Cara Comunidade,
Jesus e os discípulos estão a caminho para Jerusalém. Tinham presenciado curas de cegos, mudos e surdos, o milagre da multiplicação dos pães, discussões com os escribas e fariseus, a transfiguração de Jesus… O grupo estava entusiasmado com o seu movimento, sobretudo com o seu mestre e líder. Ele conseguia realizar curas – como a cura de um jovem possesso – que eles ainda não conseguiam. Estavam confiantes de que em Jerusalém assumiriam com ele o poder. Já negociavam cargos entre si. O Reino de Deus estava próximo – Jesus o dissera várias vezes. A partir de Jerusalém transformariam todas essas ações amorosas em políticas públicas. As pessoas sofridas seriam as mais felizes com esse evangelho.
Mas, havia uma palavra de Jesus atrapalhando. Ele já tinha tocado uma vez no assunto. Disse que haveria rejeição a Ele – como é que alguém pode rejeitar uma proposta tão boa como essa de Jesus!? Não eram apenas promessas, eram ações e soluções para os empobrecidos! Alguns tinham deixado seu barco e seus afazeres para seguir Jesus e, agora, ele fala em sofrer e até morrer? Jesus e o seu poder de cura – isso não rima com morte, isso é um absurdo, não pode ser! Claro que haverá interesses feridos, gente perdendo poder… Mas, sofrimento e morte? Jesus repreendera Pedro por tê-lo contrariado, da primeira vez. E agora, está tocando nesse assunto, pela segunda vez. Que negócio é esse?! Não dava para compreender. Melhor nem perguntar!
Medo de perguntar: quantas vezes nós já passamos por essa situação! O medo de perguntar vem da sensação de que a pergunta já traz à tona uma realidade pressentida, da intuição de que a resposta pode ser chocante, tirar a gente do sério, obrigar a gente a mudar de idéia, de mentalidade e até mesmo de atitude. O medo de perguntar se apresenta em momentos críticos da nossa vida. E, mesmo que Jesus tenha dito: “conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” a gente tem medo do que essa verdade possa ser.
E se for mesmo câncer? Alzheimer, Parkinson, Diabetes… Um diagnóstico médico desses soa quase como uma sentença de morte. É compreensível que tenhamos medo de perguntar. O mínimo que o futuro reserva nesses casos é uma diminuição na qualidade de vida da pessoa e de sua família. Conheço pessoas que não vão ao médico para fazer consultas e avaliações de rotina, porque temem um diagnóstico que mude o curso de sua vida. O medo de perguntar pode levar a uma situação em que uma resposta terminante pode chegar de surpresa, e então já é tarde!
Medo de perguntar: conhecemos isso do tempo da escola e do ensino confirmatório. Quem pergunta, revela que não sabe, se expõe, arrisca levar gozação dos colegas. Quem pergunta muito, então, é um burro completo! Ou então passa a ser visto como queridinho da professora ou do pastor. Cabe perguntar: por que isso é assim? Por que se cria um ambiente desfavorável às perguntas, se a gente sabe que boas perguntas é que fazem a humanidade progredir. Talvez, a gente deveria perguntar quem são as pessoas ou grupos que temem as perguntas. Perguntar pode incomodar, tirar da zona de conforto; questiona a postura do “tudo o que eu sei, já me basta; não preciso e não quero aprender nada que me faça mudar de opinião”.
Ora, este não é o caso de crianças entre dois e quatro anos, naquela fase das perguntas que por vezes deixam os adultos malucos. O que é isso, mãe? Por que isso é assim, pai? Por que não é diferente, mãe? Por que, por que, por que… Literalmente perfuram a gente de perguntas. Parece que elas têm prazer em manter a mãe e o pai ocupados. É a fase das descobertas, a fase em que apreendem o mundo ao seu redor. Pois é, quem quer aprender, tem que perguntar! Vocês já encontraram algum adulto que pergunta assim? Parece que em nossa sociedade há muitos mecanismos de poder e de controle avessos a perguntas. Crianças ainda são livres de preconceitos e dessa pressão social de não perguntar. Não admira que Jesus tenha colocado uma criança no meio dos discípulos, dizendo que quem a receber, recebe a Ele próprio e Àquele que O enviou.
Principalmente na cultura que nossos antepassados trouxeram da Europa é possível observar certo desprezo por perguntas e uma predileção por respostas e afirmações. Dúvidas são depreciadas, certezas são elogiadas. Estranho é que isso não está na lógica dos filósofos gregos, dos quais um disse a célebre frase: “eu sei que nada sei” e outro disse “quanto mais eu vou aprendendo, mais eu constato o quão pouco eu sei”. Essa cultura veio ao Brasil com aspirações de ser uma cultura civilizatória. Comportou-se como uma cultura superior, melhor e mais avançada do que outras culturas. Por isso, dentro dela perguntar não é incentivado. Respostas duram apenas algum tempo. Perguntas é que fazem a história progredir.
Culturas que não têm essa aspiração conquistadora e colonizadora reservam outro espaço para perguntas. Elas admitem que o seu saber não é único, que há diferentes saberes e que a gente não tem capacidade de ter todos os saberes. Portanto, ser curioso, perguntar é a coisa mais natural do mundo e não diminui a pessoa. Nessas culturas, em geral, os mais velhos são os detentores do saber que os mais novos vão buscar para compreender o mundo e as verdades da vida. Refiro-me às culturas de origem africana e indígena.
Nesse domingo, que abre a semana das etnias e culturas, vamos agradecer a Deus, pela diversidade das formas humanas de organizar a vida, vamos agradecer pela diversidade das plantas, dos animais. Vamos agradecer a Deus que mantém a vida em nosso planeta justamente com essa diversidade toda. Nesse culto, vamos recolher a oferta em todas as comunidades de nossa igreja, para apoiar a missão entre e junto com indígenas de nossa igreja. Esse ano, o COMIN celebra 30 anos de existência. No encontro com as culturas indígenas, nossos pastores e pastoras, nossos educadores, antropólogos, lingüistas, juristas, sociólogas, enfermeiras ensinam e ajudam as comunidades indígenas, ao mesmo tempo, em que aprendem muitas coisas diferentes e que fazem a gente pensar sobre a nossa própria cultura. Um pouco disso, compartilhamos com vocês, a partir desse tema do medo de perguntar.
Uma primeira coisa que a gente aprende é que perguntar não é sinal de fraqueza. É parte inerente da vida, até ao seu final. Novas descobertas e sacadas geralmente são absorvidas através de longos silêncios. Muitas perguntas não têm respostas rápidas; precisam de tempo para se assentar e receber um tratamento adequado. Algumas, depois de algum tempo, talvez até se revelem como perguntas inadequadas, equivocadas, que não levam adiante. Mas, para isso precisa de tempo. Urge reaprendermos a tomar tempo para as coisas essenciais da vida.
Contudo, a questão não é só perguntar, mas interessar-se pelas perguntas dos outros. Francisco Apurinã, um líder indígena da Amazônia, antes de palestrar a convite do COMIN, dizia: “Estou curioso pelo que as pessoas vão perguntar. Me interessa muito saber, pelo que elas se interessam”. Em geral, as culturas indígenas são receptivas para o outro e para o diferente, sem ter aquela compulsão de transformar logo o outro em um ser igual.
Outra coisa interessante é que na cosmovisão indígena também os outros seres vivos têm saberes. O ser humano não foi diminuído por observar o joão-de-barro, como ele faz a sua morada, onde ele busca o barro para aquela casinha resistente, para depois fazer as paredes de sua própria casa. Para aprender a plantar pinheiros, foi importante observar como a gralha azul morde a parte de trás do pinhão. Quanta pancada ignorante seres humanos não deram para quebrar os ouriços de castanha-do-pará, até aprender dos macacos que cada ouriço tem um ponto fraco, batido um contra o outro, racha sem violência. Observar como o japiim faz o seu ninho sempre junto de marimbondos que protegem os ovinhos e os filhotes dos outros predadores da floresta é um ensinamento sobre solidariedade entre diferentes. Com a ajuda de vocês, poderíamos aumentar essa lista. Quer dizer, não somos apenas nós, os humanos, que temos saberes. Animais também têm. Muitos povos indígenas entendem que os animais, lá por dentro em sua essência, também são humanos, só que se apresentam de outra forma. E se olharmos para a nossa história bíblica da criação, vamos ver que os animais são formados do mesmo humus como os seres humanos (Gn 2.18s). Vejam que o saber indígena nos abre outro olhar sobre a própria Bíblia.
Perguntar é algo evangélico, é uma postura que abre a mente e o coração para o novo. Jesus também pergunta e ouve, antes de falar. Perguntar é o primeiro passo para o diálogo e o encontro com o desconhecido. Perguntas também têm aquele outro aspecto de desinstalar a gente, de fazer da gente uma metamorfose ambulante, “para mudar aquela opinião formada sobre tudo”, como cantava Raul Seixas. Talvez a gente descubra que não é melhor nem maior, nem pior, nem menor, apenas diferente!
Gostaria de, hoje, animar a comunidade a perguntar sem medo. Perguntar com humildade (humildade vem de humus e no fundo é a essência humana) sobre a história de nossos antepassados com as comunidades indígenas. Perguntem a seus avós e bizavós. Perguntem a colegas do COMIN. Perguntem a amigos e amigas que se aprofundaram nas questões indígenas. Vamos procurar entender melhor essa história de encontros e desencontros, de solidariedade e de conflitos. Na história, dois mundos totalmente diferentes bateram um contra o outro e dessa colisão ainda hoje existem muitas questões desconhecidas e não resolvidas. É provável que se descubra fatos de arrepiar, mas é provável também que haja surpresas com as trocas e a solidariedade compartilhada.
Muita gente não pergunta a respeito, porque tem medo das respostas ou de que seja necessário mudar de pensamento e de atitude. De fato, há muita história de sofrimento que está escondida nas sombras da nossa subconsciência e que, quando remexida e trazida à consciência, irá reprisar sofrimentos e dores. Sabemos de menos sobre essa história. Faz apenas pouco mais de 20 anos que a Constituição Federal reconheceu o direito de as comunidades indígenas existirem e viverem com seu próprio jeito – isso depois de 500 anos de massacres. Apesar disso, as comunidades indígenas estão para a sociedade brasileira como o canário que os trabalhadores na Inglaterra levavam para as minas de carvão. Quando o canário começava a passar mal, os mineiros sabiam que era hora de abandonar os corredores da mina, pois o ar estava envenenado e logo mais eles também passariam mal. Como o canário, os povos indígenas estão com dificuldades de respirar, porque o ar na sociedade brasileira está se tornando envenenado para eles. Pouca gente sabe, mas há alguns políticos brasileiros querendo eliminar direitos indígenas da constituição. Ao contrário dos mineiros de carvão, a sociedade brasileira não terá para onde correr.
Todavia, também há histórias de trocas e de solidariedade. As famílias imigrantes nessa nova terra desconhecida aprenderam dos indígenas sobre plantas alimentares, por exemplo, que a mandioca não é plantada com um grão de semente, mas com um pedaço do caule. No vale do Itajaí em Santa Catarina, na época da colonização, as mulheres colocavam o que sabiam fazer, pães e outras comidas cozidas para os indígenas comerem. Os indígenas, por sua vez, traziam mel, carne de caça, farinha de pinhão. Não se sabe quem iniciou essas trocas. Mas, o fato de que elas aconteceram é uma grande esperança para o futuro. Talvez até alguns descendentes de imigrantes descubram raízes indígenas em sua própria história. E não precisa ser raiz genética, pode ser também raíz cultural. O chimarrão, por exemplo, é uma bebida típica dos povos indígenas do sul. E dá para imaginar as comunidades da IECLB no sul, sem esse costume agregador e amistoso?
Esse assunto, na verdade, é complexo, não é fácil de entender. E, não há respostas rápidas. É assunto para gerações. Então, as pessoas têm a mesma reação dos discípulos de Jesus: “deixa quieto, não é bom mexer; talvez isso, com o tempo, se resolva sozinho…” Mas, a história não funciona assim! As questões não resolvidas na história alcançam as gerações seguintes. Mas, depois da cruz vem a ressurreição, como Jesus afiançou aos seus discípulos.
Nos últimos anos, percebemos que há maior interação, e isso dá esperança. Indígenas se sentem valorizados com os apoios e o reconhecimento de suas culturas. Professoras procuram o COMIN com seus alunos, vão passar um dia numa aldeia indígena, compartilham aula, brincadeiras, almoçam juntas, conversam, perguntam. Os depoimentos das crianças depois dessas visitas são comoventes. É uma geração esperança em que as relações entre as diferentes etnias e culturas vão ser melhores.
Levem esses impulsos para casa, meditem-nos com longos silêncios em seu coração. Não tenham medo de perguntar. Tenhamos coragem, pois Deus prometeu estar sempre conosco nesse caminho. Amém!
Texto Motivador para a Oferta – 23 de setembro
17º Domingo após Pentecostes Missão entre os povos indígenas
Em 2012 o COMIN completa 30 anos de serviços. Atua em oito campos de trabalho (três na Amazônia e cinco na região sul). Acompanha solidariamente 15 povos indígenas e investe na formação da sociedade não indígena, compartilhando conhecimentos sobre os povos indígenas, desconstruindo preconceitos, mediando o diálogo intercultural e inter-religioso e promovendo a reconciliação entre os diferentes.
O COMIN apoia atividades comunitárias de geração de renda, revitalizando conhecimentos e práticas tradicionais de cestaria, tecelagem e cerâmica, além de açudes, palmitais, abelhas sem ferrão, sementes crioulas, e diversos tipos de artesanato. São atividades econômicas que preservam a natureza e melhoram a segurança alimentar. Apoia iniciativas nas áreas da educação escolar indígena, bem como estudantes em cursos técnicos e universitários. Em oficinas de saúde, compartilha conhecimentos e promove a troca de saberes tradicionais sobre práticas de cura com ervas medicinais. Isso melhora a qualidade de vida das populações indígenas e oportuniza o encontro e o diálogo entre diferentes.
O COMIN pede a sua generosa oferta para reverter a dolorosa história de sofrimento desses irmãos e irmãs de Jesus. A IECLB toda agradece por sua generosidade e solidariedade. Igrejas de outros países admiram nossa igreja minoritária, solidarizando-se com os povos indígenas também minoritários. Que a sua doação multiplique as bênçãos de Deus sobre os povos indígenas e sobre todos que com eles se solidarizam.