristã celebra a revelação de Cristo como o Redentor de toda a humanidade, como a luz que guia e atrai em meio à escuridão. A redenção que existe em Jesus é oferta graciosa para todos os povos e nações (Jo 3.16).
3. Meditação
É Epifania! Revelação de Deus! Nos textos previstos para a celebração deste final de semana, a revelação foi e segue sendo surpreendente: o Verbo se fez carne, habitou entre nós, cheio de graça e bondade, para redimir toda a humanidade, todos os povos, raças e culturas, não apenas o povo de Israel. Sua luz resplandece sobre toda a terra e deseja iluminar, guiar o caminho de todas as gentes até o Salvador. Como mariposas atraídas pela luz, assim os povos serão atraídos pela luz de Jesus, não para a morte, mas para a vida!
A exclusividade do povo escolhido encerra na manjedoura. Nesse início de evangelho já fica claro o mistério que vai ser revelado muitas vezes ao longo de todo o NT: Esse mistério não foi dado a conhecer aos homens doutras gerações, mas agora foi revelado pelo Espírito aos santos apóstolos e profetas de Deus, significando que, mediante o evangelho, os gentios são coerdeiros com Israel, membros do mesmo corpo, e coparticipantes da promessa em Cristo Jesus (Ef 3.5-6).
Os judeus sentiam-se seguros da própria salvação por serem povo escolhido de Deus, porém não atentaram para os sinais que indicavam que o tempo da profecia da vinda do Messias havia se cumprido. Enquanto isso, de longe vieram representantes de outros povos tidos como pagãos, atraídos pela luz, e dispostos a se deixar guiar e a obedecer. A pertença ao povo de Israel e à descendência de Abraão somente não são garantias de nada, como João Batista afirma logo adiante: E não digam uns aos outros: Abraão é nosso antepassado. Pois, eu afirmo a vocês que até destas pedras Deus pode fazer descentes de Abraão (3.9). Descendência e tradição não garantem nem limitam a ação de Deus. Assim como a luz não se deixa limitar e aprisionar, também a ação de Deus alcança todo o universo.
Além disto, cabe resgatar quem eram, de fato, os magos. A tradição cristã os transformou em reis e supervalorizou os presentes. Pela presença dos pobres pastores de ovelhas e dos reis magos com seus caros presentes na cena da manjedoura, tornou-se popular a interpretação de que pobres e ricos vieram adorar o Messias. É um detalhe que muda o sentido da história. Os magos representam os povos gentios, não os reis nem os ricos nem os poderosos. Esses não vieram adorar a criancinha. Herodes não foi adorar a criancinha! Seu interesse era macabro. Assim como tantos outros poderosos daquele e do nosso tempo, foi capaz de fazer manobras e cometer crueldades a fim de se manter no poder. Herodes é inteligente, controla sua raiva e medo, mostra-se bom. Estrategista e envolvente, busca aliciar os magos para colaborarem com seus interesses ocultos. Mostra-se interessado na religião, pede informações da Palavra aos sacerdotes e escribas. Investe até na ampliação do templo! Agindo assim, consegue manipular as autoridades religiosas, manipular o povo e manipular a própria Palavra para que corrobore sua ambição de permanecer no poder. Quanta semelhança com poderosos do nosso tempo! Mas não só! Também há muita semelhança com autoridades religiosas que servem a propósitos ideológicos ao propagarem discursos que mascaram a encarnação do evangelho libertador na pobreza, na marginalidade e na exclusão desde a sua primeira infância. Também há muita semelhança com o povo que, apesar de conhecer a Palavra, o poder e as promessas de Deus, fica paralisado diante da realidade. O medo é maior que a fé. E mesmo depois de ouvir sobre o nascimento do Messias, continua paralisado. Ninguém, além dos magos, vai à Belém.
Quem está no poder luta para não perdê-lo. Foi assim com Herodes e segue sendo assim até hoje. Mas todo poder opressor e enganador tem seu fim decretado pelo novo inaugurado com o nascimento de Jesus. Em oposição gritante a Herodes, o menino nasce no meio do povo, na pobreza, na exclusão, na marginalidade. Vem como luz que atrai, ilumina, guia. Não como dominador, tirano. Porém quem detém o poder não desiste fácil. O poder dominante irá perseguir Jesus até pregá-lo na cruz. E aqui, de novo, epifania! Revelação do poder de Deus capaz de transformar as forças da morte em vida, em esperança e em certeza de que, por mais escuro que seja o caminho, a luz sempre vence a escuridão!
Essa mensagem pode ser profundamente inspiradora diante da realidade política e econômica vivida hoje, onde muitas vezes nos vemos paralisados e sem forças para reagir. Não, os poderosos não desistem fácil! Mas a paralisia e o pensamento derrotista pertencem a quem não conhece o evangelho libertador, a força que vem da fé e a luz que guia em meio à escuridão! Essa luz, porém, não vem dos astros, das estrelas! Ela emana do próprio Deus que revela sua vontade e poder na manjedoura, na cruz e na sepultura vazia!
4. Imagens para a prédica
É início de ano. Certamente, como mariposas, muitas pessoas foram atraídas e estão se deixando guiar pela luz da astrologia ou outras fontes. Uma possibilidade para a pregação é refletir a partir desse aspecto, lembrando que a estrela guiou os magos ao lugar errado, a Jerusalém. Foi a Palavra que lhes corrigiu o rumo e indicou com clareza o caminho a seguir. Há muitas luzes! Nem todas iluminam o caminho até o Messias!
Outra imagem que pode ser explorada na reflexão de que a ação redentora de Deus em Jesus deseja alcançar todas as gentes é a da roda da bicicleta. O comparativo serve para falar das diferentes religiões, povos, culturas. Na roda, a parte de fora representa o mundo. A criancinha é o centro. Os raios representam as diferentes religiões, culturas e povos. Quanto mais no “mundo” as pessoas vivem, mais longe estão de Jesus, mais distantes estão umas das outras. Quanto mais se aproximam de Jesus, mais se aproximam umas das outras. Encontram-se, mas não se fundem. Correm lado a lado, convergem para o centro.
5. Subsídios litúrgicos
Oração do dia
Amado Deus, és Senhor de todos os povos, raças, culturas e nações! A luz e o brilho da tua Palavra encarnada penetram a escuridão que cobre a terra e sinalizam o alvorecer de justiça e paz. Ao sermos lembrados que tu te revelas na manjedoura, na cruz e na sepultura vazia, afasta de nós o medo que paralisa, fortalece-nos na fé que mobiliza! Que tua Palavra ilumine nossas vidas e guie todas as nações para andar unidas em tua luz. Nós te pedimos isso em nome de Jesus Cristo, o Verbo que se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e bondade! Amém!
Bibliografia
DREHER, Carlos A. Mateus 2.1-12. In: Proclamar Libertação. São Leopoldo: Sinodal, 1985. v. X.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).