O que fazer com o convite gracioso de Deus?
Proclamar Libertação – Volume 44
Prédica: Mateus 22.1-14
Leituras: Isaías 25.1-9 e Filipenses 4.1-9
Autoria: Erní Walter Seibert
Data Litúrgica: 19º Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 11/10/2020
1. Introdução
Jesus ensinou muitas vezes por meio de parábolas. Encontramos, nos evangelhos, cerca de 40 parábolas. Elas normalmente ajudavam as pessoas a assimilar lições complexas de uma maneira bem simples. Mas parábolas, ao mesmo tempo, ocultam certas verdades. Em Mateus 13.10-15, os discípulos perguntaram ao Mestre por que ele ensinava por meio de parábolas. A resposta de Jesus é intrigante. Se, por um lado, algumas pessoas chegam ao entendimento por meio de parábolas, por outro lado, há também aquelas a quem o ensinamento ficará oculto. Por tudo isso, quando estamos diante de uma parábola, é preciso alguma cautela para ver se estamos de fato entendendo o texto.
A parábola sempre era ensinada dentro de um contexto. O contexto ajuda a esclarecer o ensinamento da parábola. No caso da parábola em foco, podemos dizer que o contexto para sua compreensão começa no capítulo 21, com a chegada de Jesus a Jerusalém. Ali, na cidade mais importante da Palestina, a capital, ele vai ao templo. Esperava-se que no templo estivessem todos os que seriam salvos. Ali estavam os poderes religiosos, os que, em linguagem popular, representavam Deus. Mas, do pátio do templo, Jesus expulsou os que faziam o comércio “sagrado”. No dia seguinte, no mesmo templo, Jesus foi questionado sobre a legitimidade de sua autoridade pelos chefes dos sacerdotes e alguns líderes judeus. Jesus termina esse diálogo contando três parábolas: a dos dois filhos, a dos lavradores maus e a da festa do casamento. O que há em comum nas três parábolas é o fato delas mostrarem que nem todos os que parecem ter legitimidade de fato a têm. Nem todos são salvos. As aparências enganam.
2. Exegese
O tema da parábola é o “reino dos céus” (hē basileia tōn ouranōn). As expressões “reino de Deus” e “reino dos céus” têm sentido semelhante. Em Mateus, que foi escrito para judeus, é mais comum a expressão “reino dos céus”. Pode ser porque no contexto judeu havia restrições para usar o nome de Deus. Mas há mais que isso. Reino dos céus faz um contraste com os reinos deste mundo. A origem do reino, que é de Deus, não está neste mundo. O reino é dos céus. Ou seja, não é um reino qualquer, mas o próprio reino de Deus.
A imagem que descreverá o reino dos céus é do cotidiano: um rei preparando a festa de casamento de seu filho. Há empregados do rei envolvidos desde a distribuição dos convites até a preparação da festa. A festa tem fartura e um belo e grande local para sua realização. Aí começam os problemas.
Os mensageiros do rei que foram levar os convites tiveram problemas. Alguns convidados simplesmente não deram importância ao convite do rei e foram tratar do que achavam mais importante: negócios, trabalho e ocupações. Outros mensageiros inclusive foram agredidos e mortos. O rei se irrita ao receber essa notícia e manda matar os assassinos e queimar suas cidades. Essa é a primeira cena da parábola.
Até aqui a festa continuava marcada, mas não havia convidados para festejar. Aí vem a segunda providência do rei. Ele envia novamente seus empregados para distribuir convites, desta vez tentando trazer todos para a sua festa. Diz o texto que vieram “bons e maus” (ponērous kai agathous). Agora sim, o salão ficou cheio de gente. Aparentemente tudo estava bem.
Aí vem a terceira cena da parábola. O dono da festa, andando entre os convidados, viu que alguém não estava usando as roupas de festa. Esse convidado foi retirado da festa para um lugar escuro, onde chorava e rangia os dentes. E a conclusão da parábola diz: muitos são convidados, mas poucos são escolhidos.
Alguns aspectos da parábola não são difíceis de entender. O rei é Deus. A festa é dele. Ele é gracioso e quer dar a festa. Ninguém paga para estar presente. O convite foi dado primeiro a alguns e depois a todos. Ou seja, afinal o convite é universal. Ninguém é obrigado a aceitar o convite. Mas, por outro lado, o convite é tão especial que, se alguém não o aceita, o problema não está no convite, mas na pessoa que não aceita. O normal seria aceitar o convite.
Um detalhe interessante da parábola é que os que não aceitaram o convite tiveram uma atitude de menosprezo ao convite e alguns até de violência contra o convite. Não há razão nenhuma para uma pessoa que não quer aceitar um convite ser violenta contra o mensageiro. Mas na parábola contada por Jesus esse detalhe aparece.
Outro ponto de destaque é na terceira cena da parábola, quando é encontrado um convidado sem roupa de festa, ele é expulso da festa. Aparentemente, ele não estava fazendo nada de errado. Apenas não tinha a roupa adequada. Mas, na cultura daquele tempo, e de certa maneira até na cultura brasileira, numa festa de casamento, ninguém nos diz que roupa devemos usar, mas usamos a melhor roupa para honrar aqueles que nos convidam. Se aceitamos o convite, queremos honrar quem nos convidou. Se não nos portamos de forma adequada, não deveríamos estar na festa.
Com esses destaques no texto, podemos tentar entender a parábola. Deus convida as pessoas para o seu reino. Estar no reino dos céus é como estar numa preciosa festa de casamento. Os convites são feitos pelos “mensageiros” ou servos de Deus. Ninguém é obrigado a aceitar o convite. Mas até hoje muitos desprezam esse convite e muitas vezes os mensageiros são perseguidos e até mortos. Parece estúpido, mas continua acontecendo.
Deus continua convidando a todos. Ele insiste que quer todos no seu reino. A dignidade não está no convidado, mas naquele que convida. O convite é gracioso. Os que aceitam o convite naturalmente sabem que nessa festa o comportamento adequado é usar a veste nupcial. Quem aceita o convite se porta de maneira adequada para honrar seu anfitrião. Se ele não fizer isso, ele será jogado para fora da festa.
No contexto bíblico, quando Jesus contou essa história, seus interlocutores que ocupavam lugares de destaque na religião e sociedade entenderam o recado. Eles passaram a perseguir o “filho do rei” que lhes trazia o gracioso convite. Como isso ocorre na nossa sociedade hoje? Todos os que estão na igreja vão ser salvos? Como deveria ser o nosso comportamento de convidados na festa do rei?
3. Meditação
Quando pensamos no que esse texto nos traz de mensagem para hoje, vamos nos surpreender como essa parábola pode ser atual.
A pregação normalmente é feita no ambiente da igreja. Os ouvintes, em sua maioria, se não na totalidade, são membros da igreja. O que esse texto diz para as pessoas que estão na igreja? Com quem elas se identificam? Elas são os convidados? Elas são os mensageiros que saem a convidar as pessoas? Alguém pode se identificar com os dois personagens? Será que alguém persegue os mensageiros de Deus nos dias de hoje? A igreja cristã é a religião mais perseguida em nossos dias e com maior número de mártires. Que pensamos dessa situação? O que podemos fazer para mudar isso? É possível mudar?
Ainda pensando nos membros da igreja, quem seriam as pessoas que estão sem veste adequada para a festa? Por que apenas o rei percebeu que elas estavam sem a roupa adequada? Qual seria a “roupa” adequada para estarmos nas bodas do filho do rei? Todos esses questionamentos ajudam a contextualizar o texto.
Podemos, no entanto, ir adiante na contextualização da história em nossos dias. Quando os servos do rei saíram a fazer convites para a festa de casamento, eles encontraram pessoas que não deram atenção ao convite e algumas chegaram a matar os mensageiros. Onde encontramos oposição ao convite de Deus hoje? Como essa oposição se manifesta? Na parábola, o rei mandou destruir as cidades onde havia pessoas que se opuseram ao seu convite. Isso ainda acontece hoje? Deus interfere na vida daqueles que não aceitam seu convite? Ou isso apenas é força de expressão?
Todas essas perguntas podemos nos fazer ou ajudar os ouvintes a fazerem. Muitas dessas perguntas, possivelmente, não têm respostas absolutamente certas ou erradas. Devemos ouvir a reflexão que o texto bíblico provoca. As perguntas são delicadas e fortes. O que fica evidente na história é que o convite é gracioso, que o rei quer que as pessoas estejam na festa. A história ressalta o amor do rei e que ele não é indiferente ao que acontece.
É importante que a mensagem tenha, como na parábola, esse direcionamento. Embora a história mostre que nem todos serão salvos, em nenhum momento ela dá a entender que há injustiça na posição do rei, ou que seu convite não seja sincero e bom. Ir à festa e honrar o rei com a vestimenta adequada é o que se espera de cada pessoa.
A essência do convite vemos na pessoa e obra de Jesus Cristo, o filho do rei. Ele convida a vir a ele os cansados e sobrecarregados. Ele tem piedade de todos. Ele oferece sua graça dando perdão, vida e salvação.
Nessa etapa da preparação homilética é elaborado o esboço da pregação. O título do auxílio homilético pode servir como tema da pregação. É útil para o ouvinte preparar um título de tal forma que ele provoque uma pergunta na mente do ouvinte. Isso faz com que a pregação seja um diálogo com o ouvinte. As respostas à pergunta do ouvinte serão as partes da pregação.
Sugerimos como título a seguinte frase: O que fazer com o convite gracioso de Deus?
a) Rejeitar
b) Aceitar e viver de forma indigna
c) Aceitar e viver uma vida de fé
4. Imagens para a prédica
A imagem mais forte para a prédica nos é dada pelo próprio texto. Quem nunca recebeu um convite de casamento? Como reagimos quando recebemos um convite? Sempre ficamos felizes? Quais os convites que recebemos e não gostamos? Se ficamos felizes, por que ficamos assim?
No reino dos céus, quando recebemos convites, como reagimos? Sempre estamos dispostos a aceitar, ou temos mil e uma desculpas para não aceitar? Quando não aceitamos os convites no reino dos céus, nos lembramos de que estamos rejeitando aquele que nos está convidando? Como deveríamos reagir de forma positiva?
A segunda imagem que podemos explorar é a da roupa adequada para a festa. Alguns convites para festa já dizem qual é a roupa adequada que se espera que os convidados usem. Nos casamentos, a preocupação com roupas adequadas, aparentemente, é só dos noivos, dos pais dos noivos, dos padrinhos e dos aios ou pajens. Mas, sabemos que, na verdade, todos se preocupam com a roupa adequada.
Evidentemente a imagem da roupa adequada tem a ver com o comportamento adequado das pessoas no reino dos céus. Esse comportamento adequado é opcional, é devido, ou é algo natural? O comportamento adequado da pessoa cristã no reino dos céus é para conquistar méritos (é devido), é opcional (cada um faz como bem entende), ou ele é um fruto espontâneo da fé? Por que vivemos a vida cristã e qual a maneira adequada para essa vida?
5. Subsídios litúrgicos
O texto do Antigo Testamento para este domingo, Isaías 25.1-9, também utiliza a imagem de uma festa, um banquete, para descrever o amor de Deus e a obra da salvação. Deus, por sua graça e amor, prepara esse delicioso banquete para seus filhos. O texto da epístola, Filipenses 4.1-9, apresenta vários conselhos. Nas leituras da série trienal, muitas vezes, a leitura da epístola segue uma sequência própria, dando oportunidade para quem prega de fazer uma série de prédicas sobre um livro específico da Bíblia. Esse é o caso dessa leitura da epístola. Ela não está diretamente relacionada com as demais leituras do dia.
No entanto, no culto cristão, a imagem da festa, do banquete, para o qual Deus convida está presente de forma muito especial na celebração da Santa Ceia. Valorizar a Santa Ceia como uma refeição onde participamos comunitariamente da celebração da graça de Deus pode ser feito na pregação. Embora o texto não esteja relacionado com a Ceia e deva-se tomar cuidado para não forçar comparações para além do texto, mencionar esse sacramento é perfeitamente possível.
O próprio ambiente do culto, normalmente, lembra uma festa. Há música, são cantados hinos, o lugar do culto é enfeitado com flores e outros adornos que mostram que estamos em um ambiente festivo.
Bibliografia
BÍBLIA DE ESTUDO NAA. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2018.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).