DIA DA INDEPENDÊNCIA – Mateus 6 .9-13 – Dario G. Schaeffer
I – O Pai Nosso e a Independência do Brasil
O Pai Nosso é a oração da liberdade. Jesus a coloca como alternativa totalmente outra, diante da vã repetição de chavões dos judeus (Mt 6.5ss). Mas a oração do Pai Nosso não nos leva apenas a uma libertação formal de um certo tipo repetitivo de orações. Leva-nos principalmente, com seu conteúdo extremamente centrado na relação Deus-mundo, Deus-matéria, Deus-necessidade humana, a uma liberdade que ultrapassa o meramente religioso, o meramente pessoal, para derramar-se para dentro de nossas maiores prisões: a fome, o pecado, o mal. Com o Pai Nosso temos fé nesta liberdade e a procuramos. A Independência do Brasil também é uma festa de liberdade. Uma liberdade pela qual morreram muitas pessoas importantes da história do Brasil. Uberdade da tutela de outro país. Liberdade para autodeterminação, como compete a todos os povos. Por isso a festa da independência é a procura pela liberdade, pela autodeterminação do povo brasileiro. Pela libertação no sentido de o próprio povo decidir se quer ou não continuar passando fome, se quer ou não continuar a sofrer sob os pecados cometidos por aqueles que têm o poder e mandam; se quer continuar deixando os ricos e poderosos (pessoas e países) caírem na tentação de terem tudo para si; se quer continuar a oferecer aos países capitalistas e poderosos a tentação* de virem para cá explorar, através de multinacionais, através de investimentos altamente lucrativos, através da compra de inconcebíveis pedaços de terra brasileira, através da Comissão Trilateral. A independência hoje, precisa ser nova e constantemente proclamada.
Mas que independência é essa? De onde vem e para que serve?
É aqui que o Pai Nosso, nossa fé libertadora no Deus dos homens, se encontra com a esperança por independência, por liberdade, de um povo que na realidade clama cada vez mais por independência.
‘Toda profunda libertação, na perspectiva cristã, arranca de um profundo encontro com Deus que nos lança à ação comprometida. Aí ouvimos sua voz que nos diz continuamente: Vai! E ao mesmo tempo, todo compromisso radical com a justiça e o amor dos irmãos nos remete ao Deus como a Justiça verdadeira e o Amor supremo. Aí ouvimos também a sua voz que nos chama: Vem! Todo processo de libertação que não consegue identificar o Motor último de toda a prática, Deus, não alcança o seu intento e não se faz integral. No pai-nosso encontramos esta feliz relação. Não é sem motivos que a essência da mensagem de Jesus – o pai-nosso – não venha formulada numa doutrina, mas numa oração. (Boff. O Pai-Nosso, p. 16)
Naquele dia, não,
naquela semana,
o pão de nossa mesa
não era o mesmo.
Era pão amargo,
cheio das blasfêmias dos pobres,
que para Deus são súplicas.
E só voltou a ser doce e bom,
quando foi repartido
com aqueles famintos
meninos e cães. (Citado em Boff, O Pai-Nosso, p.89)
Da Declaração Universal dos Direitos dos Povos (Argel, 4 de julho de 1976)
Art. 5 – Todo povo tem o direito imprescindível e inalienável à autodeterminação. Determina seu estatuto político com inteira liberdade, sem qualquer ingerência estrangeira. Art. 6 – Todo povo tem o direito de se libertar de toda dominação colonial ou estrangeira direta ou indireta e de todos os regimes racistas.
Art. 19 — Quando no seio de um Estado, um povo constitui minoria, tem direito ao respeito de sua identidade, suas tradições, sua língua e seu património cultural.
II – Pai nosso que estás no céu
Independência integral só pode existir na dependência total de Deus. Deus não exige de nós que tenhamos alguma coisa. Quanto menos “valemos, tanto mais ele é nosso pai. Quanto menos procuramos ter valor, tanto maior é a intimidade com Deus, a ponto de podermos chamá-lo, como Jesus, de papaizinho (ABBA) (cf. Bultmann, p. 155s). Pai Nosso só pode ser dito na completa dependência de Deus. Qualquer outra dependência exige de mim e de nós e do mundo a força de se fazer valer. Ninguém e nada é aceito como João Ninguém. Por isso é preciso lutar para ser alguém. E esta luta nos joga na dependência de outras forças, que usam a nossa necessidade e nos tornam escravos.
