Proclamar Libertação – Volume 35
Prédica: Mateus 3.1-12
Leituras: Isaías 11.1-10 e Romanos 15.4-13
Autor: Scheila dos Santos Dreher
Data Litúrgica: 2º Domingo do Advento
Data da Pregação: 05/12/2010
E a nova vida na terra será antevista nas festas.
É Deus que está entre nós em esperança solidária.
Hinos do Povo de Deus – Vol. 2 – n° 432
1. Introdução
O texto indicado para a pregação (Mt 3.1-12) encontra-se também nos outros dois evangelhos sinóticos (Mc 1.1-8; Lc 3.1-20), com variáveis consideráveis, e, em parte, também no Evangelho de João (Jo 1.19.28). É possível encontrar auxílios homiléticos em volumes anteriores do Proclamar Libertação tanto sobre o texto conforme Mateus como sobre os textos paralelos. Isso significa que, em muitas ocasiões, esse texto foi utilizado como texto de pregação em nossas comunidades, inclusive nesta época de Advento, na qual nos encontramos. Significa, então, que “tudo já foi dito” à comunidade? Certamente que não! Para animar o estudo e a reflexão em torno do texto, no preparo à pregação, lembro frase do reformador Martim Lutero: “A Escritura é uma ervinha: quanto mais a trituras, mais perfume ela solta”.
O conjunto dos textos indicados conclama ao anúncio e ao preparo para a vinda do Messias e para o seguimento daquele que é fonte de toda esperança (Is
11.1; Mt 3.11; Rm 15.4,13). O princípio dessa vida com Cristo está no arrependimento (diário, numa perspectiva neotestamentária) e no batismo (único, conforme Efésios 4.5, mas com vivência diária). A vida com Cristo faz o que parece improvável acontecer (Is 11.1-9; Rm 15.5-7,12).
2. Exegese
2.1 – Quem era o João que, de fato, “prepara o caminho para o Senhor passar” (Mt 3.3b)?
Cada um dos evangelistas conta-nos algo sobre João. Segundo o evangelista Lucas, João Batista era filho de Isabel e do sacerdote Zacarias – de linhagem sacerdotal, portanto –, concebido em idade tardia dos pais, como resposta de Deus à sua oração. Durante o tempo de gravidez, Isabel foi visitada por Maria, grávida de Jesus. Isabel reconheceu que Maria carregava em seu ventre o Senhor/o Messias esperado (Lc 1.39-45). Quando João Batista nasceu, Zacarias entoou uma canção: “Você, meu menino, será chamado de profeta do Deus Altíssimo.
Você vai adiante do Senhor para preparar o caminho para ele. Vai anunciar ao seu povo a salvação que virá pelo perdão dos seus pecados. Porque o nosso Deus é misericordioso e bondoso. Ele fará brilhar sobre nós a sua luz e do céu iluminará todos os que vivem na escuridão da sombra da morte, para guiar os nossos passos no caminho da paz” (Lc 1.76-79). João Batista usava roupa de pelos de camelo e um cinto de couro; comia gafanhotos e mel do campo (Mt 3.4). Ele foi ouvido pelo povo como profeta. Jesus, no entanto, disse ser ele mais do que isso: “João é aquele de quem as Escrituras Sagradas dizem: Aqui está o meu mensageiro […]. Eu o mandarei adiante de você para preparar o seu caminho. Lembrem-se disto: João Batista é o maior de todos os homens do passado. Porém quem é menor no Reino do céu é maior do que ele” (Mt 11.10s). O início de sua pregação esteve localizado, geograficamente, no deserto da Judeia, quando Tibério era o imperador romano, Pôncio Pilatos o governador da Judeia, Herodes governador da Galileia, Anás e Caifás os Grandes Sacerdotes (Lc 3.1s). Pessoas dos arredores e da capital vinham ouvi-lo (Mt 3). Jesus veio a seu encontro para deixar-se batizar por ele nas águas do rio Jordão (Mc 1.9-11). Sua pregação foi corajosa, autêntica e resoluta. Chamava as pessoas ao arrependimento e a uma vida coerente com a fé em Deus. Ele dizia, por exemplo: “Quem tiver duas túnicas dê uma a quem não tem nenhuma, e quem tiver comida reparta com quem não tem” (Lc 3.11). Falou ao povo, em geral, aos soldados, aos cobradores de impostos e às autoridades (Lc 3). Ele não temeu criticar autoridades civis e religiosas em desacordo com a vontade de Deus (Mt 3; 14). Como consequência de sua postura foi preso (Mt 11.2, 14) e, posteriormente, assassinado por ordem de Herodes (Mt 14). Em toda a sua atuação não chamou atenção sobre si, mas esteve a serviço, de fato, da preparação do “caminho” para o Senhor, que era esperado, de quem ele não se considerava digno sequer de carregar as sandálias: Jesus de Nazaré, o Messias enviado por Deus (Mt 3.11).
2.2 – Qual era o anúncio, a mensagem central de João Batista?
Conforme Mateus 3.2, João dizia: “Arrependam-se dos seus pecados por- que o Reino do céu está perto!”. Proponho uma reflexão a respeito com dois desdobramentos:
Arrependimento – metanoia: O que é?
Segundo Leonhard Goppelt, o termo foi usado pelos profetas para indicar o movimento necessário de retorno a Deus e à sua aliança. Quando o povo se
afastava de Deus, era preciso acontecer “metanoia”, isto é, fazer o movimento de tornar a Deus (Jr 15.19). Em muitas passagens veterotestamentárias, Deus, por sua vez, promete não concretizar o juízo emitido sobre o povo, se o povo se arrepender de seu afastamento e voltar novamente para ele (Jr 4.1s; 26.1-3 ).
Jesus, no entanto, não apenas pregou o movimento de retorno a Deus, mas também apontou para o futuro. Segundo Goppelt, Jesus resume em dois conceitos novos o que ele espera do homem: seguir e crer, discipulado e fé. No entanto, o conceito tradicional “arrependimento” abrange tudo isso, se o entendermos como a profecia ou o querigma missionário da comunidade (At 2.38; 3.19; 17.30). […]
Com o reino não vem um novo Deus, mas justamente o Deus de Israel! […] Por isso o dirigir-se ao reino de Deus é também a volta ao Deus de Israel […]. Assim [Jesus] não relaciona a sua atividade salvífica apenas com o reino que há de vir, mas apresenta-a como cumprimento das profecias […] veterotestamentárias […]. Cada parte da atividade de Jesus quer ser compreendida a partir da relação com esses dois polos: a aliança de Deus com Israel, e o reino que há de vir. Justamente nessa polaridade ela se torna histórica e universalmente eficaz (p.109s).
Nas comunidades primitivas, a confissão dos pecados foi sinal de arrependimento mediante a qual Deus justifica, por graça, o pecador contrito, como está escrito em 1 João 1.8s: “Se dissermos que não temos pecados, enganamos a nós mesmos, e não há verdade em nós. Mas, se confessarmos os nossos pecados a Deus, ele cumprirá a sua promessa e fará o que é justo: perdoará os nossos peca- dos e nos limpará de toda maldade”.
Na Confissão de Augsburgo, escrita por Felipe Melanchthon – colaborador de Lutero e professor da Universidade de Wittenberg – por ocasião da Dieta de Augsburgo no ano de 1530, lemos o seguinte:
[…] o arrependimento consiste, propriamente, nas duas partes seguintes: uma é a contrição, ou os terrores metidos na consciência pelo reconhecimento do pecado; a outra é a fé, que nasce do evangelho, ou absolvição, e crê que os pecados são perdoados por causa de Cristo, consola a consciência e liberta dos terrores. Depois devem seguir-se boas obras, que são os frutos do arrependimento (p. 22).
Arrepender-se, portanto, implica reconhecer o erro (passado), voltar-se a Deus, interceder pelo perdão, crer que Deus o concede, unicamente por sua graça (dimensão presente), e viver em seguimento a Cristo na perspectiva da plenitude do reino de Deus (dimensão futura). Mesmo em João Batista já se pode fazer tal “leitura”, porque também a nova postura de vida que reconhece o senhorio de Jesus Cristo (discipulado), fruto de um coração contrito, era esperada por João (Mt 3.8; Lc 3.10-14). Isso se mostra quando fariseus e saduceus vieram até João pedir pelo batismo (de arrependimento). João Batista questionou a falsa segurança que eles encontravam no cumprimento rigoroso das muitas leis e no ensino da Escritura, respectivamente, bem como no pertencimento étnico, como descendentes de Abraão. “Façam coisas que mostrem que vocês se arrependeram dos seus pecados” (Mt 3.8), disse João. Ou, como disse Jesus: “Não é quem me diz: Senhor, Senhor, que entra no Reino, mas quem, de fato, realiza a vontade do Pai” (Mt 7.21).
A íntima ligação entre o arrependimento e a nova atitude de vida é assumida nas comunidades primitivas, como bem expressa Tiago: “Portanto, a fé é assim: se não vier acompanhada de ação, é coisa morta em si mesma” (Tg 2.17). Intimamente ligado a essa nova postura de vida está o Batismo.
Batismo de Arrependimento e Batismo com o Espírito Santo: O que isso significa? De onde vêm essas práticas/tradições? Como elas se inter-relacionam?
João Batista chamava ao arrependimento, dada a proximidade do Reino (“Arrependam-se dos seus pecados porque o Reino do céu está perto!” – Mt 3.2), e, por consequência, realizava o ato batismal (“Eles confessavam os seus pecados, e João os batizava no rio Jordão” – Mt 3.6), não sem antes perguntar pelos sinais de arrependimento (Mt 3.8). Ainda assim, apontava para o batismo que se- ria realizado pelo Messias/o Senhor, revestido de nova significação: “Eu os batizo com água para mostrar que vocês se arrependeram dos seus pecados, mas aquele que virá depois de mim os batizará com o Espírito Santo e com fogo. Ele é mais importante do que eu” […] (Mt 3.11).
Leonhard Goppelt ajuda-nos a entender o surgimento e o significado do Batismo de Arrependimento e do Batismo com o Espírito Santo na origem do cristianismo. Segundo Goppelt, João Batista seguia uma prática de realizar o batismo de arrependimento para o perdão dos pecados, i.e., um banho de água que purificava de tudo o que ocorrera até então e que propiciava perdão e arrependimento. (Certamente foi realizado, desde o início, por meio de imersão ou derramando água sobre o batizando.) [Nas comunidades primitivas], ao que tudo indica, esse ato estava ligado, desde o início, com a invocação do nome de Jesus […] sobre o ato do batismo, […] pelo que batizava […]. O batizando tinha que concordar com a invocação por meio de uma confissão batismal. […] Batizava- se […] em nome de Jesus, […] expressando o seguinte: Pedia-se que o exaltado provocasse, por meio do batismo, o que o próprio batismo prometia: perdão e arrependimento. […] Ao que é batizado dessa maneira é prometido o Espírito. […] Os Atos dos Apóstolos relatam que, ocasionalmente, batismo e concessão do Espírito ocorriam separadamente […]. Isso, no entanto, era sempre determinado por situações especiais. Esses relatos pressupõem […] que batismo e concessão do Espírito estavam normalmente ligados. É certo que a vinda do Espírito nunca estava ligada de maneira exclusiva ao batismo, mas era prometida ao batizado […]. Mas qual foi a motivação que fez com que [o batismo da comunidade primitiva] partisse do batismo de João? […] Os discípulos haviam recebido uma ordem de batismo nas aparições pascais. […] Os discípulos estavam comissionados pelo envio […] a agir “em nome de Jesus”, a invocá-lo, portanto, também por ocasião do batismo. […] Jesus fora batizado por João […] e também testemunhara, por meio de sua atitude, que reconhecia o batismo de João como o sinal de arrependi- mento escatológico, dado por Deus […]. Com a participação de Jesus no batismo penitencial de João, ocorrera o que o batismo, em seu nome, propiciava; tanto aqui como lá, propiciam-se filiação e Espírito. […] O batismo, consequentemente, não é um mero retrocesso a um antigo ritualismo. O próprio Jesus não chamara apenas de maneira generalizada ao arrependimento, mas provocara sua concretização através do oferecimento do discipulado pessoal. […] O batismo não relaciona apenas o batizado com o exaltado, mas, ao mesmo tempo, com os demais batizados ou com os discípulos que haviam recebido o Espírito em Pentecostes, sem batismo, e distingue-o do restante da nação judaica (p. 261-264).1
No Batismo, e também na Santa Ceia, pela função sacramental de ambos, recebemos, por graça, o perdão dos pecados. Como diz Martim Lutero: “Deus não quer tratar com nós homens de outra maneira senão mediante a sua palavra externa e pelos sacramentos”, isso porque o sacramento é “Palavra visível” na vida da pessoa cristã. No entanto, ainda que o Batismo seja único (Ef 4.5), o arrependimento e a necessidade de perdão permanecem sendo diários, porque nós somos, como diz Martim Lutero, simultaneamente pessoas justas e pecadoras (veja mais a respeito em Martinho Lutero, Obras Selecionadas, v. 3, p. 202ss). Isso significa, portanto, que, “por arrependimento diário, a velha pessoa em nós deve ser afogada e morrer com todos os pecados e maus desejos. E, por sua vez, deve sair e ressurgir diariamente nova pessoa, que viva em justiça e pureza diante de Deus para sempre” (Catecismo Menor de Martim Lutero).
Sim, mas se no Batismo recebemos perdão dos pecados e, ainda assim, precisamos cada dia voltar a Deus e continuamos carecendo de seu perdão, então pergunta Martim Lutero:
“De que me serve […] o Batismo, se não apaga nem afasta completamente o pecado? Aqui é preciso compreender e discernir corretamente o Sacramento do Batismo: o proveito do venerabilíssimo sacramento do Batismo consiste em que, nele, Deus se alia e se une contigo num pacto gracioso e consolador. Em primeiro lugar, é preciso que te entregues ao Sacramento do Batismo e seu significado, isto é, que desejes morrer juntamente com os pecados e ser renovado no último dia, conforme denota o sacramento […]. Deus aceito isso de ti e faz com que sejas batizado. A partir desse momento, ele começa a te renovar e te infunde sua graça e seu Espírito Santo. Esse começa a matar a natureza e o pecado e a preparar-te para morrer e ressuscitar no último dia. Em segundo lugar, é preciso que te com- prometas a perseverar isso, destruindo, enquanto viveres, eu peado mais e mais, até a morte. Também isso é aceito por Deus, que te exercita durante toda a tua vida com muitas boas obras e uma variedade de sofrimentos. Com isso realiza o que desejaste no Batismo: ser livrado do pecado, morrer e ressuscitar, renovado, no último dia, consumando, assim, o Batismo (veja mais a respeito nas Obras Selecionadas de Martinho Lutero, v. 1, p. 418ss).
Por isso o Batismo marca, necessariamente, o início da vida cristã ou de uma vida coerente com a fé (em Cristo). Essa vida cristã acontece em comunidade, junto com outras pessoas batizadas, irmãos e irmãs na fé, igualmente acolhi- das como filhos e filhas no ato do Batismo pelo Deus que se revela a nós como Pai e Mãe.
A comunidade cristã primitiva entendeu, portanto, que no ato batismal Deus oferecia o perdão de pecados à pessoa arrependida, o dom do Espírito San- to, e propiciava o início de uma nova vida em seguimento a Cristo, juntamente com outras pessoas batizadas. Por isso Batismo não é uma experiência momentânea, mas marca o início de uma nova vida, de fato, em comunhão com Cristo e com outros irmãos e irmãs na fé. Nesse sentido, a pregação do Batista não é outra coisa senão o chamado ao arrependimento diário e à vivência do Batismo, à coerência entre fé e vida. A vivência do Batismo, por sua vez, não é outra coisa senão a possibilidade de participar da realidade do reino de Deus, já agora, por meio de seus sinais, certos de que, pela promessa de Jesus, ele se fará pleno no tempo oportuno de Deus.
3. Meditação
Enquanto escrevo este texto como auxílio para a pregação no segundo domingo de Advento, acontece a Copa do Mundo; os estados de Pernambuco e Alagoas vivenciam uma semana de caos em função de enchentes e vendavais (só no estado de Alagoas são mais de 80 mil pessoas desabrigadas) e experimentam solidariedade por parte de entidades privadas e de pessoas voluntárias, além do socorro governamental; candidatas e candidatos à Presidência da República dão polimento a seus discursos e propostas de governo e iniciam campanhas, tecendo alianças cá e acolá; ribeirinhos e ambientalistas protestam contra a construção de uma usina hidrelétrica em Belo Monte/Pará; policiais tentam reconstituir a cena do crime de pessoa baleada “por engano” em São Paulo; a comunidade da qual sou membro prepara-se para o Culto de Ação de Graças no próximo domingo. Nesse misto de situações que vivenciamos no cotidiano, de vida e de não-vida, de acertos e de incoerências, que serão outras em dezembro, mas, de certa forma, semelhantes a essas do mês de junho, como se preparar para a celebração do Natal, cumprimento do primeiro Advento de Cristo, com os olhos voltados para o segundo Advento (a segunda vinda de Cristo)? Como o cristianismo pode contribuir para a vida com dignidade/em abundância – desejo de Deus – através da comunidade de pessoas batizadas nos diversos espaços onde ele tem expressão, na perspectiva do reino de Deus? Onde está a nossa esperança?
Zygmunt Bauman, um sociólogo polonês, escreve em seu livro intitulado “Modernidade Líquida” a respeito das características da sociedade moderna capitalista, avaliando permanências e mudanças sofridas com o passar do tempo. “Sólido” serve como indicativo para o que permanece/o que tem constância; líquido, para o que sofre mudanças e assume um caráter transitório. Nesse sentido, entre outras, Bauman aponta o individualismo como uma das características da sociedade moderna, que estimula, por sua vez, relações cada vez mais provisórias e desapego afetivo. A liquidez das estruturas sociais e dos referenciais/balizas/ valores humanos, a rapidez com que se processam informações e com que produtos se tornam obsoletos, também são tidas como características dessa sociedade moderna. Importam a velocidade e a novidade, o consumo e a facilidade de descartar, e não a durabilidade das coisas, situações ou relacionamentos.
Nessa sociedade, nós também estamos inseridos; se não estamos totalmente absorvidos por tal modernidade líquida, também não estamos isentos de sua lógica e do que ela produz. Muitas vezes, nossas comunidades reúnem, sob o mesmo “teto”, membros muito ativos e comprometidos com o próximo, com a vida comunitária e, em consequência, com a sociedade maior que os envolve e, também, “membros líquidos” (se é possível tomar emprestado o conceito), que não se envolvem, de fato, na vida comunitária (nos grupos, cultos, no cuidado e comprometimento mútuos). Parece que o Batismo que receberam também ganhou o caráter de “líquido”, de momentâneo, que rapidamente se tornou algo do passado. Uma ou outra vez se percebe que a filiação a uma comunidade evangélico-luterana visa, prioritariamente, ao direito à utilização do cemitério, quando houver necessidade, e não à participação ativa no corpo de Cristo. “Façam coisas que mostrem que vocês se arrependeram dos seus pecados” (Mt 3.8), disse João Batista aos fariseus e saduceus quando eles lhe pediram pelo batismo. O que João Batista pede é, de fato, coerência entre a fé e a vida. A consequência do arrependimento diário e da libertação dos pecados concedida por Deus, também diariamente, é vida em seguimento a Cristo, cujo maior mandamento foi, claramente, o amor a Deus e ao próximo como a si mesmo (Mt 22.37-39). O arrependimento e a oferta de perdão da parte de Deus, portanto, unidos à fé, que são dom/graça de Deus, libertam, comprometem e abrem horizontes de vida, lá e cá: libertam da necessidade da salvação por mérito, libertam de um orgulho/arrogância pela nacionalidade ou pertencimento étnico (Mc 16.16), libertam para a vivência do amor dentro do corpo de Cristo – comunidade de batizados – e para além dele (Lc 3.10-14)! Também colocam balizas numa sociedade de valores e vivências “líquidas”: importa, sim, viver como pessoa neste mundo de Deus no espírito do pertencimento ao corpo de Cristo. Nesse corpo, os laços de compromisso propõem-se a ser “sólidos”, visíveis, por exemplo, no cuidado e na aceitação mútuos (Rm 15.5-7). Por isso João está, sim, preparando o caminho para o Senhor passar (Mt 3.3), mas também está preparando pessoas para andar pelo caminho com Cristo! Autêntico evangelho! Nós cremos que a vida com Cristo, o discipulado a partir da vivência diária do Batismo, faz diferença na vida em família, na vida matrimonial, na vida em comunidade, na vida em sociedade. Nosso testemunho a esse respeito, em palavras e ações, também é coerência entre fé e vida. Por isso convidamos pessoas para além da comunidade cristã a caminhar conosco, em comunhão com Cristo, na perspectiva do reino de Deus.
Ainda que estejamos “patinando”, como sociedade e, às vezes, como comunidade, em nossa própria “liquidez”, pela fé afirmamos que nossa esperança de um “mundo melhor” no âmbito familiar, comunitário e civil está em Cristo, no mesmo Cristo/Messias anunciado por João Batista. Isso porque Jesus Cristo é como um ramo que brota de um toco (Is 11.1); é a esperança diante de algo (uma realidade) aparentemente sem vida. Justiça e cuidado para com os necessitados são marcas de seu governo (Is 11.3-5). Ele inclui nessa comunidade/corpo de Cristo também aqueles e aquelas que não são judeus (Rm 15.12) ou, como diz João Batista, aqueles que não são descendentes de Abraão (Mt 3.9), ensinando-nos sobre a necessidade de ser uma comunidade inclusiva.
Deus não se afasta da pessoa pecadora; antes prega o arrependimento em Jesus e, já através dos profetas, concede-nos perdão porque deseja para nós a vida em plenitude, que só é possível com Cristo. Ser pessoa batizada significa saber- se amparado pelo Deus que chama de volta, perdoa, indica o caminho a seguir e promete estar conosco (Mt 28.20). No Advento, o arrependimento e o perdão preparam a celebração pelo nascimento de Cristo: o Natal! As pessoas batizadas participam dessa espera ativa com alegria todos os dias do ano.
4. Imagens para a prédica
Quando Martim Lutero vivenciava momentos ou situações de sofrimento e crise, fazia questão de escrever diversas vezes: “Sou batizado!”. Isso significa que ele não se sentia sozinho porque, de fato, não estava sozinho. Desde o Batismo, tinha Deus por Pai/Mãe; participava da comunhão dos crentes e tinha comunhão com Cristo! Deus estava com ele; sua vida havia sido presente de Deus e ele lhe pertencia pelo Batismo. Sua vida acontecia, por isso, em seguimento a Cristo.
5. Subsídios litúrgicos
Sugestão de canções: HPD n° 8 (Alerta, ó consagrados) – vol. 1; HPD n° 109 (Da Igreja é fundamento Jesus, o Salvador) – vol. 1; HPD n° 308 (Advento é tem- po de preparação) – vol. 2; HPD n° 441 (Jesus Cristo, esperança para o mundo) – vol. 2.
Nota:
1 Sobre a evolução da prática batismal sugiro, como leitura de aprofundamento, MARTINI, Romeu Rubem (org.). Batismo e Educação Cristã. Por uma vivência diária da fé. São Leopoldo: Sinodal, 2006; e, ainda, KIRST, Nelson. Livro de Batismo. São Leopoldo: Oikos, 2008.
Bibliografia
GOPPELT, Leonhard. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Editora Teológica, 2002.
Proclamar libertação é uma coleção que existe desde 1976 como fruto do testemunho e da colaboração ecumênica. Cada volume traz estudos e reflexões sobre passagens bíblicas. O trabalho exegético, a meditação e os subsídios litúrgicos são auxílios para a preparação do culto, de estudos bíblicos e de outras celebrações. Publicado pela Editora Sinodal, com apoio da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB).