Série: Quer seja oportuno, quer não
Julho
Tema : Associação popular: a união faz a força
Explicação do tema: Tanto o pequeno agricultor quanto o morador das cidades, sobretudo dos bairros e periferia, enfrentam problemas sérios de sobrevivência. Não há passe de mágica que fará as coisas mudarem de repente; não é suficiente e nem possível cada um solucionar os seus próprios problemas; leis, decretos e promessas, por si sós, também não irão ajudar. Sindicatos e outras entidades, via de regra, não estão exercendo o seu papel de instrumento do sindicalizado ou associado. Os próprios agricultores e moradores de uma determinada área deveriam encontrar-se para conversar e procurar saídas, fazendo de associações, sindicatos e cooperativas instrumentos adequados nesta caminhada.
Texto para a prédica: Neemias 5.1-12
Autor: Günter Adolf Wolff
I — Contexto
O reino neo-babilônico decaiu muito após a morte de Nabucodonosor, no ano 562 a.C. Seu sucessor Nabonid desleixou a administração e criou inimizade com os sacerdotes do culto estatal a Marduque. Neste tempo Ciro tornou-se rei do império medo e persa e estendeu seu reinado para leste e oeste; por fim faltava só conquistar o reino babilônico. Em 539 a.C, Ciro marchou contra Nabonid e o venceu, entrando na cidade da Babilônia como libertador. Foi saudado pelos sacerdotes e pelos opositores de Nabonid, e logo declarou o culto a Marduque novamente oficial, colocando as imagens dos deuses em seus antigos lugares.
A vantagem para os povos antes dominados petos babilônios, foi que os persas respeitavam a cultura e a religião dos povos a eles subjugados, o que os babilônios não faziam. Era contudo uma forma Inteligente de manter o poder e o domínio, aparentando bondade e compreensão. Assim evitavam revoltas, desinteressantes a eles. A opressão era melhor planejada e controlada por mecanismos que aparentavam interesse para com os povos dominados.
Dario l, mais tarde, introduziu os sátrapas, espécie de governadores das províncias conquistadas. Eles tinham função fiscal e judicial sendo representantes diretos do rei. Dario continuou com a mesma política de Ciro e ainda construiu estradas que ligavam as principais cidades para facilitar o comércio e a mobilização de tropas.
Os persas, além de respeitarem língua, costumes e cultos locais, ainda reconstruíam templos destruídos na guerra de conquista, não só por eles mas também pelos babilônios. Dentro deste contexto também está o decreto de Ciro para a reconstrução do templo de Jerusalém. Este decreto está em Ed 6.3-5 e data do ano 538 a.C. Os meios para tal construção saíram dos cofres estatais. Além disso, Ciro decidiu também devolver os utensílios do templo que haviam sido levados pelos babilônios. Conforme Ed 6.4a, Ciro também deu algumas diretrizes para a construção do templo. Possibilitou, inclusive, o regresso dos deportados israelitas para, assim, haver mão-de-obra para a construção. Em si todo o estado judaico após o Exílio foi obra do domínio persa, também a permissão da introdução da lei feita por Esdras.
A reconstrução do templo não se fez de uma só vez; ela foi interrompida por causa da má situação econômica do povo (Ag 1.1-11) e porque os recursos dados por Ciro eram insuficientes. Ag 1.4 mostra que, apesar da pobreza geral, alguns já haviam se tornado mais abastados. O templo foi inaugurado em 515 a.C.
A introdução de uma nova ordem de vida em Judá foi facilitada pelos persas que estavam interessados em manter a paz em seus territórios conquistados. Além do mais, a Palestina ficava no meio do caminho para o Egito e por isso era um lugar estratégico que devia ser conservado.
Neemias foi enviado pela primeira vez a Jerusalém no ano 445 a.C. (Ne 1.1 e 2.1) Ele descendia do grupo de israelitas que haviam sido deportados para a Babilônia. Era servente do rei Artaxerxes na cidade de Susa, uma das capitais do império, junto com Pasárgada e Persépolis. Foi-lhe contado que a grande maioria dos judeus que ficaram na Palestina estava em grande miséria. Os muros de Jerusalém e quase todas as casas continuavam em ruínas. (Ne 1.3)
Aproveitando o contato diário com o rei, Neemias pediu que este lhe desse permissão para ir a Judá e reconstruir os muros da cidade. Por fim Neemias conseguiu ser governador de Judá (Ne 5.14) e ficou, do ano 445 até 433 a.C., em Jerusalém. Mais tarde retornou, conforme Ne 13.6. Quando Judá ficou independente da satrapia da Samaria, o governador desta tentou a todo o custo impedir a reconstrução dos muros da cidade e procurou matar Neemias. A reconstrução deu-se em várias frentes para que os muros pudessem ser erguidos de uma só vez, e para isso Neemias requisitou pessoas de toda a província. Ne 3.1-32 descreve a formação de grupos para a reconstrução do muro. Grupos de famílias foram utilizados na própria reconstrução e na defesa dos trabalhadores do muro. (Ne 4.13)
Dentro da etapa da reconstrução do muro acontece o descrito em Ne 5.1-12. Durante o tempo em que a elite esteve no Exílio uma desigualdade se formou entre o povo que ficou na terra. Uns ficaram ricos e os outros, conseqüentemente, pobres, endividados, escravos, tendo que hipotecar sua terra para não perdê-la. Neemias entendeu que desta forma, com as injustiças no seio da população, não era possível construir algo novo.
II — Texto
A reforma do sistema aristocrático no tempo de Neemias deixou a situação do povo mais suportável, pois continuaram sob a dependência persa. A reforma entre o povo judeu foi uma mudança patrocinada por Neemias e pelos sacerdotes em favor dos agricultores (e indiretamente também em favor dos sacerdotes) contra os nobres e magistrados. O povo e as mulheres levantaram a voz contra os judeus da elite possuidora de bens e dinheiro (v.1) A elite deixou de praticar a solidariedade que a lei ordenava. Normalmente os problemas eram resolvidos entre os homens, mas aqui a situação estava tão calamitosa que contra todos os costumes dos judeus até as mulheres levantaram a voz. Isto mostra que os homens estavam em situação tão miserável que viram nas mulheres seres iguais e resolveram lutar em conjunto. Os vv. 1-5 falam dos que não têm mais nada. Restou-lhes apenas a sua força de trabalho.
O clamor do povo e principalmente das mulheres reside em três pontos principais:
a) para comprar comida tiveram que penhorar seus filhos (escravidão assalariada);
b) neste tempo de fome tiveram que penhorar suas terras e tudo o que havia nelas;
c) por causa da dívida para com o rei — impostos — tiveram que vender seus filhos à escravidão. A opressão acontece aqui em dois níveis: pelos próprios judeus e pelos persas através da exploração pelos impostos.
A reação do povo é de impotência, pois a terra eles já perderam Ne 5.5. Esta reação de impotência é semelhante à que o povo demonstra hoje: não estamos organizados, não podemos fazer nada!
A TORA prevê situações em que alguém empobrece. Podia-se fazer o devedor ou sua família trabalhar para pagar a dívida; se isto não era possível, o credor podia vender os familiares como escravos a terceiros para conseguir o seu dinheiro: assim o devedor ficava com a dívida saldada (Êx 21.2SS; 22,3; Dt 15. 12-18; Lv 25.39). A sequência da formação da dependência é confirmada pelas leis do ano jubilar e sabático que menciona as seguintes formas de empobrecimento do irmão:
a) vende a sua terra, conseqüentemente sua casa (Lv 25 26-29 21);
b) recebe dinheiro ou mantimentos e tem que pagar juros (Lv 25. 35-37);
c) é vendido a um israelita (Lv 25.39);
d) é vendido a um estrangeiro (Lv 25.47).
A venda da terra era o primeiro passo do desfecho do empobrecimento do agricultor; somente após isto as outras formas eram usadas. Neemias se baseia em Lv 25 para dizer que não se pode cobrar juros do irmão; havia também a proibição de pedir mais cereal do que o emprestado.
Havia dois tipos de escravidão entre os israelitas: a escravidão definitiva e irreversível e a escravidão em que a pessoa era encarada como assalariada até pagar toda a divida. Em relação à penhora que aparece no texto, Miquéias, por exemplo, ataca-a como sendo um meio de violência e injustiça, pois permitia tomar os bens do devedor mesmo que fossem de valor superior à sua dívida (Mq 2.1ss). Algo semelhante, nos dias atuais, é a exigência da escritura de terra do agricultor ao fazer financiamento. Se não pagar o financiamento, perde a terra.
Ne 5 relata que, além da baixa produção que não permitia a sobrevivência do agricultor, o sistema estatal de cobrança de impostos, que deviam ser pagos em moeda, estava terminando com o povo. Desta forma só restava uma saída: vender os filhos à escravidão assalariada, já que tudo estava hipotecado.
Os causadores da pobreza não eram só os impostos: nobres e magistrados tinham acumulado muita riqueza. Eles estavam uma ins¬tância abaixo do governador e formavam um grêmio administrativo. Constituíam a elite dentro da população, eram os donos das terras e negociavam com escravos. (Ne 5.8) Aqui é usado o termo EBED — escravo, que é o último grau da dependência em que a pessoa vira objeto de compra e venda. (Êx. 21.2; Dt 15.12; Lv 25.39-41) Os filhos vendidos à escravidão, de que se fala em Ne 5, eram escravos para pagar a divida com o seu trabalho, e podiam ser resgatados ou tornavam-se livres no ano sabático ou jubilar. Tanto o escravo quanto o assalariado estavam em condições semelhantes: este último, após vender a sua terra para pagar a divida, era obrigado a vender a sua força de trabalho.
É interessante notar que nos vv. 1 e 8 se coloca: o outro participante do povo é meu irmão e por isso é impossível vendê-lo como escravo. O conceito de irmandade entre os membros do povo vem de Lv 25. Neemias estava fazendo o que a lei mandava, comprando os escravos de volta para a liberdade. (Ne 5.8) Enquanto isso, os nobres e magistrados estavam, por sua vez, vendendo as pessoas como escravas. Desta forma nunca se sairia deste círculo. O sistema de comprar o escravo para a liberdade não está baseado nos laços de parentesco, mas no fato de a terra e os homens pertencerem a Deus. (Lv 25.23-55)
O texto nos mostra que a elite estava disposta a ajudar com dinheiro e cereais, mas como a crise era grande aproveitavam a ocasião, no caso de não pagamento, para aumentar seu capital e suas terras. Para resolver esta questão não bastava uma reunião de cúpula (v. 7), mas era necessária uma assembleia popular para fazer os nobres devolver o acumulado. Além de fazer com que os nobres concordassem, usou-se a tática do juramento perante o sacerdote para impedir que voltassem atrás, como já acontecerá, conforme o relato de Jr 34.8-11.
III — Prédica
Para o desenvolvimento da prédica pode-se usar o desenvolvimento do próprio texto que vai do clamor do povo à organização de uma assembleia, alcançando a superação do problema.
O v.1 ressalta a participação da mulher na luta contra a opressão. É ilusão achar que só os homens podem resolver os problemas. É interessante observar nesse texto que eles chegaram ao mesmo nível de opressão que a mulher. Resolveram, então, unir-se a elas para reivindicar e lutar de igual para igual. As mulheres são as primeiras a sentir a crise, quando não têm o que colocar nas panelas.
Outro dado importante é o fato de chamarem a elite de irmãos. Consideram-se, portanto, iguais. Levantam aqui a questão da sociedade igualitária que não mais existia (vv. 1b; 5a). Nós, cristãos, também consideramos o outro como irmão, mas continuamos a explorá-lo! Entramos no mesmo rito do nosso sistema capitalista que cobra altos juros, hipoteca terras, e quem as perde vira mão-de-obra barata nas cidades. E nós não questionamos este sistema. Nós gritamos e reclamamos entre nós, mas nos domina uma grande impotência frente à situação. Achamos que não podemos fazer nada, pois não temos nada. O texto nos mostra que há saída quando todos se sentem iguais, no mesmo barco, e assumem a sua situação de miséria. No texto isto aparece bem claro: homem e mulher, de igual para igual, se juntaram para enfrentar os mesmos problemas. Hoje cada categoria social faz suas reivindicações e realiza suas lutas sozinha, o agricultor faz greve e não recebe apoio de ninguém. Os professores fazem greve e ficam sozinhos. Ninguém pensa em uma paralização de todos, a um só tempo.
O texto espelha vários momentos: o clamor, a união entre homens e mulheres, a impotência frente à situação, a reivindicação, a reunião de cúpula, e a assembleia geral que consegue resolver a situação. Como este clamor chega a ter peso? Devemos lembrar-nos de que todos estavam construindo os muros de Jerusalém. Para a defesa contra Sambalá foram organizados grupos de famílias em cada brecha que estava sendo reformada. (4.13) Nestes grupos deve ter surgido a oportunidade de dialogar, de trocar ideias e lástimas, que evoluíram a tal ponto que Neemias se viu obrigado a colocar a questão em debate público, numa assembleia do povo juntamente com os opressores.
Aqui se nota que a necessidade comum e a miséria levam à união após um momento de impotência. Tal momento pode ser superado pela organização de uma assembleia gera) do povo, em que abertamente se discute as questões.
Dentro da prédica devem ser colocados os clamores do povo de hoje: Reforma Agrária, mudança do sistema econômico, etc.
O movimento popular foi tão forte que Neemias, como governador, teve que agir. Primeiro reuniu a cúpula, composta por nobres e magistrados, responsáveis pela situação de exploração, miséria e escravidão. Mas desta reunião entre os grandes não saiu a solução. Neemias foi obrigado a convocar todo o povo para a discussão. Pois não é numa reunião de grandes, quando são eles os responsáveis pela situação de crise, que se encontra a solução. O mesmo acontece no Brasil: os representantes do sistema capitalista, que são os ministros, se reúnem, mas nunca conseguem resolver a crise que, após cada novo pacote, vai ficando mais aguda. Conforme o texto, a solução só foi encontrada com a presença dos reclamantes na discussão. Estes obrigaram a elite a fazer um ano jubilar: devolvendo o emprestado, dando o perdão da divida e fazendo retornar a terra comprada e hipotecada. Houve urna mudança radical no processo econômico. O povo não foi obrigado a pagar pela crise, mas os seus responsáveis tiveram que pagar por ela. Isto acontece somente quando o povo participa das decisões. Aqui a luta foi contra o acúmulo de posses às custas do necessitado e do trabalhador. O sistema capitalista também se baseia na exploração da mão-de-obra, nos empréstimos e juros, na especulação, no acúmulo de terras. No Brasil o povo paga pela crise que a classe dominante gerou. Isto acontece, porque o povo não tem acesso às decisões. No texto aparece bem claro que as questões só foram resolvidas depois de o povo ter-se confrontado com os opressores, colocando-os contra a parede. Assim, os responsáveis pagaram pela crise e voltou a existir uma sociedade igualitária. O povo, quando consegue o poder, faz voltar a sociedade igualitária de Moisés. Para a solução da crise foi necessária uma discussão ampla com todo o povo.
Fica apenas uma questão em aberto neste texto: o questionamento do imposto pago ao império persa. Neemias representava o império e o imposto ao imperador não foi tocado. Fez-se apenas uma reforma econômica e social entre o povo judeu e não se a ampliou ao nível do império persa. E hoje? É eficaz uma mudança apenas no Brasil sem mudar todo o sistema capitalista internacional mantido pela Trilateral?
Em todo caso, o decisivo foi a organização para a defesa dos muros, que resultou numa tomada de consciência e numa luta aberta contra os nobres e magistrados. Como conclusão voltou-se a aplicar a lei do ano jubilar que fez surgir uma sociedade de iguais.
IV — Subsídios litúrgicos
1. Confissão de pecados: Senhor, nós temos a confessar que somos surdos frente aos clamores do povo. Senhor, nós fechamos os ouvidos para não ouvir o grito dos agricultores endividados no banco. Dizemos que a culpa é deles por estarem endividados, por não saberem administrar os empréstimos. Queremos ignorar que eles foram induzidos a entrar neste sistema. Senhor, nossa culpa consiste em não apoiarmos as organizações dos agricultores e operários. Somos culpados, pois nada fazemos para desvincular os sindicatos do Ministério do Trabalho. Confessamos que não fazemos nada para que as firmas assinem a carteira de trabalho, recolham o INPS e paguem um salário justo aos seus empregados. Reconhecemos que, como comunidade, nada fazemos pelas empregadas domésticas que não têm carteira assinada, nem INPS e recebem um salário indigno. Perdoa-nos por fazermos aquilo que a ideologia capitalista manda fazer e não o que o teu Evangelho nos propõe. Perdoa-nos por dizermos que os nossos negócios não têm nada a ver com a nossa fé e por isso podemos lucrar às custas dos outros. Perdoa-nos por ambicionarmos sempre mais lucro sem perguntarmos de onde ele se origina. Tem piedade de nós, Senhor!
2. Oração de coleta: Senhor, estamos reunidos aqui como tua comunidade e pedimos que nos mostres o caminho correio. Ilumina-nos para que a tua Palavra nos guie em direção ao agricultor sofrido e semi-escravo. Faze-nos compreender que a tua mensagem nos quer levar a servir e não a sermos servidos. Que este servir comece com a luta pela justa distribuição das terras e das riquezas em nosso pais. Pedimos que o Espirito Santo aja em nós para que possamos nos unir às organizações dos que são explorados pelo sistema capitalista e para que ajudemos a criar um sistema em que reine a igualdade e a justiça. Amém.
3. Assuntos para intercessão na oração fina!: orar para que as organizações dos trabalhadores que estão sendo controladas petos Ministérios do Interior e do Trabalho possam libertar-se dos mesmos; orar pelos sindicalistas que apoiam este sistema capitalista para que possam compreender o mal que estão fazendo aos trabalhadores, orar para que todas as categorias sociais possam se unir e mudar este sistema opressivo; orar para que uma categoria apoie a outra que está em greve: orar pela Igreja para que se empenhe junto com os trabalhadores em organizá-los e para que eia não seja um empecilho na caminhada do povo; orar para que os causadores da crise econômica, e não os trabalhadores, paguem por ela.
V — Bibliografia
— NOTH, M. Geschichte hraeh, 6a ed. Göttingen, 1966.
— RUDOLPH, W. Esra und Nehemia, In: Handbuch zum Alten Testament. Vol. I/20. Tübingen, 1949.
— SCHNEIDER, H. Die Bücher Esra und Ne¬hemia. In: Die Heilige Schrift des Alten Testaments. Vol. 4/2. Bonn, 1959.