O diálogo internacional Católico-Luterano1
Pe. Elias Wolff 2
1 – Os passos do diálogo da Comissão Bilateral Católica-Evangélica Luterana
1.1 – Primeira fase do diálogo: 1967 – 1971
1.1.1 – O Relatório de Estrasburgo, 1965-1966
1.1.2 – O Evangelho e a Igreja – 1972
1.1.3 – Declaração sobre a «hospitalidade eucarística» – Estrasburgo, 1973
1.2 – Segunda fase do diálogo: 1973 – 1984
1.2.1 – A Ceia do Senhor – 1978
1.2.2 – Caminhos rumo à comunhão – 1980
1.2.3 – Todos sob um mesmo Cristo – 1980
1.2.4 – O ministério pastoral na Igreja – 1981
1.2.5 – Martinho Lutero, testemunha de Jesus Cristo – 1983
1.2.6 – A unidade diante de nós. Modelos, formas, fases da união entre as Igrejas -1984
1.3 – Terceira fase do diálogo: 1986 – 1993
1.3.1 – Igreja e Justificação
1.4 – Quarta fase do diálogo: 1994 …
2. Observações conclusivas sobre o progresso nas questões teológicas
2.1 – A Declaração conjunta sobre a Doutrina da Justificação (31/10/99)
2.2 – A nova qualidade das relações e os novos problemas
2.3 – O diálogo católico-evangélico luterano no atual contexto do ecumenismo
1 – Os passos do diálogo da Comissão Bilateral Católica-Evangélica Luterana
Primeira fase (1967-1971), tema de estudo: o Evangelho e a Igreja
Segunda fase (1973-1984), tema de estudo: a Eucaristia e o Ministério na Igreja
Terceira fase (1986-1993), tema de estudo: a Igreja e a Justificação
Quarta fase (atual), tema de estudo: o caráter apostólico da Igreja.
1.1 – Primeira fase do diálogo: 1967 – 1971
1.1.1 – O Relatório de Estrasburgo, 1965-19663
Os contatos entre a Federação Luterana Mundial e a Igreja Católica Romana, iniciaram com a participação de observadores luteranos no Concílio Vaticano II. Daqui surgiu o grupo de trabalho católico romano-evangélico luterano que, entre os anos 1965-1966, dialogou sobre dois temas: 1) as controvérsias teológicas tradicionais, sobre o tema geral O Evangelho e a Igreja; 2) e problemas sobre o matrimônio misto.
Autorizado pela Santa Sé, da parte católica e pelo comitê executivo da Federação Luterana Mundial, da parte luterana, o grupo de trabalho concluiu as reuniões com um documento (Relatório de Estrasburgo) que aspira o início de relações especiais e oficiais entre a Igreja Católica e a FLM, no contexto do movimento ecumênico em geral. O Relatório de Estrasburgo elenca alguns temas que podem ser objeto de diálogo, tendo em consideração o desenvolvimento das ciências naturais, históricas e bíblicas, como: a Palavra de Deus; a presença de Cristo na Igreja; a pneumatologia; a justificação e a santificação; renovação e reforma; problemas missionários e pastorais. Propõe o início do diálogo teológico, o intercâmbio regular de observadores, uma consulta estreita entre os secretários. Indica uma metodologia de aproximação autenticamente ecumênica, na qual se respeite a prioridade da oração e o arrependimento das culpas contra a unidade.
1.1.2 – O Evangelho e a Igreja – 1972
Em 1967, o diálogo foi retomado, dando origem à comissão de estudos católica romana-evangélica luterana, com 14 membros, designados pelo secretariado executivo da Federação Luterana Mundial e pelo Secretariado para a Unidade dos Cristãos. Após cinco encontros4 , aprovou-se o documento O Evangelho e a Igreja (Relatório de Malta), em 1972, concluindo, assim, a primeira fase do diálogo.
A estrutura do documento:
O objetivo: colocar as diferenças confessionais sob uma nova análise, à luz das recentes aquisições bíblico-teológicas e da história da Igreja, e no horizonte das novas perspectivas abertas pelo Concílio Vaticano II. O documento revela, assim, uma profunda comunhão na fé que existe entre as duas igrejas e detecta as questões ainda controvertidas que precisam de aprofundamento.
A estrutura: quatro capítulos
I – O Evangelho e a Tradição: A raíz da divisão está na convicção das igrejas de possuírem uma «reta» interpretação do mandato evangélico, de modo que ambas as tradições eclesiais crêem possuir elementos irrenunciáveis. A unidade da Igreja deve ser fundamentada na unidade na verdade do Evangelho. Desse modo, «como podemos entender e realizar, hoje, esse Evangelho»? O problema do Evangelho deve ser «colocado de modo novo»: não se pode repetir posições tradicionais teologicamente controvertidas, pois: a) mudaram as situações em que essas posições nasceram; b) mudaram também o método e a impostação dos problemas teológicos.
Assim, não mais se pode contrapor Evangelho e Tradição, como se um elemento fosse estranho ao outro: «o mesmo Novo Testamento, é resultado da tradição cristã primitiva. À Escritura, enquanto testemunha da tradição fundamental, toca, porém, uma função normativa para o conjunto da tradição sucessiva da Igreja».
Para isso é importante ter presente os critérios para o anúncio da Igreja: «distinguir os desenvolvimentos sucessivos legítimos daqueles ilegítimos».
II – O Evangelho e o mundo: A Igreja testemunha a ação salvífica de Deus, em Jesus Cristo, no mundo. Daqui o significado do mundo para o Evangelho: é o lugar e a meta do anúncio do Evangelho; o significado do Evangelho para o mundo; o mundo deve ser visto a partir do núcleo do Evangelho – obra da salvação escatológica de Deus na cruz e ressurreição de Cristo.
III – O Evangelho e o ministério na Igreja: a apostolicidade – «as orientações do Novo Testamento devem ser consideradas como modelos abertos e atualizações sempre novas». Existe uma evolução histórica da estrutura da Igreja que ajuda a entender a sucessão apostólica como «sucessão na doutrina apostólica e sucessão no ministério»5 .
Desse modo, vê-se a necessidade de uma nova interpretação da doutrina tradicional do ministério, para que as divergências terminológicas não impeçam a compreensão das convergências na substância da fé. Somente assim as igrejas podem caminhar no sentido de um mútuo reconhecimento dos ministérios eclesiásticos: «o reconhecimento do caráter eclesial de outras comunidades eclesiais, segundo a formulação do Vaticano II (UR 3-4.19), pode ser interpretado, do ponto de vista teológico, como um primeiro passo rumo ao reconhecimento do ministério destas igrejas»6 .
IV – O Evangelho e a unidade da Igreja: o primado: ambas as igrejas entendem a necessidade de um «serviço para a comunhão das igrejas e, ao mesmo tempo, se acena ao problema que surge para os luteranos devido à falta de tal eficaz serviço para a unidade»; a intercomunhão: a comunhão na celebração da eucaristia é um sinal essencial da unidade das igrejas. «Estamos de acordo em afirmar que o batismo comum representa um importante ponto de partida para o problema da eucaristia»; «as incertezas sobre o mérito de uma doutrina comum do ministério constituem ainda um obstáculo para acordos recíprocos sobre a intercomunhão» – embora essa não deva ser subordinada exclusivamente ao pleno reconhecimento dos ministérios.
Após a publicação do Relatório de Malta, formou-se uma comissão católica romana – evangélica luterana mais internacional do que a primeira e com maior representação das autoridades eclesiásticas e pastoralistas. Em Genebra (1973) e Roma (1974), buscou-se uma análise das relações católicos-luternos em vários países e continentes. Foram analisadas algumas reações ao Relatório de Malta, e fixados objetivos do novo diálogo. Decidiu-se por continuar o diálogo estudando três temas: eucaristia; ministério episcopal e os caminhos rumo à comunhão.
1.1.3 – Declaração sobre a «hospitalidade eucarística» – Estrasburgo, 1973
Sobre esse tema, debatido no nível doutrinal e no qual encontram-se já passos concretos, mesmo que diferentes, o Instituto Ecumênico de Estrasburgo, expressão da Igreja luterana, pergunta: como a comunhão eucarística, entre os cristãos de fé luterana e católica romana, seja possível e necessária, na obediência ao único Senhor da Igreja e da eucaristia, e no respeito pela compreensão da fé luterana? A Declaração afirma a necessidade de passos oficiais sobre a intercomunhão.
O documento mostra convergências «gerais» entre a doutrina e a prática eucarística nas duas igrejas: para a Igreja luterana, a eucaristia é celebrada corretamente, segundo a instituição de Cristo, quando a doutrina e a práxis são reguladas por algumas noções fundamentais: a) Jesus Cristo é verdadeiramente presente na eucaristia, com seu corpo e sangue, e pode ser por nós recebido sob a forma do pão e vinho. Essa presença realiza-se sob a ação do Espírito Santo graças às palavras da instituição eucarística; não é efetuada pela fé mas é orientada à fé; b) na eucaristia, fazemos comunhão com Jesus e seu corpo e sangue, temos o perdão dos pecados e a beatitude; «com isso, rejeita-se a doutrina do sacrifício da missa, que obscura a unicidade do sacrifício de reconciliação de Cristo e a natureza incondicionada do dom divino de salvação; c) a celebração da eucaristia e a pregação são inseparáveis; d) a eucaristia é orientada à comunhão da assembléia; d) normalmente a eucaristia é celebrada por um pastor ordenado7.
A hospitalidade eucarística: existe já uma certa expressão da comunhão já existente. Da parte católica, o bispo de Estrasburgo consentiu, em determinados casos, que os casais mistos, participem juntos da eucaristia na celebração, católica ou evangélica.
Atos ocasionais de intercomunhão possíveis: matrimônios mistos, encontros ecumênicos, situações comunitárias particulares ou em grupos fora do âmbito comunitário8. Mas: 1) um luterano só participará da eucaristia católica onde ali forem expressos os desenvolvimentos doutrinais na atual teologia eucarística e as convergências ecumênicas; 2) um católico pode ser convidado à celebração eucarística luterana onde se exprime uma comum compreensão da única realidade eucarístia; 3) os fiéis luteranos devem informar seus pastores se participarão de uma celebração eucarística na Igreja Católica.
1.2 – Segunda fase do diálogo: 1973 – 1984
Os temas que após a publicação do Relatório de Malta foram escolhidos para futuros encontros, foram estudados por sub-comissões, com a presença de membros da Comissão Internacional e de espertos. Os resultados eram discutidos nas reuniões plenárias da Comissão e re-enviados às sub-comissões. Assim, em 1978, foi publicado o primeiro resultado do novo diálogo, A Ceia do Senhor, tratando da Eucaristia. O documento busca mostrar como a Eucaristia é vivida concretamente entre católicos e luteranos. Apresenta também dois apêndices: um com as liturgias eucarísticas das igrejas (quatro orações eucarísticas católicas e seis esquemas de celebrações luteranas, de igrejas de países diferentes). Outro apêndice é constituído de seis reflexões de teólogos católicos e luteranos sobre vários pontos (a presença de Cristo, a Eucaristia como sacrifício, etc.). O objetivo dessas reflexões é verificar em que medida, no desenvolvimento histórico e teológico das igrejas, as controvérsias tradicionais podem ser consideradas superadas.
1.2.1 – A Ceia do Senhor – 1978
O tema afrontado no documento O Evangelho e a Igreja era vasto e não foi possível trabalhar determinadas questões detalhadamente. Entre elas, estão sobretudo a Eucaristia e o Ministério. O tema da Eucaristia apresenta urgência, pois a plena unidade dos cristãos exige a comunhão eucarística, a qual, por sua vez, pressupõe a unidade na fé. No estudo deste tema, a Comissão buscou apresentar um testemunho comum, na maior medida possível, de mostrar claramente as questões problemáticas e de buscar respostas: «o que luteranos e católicos podem professar juntos deve assim entrar na vida da Igreja e da comunidade»9. O texto apresenta o testemunho das Escrituras e das tradições eclesiásticas, particularmente as expressões litúrgicas concretas.
A estrutura do documento:
Primeira parte – O testemunho comum do que católicos e luteranos podem professar juntos: o testamento de Jesus segundo as Escrituras; a Eucaristia como mistério de fé – «ceia do Senhor como mistério de fé, acessível somente na fé, fonte de comunhão na fé, síntese das diversas dimensões da verdade da fé.
Na grande doxologia eucarística, o que se pode testemunhar juntos»: por Cristo – «somente mediante Jesus existe a Eucaristia»; com Cristo – «diversos modos da presença do Senhor; a presença eucarística como uma das formas desta presença; presença real, verdadeira e substancial, nesta anamnesi da obra de reconciliação de Deus na pessoa de Cristo; unidos ao Senhor, nos oferecemos num sacrifício vivo e santo que deve encontrar expressão em toda a nossa vida; em Cristo – «Cristo quer ser em nós, e nós podemos ser em Cristo», «constituídos no único povo de Deus»; na unidade do Espírito Santo: O Espírito Santo e a Eucaristia: «ação do Espírito na Eucaristia e na Igreja»; Eucaristia e Igreja – a comunhão eucarística é fonte da comunhão eclesial, e vice-versa. Glorificação do Pai: anúncio, ação de graças, intercessão, louvor, Dom de si; Para a vida do mundo: «radicada no passado, realizada no presente e em vista do futuro, a eucaristia concentra em si todas as dimensões do futuro histórico»; «na unidade eucarística se profila a nova unidade da humanidade». Na perspectiva da glória: promessa, revelação inicial do «reino eterno da liberdade e da justiça sem limites que nos foi prometido»; Mediação: tal futuro começa agora, na Eucaristia10.
Segunda parte – Deveres comuns – são detectadas e afrontadas as questões controvertidas; consideradas as consequências e exigências dessas questões para a vida e a doutrina das igrejas, especialmente para a liturgia.
I – Superação das posições contrastantes – a presença eucarística: «reconhecemos juntos a verdadeira e real presença do Senhor na eucaristia; os católicos para afirmar tal presença professam a doutrina da transubstanciação; os luteranos crêem na mesma presença em, com e sob o pão e o vinho, mas não falam de transubstanciação; estas duas posições não devem mais ser consideradas como contrastes que dividem. A presença eucarística é para todos destinada à comunhão; para os católicos, essa continua até que subsistem as espécies do pão e do vinho; os luteranos rejeitam certas formas de devoção eucarística ligada a esta convicção; ambas as igrejas são chamadas a uma reconsideração teórica e prática neste campo. O sacrifício eucarístico: o único sacrifício de Cristo «não pode ser nem continuado nem repetido nem substituído nem completado; mas pode e deve tornar-se operante num modo sempre novo no meio da comunidade»; exposição das doutrinas católica e evangélica relativas à eucaristia entendida como sacrifício e crescente convergência também neste campo; esclarecimentos sobre o sacrifício da missa como «representação do sacrifício da cruz» e «o ex opere operato» como «ordenado a testemunhar a prioridade da obra de Deus»; importância da participação na eucaristia ainda se os seus frutos podem transcender o círculo daqueles que participam. A comunhão eucarística é «banquete comunitário que dá união pessoal com Jesus Cristo»; reservas evangélicas sobre as celebrações sem participação de povo, e avizinhamento das práticas eucarísticas pós-Vaticano II sobre esse ponto e sobre a comunhão sob as duas espécies. O ministério eucarístico: a necessidade de um ministro ordenado para a celebração da eucaristia em ambas as igrejas, ainda se os luteranos não falam de sacramento da ordem; o diálogo ecumênico sobre o ministério poderia conduzir ao recíproco reconhecimento dos ministérios. A comunhão na eucaristia: essa estende-se a abraçar os santos e os defuntos, mas o comportamento sobre a intercessão dos santos é diferente para católicos e luteranos; também o comportamento sobre a comunhão eucarística na falta de uma plena comunhão eclesial é diferente nas duas igrejas11.
II – A celebração litúrgica: afirma-se a necessidade de renovação da celebração eucarística nas igrejas em fidelidade à teologia; multiplicidade de possibilidade de consenso sobre algumas linhas fundamentais; as renovações exigidas a católicos e luteranos12.
III – Recepção: convite à aceitação do documento.
1.2.2 – Caminhos rumo à comunhão – 1980
Logo após a publicação da Ceia do Senhor, duas comissões estudaram o ministério pastoral, sobretudo do episcopado, e os caminhos rumo à comunhão entre católicos e luteranos. Em 1980, publicou-se parte dos resultados sobre os caminhos rumo à comunhão.
Esse documento dá continuidade ao estudo de temas que não foram possíveis serem aprofundados no Relatório de Malta, o qual dizia: «ocorre percorrer a via das aproximações graduais, na qual são possíveis diversos estágios»13. A Comissão compreendia que para continuar no caminho era necessário ter clareza tanto sobre o fim quanto sobre os passos concretos fumo à unidade. Na introdução, mostra a necessidade de uma visão comum sobre a unidade que se busca.
A estrutura do documento:
I – A unidade como fim: esse fim foi pré-estabelecido e delineado nas Escrituras, e que em parte já está realizado. A comunhão é por graça e dom «do Pai, do Filho no Espírito Santo». Os elementos de mediação da comunhão são: a Palavra: escuta comunitária e fidelidade ao Evangelho; o sacramento: batismo, eucaristia e outros «atos nos quais a graça é promessa e dada aos homens»; o serviço: existem diversos juízos sobre a forma concreta do ministério e mostra a atual convergência por motivos históricos e ecumênicos. A realização da comunhão – acolher os dons de Deus: a unidade na fé, operante em todos os ambientes da vida; unidade na esperança: caminho comum na luta e na esperança; unidade no amor: fé e esperança operantes no amor; a eucaristia é disso um sinal. Quanto à forma da comunhão, apresenta: uma unidade visível; unidade na diversidade (a multiplicidade reconciliada; um único Evangelho em muitas línguas); unidade dinâmica: na luta entre o bem e o mal, a dinâmica da graça, o já e o não ainda. E finalmente, trata da comunhão universal: unidade no Deus uno e trino; unidade de todos os cristãos; unidade para o mundo: para que o mundo creia, e pela unidade da humanidade. A estreita ligação entre Igreja e mundo14.
II – Passos concretos rumo à unidade: quais passos são possíveis na docilidade do Espírito Santo? A comunhão por graça: prioridade ao ecumenismo espiritual; reconhecer as nossa culpas, os dons dos outros, a comunhão já existente; eliminar os preconceitos, conhecer melhor os outros. A mediação da comunhão: a Palavra – conhecer e viver o ensinamento da Escritura; pesquisa e leitura bíblica sempre mais comum; trabalhar junto sobre a tradição; a reflexão hermenêutica sobre Escritura e Tradição para um novo testemunho comum na atualidade. O sacramento: tornar central a vida sacramental nas duas igrejas; renovar a práxis batismal e a celebração eucarística e dos outros atos eclesiais em que a Igreja católica reconhece valor sacramental. O ministério: esclarecimento teológico e exercício do ministério em espírito de fraternidade e de serviço; formação ecumênica dos ministros, no aspecto teológico e espiritual. A realização da comunhão: a comunhão na fé, como diálogo aberto ao testemunho de fé do outro e capaz de conduzir a novas expressões da fé; recepção dos documentos já publicados; testemunhar juntos a fé cristã; uma responsabilidade pastoral para assumir em conjunto. A comunhão na esperança: esperança que podemos chegar à plena comunhão entre nós e esperança sobre a salvação e redenção do mundo inteiro; o serviço comum ao mundo como sinal de esperança. A comunhão na caridade: aspiração à celebração comum da eucaristia; a oração comum e outras formas de comunhão eclesial; proposta de «grupos de reconciliação»; junto ao serviço do mundo. O modelo de comunhão: o reconhecimento dos ministérios: fazer o possível para superar as dificuldades que ainda existem da parte dos católicos; uma práxis crível: para que possa ser aceita por todos a comunhão do ministério episcopal histórico e talvez do espiritual; a colaboração: intensificar a colaboração, também mediante organismos específicos, sem proselitismos recíprocos e sem busca de uniformidades não necessárias. A comunhão universal: a comunhão de todos os cristãos – tensão vurmo à plena comunhão também com todos os outros cristãos; a unidade da humanidade – a unidade de todos os cristãos prepara e anuncia a unidade da humanidade15.
1.2.3 – Todos sob um mesmo Cristo – 1980
Este documento trata-se de uma declaração, publicado em 1980, pela ocasião dos 450 anos da Confissão de Aubsburgo. Apresentam-se aqui as discussões, ocorridas entre os anos 1977-1980, sobre a possibilidade que da parte católica se reconheça a Confissão de Augsburgo como expressão autêntica da fé cristã. A declaração apresenta o resultado dos estudos, vinculando-os com os objetivos do diálogo católico-luterano. O objetivo é aproximar as igrejas numa confissão comum da fé cristã.
A estrutura do documento:
I – Na premissa, mostra que o contexto da Confissão de Augsburg era de uma Igreja que não se considerava ainda dividida. Os fatores históricos distanciaram sempre mais católicos e luteranos, mas o atual movimento ecumênico tende a realizar uma nova e ampla comunhão. Por isso, a importância da CF nesta fase do diálogo ecumênico.
II – A CF queria testemunhar a fé da Igreja, e não fundar uma nova Igreja. As novas pesquisas possibilitam compreender melhor o contexto histórico e as intenções da CF, ajudando a reconhecer a «substancial comunhão» que existe na fé: «confessamos juntos a fé que une e liga toda a cristandade, sobre a trindade e unidade de Deus e sobre a salvação operada por Deus em Jesus Cristo pelo Espírito santo (CA 1 e 3)»16. No que se trata da doutrina da justificação também existem sintonias: «somos aceitos por Deus e recebemos o Dom do Espírito Santo, que renova os nossos corações, nos dá a força e nos impele às boas obras, somente por graça e por fé na salvação operada por Cristo, e não por nossos méritos»17. Igualmente sobre a eclesiologia: «A Igreja é a comunidade de todos os que Deus reúne por Cristo no Espírito Santo através do anúncio do Evangelho e a distribuição dos sacramentos e o ministério por ele instituído a tal fim»18. Desse modo, com o atual progresso do diálogo ecumênico19, «muitas das críticas contidas na segunda parte da CF se tornaram desnecessárias»: sobre a missa; sobre o monaquismo e a vida religiosa; sobre o ministério episcopal20.
Evidentemente, permanecem questões: o número dos sacramentos, o papa e aspectos da estrutura episcopal e do magistério na Igreja, e sobre os dogmas, entre outros.
III – A CF como explicitação da fé comum: «O que reconhecemos como fé comum na Confissão de Augsburgo, pode ser de ajuda para confessar de novo juntos a fé no nosso tempo»: rumo uma nova confissão comum da fé, como missão que o Senhor confiou às igrejas no mundo.
1.2.4 – O ministério pastoral na Igreja – 1981
Entretanto, continuava-se o trabalho sobre os ministérios. Após três sessões, (Sigtuna, 1978; Augsburg, 1980; Flórida, 1981), publicou-se o documento O ministério pastoral na Igreja (1981). Também esta declaração é acompanhada de apêndices: um sobre liturgias de ordenação católicas e luteranas, outra sobre a ordenação de mulheres, e outra sobre a função mediadora do sacerdote.
Esse documento distingue-se dos outros por vários aspectos, como a linguagem mais técnica que pastoral. Esse fato explica-se porque os problemas tratados são controvertidos e relativos às estruturas eclesiais. Até o momento, os ministérios são tratados de modo polêmico e divisivo. Agora, muitos aspectos até então considerados «católicos» ou «luteranos» são descobertos como herança comum, perdendo o caráter de divisão.
O objetivo do documento é esclarecer o que é comum às igrejas na doutrina e prática do ministério pastoral, sem desconsiderar as diferenças. Não busca explicação exaustiva das concepções comuns.
Estrutura do documento:
Na Introdução, coloca o texto no contexto da pesquisa da comissão internacional em vista do restabelecimento da unidade, em continuidade com o documento A Ceia do Senhor – que aponta para a necessidade de um estudo específico também sobre o ministério petrino.
I – A ação salvífica de Deus por meio de Jesus Cristo no Espírito Santo: a salvação concedida de uma vez para sempre, de modo que «a ação salvífica de Deus por Jesus Cristo no Espírito santo é o centro comum da nossa fé cristã». Tal salvação tem mediações históricas, e «a Igreja é a comunidade na qual a nova vida, a reconciliação, a justificação e a paz são recebidas, vividas e testemunhadas para poder ser comunicada à humanidade». Aqui a importância do «testemunho, da liturgia e do serviço… são confiados ao inteiro povo de Deus», inserido no sacerdócio comum e caráter de serviço de todos os ministérios.
II – O ministério ordenado na Igreja: a origem apostólica e a abertura missionária, mostram o caráter único da missão apostólica e ministério particular para a direção das comunidades. Os ministérios têm dimensão cristológica e pneumatológica, sendo Cristo o único sacerdote, pastor e mediador entre Deus e a humanidade, de modo que o ministério eclesiástico é subordinado ao único ministério de Jesus Cristo – o qual age no Espírito Santo na proclamação da palavra, na administração dos sacramentos e no serviço pastoral21. O ministério e a comunidade: «o ministério existe tanto diante da comunidade quanto na comunidade. A ordenação de mulheres se constitui num considerável problema. A função do ministério: «atualmente, as nossas igrejas podem dizer, juntas, que a função essencial e específica do ministro ordenado consiste no reunir e edificar a comunidade cristã mediante seja o anúncio da palavra de Deus, seja a celebração dos sacramentos, bem como no guiar a vida da comunidade nos seus aspectos litúrgicos, missionários e diaconais». A sacramentalidade da ordenação: além da terminologia empregada, existe um acordo de fundo sobre o ato de ordenação mediante a imposição das mãos e a oração, da parte de um ministro ordenado, na comunidade, pelo qual o Espírito Santo habilita para sempre com os seus dons ao exercício do ministério. A unicidade da ordenação: a ordenação pode ser recebida uma só vez e não pode ser repetida, enquanto a confiança de um serviço numa comunidade concreta pode ser reiterado.
III – O ministério e as suas diversas realizações: O desenvolvimento histórico – ao final do qual existe uma significativa e objetiva convergência entre as duas igrejas, que apresentam, ambas, «ministérios comunitários de caráter local – presbíteros, pastores – e ainda ministérios de nível superior no âmbito regional». A distinção teológica entre o episcopado e o presbiterado ou entre o bispo e o pastor/sacerdote: «O fato de que em ambas as igrejas existam ministérios comunitários no nível local bem como ministérios de graus superiores a nível regional, não é simplesmente conseqüência do desenvolvimento humano e histórico ou de uma pura necessidade sociológica. Mostram a ação do Espírito experimentado e testemunhado na Igreja desde seus inícios. O desenvolvimento de diversos ministérios a partir do único ministério eclesial é algo que tem uma relação profunda com a natureza da Igreja»22. Enfim, a existência destes ministérios deve ser considerada fruto da ação do Espírito e, portanto, representa algo de «essencial» para a Igreja. Ministério doutrinal e poder doutrinal: não obstante diversas tradições a respeito, católicos e luteranos reconhecem juntos que, sob a guia do Espírito Santo e assumindo como norma o Evangelho, existe uma responsabilidade doutrinal que vai além do nível local, e que deve ser exercitada pelos ministros. O problema da sucessão apostólica: sucessão na fé apostólica; a sucessão apostólica de toda a Igreja e a continuidade ministerial; a sucessão episcopal como sucessão no ministério de presidência de uma Igreja, ao serviço da comunhão, e como sinal e serviço da apostolicidade da Igreja. Ministério episcopal e serviço da unidade universal da Igreja: história e teologia católica sobre o ministério de Pedro e posições luteranas a respeito – não se exclui a possibilidade de reconhecer no ministério petrino do bispo de Roma um sinal visível da unidade de toda a Igreja, «desde que o primado venha subordinado ao Evangelho mediante uma reinterpretação teológica e uma reestruturação a nível prático»23.
IV – O múto reconhecimento dos ministérios: A situação atual do problema nas duas igrejas diz respeito à compreensão e estrutura do ministério eclesiástico, apresentado de modo diferente nas duas igrejas. Na Igreja Católica, até o Concílio Vaticano II, não se havia pronunciamentos sobre a validade ou não dos ministérios nas igrejas da Reforma, embora se optasse pela não validade. É o Vat. II quem afirma um defectus nas ordens nas igrejas da Reforma (UR 22), sem que explique como isso se aplique às diferentes igrejas, que possuem importantes divergências. A questão é esclarecer «se por defectus se deva entender uma falta, sem implicar, porém, uma ausência total»24. Possibilidades futuras: para alcançar uma plena comunhão eucarística, precisa-se proceder ao mútuo reconhecimento dos ministérios; a isso pode-se chegar por graus, através do respeito pelos ministérios da outra Igreja, a colaboração, uma compreensão comum da fé e, portanto, do ministério eclesial em si; enfim, pelo o reconhecimento do fato que o Espírito Santo opera na outra Igreja por meio de seus ministérios.
1.2.5 – Martinho Lutero, testemunha de Jesus Cristo – 1983
Pela ocasião dos 500 anos do nascimento de Lutero, a Comissão publicou a declaração comum Martinho Lutero, testemunha de Jesus Cristo. Aqui, são re-examinadas as propostas dos reformadores à luz dos novos conhecimentos históricos e da evolução das duas igrejas.
I – Do conflito à reconciliação – O documento comemora os 500 anos do nascimento de Martinho Lutero, mostrando que «os cristãos, sejam de confissão católica ou protestante, não podem desinteressar-se da pessoa e da mensagem deste homem»25. «Os apelo de Lutero à Reforma da Igreja, isto è, à penitência, são ainda válidos para nós. Ele nos exorta a re-escutarmos o Evangelho, a reconhecer a nossa infidelidade ao Evangelho e a testemunhar de maneira autêntica»26.
II – Testemunha do Evangelho – Lutero considerava-se «um indigno evangelista de Nosso Senhor Jesus Cristo», quando criticava a tradição teológica e a vida da Igreja no seu tempo. Sob a forma da doutrina da justificação do pecador somente pela fé», surge o ponto central do seu pensamento teológico e da exegese das escrituras. «Enquanto testemunha do Evangelho, Lutero proclamou a mensagem bíblica do juízo e da graça de Deus, do escândalo e potência da cruz, da perdição dos seres humanos e da ação salvífica de Deus … nos endereça além da própria pessoa para confrontar-nos todos inequivocavelmente com o conforto e as exigências do Evangelho por ele testemunhado»27.
III – O conflito e o cisma na Igreja – O conflito da interpretação de Lutero da justificação somente pela fé com as formas da piedade popular da época. Lutero não pretendia dividir a Igreja, mas suas idéias não encontraram compreensão nas autoridades eclesiásticas da época. No contexto da controvérsia, as preocupações de Lutero, inicialmente religiosas, se endereçaram às questões sobre a autoridade da Igreja, com caráter, inclusive, político. «O conflito e o cisma não nasceram na Igreja da concepção mesma que Lutero tinha do Evangelho, mas da interrelação de fatores eclesiais e políticos no movimento da reforma»28.
IV – A recpeção das exigências da Reforma – as igrejas luteranas buscam custodiar as posições teológicas e espirituais de Lutero. Particular importância têm os documentos confessionais, entre os quais destacam-se os dois catecismos, que com a Confissão de Augsburgo formam a base para o diálogo ecumênico.
Mas a herança de Lutero sofreu distorções ao longo da história: a Bíblia tem sido isolada do seu contexto eclesial; a estima de Lutero pela vida sacramental foi perdida, sobretudo com o iluminismo e o pietismo; a concepção de Lutero sobre a pessoa foi distorcida pelo individualismo; por vezes a mensagem da justificação foi substituído pelo moralismo; as reservas sobre a participação das autoridades políticas na direção da Igreja foram esquecidas; a doutrina dos «dois reinos» foi usada para legitimar a evasão da Igreja das responsabilidades sociais e políticas29.
Hoje as igrejas luteranas não podem aprovar os excessos polêmicos de Lutero. Existe uma reavaliação do contexto histórico e pessoal de Lutero, suas intenções de reforma da Igreja, da teologia, da espiritualidade, da pastoral. Não se nega que Lutero é uma pessoa profundamente religiosa, lutando com honestidade pela mensagem do Evangelho. O Concílio Vaticano II respondeu muitas das exigências por ele propostas, como: a centralidade das Escrituras na vida da Igreja (DV); a compreensão da Igreja como «povo de Deus» (LG, cap. II); a necessidade de contínua renovação da Igreja na história (LG 8; UR 6); a confissão da cruz de Cristo e sua importância na vida do cristão e da Igreja (LG 8; UR 4; GS 37); a concepção dos ministérios na Igreja como serviço (CD 16; PO); o sacerdócio de todos os batizados (LG 10-11; AA 2-4); o direito de todos à liberdade religiosa (DH)30.
V – Herança e responsabilidades – «Ele (Lutero) pode ser nosso mestre comum e ensinar-nos que Deus deve sempre permanecer Deus, e que a nossa mais importante resposta humana deve ser sempre uma confiança absoluta e a nossa adoração a Deus» (card. Johannes Willebrands). Como herança principal de Lutero, o documento afirma: o primado das Escrituras na vida, na doutrina e no serviço da Igreja; a fé como confiança absoluta em Deus; a graça como relação pessoal de Deus aos homens, incondicional, e que liberta diante de Deus e para o serviço ao próximo; o perdão de Deus como única base e única esperança para a vida humana; renovação constante da Igreja na palavra de Deus; a unidade nas coisas essenciais é compatível com as diferenças de costumes, na teologia e nas estruturas; o conhecimento da misericórdia de Deus só é possível a quem reza e medita, a quem o Espírito persuade na verdade do Evangelho, preserva e fortalece na verdade contra cada tentação; a reconciliação e a comunidade cristã só podem existir onde é respeitada não apenas a «regra de fé», mas também a «regra do amor»31.
1.2.6 – A unidade diante de nós. Modelos, formas, fases da união entre as Igrejas -1984
Esse documento busca ser claro sobre a essência da unidade da Igreja e sobre a proposta de uma meta que não signifique nem absorção nem retorno, mas antes uma união estrutural entre as igrejas. Para esse fim é indispensável a unidade no reconhecimento da única fé e na via sacramental. É necessário resolver os contrastes que ainda geram divisão, a fim de que se chege à unidade na fé, nos sacramentos e no serviço.
Estrutura do documento:
I – A natureza da unidade e modelos de união: modelos de unidade – é construção arbitrária. Olha-se para eles como referência para realizações concretas da idéia da unidade que se possui32. A unidade da Igreja, dada em Cristo, se realiza na comunhão no anúncio da palavra, nos sacramentos e no ministério fundado por Deus e transmitido por meio da ordenação33. A plena realização da unidade exige formas concretas de uma vida eclesial comunitária. Tal unidade tem exigências: que seja visível e abrace tanto a diferenciação interna e as múltiplas espiritualidades, quanto a evolução e o desenvolvimento histórico da fé.
A Igreja como comunhão: uma comunhão de igrejas locais, que exige a eclesiologia de comunhão como via da unidade. Existem vários modelos de união: parciais – insuficientes mas válidos como passos rumo à unidade34; de união completa – orgânica35; associação corporativa36; comunhão de igrejas através da concórdia37; comunhão conciliar38; unidade numa diversidade reconciliada39. O exemplo da união de Florência – entre a Igreja latina e a bizantina40; o status das igrejas orientais unidas a Roma. Comunhão de igrejas irmãs: «tipos» eclesiais – respeitar os diversos typoi de igrejas; Igrejas irmãs – uma terminologia com origem na Igreja primitiva.
II – Formas e fases da união entre as igrejas católica e luterana – No caminho rumo à comunhão eclesial: aplicar os modelos precedentes; buscamos uma unidade na diversidade; que supere as condenações recíprocas; uma comunhão plena e vinculante; um caminho de conversão; comunhão de fé, de sacramentos e de serviço. O crescimento da comunhão das igrejas através do «reconhecimento» e a «recepção» recíprocas: nova compreensão da história e da vida da outra Igreja; renovamentos doutrinais e práticos em ambas na:
a) comunhão de fé – testemunho comum da fé apostólica, e as verdades centrais da fé na Igreja primitiva; superação das dificuldades sobre as relações entre Escritura e tradição e sobre a doutrina da justificação, da eucaristia, da Igreja, do ministério; existência nas duas igrejas de um magistério com autoridade que pode atribuir caráter vinculante aos pontos de consenso. A unidade da fé na diversidade de suas manifestações: não é necessário que cada comunidade assuma as manifestações específicas da fé, da piedade e da ética da outra, a condição que a reconheça. A invalidação das excomunhões: declarar-lhes sem fundamento, à luz de uma melhor compreensão da doutrina da outra Igreja, através declarações oficiais e empenhativas para as igrejas.
b) Comunhão dos sacramentos – intensificação da vida sacramental nas nossas igrejas: o renovamento sacramental em ambas as reavivou. Acordo crescente na interpretação e na celebração dos sacramentos: um só batismo, como incorporação a Cristo; acolhida na nova aliança entre Deus e o seu povo. «A comunhão comum do batismo se exprime no modo de realizá-lo e encontra confirmação no fato que o batismo é reciprocamente e oficialmente reconhecido por quase todas as nossas igrejas»41. A unidade no entendimento e na celebração da eucaristia nos últimos anos está favorecendo a aproximação sobre a eucaristia: posições até agora causas da divisão estão sendo superadas: «muitas das diversidades que ainda restam encontram-se numa visão comum que as priva do poder de separação»42. Também outros sacramentos da Igreja católica, não reconhecidos como tais pelos luteranos, estão recebendo maior atenção. Quesitos abertos, diversidades que permanecem, compreensão substancial: deixar espaço a legítimas diversidades; Cristo sacramento primigênio; a Igreja como sacramento.
c) Comunhão de serviço: o dever de uma união estrutural (comunhão de serviço) – a Igreja exige uma comunhão também visível, numa estrutura organizada. União estrutural das igrejas e comunhão no ministério eclesial – para os católicos existe um defectus sacramenti ordinis no ministério luterano; é necessário realizar a comunhão na sucessão apostólica do episcopado atual. Referência comum à Igreja antiga, sobretudo na liturgia da ordenação episcopal. Importância da referência à Igreja antiga para a união entre as igrejas católica e luterana: o ministério episcopal serve à koinonia da Igreja local de maneira pessoal, colegial, comunitária. Rumo a um serviço à comunidade, exercido juntos: realizar a plena comunhão eclesial passando através do mútuo reconhecimento dos ministérios e o exercício comum dos mesmos. Isso deve ter uma estrutura – um reconhecimento recíproco, oficial, que prevê: 1) formas preliminares do exercício comum do episkopê, que prevê os atos de ordenação; 2) daqui derivam atos iniciais de reconhecimento; 3) exercício colegial do episkopê; 4) passagem à existência de um ministércio eclesial comum. Isso deveria dar-se por etapas: nível local; regional/nacional; universal43. Formas preliminares para um exercício comum do episkopê: grupos de trabalho de igrejas cristãs ou conselhos de cristãos; convites recíprocos a ministros das igrejas para sínodos de uma e de outra, com direito à palavra; desenvolvimento de formas mais estáveis, de relações operativas entre os que nas duas igrejas exercem a episkopé «para fazer juntos, já agora, aquilo que a consciência não exige que seja feito e dito separadamente»; criação em um dado país ou região de órgãos de intercâmbio conciliar de experiências e de consulência para se chegar a decisões unitárias em ocasiões como a evangelização, o serviço social, a responsabilidade civil, e assim por diante44. Ato inicial do reconhecimento: declarar o consenso fundamental na fé/sacramentos e ministérios e reconhecer que na outra Igreja se realiza a Igreja de Cristo. A Igreja Católica precisa rever a afirmação da existência do defectus na outra Igreja; abrir-se ao exercício comum do episkopê. Esses «atos iniciais» precisam ter «caráter vinculante»; os ministros devem fazer uma pública e oficial profissão da fé apostólica45. Uma única episkopê de forma colegial: nos lugares em que as igrejas vivem uma próximo da outra; em grau de garantir a necessária unidade e a legítima diversidade. A passagem de uma episkopê exercida em comum a um ministério eclesial comum: atingindo-o através do exercício comum da ordenação evitam-se os inconvenientes em que incorrem todas as outras soluções propostas até agora: 1) exercício comum da episkopê; 2) exercício comum de ordenações; 3) ministério eclesial comum46. O exercício do ministério eclesial comum: situações históricas, sociais e culturais específicas, junto a verdades nas tradições espirituais, podem sugerir um exercício diferenciado47. A indivisibilidade da koinonia: relações com igrejas que já estiveram em comunhão com a Igreja católica ou luterana. Perspectivas para o futuro: o diálogo é um caminho para realizar o fim da unidade entre «todos» os cristãos.
Excursus: A prática da ordenação na Igreja Antiga – H. Legrand.
1.3 – Terceira fase do diálogo: 1986 – 1993
1.3.1 – Igreja e Justificação
Nas conclusões ainda da primeira fase, já se evidenciava um certo consenso sobre a doutrina da justificação, a Escritura e a tradição. Este consenso serviu de motivo para continuar o diálogo, na segunda fase, entre os anos 1973 a 1984, com uma série de documentos que estudavam problemas doutrinais específicos. A terceira fase, entre os anos 1986 e 1993, foi concluída com a aprovação do documento Igreja e Justificação. Esse texto tem como chave o significado da Igreja à luz da sacramentalidade e da justificação, considerando que a justificação provém do anúncio e da acolhida do Evangelho.
Os capítulos I-III: Igreja e justificação – apresentam o que luteranos e católicos romanos condividem sobre a Igreja e a justificação: ambas são verdades de fé, fundadas sobre o mistério de Cristo e da Trindade e dadas a nós como graça não merecida. A origem permanente da Igreja – Ela tem a eleição de Israel como seu pressuposto, é fundada no evento Cristo e tem unicamente a Cristo como seu fundamento. Como origem em Deus, a Igreja tem dimensão trinitária, visa à koinonia com Deus e entre seus membros, e tem como missão anunciar o Reino de Deus.
O cap. IV mostra a Igreja como recebedora e mediadora da salvação – constitui o coração do documento, tratando os pontos controvertidos, como: a Igreja como congregatio fidelium, do ponto de vista luterano («a Igreja é uma communio sanctorum … comunidade ou reunião dos santos e dos pios, dos homens que crêem sobre a terra»48; «comunidade de salvação enquanto comunidade de fé, que é fundada na palavra de Deus e ligada à palavra de Deus»49; e católico («a Igreja é a assembléia dos fiéis de Cristo … “assembléia dos que guardam a fé em Cristo, autor da salvação (AG 15; PO 4)… assembléia ou sociedade dos santos»50. Ambas as igrejas afirmam que a comunhão dos santos se dá pela ação do Espírito e se expressa na celebração dos sacramentos. Há, contudo, divergências quanto às estruturas de comunhão na Igreja; a Igreja é, assim, sacramento da salvação, possuindo um caráter visível e escondido; ela é santa e pecadora.
Igreja e justificação: 1) o problema inicial era a discussão sobre a relação Igreja e justificação: os luteranos não diminuem a realidade da Igreja? E os católicos não obscurecem o conteúdo do Evangelho? É importante observar de que ponto de vista se fala sobre a doutrina da justificação e sua relação com a Igreja. A doutrina da justificação só é apresentada corretamente se colocada no centro da teologia, e deve corresponder, consequentemente, ao centro da doutrina da Igreja51. Tudo o que se ensina sobre a essência da Igreja, seus meios de salvação e seu ministério constitutivo deve ser fundado sobre o mesmo evento salvífico e caracterizado pela fé na justificação. Do mesmo modo, tudo o que se crê e ensina sobre a natureza e a ação da justificação deve ser entendido no contexto global das afirmações sobre a Igreja, seus meios de salvação e sobre o ministério constitutivo da Igreja52.
2) Convicções comuns: o Novo Testamento não contém oposição entre Evangelho e Igreja, bem como justificação e Igreja: a) o Evangelho é uma «Palavra exterior», que precisa ser comunicada, e cuja interiorização precisa, portanto, de uma intervenção de outras pessoas. A mensagem «de fora» conduz os crentes à promessa. «De uma parte, a Igreja vive do Evangelho, de outra, o Evangelho ressoa na Igreja e chama à comunidade eclesial»53; b) o evangelho é uma Palavra criadora, não apenas informa sobre a justiça, mas nos faz homens novos, justos, que vivem uma «vida nova» (Rm 6,4). Se o Evangelho reúne a Igreja, essa é, pela força criadora do Evangelho, criatura de Deus; c) Deus é fiel à sua Palavra e promessa. No tempo da espera, realiza sua fidelidade na forma histórica da Igreja, inclusive através de estruturas de continuidade histórica (n. 172).
3) Pontos controvertidos: a) a continuidade institucional na Igreja: a historicidade da Igreja é ligada à historicidade do Evangelho. Como Igreja de todos os povos e de todas as gerações, é uma realidade comunitária, social, de natureza especial e com duração permanente. Como Deus assim a cria, estabelece elementos estruturais e institucionais a serviço da continuidade dessa comunidade e finalizados a concretizá-la: «a fundação da Igreja … e a instauração destes elementos estruturais e instituicionais, são, portanto, indissoluvelmente ligados»54. A questão se elementos como símbolos de fé, dogmas, escritos confessionais pertencem à natureza da Igreja refletem experiências eclesiais diferentes. Há consenso sobre: nascem na história da Igreja, e não são dados diretamente e explicitamente com a fundação da Igreja; exprimem a continuidade da Igreja e podem servi-la; capazes e necessitados de renovação. Há consenso no fato de que os elementos institucionais da Igreja só tem valor na medida em que servem o Evangelho: porque servem o Evangelho dão continuidade à Igreja.
b) O ministério ordenado como instituição na Igreja – Na doutrina luterana «não existe oposição entre a doutrina da justificação e um ministério ordenado instituído por Deus e necessário para a Igreja» : o Evangelho, que justifica, é anunciado na pregação e celebração dos sacramentos feito pelo ministério eclesiástico. Ministério eclesiástico e e Evangelho são estreitamente interligados, levando à fundação da Igreja sobre o ministério eclesiástico56. Desse modo, «a existência de um ministério particular tem um valor constitutivo e permanente para a Igreja»57. Como «ministério da reconciliação», para «apascentar as ovelhas», «Deus institui o ministério ordenado», de modo que ele não está em oposição ao Evangelho e a doutrina da justificação, mas lhe é conforme e recebe dessa conformidade a sua necessidade para a Igreja58.
O modo como essa experiência se traduz nas igrejas é diverso; existem conflitos entre ministério e o Evangelho. É preciso que Igreja afirme a prioridade do Evangelho.
c) A função magisterial do ministério eclesiástico: a Igreja tem necessidade de permanecer constantemente na verdade, precisando distinguir com autoridade entre a verdade do Evangelho e o erro. Nesse sentido, a Igreja tem a função de «ensinar». Isso é fruto do Espírito que atua na Igreja. «A diferença entre nossas igrejas aparece somente onde se trata do estilo e do modo de exercitar a responsabilidade magisterial da Igreja… O fato que a Igreja católica atribua ao ministério eclesiástico, sobreturo ao ministério episcopal… não constitui ainda uma diferença essencial em relação à concepção e à prática luterana»59.
d) A função jurisdicional do ministério eclesiástico: «Católicos e luteranos confessam unanimemente que Deus … para conservar a Igreja na verdade do Evangelho, se serve para isso também do direito e das disposições jurídicas60. Não há exclusão entre o Evangelho e a Igreja, de um lado, e o direito eclesiástico, de outro. Tal é o que demonstra as «ordens eclesiásticas», das igrejas reformadas, com força de lei, ou mesmo as constituições das atuais igrejas luteranas61. Uma diferença entre católicos e luteranos aparece quando se trata da concepção do direito eclesiástico e da sua normatividade, bem como de saber até que ponto e em que sentido a Igreja e, em particular, o ministério eclesiástico, têm a autoridade de promulgar decisões e ordenações jurídicas vinculantes, e até que ponto tais decisões pode ser submetidas criticamente ao Evangelho62. O consenso maior é: sobre o direito eclesiástico vale o princípio: «Na Igreja, a salvação das almas (deve) … ser a lei suprema; o direito eclesiástico está em função e na dependência do Evangelho; as disposições jurídicas têm sempre uma forma e realização histórica, precisando de renovação e reestruturação, mesmo quando lhes são atribuídas um caráter de ius divinum63.
O cap. V estuda a missão e o cumprimento da Igreja: as igrejas encontram-se diante do grande desafio de intensificar e alargar em todos os campos a colaboração prática ao serviço do Evangelho; existem desafios comuns das igrejas num mundo em contínua mudança; a missão da Igreja deve ser refletida à luz da mensagem da justificação; a missão da Igreja é participação na ação de Deus no mudo.
O significado deste documento está na amplitude do texto e na sua aprovação consensual de todos os membros da comissão mista.
1.4 – Quarta fase do diálogo: 1994 ...
No encontro anual da Comissão, em Smidstrup Strand, Dinamarca, entre 04-10/09/2001, discutiu-se o tema da Doutrina eclesial e sua permanência na verdade. Os principais capítulos são dedicados à Doutrina e à Fé apostólica no desenvolvimento da Igreja primitiva e medieval, à Escritura (Cânon), à Tradição na perspectiva luterana, ao Conceito e à Compreensão do Magistério na teologia católica, de Trento ao Vat. II, bem como ao ministério eclesial da doutrina apostólica na perspectiva luterana.
Sobre esses temas está sendo preparada uma declaração comum sobre o estado atual da questão, apresentado os temas do apostolado, do ministério e da doutrina da Igreja, respondendo à questão: quais são as coisas que podemos afirmar juntos, e sobre quais questões estamos ainda divididos? A previsão para o término dos trabalhos é o ano 2004, elaborando um documento que mostre que, após o tema da justificação, o diálogo atual trata dos temas centrais da Igreja e do Ministério. Espera-se que o resultado do diálogo sobre esse tema possibilite afrontar o tema da comunhão eucarística.
Um outro importante documento de estudo, Communio Sanctorum, a Igreja como Comunhão dos Santos, tratando da recepção da DJ, foi elaborado na Alemanha (Paderborn-Frankfurt, no ano 2000). Assumindo a confissão comum da «comunhão dos santos», colheu-se a ocasião da DJ para tratar questões de maior relevo num contexto bíblico e eclesiológico: a comunhão dos santos, na perspectiva bíblica e eclesiológica, bem como no amor de Deus uno e trino. O diálogo se atém à relação entre a comunhão em Deus e a comunhão da Igreja, e à relação entre a palavra de Deus e o magistério eclesial, bem como ao testemunho de todo o povo de Deus.
2. Observações conclusivas sobre o progresso nas questões teológicas
2.1 – A Declaração conjunta sobre a Doutrina da Justificação (31/10/99)
Esta Declaração foi o fruto maduro dos trinta anos de trabalho teológico e ecumênico. Este «consenso diferenciado» sobre o núcleo central do Evangelho e os motivos de base da separação, é um dom do Espírito Santo, fazendo da DJ a «pedra angular» do diálogo ecumênico.
Do ponto de vista teológico, dois fatos são relevantes: a DJ representa um consenso não total, mas diferenciado: trata-se de um consenso sobre questões de base da DJ; são explicitados os pontos sobre os quais se chegou ao consenso64. Questões que permanecem não são conflitivas, mas complementárias, no sentido que não comprometem o acordo de base.
A partir da DJ, é prevista a continuidade do diálogo: aprofundamento do sentido bíblico da DJ; traduzir na linguagem atual a mensagem da J e as questões eclesiológicas a ela ligadas; estender o consenso diferenciado a outras Comunhões Eclesiais surgidas ligadas à Reforma65. Um dos momentos mais significativos nessa continuidade foi a consulta sobre Unidade da fé. A Declaração conjunta sobre a Justificação num contexto ecumênico mais amplo (realizada em Columbus, Ohio, EUA, de 26/11-01/12/ 2001). Esta consulta buscou expandir o consenso para outras igrejas (sobretudo aos metodistas e reformados).
2.2 – A nova qualidade das relações e os novos problemas
A maior conseqüência da DJ, é a aquisição de uma nova qualidade e intensidade das relações entre as igrejas católica e evangélica luterana. Nesse fato, constata-se: 1) o desenvolvimento do diálogo nos últimos decênios; 2) mudanças históricas essenciais; 3) nova situação histórica das relações católicas-luteranas.
Após a DJ, muitas expectativas apareceram, tanto que, num segundo momento, esse acordo tem sido, para alguns, motivo de frustração. Tal é o caso dos que esperavam a condivisão eucarística como consequência direta da DJ. Além disso, a DJ não anula as diferenças eclesiológicas sobre os ministérios na Igreja, particularmente o episcopado e a sucessão apostólica – temas que devem ser aprofundados na continuidade do diálogo.
É essencial compreender que o diálogo católico-luterano encontra-se numa situação intermediária entre os resultados já obtidos e os objetivos futuros. A comunhão plena está no futuro. Por isso, o compromisso ecumênico não é o de abolir cada tensão, mas de transformar as contraposições em afirmações complementares, de modo que as tensões se tornem construtivas. Trata-se de encontrar um grau de consenso substancial que permita resolver as diferenças geradoras de divisão entre as igrejas. Esse período de transição precisa ser preenchido por uma communio eclesial, mesmo se ainda incompleta.
Isso significa que tal período deve ser preenchido pela vida das igrejas. Assim, ao «ecumenismo do amor» (melhoria das relações) e ao «ecumenismo da verdade» (progressos no plano teológico), deve-se acrescentar o «ecumenismo da vida»66. As divergências entre as igrejas não nasceram apenas das discussões, mas também do modo em que as igrejas viviam na relação de uma para com a outra – no sentido de alienação e estranheza. É, portanto, necessário que se chegue a uma aproximação na vida e na oração, mesmo aceitando, dolorosamente, a situação ainda incompleta da comunhão e a permanência da impossibilidade de uma comunhão eucarística ao redor da mesa do Senhor.
«O caminho permanece longo e difícil; mas o Senhor não nos pede para medirmos a dificuldade em termos humanos». Agradecemos a ajuda que Deus nos deus para chegarmos até onde estamos. «Que isso possa inspirar-nos coragem, e levar-nos a tirar do vocabulário ecumênico palavras como crise, atraso, lentidão, imobilismo, compromisso!»67.
2.3 – O diálogo católico-evangélico luterano no atual contexto do ecumenismo
A relação entre católicos e evangélicos-luteranos deve ser considerada de modo inserido nos elementos que caracterizam a atual situação do diálogo ecumênico. Aqui, destacamos:
1) É fundamental que as igrejas reconheçam com objetividade o caminho percorrido até o presente, e identifiquem-se com os passos dados. Para continuar no caminho não se deve querer partir do zero, como se pretendesse negar o caminho percorrido ou voltar atrás. Os resultados do diálogo mostram que a relação entre as duas igrejas melhoram.
a) Em termos práticos: existe uma «nova situação» altamente positiva, com aproximação dos cristãos de ambas as igrejas, sem os preconceitos do passado, sem hostilidades e indiferenças, ambos encontrando-se no mesmo caminho. O mesmo pode-se dizer de muitos líderes das igrejas.
b) No campo teológico: sobre os fundamentos da fé cristã existe um consenso substancial: na cristologia, na teologia da trindade, na doutrina da justificação, na relação Escrituras e tradição.
c) Perspectivas: esse «consenso substancial» possibilita afrontar agora questões pertinentes mais diretamente à eclesiologia: a natureza e missão da Igreja, os ministérios, a sucessão apostólica e o ministério petrino na Igreja. O diálogo sobre esses elementos possibilitará afrontar o tema da eucaristia, condição exigida por ambas as igrejas como expressão máxima da unidade visível.
2) Vive-se, assim, um «período intermediário» entre os resultados já obtidos no diálogo e o fim da unidade plena. Esse «período intermediário» precisa ser preenchido com a recepção dos resultados obtidos até aqui, a formação ecumênica dos cristãos em ambas as igrejas, e o afrontamento das questões eclesiológicas em ambas as igrejas.
3) Nesse «período intermediário» as igrejas não deveriam continuar fazendo isoladamente o que já podem fazer juntas, como o estudo da Bíblia e da teologia; pastoral da juventude; casamentos interconfessionais; orientação social dos cristãos; momentos de oração; condivisão do espaço litúrgico, sobretudo nas áreas empobrecidas; cooperação na ação social, etc.
4) Isso implica que cada Igreja deve assumir um redimensionamento e esclarecimento de suas posições teológicas e pastorais, pela incorporação estrutural dos resultados do diálogo, de modo que esses estejam presentes no esforço catequético, homilético, cúltico, na vida espiritual e pastoral, das comunidades dos cristãos. Tal é a base para uma verdadeira retomada do diálogo.
5) Tal redimensionamento das posições teológicas e pastorais implica numa revisão também da identidade eclesial nas duas tradições. O novo acento identitário deve ser marcado pela relação: a identidade relacional possibilita legitimar a continuidade das convicções de ambas as tradições eclesiais, mas agora sem exclusivismos e colocadas num horizonte maior – do encontro com outras identidades. Tal fato possibilitará a configuração de uma identidade eclesial aberta, de modo que uma Igreja possa perceber na outra uma «superabundância de sentido» na compreensão e vivência da fé que antes não percebia. Mais, poderá acolher em si mesma essa «superabundância» como realidade enriquecedora da sua identidade eclesial.
6) Para isso é necessário que o diálogo deixe de acontecer apenas entre os organismos representativos das igrejas e chegue às comunidades dos fiéis. Isso exigirá a encarnação do diálogo realizado entre o CPPUC e a FLM nas igrejas locais, envolvendo e formando a consciência dos fiéis de ambas as igrejas. Até o momento, existe um «ecumenismo com duas velocidades»68. E mesmo que esse continue, precisa ser, de algum modo, superado.
7) Quando se diz que a situação ecumênica atual poderia ser designada de «crise», temos que entender bem o que isso significa. De um lado, tal termo apresenta as dificuldades da continuidade do diálogo e, por vezes, até mesmo a falta de crédito nas relações entre as igrejas. Mas, de outro lado, o termo «crise», tomado em seu sentido grego original, designa uma situação de possibilidades. Desse modo, o atual momento é de possibilidades abertas – que podem se realizar de modo negativo ou positivo para o ecumenismo, dependendo as saídas que se encontram para a “crise”.
8) Encontramo-nos, portanto, numa situação de mudança, que – se positivamente exploradas as possibilidades da «crise» – possibilita o emergir de uma nova situação ecumênica, a qual poderá dar esperanças para a continuidade e aprofundamento do diálogo. A razão é que essa «situação de mudança» indica, de um lado: 1) certo esgotamento dos métodos utilizados até o presente; 2) a superação de algumas etapas do caminho. De outro lado, ela aponta: 1) a possibilidade de novos caminhos; 2) a exigência de novos jeitos/métodos de caminhar. A situação de crise está, portanto, estreitamente vinculada à situação de mudança. Ambas constituem o momento atual como um desafio, um tempo de revisão, e uma exigência de novo entusiasmo no diálogo, retomado agora num novo contexto.
9) Não existe, por mais difícil que sejam os passos rumo à unidade, motivos para desilusão ou desânimo dos caminheiros. Encontramo-nos numa estrada mais aberta, já delineada em sua maior parte. O traçado da estrada está mais definido do que em outros tempos. E o jeito de caminhar é mais adulto, que superou certo entusiasmo característico da sua adolescência/juventude, e que olha o futuro com madura ponderação. Existe mais firmeza nos passos do caminheiro adulto, e uma confiança assegurada pelos passos precedentes. Evidentemente, a nova situação poderá exigir revisão do modo de caminhar, mas para isso é preciso continuar no caminho. As dificuldades, por maiores que sejam, não obrigam o abandono do caminho. Assim, a confiança na possibilidade positiva de superar a crise, vê a situação presente caracterizada por uma comunhão já existente e profunda, embora não plena ainda. Por isso é preciso um entusiasmo ecumênico novo, que apresente a utopia da unidade com realismo: ao invés de olhar o impossível e pisar no freio, devemos viver a communio já dada e possível, e fazer o que é possível fazer hoje69. Para isso, há que se compreender que não somos os únicos autores da unidade: é o Espírito Santo que congrega os discípulos de Cristo no seu corpo – a Igreja – para a glória do Pai.
Pe. Elias Wolff
Notas:
1Fontes: Enchiridion Oecumenicum, Dialoghi Internazionali, vol. I, 1931-1984; vol. III, 1985-1994, Edizioni Dehoniane Bologna, 1986 e 1995, respectivamente; Mattias TURK, «Rapporti tra il Pontificio Consiglio per la Promozione dell’Unità dei Cristiani e la Federazione Luterana Mondiale», in L’Osservatore Romano, Lunedi-Martedi, 21-22 Gennaio 2002; Walter KASPER, «Situazione e visione del movimento ecumenico», in Il Regno-Attualità, 4/2002.
2 Presbítero pertencente à Diocese de Lages/SC. Professor de teologia sistemática no Instituto Teológico de Santa Catarina – ITESC, e Antropologia Filosófica na Fundação Educacional de Brusque/SC – FEBE.
3 Esse documento e a Declaração sobre a «Hospitalidade Eucarística», apresentado no ítem 1.1.3, formalmente não são resultado da Comissão Bilateral Católica-Evangélica Luterana. O atual documento foi produzido por um grupo de trabalho anterior à formação da Comissão Bilateral; e o documento apresentado no ítem 1.1.3 é um diálogo unilateral, fruto do trabalho de um grupo composto apenas por luteranos – embora em seu conteúdo o interlocutor católico é explícito. Eles são apresentados aqui porque compreendidos no mesmo horizonte de finalidade e conteúdo dos trabalhos da Comissão Bilateral.
4 Zurique, 1967; Bastad (Suécia, 1968); Nemi (Itália) 1969; Cartigny (Suíça) 1970; Malta, 1971.
5«Toda a Igreja, enquanto ecclesia apostolica, coloca-se na sucessão apostólica, em cujo âmbito a sucessão num sentido específico é entendida como o suceder-se da corrente ininterrupta da transmissão do ministério… Da parte luterana esse significado pode ser atribuído a uma particular sucessão, para que a sucessão na doutrina seja reconhecida uma posição preminente e a corrente ininterrupta da transmissão do ministério não deva ser considerada como uma garantia segura ipso facto da continuidade no reto anúncio do Evangelho» (n. 57).
6 O Evangelho e a Igreja, n. 63.
7 Declaração sobre a «Hospitalidade Eucarística», n. 14.
8 Declaração sobre a «Hospitalidade Eucarística», n. 34.
9 A Ceia do Senhor, Introdução, n. 2.
10 A Ceia do Senhor, nn. 13-31.
11 A Ceia do Senhor, nn. 48-73.
12 A Ceia do Senhor, nn. 74-76.
13 Caminhos rumo à comunhão, n. 73.
14 Caminhos rumo à comunhão, nn. 4-52.
15 Caminhos rumo à comunhão, nn. 53-96.
16 Todos sob um mesmo Cristo, n. 13.
17 Todos sob um mesmo Cristo, n. 14.
18Todos sob um mesmo Cristo, n. 16.
19 Refere-se: «nas declarações comuns sobre a relação entre Evangelho e Igreja; no amplo entendimento sobre a eucaristia; no acordo de que é constitutivo para a Igreja um ministério transmitido com a ordenação, e que não lhe faz parte o que a CF indicava como ‘não necessário’» (n. 17).
20 Todos sob um mesmo Cristo, nn. 20-22.
21 O ministério pastoral na Igreja, n. 21.
22 O ministério pastoral na Igreja, n. 45.
23 O ministério pastoral na Igreja, n. 73.
24 O ministério pastoral na Igreja, n. 76.
25 Martinho Lutero, testemunha de Jesus Cristo, n. 1.
26 Martinho Lutero, testemunha de Jesus Cristo, n. 6.
27 Martinho Lutero, testemunha de Jesus Cristo, n. 12.
28 Martinho Lutero, testemunha de Jesus Cristo, n. 13.
29 Martinho Lutero, testemunha de Jesus Cristo, n. 19.
30 Martinho Lutero, testemunha de Jesus Cristo, n. 24. Outras exigências de Lutero que foram acolhidas atualmente na Igreja Católica: o uso da língua do povo na liturgia; a possibilidade de receber a comunhão sob as duas espécies; a renovação da teologia e da celebraçào eucarística (n. 25).
31 Martinho Lutero, testemunha de Jesus Cristo, n. 26.
32 A unidade diante de nós. Modelos, formas, fases da união entre as Igrejas, n. 2.
33 A unidade diante de nós. Modelos, formas, fases da união entre as Igrejas, n. 3.
34 O documento apresenta como «modelos parciais»: a unidade espiritual; a comunhão de diálogo; a unidade na ação (nn. 8-13).
35 É o mais antigo modelo de unidade do movimento ecumênico. Mostra uma interpretação da unidade e um modelo de unificação. A base é a «Igreja como Corpo de Cristo». Em síntese: vâs nas diferentes igrejas um obstáculo à unidade. Esta implica na renúncia à pertença a uma identidade eclesial e confessional herdade. Busca uma estrutura organizativa homogênea (nn. 16-18).
36 Aproxima-se da união orgânica, mas não afirma a necessidade da renúncia à própria identidade: é comunhão de fé e vida, com membros e estruturas eclesiais autônomas. Trata-se de uma associação na diversidade. Aproxima-se do atual modelo católico-anglicano, o qual usa o nome de «unidade orgânica» (nn. 19-22).
37Desenvolvido entre igrejas luteranas, reformadas e unidas da Europa. Afirma a comunhão de igrejas sob uma concórdia doutrinal – acordos comuns. O exemplo maior é a Concórdia de Luemberg (1973): base no Evangelho; fim das condenações do passado; comunhão: na palavra/sacramento (púlpido/ceia); ministério (mútuo reconhecimento/concelebração); respeito às profissões de fé de cada Igreja (nn. 23-26).
38 Desenvolvido sobretudo por Fé e Constituição, do CMI. Este modelo desenvolve as declarações das Assembléias do CMI de Nova Delhi e Upsala. Em Nairobi (1975), surge de modo mais concreto afirmando: comunhão conciliar de igrejas locais, efetivamente reunidas entre si; nela cada Igreja é membro da Igreja de Cristo. Daqui temos: mesma fé apostólica; mesmo batismo/eucaristia; ministérios comuns; comunhão no serviço ao mundo; estruturas comuns. A diferença maior está entre católicos e ortodoxos: exigem ministérios derivados da sucessão apostólica. Afirma-se que o respeito às diferentes tradições não contradizem os elementos essenciais da comunhão conciliar (nn. 27-30).
39 Afirma que a diferença dos patrimônios confessionais são legítimas e pertencem a toda a Igreja; as diferenças perdem o caráter de divisão/exclusão; não é apenas coexistência de igrejas, mas real comunhão: no batismo, na eucaristia, nos ministérios, no testemunho e serviço ao mundo (nn. 31-34).
40 Possibilidade da unidade de igrejas sem que isso signifique fusão: mesma fé, mesmos sacramentos, mesmos ministérios. Não há necessidade de uma única jurisdição e um único bispo. Existe um período de transição, no qual poderia haver dois bispos num mesmo lugar. A unidade não diminui a legitimidade das diferentes tradições eclesiais: teologia, canônica, espiritual (OE) (nn. 35-40).
41 A unidade diante de nós. Modelos, formas, fases da união entre as Igrejas, n. 75.
42 A unidade diante de nós. Modelos, formas, fases da união entre as Igrejas, n. 76.
43 A unidade diante de nós. Modelos, formas, fases da união entre as Igrejas, n. 117.
44 A unidade diante de nós. Modelos, formas, fases da união entre as Igrejas, n. 120-121.
45 A unidade diante de nós. Modelos, formas, fases da união entre as Igrejas, n. 125.
46 A unidade diante de nós. Modelos, formas, fases da união entre as Igrejas, nn. 132-141. As formas podem ser diferentes, basicamente: 1) um episcopado de forma colegial; 2) um só bispo para comunidades de diferentes tradições; 3) fusão das diferentes comunidades e um só bispo (n. 143).
47 A unidade diante de nós. Modelos, formas, fases da união entre as Igrejas, n. 142.
48 Igreja e Justificação, n. 109.
49 Igreja e Justificação, n. 111.
50 Igreja e Justificação, n. 114.
51 Igreja e Justificação, n. 168.
52 Igreja e Justificação, n. 168.
53 Igreja e Justificação, n. 170.
54 Igreja e Justificação, n. 177.
55 Igreja e Justificação, n. 185.
56 Igreja e Justificação, n. 185. Tal é a doutrina luterana: o Deus uno e trino é a causa eficiente primeira» da Igreja e a «causa eficiente, da qual Deus se serve para reunir a sua Igreja é o ministério eclesiástico» (Johann Gerhard, Loci theologici, XXII, V, 37, 40).
57 Comissão Bilateral Católica – Luterana, O ministério pastoral na Igreja, n. 18.
58 Igreja e Justificação, n. 188.
59Igreja e Justificação, n.208.
60Igreja e Justificação, n. 224.
61 Igreja e Justificação, n. 225.
62 Igreja e Justificação, n. 226.
63 Igreja e Justificação, n. 227.
64 A base bíblica da justificação, nn. 8-12; a justificação como obra do Deus triúno, que nos justifica «somente por graça, na fé na obra salvífica de Cristo, e não por causa do nosso mérito», n. 15; justificados por Cristo recebemos a salvação na fé. A fé é já dom de Deus que, através do Espírito Santo, atua na palavra e nos sacramentos da comunhão dos crentes, conduzindo à renovação da vidan. 16; esse fato é manifestação da misericórdia de Deus, n. 17; a doutrina da justificação possui uma «relação essencial» com todas as verdades da fé; é um critério indispensável na vida da Igreja, n. 18.
Daqui vem o «desdobramento da compreensão comum da justificação», apresentando: a salvação é graça de Deus, n. 19; a própria «cooperação» é já efeito da graça, que possibilita «assentimento pessoal», n. 20 (católicos); desse modo, há uma «participação pessoal na fé», operada pela palavra de Deus, n. 21 (luteranos); a justificação liberta do poder escravizador do pecado, n. 22;
65 A nível internacional, está sendo preparada uma consulta sobre a questão do simul justus et peccator, em cooperação com o instituto Johann Adam Mohler, de Paderborn e o Institudo de Pesquisa Ecumênica, de Strasburg.
66 Saudação do Cardeal Walter Kasper, pela ocasião da assembléia plenária do Pontifício Concílio para a Promoção da Unidade dos Cristãos, em novembro/2001.
67 João Paulo II, na saudação da Assembléia Plenária do PCPUC, em novembro/2001.
68Walter KASPER, «Situação e visão do movimento ecumênico», in Il Regno-Attualità, 04/2002, 136. «Ecumenismo de duas velocidades é algo muito delicado… mas na situação atual não existe alternativa. A atuação desse processo exige uma responsabilidade ecumênica que encontre um equilíbrio entre a Igreja universal e as Igrejas locais. As Igrejas locais devem assumir sua responsabilidade (do diálogo), e não devem sempre esperar intervenções do centro».
69 Walter KASPER, «Situação e visão do movimento ecumênico», 141.