O SACRAMENTO DO ALTAR
Sílvio Meincke
A nossa concepção da Santa Ceia está essencialmente relacionada com a compreensão que temos dos Sacramentos. Por isso, quero dizer algumas palavras a respeito dos Sacramentos antes de entrar no tema especifico da Santa Ceia.
I – Os Sacramentos
O Evangelho chega a nós em duas formas: pregação verbal e celebração dos Sacramentos.
Por definição da teologia luterana o ato litúrgico ou ofício religioso é Sacramento, se iiver sido instituído por Cristo e tiver um sinal externo. Partindo dessa definição, a Igreja Lutera reduziu o número maior de Sacramentos da Igreja Católica para apenas dois, a Santa Ceia e o Batismo.
A celebração dos Sacramentos e a pregação verbal nos trazem a mesma Palavra, o mesmo Evangelho. Pregação verbal e Sacramento são veículos do mesmo Evangelho. Os Sacramentos nada nos querem trazer a mais em conteúdo ou quantidade de Evangelho ou de graça; também não querem dar-nos maior garantia de perdão ou de salvação. O que diferencia a pregação verbal da celebração dos Sacramentes são determinadas propriedades destes, as quais quero, rapidamente, enumerar (para informação mais detalhada recomendo Paul Althaus).
a) O Evangelho na forma de celebração dos Sacramentos expressa mais explicitamente do que a pregação verbal o seu caráter de ação de Deus, que desafia o homem para a sua ação, em resposta. Os Sacramentos cristalizam e destacam o Evangelho como ação, enquanto que a pregação verbal poderia erroneamente ser entendida como mero exercício intelectual.
b) Os Sacramentos destacam que o Evangelho vem ao homem, de fora, diferenciando-o daquilo que o coração e a mente humana possam produzir em forma de sentimentos e reflexão.
c) Os Sacramentos expressam que o Evangelho quer atingir cada um pessoalmente. Ao receber os Sacramentos as pessoas não podem ter dúvidas de que se destinam a elas mesmas e não a uma coletividade, quem sabe indefinida, que eventualmente as excluísse.
d) Os Sacramentos expressam a incorporação da pessoa na Comunidade dos cristãos, rompendo, ao mesmo tempo, seus laços com outros grupos religiosos, enquanto que a pregação verbal poderaia ser entendida como edificação privativa, sem uma consequente dimensão comunitária.
e) Os Sacramentos falam aos cinco sentidos, enquanto que a pregação verbal é dirigida principal senão exclusivamente ao ouvido.
II – A Santa Ceia
O Sacramento do Altar é o verdadeiro corpo e sangue de nos só Senhor Jesus Cristo, para ser comido e bebido, sob o pão e o vinho. por nós cristãos, como Cristo mesmo o instituiu (Catecismo Menor)
Na Santa Ceia Jesus Cristo dá-se no comer e beber do pão u do vinho. Não que o pão e o vinho transformassem a sua substância em corpo e sangue, mas a pessoa de Cristo, com tudo que significa para nós, está presente na celebração, na oferta e na aceitação da dádiva da Ceia.
…fazei isto em memória de mim. Cristo destacou esta Ceia oas demais que realizou com seus discípulos, fazendo dela uma Ceia com os seus fiéis de todos os tempos.
Dado e derramado em favor de vós, para remissão dos vossos pecados. Pela Santa Ceia Cristo nos dá participação naquilo que conquistou para a humanidade, na cruz, ao dar por nós o seu corpo (a sua vida) e derramar por nós o seu sangue. A Santa Ceia é Cristo por nos na sua morte e ressurreição, na sua vitória sobre o pecado e a morte, no seu perdão, na conquista da paz e da salvação.
O pão e o vinho, a oferta e o comer e beber são explicados peIas palavras da instituição e estas aproximam existencialmente e endereçam o ato externo ao comungante. A fé nas palavras recebe a dádiva. Dádiva que é oferecida para aceitação pela fé, mas cuja existência independe da fé. A dádiva não é criada pela fé. Dai porque a não aceitação equivale à rejeição. Digno e quem recebe a dádiva em fé. Todas as outras formas de preparo podem servir de ajuda mas não são essenciasis.
A Santa Ceia é, por excelência, a celebração da comunhão dos que recebem o amor de Cristo e por ele se sabem unidos. A comunhão que cada um experimenta com Cristo une as pessoas entre si através de Cristo. Por isto a Santa Ceia quer ser celebração da Comunidade e não de indivíduos.
III – Meditação
1. Somos convidados para receber, gratuitamente, na presença de Cristo, o seu perdão
a) Somos convidados.
Somos convidados. Quem convida é Jesus Cristo. Assim como convidou os seus discípulos, assim convida a nós agora (v. Mt 26.26-29: Lc 22.19-20). Fazei isto em memória de mim: Estas palavras o Senhor diz para cada um de nós, porque hoje somos nós os seus discípulos. Com estas palavras estendeu a Ceia da véspera de Páscoa para os seus fiéis de todos os tempos.
Os primeiros cristãos aceitaram o seu convite e se reuniram assiduamente em torno da mesa do Senhor (At 2.42; 2.46).
Também os nossos avós e pais aceitaram o convite e participavam regularmente da Ceia e nos estimularam a participar.
O convite de Jesus é bem amplo e geral, dirigido a todas as pessoas, mas ao tocarmos e mordermos o pão, ao tomarmos o cálice e sentirmos o gosto do vinho, iremos saber que o convite foi feito especialmente para nós.
b) Não precisamos trazer nada.
Quando somos convidados para uma festa de aniversário geralmente compramos um presente. Quando Cristo convida não precisamos levar nada, porque não somos nós que vamos presentear o Senhor, pelo contrário, é ele que quer presentear a nós. Não precisamos levar o coração especialmente puro nem uma vida limpa de pecados. Nada disso precisamos levar, porque é justamente isso que Cristo quer dar-nos na Santa Ceia (Mt 11.28). A Bíblia nos conta de como Jesus encontrou e presenteou uma série de pessoas que nada tinham a oferecer-lhe (Lc 5.1-11; 5.29-32; 15.1-2; 19.1-10). Também não precisamos levar uma grande inteligência, nem uma grande riqueza, nem um nome famoso, nem as nossas realizações, nem uma vestimenta fina e moderna, porque o Senhor não dá importância para isto, pelo contrário, ele quer encher mãos vazias que, estendidas em fé, recebem a dádiva (Mt 4.23-25).
c) Na Santa Ceia estarás na presença de Jesus Cristo.
Quando Jesus instituiu a Santa Ceia ele se reuniu com os doze discípulos. Naquela Ceia ele estava no meio deles, rodeado por eles. No outro dia ele deu a sua vida por eles e pela humanidade, morreu, foi sepultado, depois ressuscitou e voltou ao Pai. Hoje, portanto, não mais está entre nós em carne e osso, não anda mais pelas ruas das nossas cidades, assim que pudéssemos tocá-lo, abraçá-lo ou apontar para ele. Mas ele está entre nós no ato de dar-se e no nosso ato de recebê-lo em pão e vinho (Mt 18.20). Nesta sua presença vem a nós e nos oferece tudo o que realizou pelas pessoas, quando andou pela Palestina, no meio do povo: oferece amor, como amou as pessoas naquela época (Mt 4.23-25); oferece ajuda, como ajudou Zaqueu (Lc 19.1-10); oferece salvação, como quer salvar a todos os que crêem (Jo 3.16).
Tudo o que ele falou e realizou quer fazer e realizar conosco quando formos à sua presença e nos juntarmos, com outros, a sua mesa. Tudo o que ele conquistou na cruz pela humanidade, tudo isso ele quer dar-nos na Santa Ceia. O Senhor fez, faz e renova sempre o convite.
d) Na Santa Ceia recebemos o perdão de Cristo.
O maior mandamento de Jesus Cristo é o amor (Mt 22.34-40) Se olharmos para nós mesmos e com sinceridade nos avaliarmos nos se mandamento, então não poderemos dizer que sempre o cumprimos Gostaríamos de fazer o bem sempre, mas seguidamente tropeçamos (Mt 26.41b). Na Santa Ceia Cristo nos perdoa e nos lava de todos ON nossos pecados. Quem já sentiu o alívio de um perdão sabe o significado profundo dessa oferta. Por causa da alegria desse perdão a Santa Ceia é uma festa de alegria. E só não recebe o perdão quem vai à Santa Ceia de mãos pretensamente cheias, quem vai com orgulho, auto suficiência, convicto de suas realizações, de sua perfeição. Este é, aliás, o maior pecado: dizer que não se tem pecado. É justamente isso que nos afasta de Cristo (Lc 18.9-14).
Quem é perdoado torna-se pessoa nova; tudo que está errado toma novo jeito; tudo que pesa na consciência deixa de pesar; tudo quo mancha a vida é lavado; tudo que fizemos de pecaminoso é apagado, assim como se apaga um palavrão no quadro negro com uma esponja. E somos, então, novas criaturas (2 Co 5.17).
E devemos observar uma coisa muito importante. Se Cristo nos perdoa e nos aceita com os nossos erros e tropeços, então também nós devemos aceitar e podemos aceitar os outros, com seus erros o tropeços (Mt 18.21-35).
2. Nossas esperanças e nossos fracassos na viabilização da comunhão.
É por demais conhecida e lamentada a falta de comunhão em nossas Comunidades. As nossas Comunidades tem sido infelizes na viabilização da comunhão que ouvem seus pastores pregar teoricamente. Tenho encontrado grupos que se reúnem em torno do bolão e do baralho e que praticam uma comunhão que muitas vezes poderia envergonhar as nossas Comunidades. Visitam-se, ajudam-se, se, compreendem-se e perdoam-se. Sei que os mencionados grupos são exclusivistas, no sentido de excluírem por camadas sociais e por interesse. Esse aspecto exclusivista é perfeitamente compreensível e até certo ponto aceitável nos grupos que se formam fora da Igreja e não em nome de Cristo. Mas, se não são desmontados os muros c!e nível social e de interesse nesses grupos, na Comunidade Cristã deveriam cair e caem efetivamente, quando pessoas se reúnem na presença de Cristo de forma consciente. A força da comunhão com Cristo e a comunhão entre as pessoas, que dela se aumenta, desmonta-os. Comunhão entre pessoas que buscam a sua força na comunhão com Cristo. Comunhão que ouve o que o outro tem a dizer; que sente o que se passa no coração do outro; que carrega a carga que oprime os ombros do outro; que estende a mão ao que caiu na sarjeta. Comunhão que inclui e não exclui também o fracassado, o sem méritos, o menos importante, já que diante de Deus pessoas evangélicas se sabem sem méritos e, mesmo assim, aceitos por graça.
Lamento a ausência de comunhão em nossas Comunidades, especialmente em duas áreas:
a) Os membros das Comunidades pertencentes às assim chamadas tradicionais famílias de nossas pequenas cidades muito pouco se interessam em viver comunhão com as levas de desenraizados do campo, que se estabelecem nas periferias, com inúmeras e terríveis dificuldades. E, quando se dispõem a fazer algo, o fazem à distância, de forma assistencialista, preferencialmente através de Lions ou Rotary. Mas a comunhão, o caminhar lado a lado, o ouvir e compreender, o saber-se irmão, raramente acontece, apesar de subirem juntos ao altar para a Santa Ceia.
b) Sinto a grande dificuldade que temos em nossas Comunidades de viver a comunhão no pecado”’. Até mesmo os grupos que mais se reúnem e onde pessoas participam durante décadas, em meditações e estue os -— por exemplo a OASE — são muito mais rápidos na condenação (fofoca) do que no perdão (compreensão, apoio, ajuda, enfrentar a barra, aguentar a crise).
Por tudo isso sugiro que una prédica sobre a Santa Ceia procure destacar o aspecto da comunhão. Quem sabe deveríamos encontrar formas de celebração que destacassem essa comunhão.
As nossas celebrações, principalmente nos dias festivos, talvez ajudem a cimentar essa falsa ideia de Santa Ceia em nossas Comunidades, onde as pessoas dirigem-se ao aliar como indivíduos que buscam perdão e salvação individuais e não como Comunidade que busca comunhão e salvação comunitária, ou seja, saídas comunitárias de seus problemas, suas crises, seus tropeços, seus pecados e celebração comunitária dessas saídas, celebração comunitária da salvação.
IV – A prédica
a) Ilustração.
Um grupo de agricultores resolve fazer uma roça comunitária. Plantam-na e colhem-na juntos. A seca abala-os como uma tentação que quer levá-los a desistir. Mas são cristãos e como tais sua fé dá-lhes forças para reunirem-se, conversarem e vencerem a tentação Um deles adoece. Reúnem-se, conversam e resolvem que cada um vai trabalhar algumas horas a mais, para suprir a brecha. Concluem que o doente necessita mais do que eles dos frutos da colheita e que, por isso mesmo, receberá a sua parte integralmente. Por um descuido um deles estraga uma máquina que pertence a todos. Há um principio de descontentamento e de revolta e condenação. Mas, como cristãos, reúnem-se, conversam, resolvendo perdoá-lo. Ainda outros pequenos os grandes contratempos procuram e conseguem vencer com união, diálogo e compreensão. Quando terminam a colheita celebram sua vitória com uma galinhada.
b) Traçar os paralelos entre o grupo de agricultores e a Comunidade, entre a galinhada e a Santa Ceia.
c) Exemplos de tentações, crises, erros e omissões na Comunidade.
d) A fé que dá forças, reúne, une, perdoa, aceita e estende a mão.
e) A celebração da vitória com a Santa Ceia.
f) A comunhão maior da Santa Ceia, em relação à galinhada, pela promessa explicita da presença de Cristo.
Sugestões: Penso que seja de grande utilidade que se faça uma saudação no inicio do culto, na qual se introduz a Comunidade na torna tica do mesmo. Isso a ajudará a compreender as partes da liturgia, to das elas elaboradas com vistas à Santa Ceia. Caso contrário a Comunidade dificilmente perceberá o fio da meada que se estende por todo o culto.
V – Subsídios litúrgicos
1. Intróito: Eu sou o verdadeiro pão da vida; o que vem a mim jamais terá fome e o que crê em mim jamais terá sede.
2. Confissão dos pecados: Senhor, nosso Deus! Estamos preparando-nos para a celebração da Santa Ceia. Na tua Ceia queremos renovar a nossa comunhão contigo e entre nós. Pedimos que renoves e fortaleças essa comunhão. Confessamos-te que a nossa comunhão com os nossos semelhantes é trôpega e falha. Somos ligeiros na desunião e vagarosos na união; somos rápidos na condenação e lerdos na compreensão; somos céleres na rejeição e demorados na aceitação; somos hábeis para colocar cargas nos ombros dos outros e ressabiados para repartir as cargas dos outros em nossos próprios ombros. Isso é assim, Senhor, porque ainda não crescemos o suficiente no nosso bom relacionamento contigo, porque quando tivermos boa comunhão contigo, então criarás a nossa comunhão com os nossos semelhantes. Por isso te pedimos: Tem piedade de nós, Senhor!
3. Absolvição: O Senhor tem piedade de nós, assim como pedimos, porque está escrito: O Filho do Homem veio buscar e salvar o que estava perdido.
4. Oração de coleta: Mais uma vez nos convidas à tua mesa, Senhor. Mais uma vez nos reunimos como irmãos, para tomar a Ceia contigo. Dá-nos olhos atentos para ver bem todos aqueles que conosco aceitam o teu convite, para que, lá fora, no dia a dia da vida, os reconheçamos como irmãos que beberam do mesmo cálice; irmãos unidos pelo laço da tua comunhão.
5. Leitura: Lc 14.15-24.
6. Oração final:
Agradecer: por nos convidar; por nos conceder a dignidade de chegar à sua mesa; por nos incluir no círculo de sua comunhão.
Pedir: perdão por rompermos tão facilmente o laço, com que nos quer unir; perdão por nos esquecermos, lá fora, de tratar como irmão a quem conosco subiu ao altar; pedir por novas forças para tornar mais duradoura a comunhão … pedir pelos doentes, os que tem dúvidas sem respostas, os que estão
desesperados, doentes, fracos.
Louvar: porque podemos confiar na sua bondade, no seu amor, no seu perdão.
VI – Bibliografia
ALTHAUS, P. Die christiliche Wahrheit. 8.ed., Gütersloh, 1969, pp. 536-547.
Proclamar Libertação – Suplemento 1
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia