Prédica: Mateus 25.1-13
Leituras: Amós 5.18-24 e I Tessalonicenses 4.14-18
Autor: Ivoni Richter Reimer
Data Litúrgica: Antepenúltimo Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 07/11/1999
Proclamar Libertação – Volume: XXIV
Tema:
Lembrando do texto e do seu uso na Igreja
O que tenho vivenciado sobre o uso do texto de Mt 25.1-13 faz parte da história interpretativa do mesmo. Participei, por exemplo, do enterro de um jovem que morreu em acidente automobilístico. O texto para a reflexão foi Mt 25.1-13, acentuando que devemos estar preparados para a morte… Outro momento de encontro com o texto em seu uso prático-eclesial são auxílios homiléticos e pregações para o Ultimo Domingo do Ano Eclesiástico. Portanto, o contexto de uso desse texto é o da morte… Também neste ano, mesmo que ele seja abordado e refletido no Antepenúltimo Domingo após Pentecostes, encontra-se próximo do contexto do Dia de Finados e do Último Domingo do Ano Eclesiástico. Além disso, os textos de leitura bíblica, principalmente l Ts 4.13-18, fazem referência à morte. No entanto, não é a morte que marca esses textos, e sim a parúsia, a vinda do Cristo. Diante da parúsia, o chamado e a admoestação se resumem ao estar preparada/o, sem estresse de última hora. A motivação para isso é a esperança, a certeza da parúsia. Assim, o fio condutor que perpassa os textos de leitura neste domingo fala da esperança ativa e tranquila que vai construindo relações de justiça e de paz, por causa da certeza da ressurreição e da parúsia. Devemos e podemos estar preparadas/os para a Grande Festa!
Olhando um pouco para trás…
Na História da Igreja, principalmente até a Idade Média, o texto de Mt 25.1-13 foi muito usado, ajudando a formar a espiritualidade cristã, inclusive da Reforma. Nenhuma outra parábola teve tanta receptividade na arte eclesiástica (em pinturas e esculturas) como essa das Dez Virgens. Por que tantos homens tanto se interessaram por essa parábola? Um dos motivos da popularidade é que a parábola suscitou (ao menos em artistas e teólogos homens) modelos de identificação direta, que foram usados para sustentar interesses eclesiásticos e sociais em prejuízo das mulheres. Talvez por isso é que no tempo moderno e na atualidade esse texto não teve muita repercussão e estudo, principalmente no que si refere à pesquisa realizada por mulheres (1), apesar de tratar-se de uma das pouquíssimas parábolas neotestamentárias que têm mulheres como sujeito. Pre¬cisamos nos perguntar em que consiste a dificuldade de trabalharmos esse texto. Será que é o jeito de falar sobre mulheres? É o tema que nos causa dificuldades? Confundimos a história interpretativa com o texto propriamente dito, ou será que ela se sobrepôs ao texto? Fato é que Mt 25.1-13 geralmente foi lido com a tendência de colocar as cinco virgens tolas no centro da atenção, usando-se o texto opressivamente enquanto possibilidade de identificação negativa e como instrumento disciplinar e repressor de desejos de mulheres (veja, abaixo, excurso sobre a história interpretativa).
… para melhor poder olhar para a frente!
Aqui e hoje, portanto, se nos apresenta uma oportunidade de avaliar a história desse texto e, quem sabe, lançar novas perspectivas para um trabalho necessário e construtivo também com este texto.
Um primeiro passo importante é situar nossa perícope dentro de todo o Evangelho de Mateus, para entendê-la dentro de um objetivo maior. A estrutura de Mateus facilita essa visualização:
I Apresentação de Jesus (1.1-4.16)
II Revelação de Jesus, rejeição por parte dos dirigentes de Israel, construção da Igreja (4.17-16.20)
III Caminho para Jerusalém, confrontação, morte e ressurreição (16.21-28.20)
1. Caminho para Jerusalém (16.21-20.34)
2. Confrontação de Jesus em Jerusalém (21.1-25.46)
a) Seção profética (21.1-23.39)
b) Seção apocalíptica (24.1-25.46): quinto discurso em Mateus
* Discurso apocalíptico (24.1-44)
* Continuação do discurso, em parábolas (24.45-25.30)
– do servo fiel/prudente e do servo mau (24.45-51)
– das virgens sábias e tolas (25.1-13)
– dos talentos (25.14-30)
* Discurso sobre o juízo final (25.31-46)
3. Paixão e ressurreição de Jesus (26.1-28.20)
A parábola de Mt 25.1-13 encontra-se entre duas outras parábolas, na seção apocalíptica, dentro da confrontação de Jesus com as autoridades religiosas e econômicas em Jerusalém. Ela faz parte do quinto discurso em Mateus (2), que acontece depois que Jesus saiu do templo. A parte central do discurso, caracterizada pelas parábolas que são intercaladas por imperativos, acentua o correto reconhecimento e a necessidade de vigiar. O não-saber-a-hora também é característico no contexto. As dez mulheres virgens são representativas para toda a comunidade, que para Mateus é um corpo misto (p. ex. 13.24-30). O objetivo das parábolas é convidar as pessoas a reconhecerem o momento e a viverem sua fé em todos os momentos.
Mateus não está interessado em fazer e alimentar especulações a respeito do tempo e do fim dos tempos. A ele interessa a práxis da fé. A parúsia é esperada com tanta certeza (24.14,29,32-35) que é por isso mesmo que a pane parenética é tão radical (24.32-25.30). O que permeia todo o contexto é a convicção, presente em todo o Evangelho de Mateus, de que o Jesus Emanuel acompanhará a sua comunidade através de todas as dificuldades no presente. Por isso, a fidelidade e o estar-preparada/o são possíveis!
O ponto central da parênese em Mateus mostra que o importante não é tanto a proximidade (ou não) da parúsia, mas exatamente o não-saber-quando, pois é esse que conduz a um constante vigiar. Assim, para Mateus, o último dia e a vinda de Cristo são uma possibilidade totalmente atual a cada novo dia. É necessário desistir de qualquer especulação sobre tempo e tempos, e contar com a interferência de Deus a cada momento. É relevante o fato de que Mateus, nessa parte central de seu Evangelho, apresenta essa parábola de Jesus, que tem também mulheres como protagonistas. As dez mulheres virgens podem nos ajudar a entender melhor a realidade e a dificuldade não apenas do crer e do ter esperança, mas do estar preparada/o, e por isso, poder viver tranqüilamente.
Buscando entendimento do texto
O texto de Mt 25.1-13 será traduzido conforme sua estrutura interna, assim esquematizada:
vv. 1-5: descrição introdutória com informações sobre os sujeitos
vv. 6-12: a parábola propriamente dita
v. 13: chamado à vigilância
l Então o reino dos céus será semelhante a dez virgens que, pegando suas tochas, saíram para ir ao encontro do noivo.
2 Cinco delas, porém, eram tolas e cinco eram sábias.
3 Pois as tolas, pegando suas tochas, não levaram consigo azeite/óleo.
4 Mas as sábias levaram azeite nos recipientes (junto) com as suas tochas. 5 Visto, porém, que o noivo demorava a chegar, todas elas ficaram com sono, e dormiram.
6 No meio da noite, porém, houve um clamor: Eis o noivo! Saí ao (seu) encontro!
7 Então levantaram-se todas aquelas virgens e arrumaram as suas tochas. 8 Mas as tolas disseram para as sábias: Dai-nos do vosso azeite, porque as nossas tochas estão apagando!
9 Mas as sábias responderam dizendo: Talvez não seja suficiente para nós e para vós. Ide, ao contrário, aos vendedores, e comprai para vós mesmas!
10 Mas quando elas saíram para comprar, veio o noivo; e as que estavam preparadas entraram com ele para a festa de casamento, e a porta foi fechada.
11 Mais tarde, porém, chegam também as outras virgens, dizendo: Senhor, Senhor, abre (a porta) para nós!
12 Ele, porém, respondendo, disse: Em verdade vos digo: Não vos conheço!
13 Vigiai, pois, porque não conheceis nem o dia nem a hora!
Este é um texto-chave para entendermos tanto a realidade quanto a teologia de Mateus e sua(s) comunidade(s). Esta parábola não tem texto paralelo. Pertence, portanto, ao material exclusivo de Mateus. No final do texto (vv. 11-12), há uma retomada modificada do final do Sermão da Montanha (Mt 7.21 e 7.23), que pode servir de auxílio para a compreensão. Vejamos em partes:
Descrição introdutória: Mt 25.1 serve de apresentação geral da perícope. Inicia com um então, ligando essa perícope com a anterior, dando continuidade ao discurso apocalíptico. A grande novidade é que, no quinto discurso em Mateus, somente aqui temos uma parábola sobre o reino dos céus (= reino de Deus) que vem formulada com um futuro. E mais: somente aqui (e em 13.33) mulheres aparecem como figuras representativas nas parábolas em Mateus. Logo cai na vista que todas as virgens, na parábola, sairão para encontrar-se com o noivo. Para a comunidade isso é importante, pois todas as pessoas estão aí incluídas. Sim, todas as dez virgens esperam pelo noivo. Virgens são mulheres qualificadas não apenas biologicamente como quem não teve relações sexuais com homens; a palavra virgens também caracteriza mulheres socialmente como as que não vivem relações de dependência com homens. Mas e a noiva? Mesmo sentindo a sua falta, é preciso perguntar pela tradição de casamento que serve de pano de fundo histórico para essa parábola. Por que as dez virgens se põem a caminho para encontrar-se com o noivo?
São diversos os costumes, no antigo Israel, relativos à festa de casamento. A situação mais provável, refletida na perícope, é o costume de o noivo buscar a noiva na casa dela, antes de ir para a festa de casamento propriamente dita, que acontece na casa dele. As virgens (mulheres jovens) saem da casa da noiva para encontrar e saudar o noivo na rua, e depois acompanham, com suas tochas, a noiva até a casa do noivo. O que as virgens levam consigo não são lâmpadas, mas tochas (lampas). Lâmpadas (lychnos) eram usadas dentro de casa (Mt 5.15; Lc 15.8); fora de casa eram usadas tochas (Mt 25.lss.; Jo 18.3). Trata-se provavelmente de tochas com pedaços de pano embebidos em óleo/azeite, amarrados em cima de um pedaço de madeira. Tais tochas fazem parte do equipamento das virgens que cumprem sua função acima descrita na festa de casamento. A festa de casamento, na tradição judaica, acontece com a casa de portas abertas, e todo o povo pode participar da mesma.
A exposição em 25.2-5 nos fornece mais algumas informações sobre as dez virgens. A primeira coisa que se percebe é que elas são mencionadas em dois grupos, compostos por igual número de cinco. Grupos numericamente iguais. A questão, no entanto, não se define quantitativamente, o que também é importante característica eclesiológica de Mateus. Porque os grupos, na verdade, não são iguais. Recebem atributos distintos. E é isso que importa ao texto. Trata-se de virgens tolas e sábias. No que consistem tolice e sabedoria?
No NT, a palavra grega moras, tolo/a, insensato/a, e a palavra fronimos, prudente, sábio/a, são usadas predominantemente por Mateus. Percebe-se que essas palavras antagônicas não aparecem só na parábola de Mt 25.1-13, mas são usadas igualmente na parábola de Mt 7.24-27. Trata-se, portanto, de características atribuídas tanto a homens quanto a mulheres. Não se trata de qualidades ou defeitos intrínsecos ou naturais de pessoas humanas, mas têm a ver com o agir, que, em Mateus, pressupõe o estar-preparada/o. Vamos aprofundar um pouco mais:
Numa tradição vétero-testamentária, também assumida por Mateus, a palavra moros caracteriza pessoas que rompem a comunhão com Deus, negando a Deus na vida concreta. Não que não creiam; não que não tenham esperança. Mas são tolas e orgulhosas, porque não obedecem e não praticam a Tora. Em parábolas, essa palavra é usada exclusivamente em Mt 7.26 (o paralelo em Lc 6.47-49 não qualifica dessa forma) e 25.1-13. Não se trata de uma palavra que caracterize algum tipo de maldade ou falta de capacidade. Refere-se a pessoas que têm as mesmas condições, os mesmos pressupostos de entendimento e de ação como as demais, mas, mesmo assim, não vivem de acordo, não desfrutam positivamente dessas condições. Sua fé e sua esperança não influenciam seu comportamento cotidiano. Por isso são tolas.
O termo fronimos, sábio/a, prudente, caracteriza a sabedoria como arte de reconhecimento (veja Pv 3.19-20). Trata-se de uma virtude que se expressa tanto a nível intelectual-teórico quanto a nível prático-ético. Sábia é a pessoa que sabe reconhecer os interesses de alguém, no caso, de Deus, e viver de acordo com isso. Sua inteligência tem a ver com a sua prática. Na tradição sinótica, essa palavra só aparece em parábolas! Trata-se da sabedoria teórico-prática de estar preparada/o para fazer a coisa certa, no momento certo, no lugar certo. A palavra caracteriza a necessidade de discernir e agir. Essa é a tônica crucial da sabedoria que tem a ver com a vida presente e que está preparada para o futuro. Crer e ter esperança, numa vivência cotidiana de amor, cumprindo a vontade de Deus. Essas são sábias!
Qual é, afinal, o problema do texto? Sabedoria e tolice se definem, nos vv. 3 e 4, não em relação às tochas, mas pelo levar — ou não — óleo/azeite junto consigo, no equipamento necessário para esperar e encontrar o noivo. As tochas só não bastam, mesmo que, num primeiro momento, estejam queimando (v. 8). Elas podem se apagar antes do encontro com o noivo. É necessário levar uma quantidade de óleo dentro de recipientes próprios, como reserva, para que a tocha
não se apague, caso o noivo demorar. E de fato: aquele que era tão esperado, ao encontro do qual se ia, tardava a chegar. E o cansaço se fez notar. O sono chegou. Para todas as dez, indistintamente. E todas dormiram.
Para a comunidade de Mateus, a demora do noivo espelha a realidade da demora da parúsia. Mas não é a demora da parúsia que é o motivo do não-estar-preparada/o; para Mateus, a demora do noivo e o fato de todas as dez virgens dormirem querem ilustrar apenas que a parúsia é imprevisível; sobre ela não se deve especular. No fundo, o texto transmite a sensação de que há tempo para arrumar tudo, se preparar. Há tempo, inclusive, para dormir. Não há nenhum tom de crítica em relação ao sono e ao dormir. O único problema é o não levar óleo consigo, como mostram os versículos seguintes.
A parábola propriamente dita: entre o drama e a festa (vv. 6-12): No meio da noite, as virgens são acordadas com um clamor que anuncia o noivo e que as convoca a sair ao encontro dele. Não sabemos quem clama. Mas agora começam o drama, o estresse, a correria de última hora. Alegria e tristeza. O desespero das tolas, a cautela das sábias. Tudo se passa muito rápido. Preparar as tochas… As tolas despertam para sua tolice, quando se apercebem que suas tochas estão se apagando. Justo agora! Não temos óleo! Recorrem às sábias, pedindo parte de seu óleo. Querem que as outras compartilhem com elas um pouco daquilo que, agora, elas não têm. A resposta das sábias chama à reflexão. Sua resposta não é um não categórico, mas uma palavra que questiona: O que temos, se dividirmos, pode não bastar nem para nós nem para vós.
Um intervalo: por causa do gênero literário, penso que não deveríamos perguntar se de fato o óleo não bastaria, se fosse compartilhado; também não deveríamos especular se na casa da noiva não haveria óleo; igualmente não deveríamos dizer que a negação das sábias aponta alegoricamente para a impossibilidade de podermos emprestar ou transmitir fé e/ou obras a outras pessoas. Mesmo assim, a questão é intrigante: será que houve falta de solidariedade? Mas será que agora ainda é hora de solidariedade? Certo é que o autor da parábola escolhe essa saída, porque a parábola quer concluir com um fim trágico. Por isso, a resposta das sábias não demonstra egoísmo, nem maldade, nem avareza. Ao contrário, a resposta das sábias tem conotação de sobriedade e contém ainda uma última dica para ajuda de última hora: os vendedores. Tentem fazer agora o que deixaram de fazer! Talvez ainda haja tempo! E as cinco virgens tolas foram, saíram para comprar.
Nesse ínterim chega o noivo. As sábias, caracterizadas agora no v. 10 como as que estavam preparadas, entram com ele para a festa de casamento. É hora de alegria, de celebração. No texto há uma série de metáforas. Participar tia lesta de casamento é a realização de tudo que se esperava. E o reino de Deus vivido em plenitude. Recordemos que, conforme Mateus, para essa lesta muitas pessoas são convidadas, mas poucas são escolhidas (22.14).
E então, durante a festa, a porta é fechada… A comunidade é confrontada com o lato de que a lesta no reino de Deus será diferente da lesta de casamento na tetra. A porta se fecha… Acabou-se o tempo da espera. Não há mais tempo de preparo. Correrias vãs de última hora. A porta fechada é uma metáfora para uma oportunidade perdida. O que passou, passou. Trata-se de oportunidades que dificilmente voltam a se colocai’ para a gente. A metáfora da porta que se fecha era muito conhecida no mundo judaico. Mas ela não era usada no contexto de festas de casamento. Por isso, na parábola, ela é estranha. Nisto também reside sua radicalidade. Quem ouvia e ouve a parábola passa a refletir profundamente e entende que quem não está preparada/o corre o risco de perder o tempo oportuno da salvação.
Com a chegada e ação do noivo, decide-se a história. A comunidade está curiosa, desde os versículos iniciais, sobre o que acontecerá com as virgens tolas. A porta fechada e a palavra mais tarde já deixam entrever que o final não será feliz para elas. Portanto, demos uma última olhada para as cinco virgens tolas… Desde o início da narração, temos várias atitudes positivas da parte delas: estavam dispostas a ir ao encontro do noivo. Esperaram sua vinda. Não desistiram frente às dificuldades do imprevisto. Foram procurar os vendedores para comprar óleo. Voltaram para participar da festa. O único problema é que não estavam preparadas. E quando voltaram — finalmente, talvez, preparadas —, já era muito tarde. Já não interessa mais se elas, agora, têm óleo ou não.
E elas falam, e clamam: Senhor! Senhor! Assim, finalmente, nos vv. 11-12, acontece o desenlace entre elas e o Senhor. Já não se trata mais de um noivo terreno que age e fala, mas é o Filho do homem, que usa da palavra com autoridade (amen lego hymin). Da parte delas, palavras de fé: reconhecem o seu senhorio e pedem para que ele lhes abra a porta. Querem participar da grande festa! Da parte dele, palavras duras: Não vos conheço! A parábola da festa de casamento transformou-se, para elas e para a comunidade, numa descrição assustadora do juízo do Filho do homem. O esperado encontro com o noivo transformou-se em separação definitiva dele. Ficam um sabor amargo, uma marca de tristeza nesse final de parábola.
Essa radicalidade é típica de Mateus. A radicalidade do juízo e da vivência cotidiana da fé é tão grande que, agora, já é tarde para pedir que o Senhor abra a porta (compare com Mt 7.7-11). O Senhor, que é o Jesus Emanuel, rompe a comunhão com as virgens tolas, com parte da comunidade que não está preparada. Ora, no final do Sermão da Montanha fica claro que não basta apenas a confissão, mas ela deve estar profundamente ancorada e refletida na ação, na prática ou frutos da fé (veja Mt 7.21-23; 7.16; 12.33; 25.31ss.). Assim, para Mateus, a confissão de fé junto com a prática da fé é luz que brilha para iluminar a escuridão. Não sabemos se as expressões tochas e óleo são metáforas apropriadas para fé e prática da fé/obras (veja excurso). Mas fato é que para a comunidade de Mateus o ser-luz em meio ao mundo das trevas é muito importante. A palavra de Jesus: vós sois luz é exclusiva de Mateus — luz que não vem apenas de uma lâmpada no recôndito da casa, mas também de tochas na vastidão do campo, na imensidão do mar, na insegurança das ruas e vielas (veja Mt 5. 14-16).
Finalmente, vem o chamado para a vigilância (v. 13). Quem lê o texto e a comunidade que o ouve podem estar inseguras/os, pois agora sabem que nem todas as pessoas que crêem e esperam pelo noivo podem, no final, estar com ele na grande festa. O imperativo dirige-se à comunidade: Vigiai, pois não conheceis nem o dia nem a hora!
O conceito vigiar (gregorein) tem características tipicamente cristãs e perpassa o Evangelho de Mateus. Identifica tanto o comportamento cristão diante da expectativa da parúsia quanto a ética cristã sem conotações escatológicas. Está ligado, desde cedo, com a prática da oração e da sobriedade. Implica viver responsavelmente com as outras pessoas (24.45-51), significa obediência ativa em relação aos talentos recebidos (24.15-23). Vigiar é a prática do amor em relação às irmãs e aos irmãos necessitados (25.31-40). Quem está vigilante tem uma relação profunda com o Cristo vivo que virá como juiz do mundo. Isso implica também estar preparada/o para assumir sofrimento (26.41).
Vigiar pode ser sinónimo de ter óleo, de preparar-se. Estar preparada/o significa ter óleo consigo, desde o início, visto que o noivo pode chegar a qualquer hora. Esse chamado à vigilância não é opressivo. Não pode ser usado de forma opressora, num exercício de poder eclesiástico que mete medo. O chamado à vigilância é a forma como o evangelista e as/os pregadoras/es podem animar a comunidade a viver a fé no cotidiano de suas vidas, através de palavra e ação, da confissão de fé e da práxis da fé. A parábola é parenética. Quer ser admoestativa, mas de forma a incentivar a comunidade a identificar-se com as cinco virgens sábias. É possível viver preparada/o para a parúsia, crendo firmemente também que o reino escatológico já está presente na vida de quem se prepara.
Não se trata de uma vigilância no sentido de estar constantemente sob a pressão de um estresse meritório e de uma tensão mórbida para não perdermos a hora. Trata-se de seguir o chamado e a vocação de Cristo através de um amor e de uma fidelidade tão profundos e constantes que podemos até cochilar e dormir na hora da parúsia, porque sempre estaremos preparadas/os; assim, não precisaremos mudar de rumo na última hora nem viver um estresse dos diabos. O imprevisível tempo da parúsia torna-se irrelevante para quem crê e pratica a vontade de Deus em toda a sua vida. Devemos, portanto, estar preparadas/os para a vida, a fim de que a festa de casamento, o reino de Deus, seja algo maravilhoso. E ser convidada/o e participar dele é algo muito lindo!
Para a pregação: Penso que o texto acima traz em si já muitas pistas e acentos para a reflexão junto com a comunidade. Importante seria, p. ex.:
*Lembrar festas de casamento, acentuando a alegria (e não o estresse…).
* Explorar, junto com a comunidade, qual a nossa esperança c como esperamos.
* Explorar, na pregação, a imagem da porta fechada, pensando em situações cotidianas. Onde se fecham oportunidades para nós? Por quê?
* Acentuar a realidade do estar-preparado/a para a vida, incentivando as pessoas a buscarem uma identificação positiva com as cinco mulheres sábias.
Luz de lâmpadas e de tochas
Eu sou, é o que Ele diz.
Vós sois, é o que Ele nos diz.
Aquele que diz para nós: Vós sois
Diz: Eu sou a luz do mundo.
Excurso: Um resumo da história interpretativa de Mt 25.1-13
Identificamos quatro correntes interpretativas básicas no uso desse texto. (3)
A primeira é a interpretação espiritual-individual: Tertuliano informa que os gnósticos valentinianos (sécs. 2-3) aplicaram hermeneuticamente as cinco virgens tolas aos cinco sentidos do corpo, e as cinco virgens sábias às cinco virtudes intelectuais (inteligência, conhecimento, obediência, perseverança e misericórdia). Orígenes faz a aplicação alegórico-espiritual, dizendo que as mulheres são os sentidos; o noivo é o Filho de Deus que, como Palavra, transforma os sentidos humanos em virginais. Percebe-se a negatividade proposta para a compreensão dos sentidos corporais, vinculando-os às mulheres (tolas).
A segunda corrente é a interpretação eclesiástico-escatológica, que vem em oposição à gnóstica, afirmando o horizonte escatológico da parábola. O noivo é o Cristo que virá; o salão do casamento e a porta fechada são a apresentação do juízo. Interessante é que também essa interpretação usa as dez virgens aplicando-as alegoricamente aos sentidos humanos.
As virgens são colocadas como propostas de identificação para pessoas cristãs, em duas versões:
1) As cinco virgens sábias são uma proposta de identificação positiva, e sobretudo na Igreja oriental elas eram vinculadas às mulheres ascetas, como Tecla, sendo que liturgicamente o texto era usado nas consagrações de mulheres virgens. Na Idade Média, identificavam-se as cinco virgens sábias com as pessoas fiéis em geral, mas em especial esse texto era usado para orientar as freiras na sua vida celibatária e para aconselhar a virgindade às mulheres. Às vezes elas também servem para incentivar a adoração à Virgem Maria, outras vezes as pessoas fiéis são as virgens que esperam o noivo. Para receber o noivo é preciso manter a virgindade. Esse é o acento. Nessa identificação positiva, é comum que a vinda do noivo seja uma experiência desejada e esperada. Isso ajuda a subsistir na vida e na morte, pois o objetivo é a comunhão com o noivo.
2) As cinco virgens tolas são figuras de identificação negativa quando a parábola é usada para anunciar arrependimento e penitência. A atenção concentra-se na cena de juízo que se expressa na atitude do noivo em relação às cinco virgens tolas. Inclusive a Virgem Maria é introduzida como intermediária que pede clemência, mas o noivo é irredutível. Nas artes, a atenção centra-se na expressão de sentimentos das tolas.
A terceira corrente é a interpretação parenética: este foi o modelo interpretativo mais usado na Igreja, caracterizado em quatro tipos:
1) O primeiro tipo interpretativo parenético é o católico clássico, determinado pela relação entre fé e obras. As dez virgens representam todas as pessoas cristãs batizadas, pois todas esperam o noivo. A lâmpada seria o corpo, ou a alma, ou também a dádiva da fé ou a graça do Batismo que são dadas a todas as pessoas cristãs. O óleo são as boas obras. O pai da Igreja Jerônimo (sécs. 4-5) conclui, então, que as cinco virgens sábias têm a fé e as boas obras; as cinco virgens tolas confessam o Senhor, mas não realizam as obras virtuosas. Mais tarde, o teólogo Nicolau de Lira (sécs. 13-14) segue nesta linha, afirmando que a fé não pode estar pelada, mas precisa ser realizada através de obras, principalmente através do amor atuante.
2) O tipo agostiniano objetiva a mentalidade correta das pessoas crentes. As lâmpadas são as obras (cf. Mt 5.16). Para Agostinho e seus seguidores, o óleo seria a alegria interna, a boa consciência, o amor. Importante para ele(s) é saber de que mentalidade, de que intenção brotam as obras. Se elas são realizadas somente para agradar a pessoas ou para promover a pessoa que as pratica, então as obras são como lâmpadas sem óleo.
3) O tipo antiascético é representado pelo teólogo João Crisóstomo (séc. 4), reconhecido como o grande teólogo dos pobres de sua época. Ele protestou contra interpretações que identificavam as virgens com mulheres ascetas. Também João Crisóstomo aplicou a palavra virgem a pessoas que se abstinham sexualmente, mas, para ele, a parábola tratava da espiritualidade que podia ser vivida no cotidiano por todas as pessoas. Ascese só não basta. Também ascetas podem ser identificados/as com as virgens tolas. Para ele, o óleo era a amabilidade humana, a esmola, a ajuda às pessoas necessitadas. Por isso, diz que os mercadores que poderiam ajudar as virgens tolas são os pobres. E os avarentos (as virgens tolas) deveriam preocupar-se com eles enquanto há tempo.
4) Interpretações artísticas também servem de parênese. Na arte gótica, muitas vezes as virgens tolas são apresentadas com vestimentas da moda, ou então aparecem ao lado dos príncipes do mundo, de homens bem vestidos: a virgem tola é seduzida pelos caprichos desses homens. A ênfase está no comportamento imoral dos ricos e de mulheres seduzidas por eles.
A quarta corrente é a interpretação histórico-salvífica. Desde a Antiguidade há interpretações que identificam a sinagoga ou o povo judeu com as virgens tolas e a Igreja ou o povo cristão com as virgens sábias. Aqui, as dez virgens não representam apenas o povo cristão, mas todas as pessoas que dizem crer em Deus, sejam pertencentes à Igreja, ou ao povo judeu, ou mesmo hereges. Este tipo interpretativo fica evidente em obras de arte.
Mateus 25.1-13 no conflito da Reforma: Junto com Agostinho, os reformadores associaram o óleo com a fé ou com o Espírito Santo (Lutero, numa prédica de 1522 e em 1537). Com isso, se opunham à interpretação católica clássica. Não é importante que a fé sem obras esteja morta, mas, ao contrário, que obras sem fé nada valem diante de Deus. As reações foram duras, mas os protestantes sempre afirmavam que estavam falando daquela fé que fomenta boas obras (Zwínglio).
Bibliografia adicional
BERTRAM. Verbete Fren…fronimos. In: Theologisches Wörterbuch zum Neuen Testament. v. 9, p. 216-231.
—. Verbete Moras…. In: Theologisches Wörterbuch zum Neuen Testament. v. 4. p. 837-852. LUZ, Ulrich. Das Evangelium nach Matlhäus (Mt 18-25). Zürich/Neukirchen-Vluyn : Benziger/Neukirchener, 1997. (Evangelisch-Katholischer Kommentar zum Neuen Testament, 1/3).
VV. AA. O Evangelho de Mateus : a Igreja de Jesus, utopia de uma Igreja nova. Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana (RIBLA), v. 27, 1997.
Notas
(1) As obras clássicas da teologia e da exegese feministas não têm abordado este texto. Veja, p. ex., Elisabeth SCHÜSSLER FIORENZA, Origens cristãs a partir da mulher. São Paulo : Paulinas, 1992; Elaine Mary WAINWRIGHT, Towards a Feminist Critical Reading of the Gospel according to Matthew, Berlin/New York : Walter de Gruyter, 1991 (Beihefte zur Zeitschrift für die neutestamentliche Wissenschaft, 60). A obra de Luise SCHOTTROFF, Lydias ungeduldige Schwestem : feministische Sozialgeschichte des frühen Christentums, Gütersloh : Chr. Kaiser/Gerd Mohn, 1994, menciona essa passagem quando trata da questão de concepções apocalípticas de tempo (p. 239-240).
(2) Os cinco discursos em Mateus são: o Sermão da Montanha (5.1-7.29); o Sermão sobre Missão (9.36-10.42); o Discurso/Parábolas sobre o Reino de Deus (13.1-16.20); o Sermão Eclesiológico (18.1-35); c o Sermão sobre o Juízo (24.1-25.46).
(3) Este resumo está baseado em Ulrich LUZ, Das Evangelium nach Matthäus (Mt 18-25) p. 477-484.
Proclamar Libertação 24
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia