Creio no Espírito Santo
Werno Stiegemeier
I – Introdução
Dizer algo a respeito de Deus não representa um grande problema para a maioria dos membros de nossas Comunidades. Em relação a Jesus Cristo a dificuldade já é bem maior. O seu nome é pronunciado com menos frequência do que o nome de Deus. O Espirito Santo, por sua vez, é um enigma para a maioria dos membros de uma Comunidade cristã tradicional. Até mesmo pastores e teólogos sentem certa insegurança ao falar do Espírito Santo.
Na leitura e estudo da Bíblia vemos, no entanto, que, no Novo Testamento, o Espírito Santo ocupa uma função de destaque entre os primeiros cristãos. O fato de muitos deles terem enfrentado, de cabeça erguida, as mais sangrentas perseguições — quando através da negação de sua fé poderiam ter-se livrado dos mesmos — mostra que eles eram impulsionados por uma força que ia além de seu próprio poder.
Já no Antigo Testamento se falava de um poder sobrenatural, a RUACH IAHWE (o Espirito de Javé) que impulsionava pessoas a desempenhar tarefas especiais em nome de Deus. A RUACH IAHWE é entendida como uma força, à qual o mundo e as pessoas estão subordinadas. Não se trata de um poder que passa a ser uma parte inerente ao ser humano, mas continua sendo o poder de Deus que influencia a pessoa de fora, a partir de Deus (Hahn, p. 132).
Lutero considerava o assunto do Espirito Santo de tamanha importância que chegou a afirmar que, no final de cada culto, se deveria lembrar o Espirito Santo e fazer uma advertência em relação ao pecado contra o Espírito Santo (Schmidt, p. 111).
Já estas observações são o suficiente para mostrar que no presente estudo se trata de um tema de grande relevância para a vivência da fé em nossas Comunidades. O tema, no entanto, é tão vasto que nos será possível abordar somente alguns aspectos. Fazemos votos de que estes sejam um convite para o aprofundamento pessoal de cada leitor.
II – Reflexão sistemática
Como o presente estudo é constituído de temas do Catecismo Menor, é óbvio que consideraremos, nesta reflexão, principalmente os documentos provenientes da época da Reforma, especialmente os pensamentos de Lutero.
A doutrina de Lutero sobre o Espirito Santo só poderá ser compreendida corretamente a partir de sua cristologia. Ele se preocupa com a pergunta: Como Cristo vem a nós hoje? De que maneira a salvação, que está baseada num acontecimento do passado, se torna uma realidade concreta para nós que vivemos muito tempo depois do Jesus histórico? Esta pergunta cristológica Lutero responde a partir da ação do Espirito Santo. Quem supera a separação temporal existente entre nós e o Cristo encarnado é o Espírito Santo. É ele quem traz a salvação até nós. O Espírito Santo faz com que Cristo venha a nós diariamente. Ele nos oferece a salvação que Deus tornou realidade em Cristo. Somente através do Espirito Santo é possível chegar a ter fé em Jesus, como ele o expressa no Catecismo Menor: Creio que por minha própria razão oir força não posso crer em Jesus Cristo, meu Senhor, nem vir a ele. Mas o Espírito Santo me chamou pelo evangelho, iluminou com seus dons, santificou e conservou na verdadeira fé.
Também esta explicação está em função da grande redesco-berta de Lutero, a salvação pela graça. Se alguém pudesse chegar a crer através de seu próprio esforço, a fé seria uma obra humana, mas como é o Espirito Santo que possibilita a fé, trata-se da graça de Deus e não de obras. Lutero enfatiza que também a leitura da Bíblia, a exegese e a meditação não abrem o caminho do homem a Deus, mas unicamente Deus através do Espirito Santo, que faz crescer e frutificar a fé no homem (Brandt, pp. 20 e 21).
A possibilidade de o homem chegar a Deus por si mesmo está, portanto, completamente excluída. Existe somente o caminho de Deus para o homem, a possibilidade de Deus se revelar a ele. Desta forma Lutero está plenamente de acordo com aquilo que o apóstolo Paulo escreveu aos Coríntios: As cousas de Deus ninguém as conhece, senão o Espírito de Deus (1 Co 2.11: sugerimos a leitura de todo o cap.; cf. Schmidt, pp. 112-117).
Em relação aos meios usados pelo Espirito Santo para atuar numa pessoa, há divergência de opiniões entre os autores que procuram interpretar o pensamento de Lutero. K. D. Schmidt, por exemplo, defende a opinião de que, para Lutero, o Espírito Santo nunca age diretamen-te sobre a pessoa, mas sempre através da palavra. A palavra proclamada seria o instrumento usado por Deus para se comunicar com o homem. Ao lado da palavra escrita e falada o Espírito Santo se utilizariatambém da palavra visível, a saber, o sacramento do Batismo e da Santa Ceia. A oração seria o único lugar em que Lutero admite a açâo livre do Espírito Santo (Schmidt, pp. 119-123).
A interpretação de H. Brandt, porém, é outra. Tanto na Confissão de Augsburgo, artigo V, como nos escritos de Lutero, a ênfase na palavra externa e sacramentos como únicos meios de ação do Espirito Santo, seria resultado de sua disputa com os hereges entusiastas que ensinavam ser possível alcançar o Espírito Santo sem a palavra externa do Evangelho por nossos próprios pensamentos, preparativos e obras (Brandt, p. 21).
Muitas vezes Lutero foi interpretado como se, na luta contra os entusiastas, tivesse acorrentado o Espírito à palavra externa. Para Brandt esta é uma interpretação que não está bem correta. Ele observa que, em sua luta contra os entusiastas, Lutero nunca chegou a revogar a ideia da soberania do Espírito e a insuficiência da palavra externa (Brandt, p. 27). O Espírito Santo é Deus, por isto sua ação não se restringe unicamente à palavra externa, mas ele está acima da palavra, ele é Senhor. Lutero mesmo afirma que o espirito sopra onde ele quer e não onde nós queremos (Brandi, p. 28).
Infelizmente colocou-se o acento, na maioria das vezes, naquela parte da Confissão de Augsburgo, artigo V, e dos Artigos de Esmal-calde que condenaram os adversários. E com isso esqueceu-se o fato de Lutero ter insistido na soberania do espírito sobre a palavra, justamente na polémica com os entusiastas (Brandt, p. 29).
III – Meditação
Quem mais desafia, na atualidade, a tomarmos uma posição clara em relação ao assunto do Espirito Santo, são os movimentos pen-tecostais. Nos grupos que vivem sob esta influência, se reconhece a manifestação do Espírito Santo principalmente no falar em línguas estranhas e incompreensíveis (muitas vezes mais parecidas com gemidos do que com palavras) e em experiências extra-ordinárias, acompanhadas de fortes emoções sensitivas.
Se no capítulo anterior chegamos à conclusão de que o Espirito Santo não está preso à palavra, isto de moojo algum quer dizer que estamos concordando com a concepção dos grupos sensacionalistas. Se o espírito está acima da palavra da Escritura, isto não quer dizer que ele age desordenadamente. Não se trata de um espirito de confusão, mas da ordem. Já o apóstolo Paulo fazia certas restrições em relação ao dom de falar em línguas. Ele o admite, mas o menciona em último lugar e adverte para a necessidade de ordem no culto (cf. 1 Co 14).
Concluímos, pois, que o Espirito Santo não é um poder que faz a pessoa sentir fortes emoções incompreensíveis, ao ponto de deixa:la completamente fora de si. É claro que o Espírito de Deus age na pessoa como um todo, envolvendo também o seu sentimento, mas a sua identificação não acontece através de puro sensacionalismo. As reações emotivas que, muitas vezes, são atribuídas ao Espirito Santo também podem ser provocadas por outros meios, como, por exemplo, através da música.
Quando falamos da ação do Espírito Santo, então nos referimos ao poder de Deus, capaz de transformar corações e mentes. Em At 2 encontramos o relato de um acontecimento que ilustra muito bem o que isto significa na prática. Os discípulos, que antes eram medrosos, que fugiram e abandonaram o seu mestre, de repente tem coragem de levantar em público e falar do crucificado e ressurreto. Pedro, que negara seu Senhor, toma a frente e proclama a palavra de Cristo diante de milhares de pessoas. Em seu discurso Pedro lembra velhas e conhecidas profecias que antes pouco ou nada diziam ao povo. Mas agora, quando o Espirito Santo está agindo, estas palavra antigas adquirem um sentido completamente novo. As palavras mortas se enchem de vida e abalam os corações endurecidos. O que antes não passava de uma tradição vazia, de repente começa a abrir os olhos e ouvidos dos ouvintes e a transformar vidas (Informações sobre a fé, pp. 103s).
Sob a ação do Espírito Santo, portanto, a palavra de Deus adquire um novo significado. Passagens bíblicas, antes obscuras e incompreensíveis começam a falar dos maravilhosos planos de Deus. Se não for iluminada e vivificada pela força criadora do Espírito Santo, a palavra não passa de letras envelhecidas e mortas.
O próprio Deus é visto sob uma outra perspectiva. Sim, Deus só pode ser conhecido através de seu próprio Espírito. A partir de nós mesmos só conseguimos fazer falsas imagens de Deus. Mas quando ele mesmo se revela, pelo poder do Espirito, então conseguimos vê-lo como ele realmente é (1 Co 2.10).
Também a ação da pessoa e seu engajamento por um mundo mais humano será outro. Quem passava pelo mundo indiferente a tudo, descobrirá o seu lugar na fileira dos trabalhadores na seara do Senhor. Quando, portanto, o Espírito Santo entra em ação, abrem-se os olhos da pessoa, de modo que ela veja os homens, os animais, as plantas, enfim, o mundo em que ela vive, de maneira completamente nova (Thieli-cke, pp. 246 e 256).
Se a Comunidade confessa sua fé no Espírito Santo, então isto significa que ela crê que Deus continua presente na Igreja de Jesus Cristo e em seu mundo. Os feitos salvificos de Deus deixam de ser simples acontecimentos do passado e se tornam uma realidade presente.
Se por um lado a Comunidade cristã, que crê na ação do Espirito Santo, se sabe integrada na história salvífica, que tem suas raízes no passado, então por outro lado ela também sabe que o mundo futuro de Deus já se torna uma realidade no momento presente. Por causa do Espírito Santo o novo, o salvo e eterno já está presente sob o velho, pecaminoso e transitório (Alt, p. 78).
Com o objetivo de tornar mais concretas as afirmações acima, transcrevemos, a seguir, algumas linhas do livro Informações sobre a fé, onde são mencionados diversos vestígios e sinais da presença do Espirito Santo:
1. Onde a história de Jesus não é limitada ao sentido de lenda piedosa, mas se torna atualidade empolgante, ali está o Espirito Santo, ali Deus transforma a nossa vida. O desespero muda em esperança, o tédio em satisfação, o pranto em riso, a contenda mordaz em amor fraterno.
2. Onde tudo isso não permanece sendo um belo sonho, mas determina todos os nossos atos e omissões, ali está o Espirito Santo. Ele produz frutos da fé, boas ações.
Onde uma pessoa, em nome de Jesus, tem paciência com outra, dando-lhe em liberdade, por viver ela mesma no discipulado de Jesus Cristo, ali está aluando o Espírito Santo..
Onde consideramos outras pessoas não somente assim como elas parecem à primeira vista, onde, porém, as vemos já agora na perspectiva futura do reino de Deus (a saber, assim como elas poderiam vir a ser pela ação de Deus); onde, portanto, no encontro com elas, damos mais valor àquilo que esperamos do que àquilo que delas tememos; onde, por conseguinte, contamos com que Deus poderia conceder-lhe um encontro renovador para transformá-las, ali está o Espírito Santo.
Onde alguém por amor de Jesus vai ter com os pobres, os injusti-çados e enfermos, consolando-os e procurando mudar suas condições de vida, lá está o Espírito Santo em ação(p. 107).
Aos que irão pregar sobre o presente tema sugerido que não abordem todas as questões aqui levantadas, mas que se limitem a um ou dois assuntos. A minha sugestão é esta:
1. Partir das dificuldades que sentimos ao falarmos do Espírito Santo. Parece ser um assunto muito abstrato. (Por isto a prédica deve ter em vista o objetivo de mostrar a concreticidade da ação do Espírito Santo).
2.0 Espirito Santo transforma pessoas e situações (veja os subsídios da meditação).
3. Apontar vestígios e sinais do Espírito Santo, hoje.
IV – Subsídios litúrgicos
1. Intróito: Ora, nós não temos recebido e espirito do mundo, e sim, o Espirito que vem de Deus, para que conheçamos o que por Deus nos foi dado gratuitamente (1 Co 2.12). Ou: Porque não recebestes o espirito de escravidão para viverdes outra vez atemorizados, mas recebestes o espirito de adocão, baseado no qual clamamos: Aba, Pai. O próprio espirito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus (flm 8.15s).
2. Confissão de pecados: Senhor nosso Deus, amado Pai! Estamos cientes de que podemos te reconhecer como realmente és, somente se tu mesmo te revelares. Apesar disso sempre de novo procuramos alcançar-te através de nossos próprios conhecimentos e capacidades. Também sabemos que por nossa própria razão ou força somos incapazes de reconhecer e aceitar a Jesus Cristo como nosso Senhor e Salvador. Mesmo assim, desprezamos a orientação do Espirito Santo e procuramos compreender tudo com nosso raciocínio. Por isto te pedimos: Perdoa-nos e tem piedade de nós, Senhor!
3. Absolvição: Agora, pois, já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus. Porque a lei do Espirito da vida em Cristo Jesus te livrou da lei do pecado e da morte (Rm 8. 1 s).
4. Oração de coleta: Vem, Espírito divino, ilumina nossos corações e mentes, para que compreendamos as grandiosas obras de nosso Deus. Vivifica, em nosso meio. a palavra da vida, para que, como Comunidade de Jesus Cristo, louvemos e exaltemos o santo nome de nosso Deus e Pai. Por Jesus Cristo! Amém.
5. Leituras bíblicas: Atos 2.1-13. (Antes da prédica poderão ser lidos os w. 14-36). Ou: 1 Co 2.6-16. Ou: Jo 14.16-26. Ou: Jo 16.1-15.
6. Assuntos para intercessão na oração final: Interceder por aqueles que se tornaram insensíveis à ação do Espírito Santo, por estarem voltados completamente sobre si mesmos; por aqueles que se fecharam ao clamor do povo que pede justiça. Que Deus abra os olhos de toda a Comunidade para que a ação do Espírito Santo possa ser vista nos pequenos acontecimentos do dia a dia.
V – Bibliografia
ALT, H.P./ROEPKE, C.J. Crer hoje. São Leopoldo, 1973.
BRANDT, H. O risco do Espírito. São Leopoldo, 1977.
HAHN, F. Das biblische Verständnis des Heiligen Geistes. In: Erfahrung und Theologie des Heiligen Geistes. München, 1974.
SCHMIDT, K.D. Luthers Lehre vom Heiligen Geist. In: Gesammelte Aufsätze. Göttingen, 1967.
THIELICKE, H. Ich glaube. Stuttgart, 1971.
THIELICKE, H. ed.Informações sobre a fé. 3. ed., São Leopoldo, 1980.
Proclamar Libertação – Suplemento 1
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia