Prédica: 1 Coríntios 15.19-28
Autor: Günter K. F. Wehrmann
Data Litúrgica: Domingo de Páscoa
Proclamar Libertação – Volume: I
Tema: Páscoa
l – Tradução e comparação de traduções
V 19: Se é somente para esta vida que esperamos em Cristo, somos os mais miseráveis de todos os homens.
V 20: Agora, porém, Cristo foi ressuscitado dentre os mortos, sendo ele as primícias (isto e o primeiro) entre aqueles que morreram.
V 21: Visto que a morte veio por um homem, também por um homem veio a ressurreição dos mortos.
V 22: Pois assim como em Adão todos morrem, assim também em Cristo todos serão vivificados.
V 23: Mas cada um na sua ordem: Como primeiro Cristo, depois os que são de Cristo, na sua volta.
V 24: Então vira o fim, quando ele entregar o reino ao Deus e Pai, depois que tiver destruído todo principado, bem como toda potestade e poder.
V 25: Porque é preciso que ele reine até que tiver posto todos os inimigos debaixo dos seus pés (cf SI 110.1);
V 26: o último inimigo a ser destruído é a morte.
V 27: Porque todas as coisas sujeitou debaixo dos seus pés ( Sl 8.7). E quando diz que todas as coisas lhe são sujeitas, é evidente que com exceção daquele que lhe subordinou tudo (isto é Deus).
V 28: Quando porém, todas as coisas lhe são sujeitas, então também o Filho se sujeitará aquele que lhe sujeitou todas as coisas, a fim de que Deus seja tudo em todos.
ad 19: 0 termo infelizes é fraco, leia melhor com o NT Taize miseráveis; isto expressa melhor o termo grego.
ad 20: Leia Agora, porém… para destacar o contraste com o v 19; leia … foi ressuscitado… para expressar a ação de Deus. O termo as primícias, apesar de pouco conhecido, convém deixar, pois expressa os três sentidos: 1) Cristo é o primeiro; 2) o primeiro caso é constitutivo para os outros; 3) até agora ele é o único.
ad 23: Agora convém ler … como primeiro…, pois trata-se de ordem; sugiro ler … na sua volta, pois ele já veio;
ad 24: Sugiro ler … depois que tiver destruído todo principado, bem como toda potestade e poder, pois trata-se de poder qualquer, fora de Deus;
ad 25: O termo convém é muito fraco, não expressa adequadamente o termo grego; leia como NT Taizé Porque é preciso…;
ad 28: … a fim de que Deus seja tudo em todos – esta é a tradução mais fiel e e compreensiva. As outras traduções são mais limitadas no sentido, embora sejam úteis para a meditação: … seja absolutamente supremo (assim NT Vivo) ou … Deus reinará completamente sobre tudo assim a Bíblia na linguagem de Hoje).
II – Contexto
Sabemos que Paulo em l Coríntios trata de perguntas, dúvidas e problemas da comunidade. Assim, neste 15º. capítulo, ele fala da ressurreição dos mortos, que está sendo negada por um grupo na comunidade (v 12). De onde veio esta negação? Wilckens, com razão, diz que ela provavelmente dependia da própria pregação missionária, que acentuava a ressurreição de Cristo, porém pouco a dos mortos, assim que os tessalonicenses já se preocupavam com a questão (cf 1 Ts 4.13ss) referente aos falecidos. Aí Paulo concluiu da ressurreição de Cristo a ressurreição dos mortos, a qual realizar-se-ia na volta de Cristo.
Os cristãos judaicos conseguiram aceitar isto como consolo, pois no judaísmo se cria que Deus teria o poder de ressuscitar os mortos. Para não judeus, porém, era difícil crer na ressurreição do corpo; pois criam na imortalidade da alma (assim ainda hoje os católicos e até membros de nossas comunidades). Além disso os coríntios, entusiasmados, achavam que já tinham a salvação escatológica (4.8) e desta forma dissolviam a tensão entre a salvação de já agora e ainda não. Assim eles rejeitavam a fé na ressurreição dos mortos, mas não a de Cristo – assim eles pensavam.
Paulo, porém, acentua no início (15.1-11) o consenso comum da ressurreição de Cristo como fundamento comum. Partindo dali, dialoga a questão da ressurreição dos mortos no fim dos tempos (15.12-34), alegando que negar a ressurreição dos mortos não é apenas negar uma partezinha pouco importante do evangelho, mas, sim, é negar e trair o evangelho todo (v.14). A ressurreição dos mortos é consequencia lógica e evidente da de Cristo. Quem nega uma, também nega a outra. Caso não, é vã a pregação, e os que faleceram, crendo em Cristo, estão perdidos. Portanto, crendo em Cristo apenas referente a esta vida e não à vindoura, somos os mais miseráveis… (v 19).
Em v. 20-28, Paulo dá a justificativa para a ressurreição dos mortos: Cristo é as primícias dos que dormem. Ele é primícias nos três sentidos já mencionados sob ad 20. Como outro argumento servem ainda a tipologia de Adão e Cristo (v 22) e as citações de Sl 110.1 (v 25) e Sl 8.7 (v 25 e 27).
Em v 29-34, Paulo alega que, se não houvesse ressurreição dos mortos, não faria sentido batizar nem ele ter lutado pela causa de Deus em Éfeso onde estava preso.
Em v 35-49, Paulo prova a ressurreição corporal lutando contra a filosofia sobre a imortalidade da alma (Platão). E continuando nesta linha (v. 50-58) argumenta que os que ainda viverão quando Cristo voltar, serão transformados. Deduzindo de tudo isso, Paulo diz que por isso o trabalho da propagação do evangelho não e em vão.
III – Palavras-chaves de nosso trecho
Os mais miseráveis (v 19), neste caso, não são os que merecem a compaixão de Cristo, pelo contrário: são os que merecem o julgamento de Cristo devido a sua cegueira. O termo em alemão seria die bemitleidenswertesten. Temos compaixão com eles e testemunhamos o evangelho a eles.
Cristo foi ressuscitado dentre os mortos (v 20) – o verbo egueíro significa em primeiro lugar: despertar, acordar, levantar-se, e muitas vezes é um sinônimo de anhístemi. Em alguns lugares a LXX usa esta palavra em correlação com ressurreição dos mortos. No NT, muitas vezes, principalmente nos evangelhos, o termo é usado como no AT. Já ali, porém, mostra-se que Jesus é o Senhor sobre a morte (p. ex. , ressurreição da filha de Jairo), usando a mesma palavra (egueíro). E isso nos leva ao testemunho das cartas do NT que usam o mesmo termo quase exclusivamente em relação à ressurreição dos mortos. A ressurreição de Cristo é o centro da pregação paulina (confira 1 Co 15.1); por este evangelho somos salvos. A ressurreição de Cristo é testemunhada por muitos, e por causa dela haverá conseqüentemente a ressurreição dos mortos (1 Co 15.13-17.20-23).
O termo anástasis é usado semelhantemente. Já nos Salmos, de vez em quando, mas expressamente em Ez 37 e Dn 12.1 o termo esta relacionado com a ressurreição dos mortos. No NT o termo esta sendo usado como o de egueíro. No centro esta a ressurreição de Jesus, já anunciada por ele mesmo, e depois testemunhada pelas mulheres, pelos discípulos e apóstolos. Até no evangelho seg. João, que tem uma certa tendência para a escatologia presente, observa-se que a ressurreição de Cristo é a condição para a ressurreição geral que está por vir. E não se trata de uma continuação da vida da alma, mas sim da ressurreição corporal.
Quando será esta ressurreição? Há duas linhas no NT:
a) quando Cristo voltar para julgar (Ap 20.11-15 e Mt 25.31-46);
b) além disso o NT também fala de uma primeira ressurreição dos justos (Lc 14.14), dos mortos em Cristo (1 Ts 4.16 e provavelmente 1 Co 15.23); Ap 20.5ss diz que Cristo, no início do reino dos mil anos, ressuscitará os seus, e eles viverão e reinarão com ele, serão iguais aos anjos e estarão com Deus, etc. Como será este novo corpo? Fato é que Deus cuida da identidade da pessoa. O que haverá entre minha morte e ressurreição? Isto se torna pouco importante pelo fato de o homem, a partir da hora da morte, não ser mais submisso ao tempo. Importa unicamente que o homem, partindo desta vida, estará frente a Cristo, o qual lhe será ou juiz ou salvador.
Todos serão vivificados – vida é uma palavra central na Bíblia toda. Aqui queremos apenas observar como Paulo usa este termo. Cristo ressuscitou dos mortos, vencendo o poder do pecado e da morte. Cristo, como o segundo Adão, é o início da nova vida para a humanidade (l Co 15.20ss e Rm 5.12 ss). Cristo vive em nós e nós nele. Esta nova vida de Cristo recebemos através da palavra da vida (Fp 2.16; 2 Tm 1.10) e do poder criador do Espírito que vivifica (Rm 8.2.6.10ss; 1 Co 15.45). Esta nova vida não se retira do dia-a-dia neste mundo, mas serve a Deus em qualquer situação e lugar, amando ao próximo. Vivemos em e com Cristo (syn).
Esta nova vida vivemos de maneira dialética, isto é: pela fé já participamos da nova vida de Cristo e conviverndo com Ele estamos sendo transformados, já agora. Ainda vivemos, porém, neste mundo, no qual há tentação por parte do mal, e portanto também há possibilidade de cair, afastando-nos de Cristo. Por isso Paulo insiste no indicativo do já agora, deduzindo dele o imperativo para lutarmos na fé, vencendo a velha vida. A tensão, porém, entre o já agora e o ainda não continua existindo. Quem a dissolve, torna-se gnóstico ou incrédulo.
Mas a ressurreição de Cristo ée a garantia de nossa ressurreição para a vida eterna (1 Co 15.22). Esta nova vida que Cristo nos dá já hoje (perdão, paz, comunhão com Deus e os homens) aponta para a vida eterna ou é um reflexo dela, mas não é ela mesma. Pois o alvo, o fim, a finalidade e que Cristo derrube e elimine totalmente o maior inimigo, a morte. Assim, vida eterna já temos hoje, em parte, e a teremos então na sua plenitude.
A mudança desta vida passageira para a eterna Paulo imagina conforma a tradição apocalíptica (Cf 1 Ts 4). A vida eterna será corporal (l Co 15,35; 2 Co 5,lss), será um ver de face a face (1 Co 13.12), será justiça, paz e alegria (Rm 14.17) , glória (doxa – 2 Co 3.8s) , ou um ser glorificado (Rm 8.17), mas sobretudo será um ser com Cristo (1 Ts 4.17; 2 Co 5.8; Fp 1.23). Hoje em dia se diz que estes termos seriam pouco adequados por serem apocalípticos ou mitológicos. Pois bem, são inadequados e só o podem ser, porque o ser humano só pode falar humanamente do eterno. E, sabendo que são inadequados, pode e deve-se falar em quadros que por si deixam transparecer o eterno. Caso contrário, fala-se de maneira abstrata e fria, ou deixa-se de falar; e ambas as coisas são contra a vontade de Deus.
Os termos entregar o reino…, depois de ter destruído…, reine…, sujeitar, subordinar (v 24-28) expressam domínio e são ligados com os da ressurreição dos mortos em v. 20, 23; assim fica evidente que ressurreição dos mortos é nada menos que a revelação do senhorio de Deus, o domínio de Deus. Deus reina através do Cristo vivo já hoje e reinara em gloria e majestade no fim, quando Cristo entregar o reino ao Deus e Pai (v. 24). Pois, então, a história de Deus com o mundo chegará ã sua finalidade. Então, Deus será tudo em todos, será honrado por todos, reinara em majestade. Então, o primeiro mandamento chegara a sua finalidade. Deus será tudo em todos os homens e em todas as coisas. Isto será eternidade, será o novo mundo de Deus, sem pecado, alienação ou morte. Então a vontade de Deus será feita. Então não haverá mais a discrepância entre tempo e eternidade.
IV – Escopo
A mensagem do texto já foi expressa, refletindo sobre as palavras-chaves, assim que nos resta formular o escopo:
Cristo foi ressuscitado. Desde então iniciou para a humanidade a nova vida, sobre a qual a morte não mais terá o último dispor. Esta nova vida, na sua plenitude,chegará a seu fim e sua finalidade, quando Cristo voltar. Ele é o garantidor dela. Os que nele crêem, já agora, participam dela apesar de ainda serem tentados; e eles esperam pelo dia em que Deus será completamente tudo em todos e em todas as coisas.
V – Meditação sobre o texto e os ouvintes e o caso
Nas partes tratadas já temos meditado, em parte, sobre o texto, assim que agora há oportunidade de refletir sobre o caso da Páscoa e os ouvintes.
Na Sexta-feira Santa, os cultos estiveram superfrequentados; vieram pessoas que quase não se viam durante o ano todo, cumprindo a sua obrigação religiosa. Na Páscoa, porém, os cultos são pouco frequentados, comparados com a Sexta-feira Santa. Por que será? Talvez porque há mais identificação com o Cristo morto do que com o vivo – sobre isso deveria se refletir na Sexta-feira Santa, e não tanto na Páscoa, porque o endereçado não estará presente na Páscoa, pois aí estarão mais os fiéis. Seria bom pensar se não seria conveniente pregar sobre este texto na Sexta-feira Santa, destacando especialmente os vs 19 e 20.
Se pregarmos sobre este texto na Páscoa, não adiantará xingar os fiéis pelo fato de a igreja estar vazia(aliás, isto nunca é recomendável), mas deve-se testemunhar o evangelho da Páscoa; deve-se dizer que no meio de um mundo ameaçado e circundado pela efemeridade e caracterizado por esperanças enganadoras e frustradoras e por medo de doença e morte, existe um Agora, porém….
Cristo foi ressuscitado em favor de nós (lembre-se do triplo sentido de primícias). Esta é a base firme de nossa esperança pela nova vida, já agora e então.
Convivendo com Cristo hoje, já agora temos perdão, paz e união com Deus e homens; isto é um reflexo, sim, um antegozo da eternidade. Ainda estamos, porém, neste mundo e consequentemente somos tentados por aqueles poderes destruidores supra-citados. Assim sofremos, mas não perecemos. A última palavra sobre o nosso destino temporário e eterno não terão, porém, estes poderes; pois a última palavra sobre o nosso destino o Cristo ressurreto já disse no v 26 e dirá no fim dos tempos. O último inimigo será destruído totalmente; a morte será eliminada; Cristo nos ressuscitará com novo corpo, corpo que não mais peca nem morre. Então não mais haverá alienação; estaremos com Deus. Então Deus será tudo em todos e todas as coisas. Então todas as promessas, anunciadas pelos profetas e pelo próprio Jesus, serão cumpridas. Então a vontade de Deus será feita. Então haverá paz, justiça, alegria, amor sem fim.
Este evangelho capacita e anima os cristãos para se deixarem envolver por Cristo, já vivendo, em parte, esta nova vida e se deixando enviar como testemunhas autênticas (em palavra e ação), assim como as mulheres, voltando do sepulcro, anunciaram: Nós vimos o Senhor ressuscitado. É este o testemunho do qual a nossa comunidade, a igreja e o nosso mundo necessitam.
VI – Sugestão de disposição para a prédica
A – introdução: Quando os missionários na África(Togo), conforme, costume, perguntavam ao cacique: Quais as novas na aldeia?, ele costumava responder: Nada, a não ser que homens morrem. – Todo mundo sabe da realidade da morte, mas não tem uma resposta. E parece que hoje a gente está se desviando desta realidade, fugindo para diversões, ativismo, religiosidade, etc. Mais cedo ou mais tarde vem o triste acordar: Vivemos num mundo circundado e ameaçado por efemeridade e morte. A vida não tem rumo, não tem alvo, nem tem sentido, etc.
B – I – Nesta situação Deus nos diz o Agora, porém…. Cristo foi ressuscitado em favor de nós (triplo sentido de primícias).
II – Ele vive! Eu posso conviver com ele e assim tenho um reflexo da nova vida já hoje (perdão, paz, união, esperança).
III – Mas ainda não estamos no céu (contra Schwärmer). Sofremos, mas não perecemos (esperança).
IV – Pois temos a esperança inabalável: Cristo ressuscitou; a morte foi e será destruída por ele. Ele ressuscitar-nos-á com novo corpo, quando ele voltar. Então Deus será tudo em todos e todas as coisas.
C – Desta mensagem o mundo necessita: Quem quer ser o meu mensageiro em palavra e ação? (cf Is 6.8).
VII – Bibliografia
Bíblias: Trad. de João Ferreira de Almeida, ed. revista e atualizada no Brasil, e A Bíblia na Linguagem de Hoje; O Novo Testamento, ambas da Soc. Bíblica do Brasil.
– O Novo Testamento Vivo. Ed. Mundo Cristão, S.Paulo.
– O Novo Testamento (Taizé). Ed. Herder, S. Paulo, 1970.
– Bíblias em alemão: Zürcher Bibel; trad. de Martin Luther, revisada; trad. de Hermann Menge, Ulrich Wilckens e Jörg Zink.
– SCHLATTER, Adolf. Die Korintherbriefe. In: Erläuterungen zum N.Testament, vol.6.Calwer Verl. Stuttgart.
– WENDLAND, Heinz Dietrich. Die Briefe an die Korinther. In : NTD, Vandenhoeck, Göttingen.
– STÄHLIN, Wilhelm. Predigthilfen II.- Predigtstudien, ed. por Ernst Lange e outros, vol. IV/2, Kreuz-Verlag, Stuttgart.
– Gepredigt den Völkern, ed. por Georg F.Vicedom e outros, vol.IV/2.
– Begriffslexikon Z. N. Testament.
– BAUER, Walter. Griechisch-dt.Wörterbuch zum NT, Töpelmann.
– NESTLE. Eberhard, Novum Testamentum Graece. Württb.Bibelanstalt, Stuttgart.
Proclamar Libertação 1
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia