Proclamar Libertação – Volume 32
Prédica: Mateus 24.36-44
Leituras: Isaías 2.1-5 e Romanos 13.11-14
Autor: Anelise Lengler Abentroth
Data Litúrgica: 1º Domingo do Advento
Data da Pregação: 02/12/2007
Tema: Advento
1. Introdução
A imagem da esperança para o antigo Israel é Deus presente no mais alto monte. De lá ele governará as nações. Deus ensinará, e os povos andarão no seu caminho. Deus será o juiz das nações, e não haverá mais guerras e opressão. As armas serão transformadas em instrumentos de trabalho. A paz reinará.
Para as primeiras comunidades cristãs, a esperança está no novo tempo, prestes a irromper. A noite está terminando. A luz vem vindo. A luz deve vencer as trevas. Mas para isso é preciso viver na luz, como criaturas de Cristo, revestidos com as armas que ele ensinou. São elas que podem vencer os desejos da natureza humana, pois essa natureza tem afastado as criaturas de seu Criador, de si mesmas e do próximo.
Eis que um novo Advento chegou! O que há de novo entre nós? Qual a mensagem que traz novidade? Onde reside nossa esperança?
O que percebemos em nossas comunidades é um tempo de muitos afazeres, muito trabalho, muito cansaço. As propostas da sociedade de consumo acirram-se e invadem todos os espaços. Casas, ruas, escolas, cidades inteiras estão coloridas, enfeitadas. Mas e as pessoas, como estão? O que foi feito delas durante todo o ano? Qual a esperança capaz de manter o seu ânimo de vida?
Não dá para viver sem esperanças… Também não dá para viver de ilusão… Esperança é a essência da fé. Mas que esperança?
Convidamos você para refletir conosco, pois o texto bíblico proposto para a pregação nos quer admoestar e nos acordar para caminhar, vigilantes, na luz que Deus faz renascer em nós.
2. Exegese
O texto do Evangelho de Mateus 24.37-44 encontra-se na parte em que é tratada a vinda definitiva do reino de Deus. Os capítulos 24 e 25 podem ser chamados de “Sermão da vigilância”.
Pelo que parece, Mateus chamava-se Levi, filho de Alfeu (Mc 2.14). Era publicano a serviço do império romano. Esse homem recebe um chamado de Jesus e passa a segui-lo.
O Evangelho de Mateus começou a surgir entre 85 e 90 d.C. Ele foi escrito para as comunidades judaico-cristãs, dispersas entre a Galiléia e a Síria (Mt 4.13-16.24).
Desde o ano 66 d.C., os judeus da Palestina revoltaram-se contra a ocupação romana. A guerra acabou por volta de 73 d.C., quando a imponente fortaleza de Massada foi tomada pelos romanos. A terra estava arrasada. Jerusalém era um monte de ruínas. O templo destruído não servia mais para o culto nem para sacrifícios e holocaustos. Os grupos político-religiosos, tais como saduceus, zelotes e essênios, tinham desaparecido. Os únicos que permaneceram organizados foram os fariseus, que se uniam em torno das sinagogas.
Também existiam as comunidades judaicas da diáspora, espalhadas pelo império. No lugar do culto centrado nos sacrifícios, a vivência religiosa passou a ser a observância da Lei e o culto nas sinagogas em torno da palavra de Deus (Torá).
Os rabinos passaram a ser os guardadores da fiel doutrina. Assim foram expulsas das sinagogas todas as correntes de pensamento diferentes dos ensinamentos dos fariseus. No meio delas estavam homens e mulheres que passaram a crer que Jesus de Nazaré era o Filho do Homem, o Messias prometido por Deus e esperado por tantas gerações.
Mateus apresenta Jesus como o novo Messias, revelador da nova e verdadeira Lei. As comunidades eram continuadoras da caminhada iniciada por Abraão. Elas eram o povo de Deus.
O texto em questão foi escrito num tempo muito difícil. Além das pessoas serem expulsas de suas terras, agora também foram das sinagogas. As perseguições continuavam. O governo romano castigava o povo com altos impostos. O trabalho era árduo. Havia muitos sem trabalho, e as dívidas ameaçavam a liberdade.
Enquanto o Evangelho de Marcos, escrito pelo menos 20 anos antes e lido entre eles, tinha como pergunta: “Quem é Jesus de Nazaré e como segui-lo?”, o Evangelho de Mateus tenta responder a uma nova pergunta, que está sendo feita pela comunidade: “Quem somos nós e qual é nossa missão?”. A comunidade precisa descobrir maneiras de viver a solidariedade, pois a imposição, a violência e a exclusão abriam feridas que precisavam ser tratadas e curadas. A esperança necessitava de raízes, de seiva, para produzir os frutos.
No final do primeiro século, as comunidades judaico-cristãs viviam na expectativa da vinda imediata de Cristo. Elas perguntavam: “Quando Jesus vier, será que serei tomado ou deixado? O que fazer para não ser pego de surpresa?”. É nesse contexto que está o nosso texto.
2.1 – Estrutura
V. 37-39 – A vinda do Filho do Homem é comparada ao tempo de Noé. Muitos se achavam seguros. Resolviam as suas necessidades básicas e estabeleciam-se com suas famílias. Esses, porém, não “viam” nem percebiam o que estava acontecendo ao seu redor. Não entenderam os sinais. O dilúvio veio e levou todos.
V. 40-41 – Mostram duas situações de trabalho. Uma, do universo masculino; e outra, do universo feminino. Percebe-se que há ouvintes mulheres e homens. A exigência é para ambos. Dois homens fazem o mesmo trabalho. Duas mulheres fazem o mesmo trabalho. Mas apenas um e uma serão levados.
V. 42-43 – Inicia e termina com o alerta: “Fiquem apercebidos (preparados, equipados, disponíveis, dispostos, decididos, abertos…). Isso porque ninguém sabe a hora. O Senhor vem de surpresa, quando não se espera. A lembrança ou comparativo com o roubo lembra o estrago, o susto, o desgosto que isso causa. Porém não aconteceria se o dono da casa estivesse preparado ou soubesse a hora do infortúnio.
3. Meditação
Qual é a pergunta que as comunidades fazem hoje? Ainda perguntam: Quem é Jesus? Quando ele vai voltar? Nas conversas com adolescentes e adultos não encontro essas perguntas. O viver hoje, com suas demandas, expectativas e frustrações, é que toma conta das conversas. É a safra que foi boa ou não, são os preços dos produtos, o desemprego, as dificuldades com a saúde, os relacionamentos “quebrados”… são esses os assuntos que estão no horizonte.
Creio que tematizar a pregação, partindo da preocupação com a vinda de Cristo, como era iminente no primeiro século, é trazer para o centro aquilo que não corresponde à pergunta que não quer calar.
Penso que a abordagem para o texto pode partir da pergunta pelo conteúdo de nossa esperança. O que estamos esperando? Para que acordamos todas as manhãs? Podemos comparar o nosso jeito de viver hoje com o povo, antes e talvez depois, do dilúvio. Antes, se pensarmos que, enquanto temos comida, casa para morar, salário e renda, vivemos aparentemente tranquilos. Sofremos um pouco com as exigências: querer melhorar, ganhar mais, comprar mais… O sonho, então, é para esta vida ou, no máximo, para desfrutar de uma boa aposentadoria.
Sabemos, porém, que, na realidade, são poucas as famílias que vivem dessa esperança. A grande maioria vive o “pós-dilúvio”. Tudo arrasado, muito por construir. São os migrantes da colônia para os centros maiores ou aqueles muitos que estão sobrando no sistema econômico reinante, com pouco estudo e pouca ou muita experiência.
Talvez o que nos faz traçar um paralelo com o povo de Noé é que a maioria não compreende o que está acontecendo. Estão como que anestesiados. Estão sem sonho algum.
O texto dá pistas: as pessoas estarão trabalhando. Envolvidas com sua sobrevivência e a de suas famílias, mas um será levado e outro deixado. Percebe-se que há maneiras diferentes de compreender o mesmo trabalho. Então lembro da canção: “Libertação se alcança no trabalho, mas há dois modos de se trabalhar. Há quem trabalha escravo do dinheiro e quem procura o mundo melhorar”.
Os termos “fiquem apercebidos, fiquem vigiando” estão nos admoestando: há coisas para ver, para compreender, para perceber. Tem posições a tomar, tem atitudes. É preciso estar preparado e alerta para que o ladrão não faça estrago, não cause dano.
A esperança cristã não se limita a esta vida, nem às seguranças que a sociedade propõe. Mesmo quando fala em sucesso, vitória e riqueza em nome de Cristo. Isso não é esperança. É idolatria! É extorsão! É venda de ilusão!
Mas a esperança cristã também não pode ser remetida somente para a eternidade. Ela está firmada na promessa de Deus, que foi anunciada pelos profetas e se cumpriu no Natal. Cristo é a palavra viva. Palavra que faz a comunidade cristã descobrir maneiras diferentes de trabalhar e de se organizar, onde a solidariedade e a inclusão estão acima do lucro ou de qualquer vantagem pessoal.
A comunidade retratada em Mateus vivia da esperança de que não só os cumpridores da lei seriam os escolhidos. Os eleitos serão aquelas pessoas que vivem da luz que Deus dá, com as “armas” do Senhor Jesus. Com certeza essas “armas” são bem diferentes daquelas que somente buscam satisfazer os desejos da natureza humana e do modelo econômico que nos domina. Para fazer frente a isso, a comunidade precisa aperceber-se da realidade e de como ela funciona. Vai descobrir a idolatria reinante, e então sim vigiar e guardar a casa, para que nela a proposta de Cristo seja vivida e ensinada.
4. Imagens para a prédica
No calendário cristão, o 1° Domingo de Advento inicia um novo ano. O anúncio é a vinda do Messias anunciado/prometido. Quando o velho termina e o novo vem vindo, renovam-se as esperanças… É de esperança que queremos falar.
Propomos que se inicie a pregação trazendo as imagens de esperança de Isaías 2.1-5: Deus será o juiz das nações. As armas de guerra se transformarão em instrumentos de trabalho. Para que haja pão em todas as mesas, para que haja paz.
Em Romanos 13.11-14, a esperança está no momento da promessa se cumprir: Cristo voltará. Chega de trevas e escuridão. O dia vem chegando. É preciso viver como quem vive na luz, com as armas que Cristo nos dá.
Então sugerimos uma breve encenação: várias pessoas caminhando desordenadamente. Cada uma segura um cartaz no qual está escrita a sua esperança (emprego, saúde, casa própria, faculdade, viagem, casamento, carro novo etc.). Uma a uma, elas ajoelham-se diante da cruz. Podem colocar dinheiro e objetos aos pés da cruz. A cena é congelada.
O pregador pergunta: Quem vai realizar tantos desejos, tantas esperanças? A fé mágica dirá: Deus! A fé comercial remeterá todos para a busca de soluções individuais, “compráveis”, comercializadas, como: auto-ajuda, igrejas da prosperidade, compra de produtos esotéricos, promessas etc. Mas nós, povo cristão, o que nós temos a dizer? As necessidades das pessoas são consequência da forma como nos organizamos e vivemos como sociedade. A encenação até aqui nos mostrou o grande individualismo reinante e a busca pela satisfação de desejos pessoais, normalmente bem privados e egoístas. Podemos parar para refletir e perceber o que estamos fazendo, como estamos sendo levados a viver. Agora é hora de deixar o evangelho falar. Ele nos chama para vigiar, ficar apercebidos e equipados para viver uma outra proposta: a proposta de Cristo.
A encenação pode seguir, mostrando as pessoas se encontrando, lendo as placas uns dos outros. Algumas riscam o seu sonho consumista e escrevem outra palavra. Outras, em grupo, buscam pão, água, agasalho, carteira de trabalho, livros etc. Pode-se terminar formando um círculo de braços dados. Esse círculo se abre, e as pessoas vão abraçando as demais presentes, propondo que o abraço se espalhe.
No final, lembremos que a nossa esperança está firmada naquele que vem vindo, que veio e que virá. Ele trouxe uma nova proposta de vida, um novo jeito de se organizar, baseado na partilha, na solidariedade, no amor e na justiça.
5. Subsídios litúrgicos
Acolhida
Tema
Caminhemos, vigilantes, na luz que Deus faz renascer em nós.
TEM CAMINHO
Tem caminho.
Pela frente,
Tem caminho.
Se a gente
Decidir ir.
Tem caminho.
E no caminho
Não se vai Sozinha.
Sozinho.
Se vai com a vizinha.
Com o vizinho. Porque sós
Não somos de nada
Na estrada.
E tem estrada Pela frente. Tem estrada…
(Louraini Christmann, A vida em poesia)
Confissão de pecados:
Ó Deus!
Teu povo tem esperado e confiado em tuas promessas. Às vezes, caindo na tentação de transformá-las em bênçãos individuais, particulares. Temos nos tornado indiferentes às necessidades do próximo. Somos levados a viver de modo consumista e deixamos de vigiar. Optar pela luz que Cristo nem sempre tem sido a nossa escolha. Por tudo isso pedimos humildemente:
Comunidade:
Tem compaixão de nós e perdoa-nos, ó Deus!
Kyrie:
Ó Deus, em ti esperamos!
Espera a criança órfã por um lar… Espera o doente na fila do SUS…
Espera a pessoa idosa pela visita, pelo carinho…
Esperam o trabalhador e a trabalhadora pelo valor de seu trabalho… Espera o povo por leis justas que valham para todos…
Espera o pai, espera a mãe pela criança que vai nascer…
Esperamos, todos nós, pela paz, por mudanças de mentes e de corações… Tem piedade de nós, Senhor!
Oração do dia:
Amado Deus!
Mesmo em tempos de maior sofrimento e dificuldades, tu mantiveste o teu povo em pé. Renovaste a fé e mostraste o caminho. Deste a tua luz para que lutasse pela vida. Essa esperança se renova por causa da tua palavra, do teu evangelho. Deixe que ele nos encontre vigilantes, apercebidos do que nos tem impedido de ser um povo feliz, que partilha e celebra a vida que recebeu de tuas mãos. Isso te pedimos por Jesus Cristo, teu filho amado e nosso Salvador. Amém
Oração de intercessão:
Deus de toda a esperança!
Oramos a ti neste novo tempo. Tempo de espera, de preparo, de arrependimento. Pedimos por tua igreja no mundo todo, para que esteja vigiando e se apercebendo da realidade em que está. Dá que ela use as armas que Cristo dá para experimentar reconciliação, solidariedade, inclusão e paz.
Pedimos pelas autoridades constituídas, para que elas escutem a tua voz e te obedeçam. Que elas não impeçam o teu povo de transformar espadas e lanças em arados e instrumentos de trabalho, para que o pão chegue em todas as mesas
Permita, ó Deus, pela força do teu Santo Espírito, que a tua comunidade experimente sinais de transformação onde hoje existem violência e exclusão.
Intercedemos por todas as pessoas que sofrem. Lembramos dos doentes (mencionar nomes, se preferir), das famílias enlutadas (mencionar nomes, se preferir), daqueles que estão desorientados e abatidos. Esteja com todos os que procuram andar na tua luz e levar esperança e ânimo para quem precisa.
Recomendamos a ti todos os trabalhos e iniciativas comunitárias que procuram mudar a triste realidade em que vivemos. Que o Cristo que vem vindo nos ensine a viver com outros valores, em que a dignidade humana e da tua criação estejam acima de tudo.
Pai nosso.
Bibliografia
CEBI. Travessia: quero misericórdia e não sacrifício. A palavra da vida, nº 135/136.
CEBI. Feliz quem tem fome e sede de justiça: a Boa Notícia segundo a comunidade de Mateus. A palavra da vida, nº 134.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).