Se queremos falar de independência, precisamos começar pela independência que vem de Deus. E Deus é aquele mistério que não se esgota aqui no mundo, entre nós. Seu amor não é simplesmente mensurável com nossas categorias de amor. Seu amor vale ao desvalido, e não ao que quer se projetar. Sua justiça se evidencia na sua colocação ao lado dos pobres e humildes, ao lado dos pecadores e perseguidos. Estas categorias não são simplesmente imanentes, mas transcendentes. Transcendem nossa filosofia e nossa lógica.
E somente quando somos dependentes desse Deus, que é nosso Pai, mas ao mesmo tempo é aquele que está no céu, o Deus ao mesmo tempo íntimo como nada e ninguém consegue ser, mas ao mesmo tempo distante, como ninguém e nada consegue ser, somente na dependência dele é que encontramos de fato independência e liberdade. Somente na dependência exclusiva de Deus não precisamos de obras para nos justificar e nos fazer valer, mas nossa vida se transforma em atos. E o ato em contrapartida à boa obra, é criativo e me faz mudar, enquanto que a obra é apenas uma extroversão daquilo que sou. O ato é experiência, é movido pela utopia e pela esperança, enquanto que a obra é apenas algo que sai do meu interesse (cf. Bultmann, p.156). Em nossa sociedade hoje, se materializa a dependência da necessidade de valer, de se projetar. Ë fomentada a concorrência entre as classes e os indivíduos. Ê preciso produzir para poder valer alguma coisa. Ë preciso ter mais, para ser mais. E nisso mostra-se a dependência fundamental da sociedade humana expressa mais claramente na sociedade capitalista. Também o Brasil quer valer algo entre os países do mundo. E com isso se torna sempre mais dependente das dívidas contraídas e cada vez aumentadas. O povo se torna dependente de uma filosofia de beco sem saída, onde é dito que quanto mais se produz, tanto mais nos tornamos país desenvolvido, isto é, independente da exploração dos outros. A realidade mostra o erro e o engodo, mostra o fim do beco: a fome, a miséria, o fato de que é o povo miserável que, em última instância, paga a dívida externa e interna. Somente a independência das obras, do ativismo imediatista, para uma atividade (de atos) criadora, justa e humana pode libertar os homens e a sociedade. E esta possibilidade é dada pela fé, que pode ser expressa em obediência e confiança em Deus (cf. Bultmann, p. 155). É isso que Pai Nosso que estás no céu quer provocar hoje.
III — Santificado seja o teu nome
A independência social ou política, em que não é considerada a independência que vem da dependência do Senhor, nosso Pai que está nos céus, leva a outras dependências tanto ou mais nocivas do que a primeira. É como diz Jesus: quando um demónio é expulso, ele volta e, encontrando a casa varrida e preparada, vai, convida outros sete demónios para morar nela. E na procura por independência, onde não é considerada a dependência exclusiva de Deus e sua vontade, também seu nome não é santificado. E santificar significa tornar santo, isto é, ver em Deus o totalmente outro, a outra dimensão, e saber que ele não apenas prolonga o nosso mundo, mas é outra realidade (assim Boff, O Pai-Nosso, p.57). E é exatamente neste ser totalmente outro que reside a esperança da ação de Deus em nosso mundo. Ele não está aí para trocar nossas dependências, ele não está aí para aprofundar as injustiças e se colocar ao lado dos mandantes e dos que usufruem de um povo (como aconteceu durante muito tempo com a Igreja). E somente neste ser totalmente diferente encontramos a independência, a liberdade necessária para construirmos uma sociedade que agora não mais está preocupada com seus ídolos e seus dogmas, mas que está preocupada em santificar o nome de Deus. E o papel de uma igreja deve ser aquilo que Lutero diz a respeito desta petição, conforme tradução que segue: Vejam como é importante esta oração. Pois, por vermos que o mundo está cheio de ladrões e falsos ensinadores, que usam todos o santo nome como máscara e como engodo para seus ensinamentos diabólicos, deveríamos sem trégua gritar e berrar contra todos os que pregam e crêem falsamente… (p.96) A ela e a nós todos é feito o convite ético, no mandamento de Jesus: Sede perfeitos e misericordiosos como vosso Pai é perfeito e misericordioso. (Mt 5.48 e Lc 6.36) Santificado seja o nome de Deus: nesta petição, ou neste desejo intenso, está a esperança de que Deus seja finalmente respeitado e honrado como lhe compete. Pois somente se isso acontecer também o homem será respeitado em seu todo, em suas necessidades espirituais e materiais. Isso pode acontecer na esfera particular e pessoal, quando mudamos nossa mentalidade e conseqüentemente nossa vida. Mas o apelo para santificação e respeito ao nome de Deus hoje não pode permanecer apenas na área individual e pessoal. Ele vai além e atinge o social. Pois a realidade não é apenas pessoal. Mas social. Podemos analisar onde socialmente Deus é ofendido. Isto é, onde os homens são ofendidos por causa de sua classe social, seu tipo de trabalho, sua pele, sua pertença a um povo minoritário (cf. Boff, O Pai-Nosso, p.62). É aí que o desejo e a esperança utópicos da santificação do nome de Deus ajudam a proclamar a independência dos indivíduos, mas muito além disso, principalmente da sociedade. A santificação do nome de Deus acontece no respeito ao ser humano e na luta por uma sociedade independente, onde todos tenham seus direitos de viver.
IV – Venha teu reino. Seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu
Jesus coloca-nos, com estas frases de sua oração, de modo claro, mais ainda com os pés na terra. Ë pedida a vinda do Reino de Deus, a vinda para nós. E é feito o pedido de que ele se realize aqui na terra. Não é, pois, uma projeção dos nossos problemas para uma área transcendental. Pelo contrário, é a projeção concreta do transcendente para dentro de nossa área de problemas. E essa é exatamente a garantia de que a preocupação com o mundo — no nosso caso, a preocupação com a independência — não se torne mais uma ideologia baseada unicamente na satisfação de nossas necessidades. A certeza disso reside em que venha o Reino de Deus e não qualquer outro; em que a vontade de Deus seja feita. Assim como ela é feita no céu, que também seja feita na terra. A ligação entre o humano e o divino, entre o já e o ainda não, entre os fatos e a esperança, é expressa de um modo claro, que não pode deixar dúvidas.
Mas para nossa compreensão de independência devemos perguntar: o que é o Reino de Deus e qual é a vontade de Deus?
A vontade de Deus é unir tudo em si, como diz Paulo em Ef 1.9-10: Desvendando-se o mistério de sua vontade… de fazer convergir nele… todas as coisas tanto as do céu como as da terra. Ë portanto na liberdade de Deus, que consiste a liberdade dos homens, no amor de Deus que consiste o amor e o ser amado dos homens, na justiça de Deus que consiste a justiça dos homens. É quando os homens todos viverem em harmonia, em respeito mútuo e em paz, que se realiza o Reino de Deus, numa sociedade completamente independente de mandos e desmandos pessoais, de estruturas, de economias, de filosofias e de ideologia. Ou quando estas grandezas, hoje tidas como autônomas, estiverem a serviço de Deus e de sua vontade. Ë preciso dizer claro e vigoroso: a libertação é a emancipação social dos oprimidos. Trata-se concretamente para nós de superar o sistema capitalista em direção a uma sociedade: uma sociedade de tipo socialista. A libertação social, porém, nunca é meramente social. Ela é vivida como um fenômeno profundamente significativo, aberto à transcendência, implicando portanto uma referência trans-histórica que a revolução chama de Salvação ou Reino de Deus. (Boff, Da Libertação, p.113). Este Reino de Deus e a vontade de Deus acontecerão, seja ou não vontade dos homens, seja ou não do agrado de fortes e poderosos. Mas isso não quer dizer que não faremos nada. Haverá muito para fazer, haverá muito que sofrer para alcançar a independência, que é a dependência da vontade e do Reino de Deus. Como diz Lutero em trechos que traduzimos do seu Catecismo Maior: Se queremos ser cristãos, teremos o diabo e seus anjos e o mundo como nossos inimigos, que nos trarão muita infelicidade e muito sofrimento. … E não pense ninguém que terá paz; mas ele terá que acrescentar (às perdas) tudo o que tem na terra, bens, honra, casa e terra, mulher e filhos, corpo e vida. Essa oração deverá ser a nossa defesa contra os ataques dos que querem derrubar o evangelho. Deixem que eles, todos juntos, se enfureçam e usem o que têm de mais poderoso para nos apagar e nos arrancar do chão, para perpetuarem sua vontade; contra isso um cristão ou dois terão nessa petição seu muro, contra o qual aqueles investem e diante do qual sucumbirão. (pp. 99-100)
V – O pão nosso de cada dia nos dá hoje .
Se antes era Deus, sua vontade, seu Reino, seu nome que eram importantes e fundamentais para nossa compreensão de independência, agora o interesse dessa oração vira-se totalmente para aquilo que é necessário para a vida aqui no mundo. Ë o homem que agora está no centro dos interesses. Ê o pão de todos nós. Isto é, todas as necessidades vitais para o ser humano. Mas aqui não é apenas falado de modo materialista de pão, de todas as necessidades da vida. Mas de modo espiritual, isto é, do ponto de vista do Espírito Santo. Ë por isso que Jesus diz: Pão NOSSO e não MEU. Nisto reside a diferença entre a manipulação materialista do pão e o uso espiritual do pão, a diferença entre a dependência provocada por pessoas que usam o pão para si e com isso o tiram dos outros, e a independência conquistada por aqueles que repartem o pão e com isso tornam livres dessa preocupação seus irmãos. E o pedido e o desejo encerrados no nos dá hoje é que todos os homens, a sociedade toda, tenha o necessário para viver. E em última análise, um pedido a Deus: Livra-nos da luta inglória contra os que nos querem tirar o que precisamos para viver, desde o chinelo de dedo até o ar que respiramos, passando pela comida cada vez mais cara e cada vez mais inalcançável. Livra-nos da preocupação de precisarmos passar fome. Livra-nos do pesadelo de precisarmos pedir de joelhos e nos humilhar perante os outros para que tenhamos condições de vida. E, em última análise, um grito por independência e ao mesmo tempo a certeza de que isso pode e deve acontecer.
O pedido pelo pão nosso de cada dia não é uma afirmação do que estamos vivendo atualmente. Pois essa afirmação é apenas um quadro cruel e amargo de que as pessoas não estão recebendo o pão de cada dia. Se ficássemos na afirmação daquilo que vemos, nos tornaríamos revoltados contra o Deus que permite a miséria e a fome. Mas o pedido de Jesus vê, com olhos abertos e corn toda a realidade, o que acontece hoje: os homens passam fome e necessidade. Por isso volta-se a Deus, pedindo que seu nome seja santificado, que seu Reino venha, que sua vontade seja feita. E dentro dessa mesma linha de pensamento coloca o pedido pelo pão de cada dia. Somente de Deus é que se pode esperar a realização do anseio de que os homens tenham pão para comer. Somente de seu Reino deverá vir a libertação dos homens, da luta quase corporal por sobrevivência.
Mas o pedido também vai no sentido de hoje. Não é para amanhã ou para depois da morte. Esta palavra encerra tanto a esperança da realização utópica do Reino de Deus, quanto também a necessidade imediata de realização. Por isso ela nos envolve. Envolve nossa ação, nossa espirituali¬dade no uso do que temos. E essa espiritualidade hoje deve ser social e não apenas individual. Ela deve permear tudo o que diz respeito ao nosso pão Pois somente se as riquezas não forem mais acumuladas nas mãos de apenas poucos, mas distribuídas (o que depende da organização da sociedade e não apenas da caridade de cada um, não se descartando que a caridade pessoal seja um ponto importante no processo de mudança da sociedade) é que pode surgir uma independência social de fato. Para haver independência é necessário que se possa viver livre e para esse viver livre é necessário o pão de cada dia. E o surgimento deste é possível na liberdade que vem do e com o Reino de Deus.
VI – E perdoa-nos as nossas dívidas assim como perdoamos aos nossos devedores
A outra prisão, a outra dependência são as nossas dívidas, as nossas ofensas, os nossos pecados. Essas dívidas que hoje são o egoísmo, que já extravasou a esfera pessoal para dentro da construção de nosso convívio maior na sociedade. A avareza que constrói palácios com a poupança e se esquece dos que nada têm, etc.
Todos nós sabemos, como cristãos evangélicos, que Cristo já nos perdoou nossas dívidas. O acontecimento de Sexta-feira Santa tornou isso muito claro e palpável. Mas o perdão de Deus não conhece limites; é irrestrito… Entretanto há que se compreender bem a misericórdia e o perdão. Eles não são automáticos e mecânicos; pressupõem o relacionamento entre ofendido e ofensor; o homem precisa buscar o perdão; isso significa que precisa voltar-se a Deus e dar-se conta de sua situação canhestra. (Boff, Ó Pai-Nosso, p. 113) Como isso é diferente das lágrimas derramadas por generais presidentes do Brasil em cerimonias religiosas por este país afora! Se é necessário ao homem buscar a relação com Deus, buscar o perdão, isso significa que a ofensa, hoje tornada parte do relacionamento opressor-opri-mido, do relacionamento entre as classes, precisa ser perdoada. E como perdoar um pecado social? Dando chance para que este pecado se transforme em amor, misericórdia, justiça e solidariedade. Porque são estas as grandezas que foram traídas. Não apenas cá e lá, não apenas em certos momentos. Mas no todo, durante todo o tempo. Por isso, para recebermos perdão de Deus, deve haver o restabelecimento da relação humana em recebermos perdão de Deus, deve haver o restabelecimento da relação humana em nosso mundo. O irmão ofendido, a classe oprimida, o povo explorado, a minoria desrespeitada, todos devem receber de volta sua integridade quebrada. E isso é pedido a Deus. Perdão para os que perdoam. Também esse perdão e essa mudança estão na base da independência de um povo.
VII – E não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal
A colocação pessoal diante daquilo que nos é oferecido constantemente é muito importante na luta por independência. Se nossa colocação é espiritual, como explicado acima, ou se é puramente material e imediatista, faz uma diferença importante na construção de um mundo melhor. Lutero analisa o mundo como o lugar em que somos levados a cair em tentação, conforme palavras que traduzimos: Assim é construído o mundo que nos ofende com palavras e ações e nos leva à raiva e à impaciência; em suma, aí não há nada a não ser raiva, inveja, inimizade, violência e injustiça, infidelidade, vingança, xingamento, zanga, fofoca, soberba e orgulho com luxos e enfeites supérfluos, honras, violências, pois ninguém quer ser o menor, mas quer estar na ponta e quer ser visto por todo mundo. (p. 105) E Boff diz isso à sua maneira: O sistema social que vigora em nossos países é profundamente dissimétrico, gerando injustiças institucionalizadas e pecado social… Com suas seduções e ilusões introjetadas nas mentes dos homens, se constitui em permanente tentação coletiva para o egoísmo, a insensibilidade e a ruptura da fraternidade. É um projeto de antivida, e seu fruto é a morte.
A tentação maior é exatamente entrarmos neste projeto, quer dizer, entrarmos no jogo que é oferecido diariamente a nós. Pedir a Deus que não nos deixe cair em tentação é a mesma coisa que pedir libertação desta tendência inerente a nós, de entrarmos no jogo fácil para nós, pelo menos mais imediatamente. Pedir que não nos deixe cair em tentação é também implorar que outros não caiam nesta tentação.
VIII – Pregação
A pregação a respeito da Independência do Brasil deve ter seu ponto de partida, seu eixo em torno do qual gira, e sua meta final na vontade e no Reino de Deus, como nos é mostrado exemplarmente na oração do Pai Nosso. Não creio que de outra maneira se possa chegar a entender a independência de um povo, de um país, de uma sociedade. Nossa fé sempre foi individualista. Por isso é difícil para nós aceitarmos o fato de que um acontecimento político e social possa ser influenciado por essa fé. E exatamente por não ter sido ou por não ser ainda hoje influenciada pela fé no Reino de Deus, é que a Independência ainda não se realizou. Por isso dependemos ainda fundamentalmente de outros países, por isso os povos minoritários no nosso país, como os índios e os negros, são discriminados. Por isso temos uma evolução econômica aética, segundo afirmação do ministro Delfim Neto já na época do assim chamado milagre brasileiro. Por isso se cria uma Comissão Trilateral, para manter exatamente algo que seus componentes chamam de interdependência e que não passa na realidade de uma dependência pura e simples, onde os fortes exploram com o maior caradurismo os mais fracos. E os homens e as entidades que compactuam com isso, e aceitam tacitamente ou aceitam com segundas intenções a ingerência de estranhos nos negócios e na vida de nosso país, estão concordando em cair em tentação, estão concordando com o mal institucionalizado.
Para a pregação sugiro que se passe as petições, colocando-as imediatamente em suas dimensões atuais dentro de nossa situação brasileira, enfocando os resultados dessa situação dentro da comunidade. É necessário que fique clara a tendência de todo o Pai Nosso, ou seja: que a primeira parte torna clara a dependência única de Deus para que se possa falar e viver independência. Isso não só no plano particular, mas no plano de sociedade principalmente. E na segunda parte enfatizar os pontos concretos atinentes à nossa existência e suas necessidades.
IX – Bibliografia
– BOFF, L. O Pai-Nosso – A oração da libertação integral. Petrópolis, 1979.
– BOFF, L./BOFF, C. Da Libertação – O teológico das libertações sócio-históricas. Petrópolis, 1979.
– BULTMANN, R. Gnade und Freiheit. In: Glauben und Verstehen. Vol.2. Tübingen, 1965.
– KÄSEMANN, E. Der Ruf der Freiheit. 4.ed. Tübingen, 1968.
– LUTHER, M. Der grosse Katechismus. München (s.d.).