Prédica: Filipenses 3.20-21
Autor: Heinz Ehlert
Data Litúrgica: Dia de Finados
Proclamar Libertação – Volume: I
Tema: Dia de Finados
I – Considerações exegéticas
O trecho indicado é parte da perícope da Série Antiga de Epístolas prescrita para o 23º. domingo após Trindade, compreendendo Fp 3.17-21. Via de regra os mesmos versículos(17-21) são considerados um conjunto de pensamentos e trecho final do capítulo 3 (cf. texto original de Nestle; Bíblia, tradução de Almeida, Edição Revista e Atualizada no Brasil, NTD – N. Goettinger Bibelwerk). Sem dúvida os versículos em apreço foram extraídos da perícope devido ao seu conteúdo escatológico com vistas ao dia dos finados.
No contexto da Epístola faz parte de advertências contra atuação de adversários qualificados no trecho como inimigos da cruz de Cristo (V 18). Está em foco o andar dos cristãos, a sua vida e conduta.
Advertindo e exortando, o apóstolo transmite a mensagem de estímulo e esperança referente ao futuro, as últimas coisas. Reconhecendo que os crentes precisam de modelos para a sua vida na fé, o apóstolo coloca-se a si mesmo como modelo e aos que andam como ele.
Sem podermos definir exatamente as afirmações ou doutrinas dos adversários em questão, são caracterizados, no entanto, como os que só se preocupam com as cousas terrenas (V 19). Quem reduz o evangelho, na verdade o falsifica. Isto terá necessariamente consequências para a conduta dos fiéis. Por isso a advertência insistente do apóstolo. Uma mentalidade carnal e terrena é contraposta à mentalidade da fé em Jesus Cristo. Esta se dirige para o celestial (cf Cl 3.1-4). Dali a conduta nos dias atuais recebe a sua orientação.
O termo politeuma no original, que na Bíblia, tradução de Almeida, corresponde a pátria, pode designar também a comunidade civil, o estado, referindo-se à vida e existência dos cidadãos. A ênfase, no caso, estaria mais no convívio das pessoas do que no lugar. O pensamento tem muitos paralelos no NT (Fp 1.23; 2 Co 5.1-8; Jo 14.1-6; Hb 13.14; 1 Pe 1.3-5 e 2.11). É claro que a preciosidade desta pátria consiste no fato que ela é eterna e que lá os remidos podem estar junto ao Senhor para sempre (1 Ts 4.17).
Os crentes em Cristo não se preocupam apenas com o futuro (ou até com um além nebuloso), mas aguardam, isto é, esperam com toda a certeza por alguém que está por vir: O Senhor glorificado. A esperança do convívio (pátria) celestial em momento algum pode esquecer que o Senhor crucificado e ressurreto foi para o Pai e que voltará. O fato da vinda do Senhor (ou o Dia do Senhor), tão importante na teologia do apóstolo Paulo em geral (1 Co 11.26; Fp 1.6; 1 Ts 2.19; 2 Ts 2.1-2; 1 Tm 6.14), também esta presente na sua escatologia (1 Co 15.23; 2 Co 5.10; 1 Ts 4.15-17). Especialmente neste trecho a esperança dos cristãos é caracterizada por este aguardar do Senhor, que aqui é chamado de salvador. Este predicado, que nos escritos neotestamentários aparece em relação a Deus, o apóstolo Paulo aplica também em relação a Cristo (Ef 5.23; Fp 3.20; 2 Tm 1.10; Tt 2.13 e 3.6). O que significa no contexto? É a identificação do Cristo por vir com o Cristo que derramou o seu sangue, morrendo na cruz para remir-nos do pecado e da morte. O termo grego original que corresponde ao aguardar é usado pelo apóstolo para designar a esperança da redenção final (Rm 8.19-25; 1 Co 1.7; Gl 5.5). Assim salvador é o Cristo esperado dos céus para levar a cabo a redenção.
O ato salvífico final é o descrito no V 21: a transformação do corpo da humilhação, isto é, da existência terrena, humana. O próprio Cristo vai operar a transformação. O fato de se falar em transformação do corpo já demonstra que corpo da humilhação não é visto em contraposição à alma imortal da filosofia grega. A existência terrena que se inclina para a morte passará por outro ato criador do Cristo Salvador. Ele lhe dará nova imagem conforme o modelo do corpo da glória do Cristo ressurreto (veja também 1 Co 15.35-49 e 2 Co 5.1-4).Com isto chegará ao alvo a obra redentora de Cristo, o que para os cristãos já se torna determinante nesta vida.
O fluxo das afirmações sugere que a transformação acima descrita se liga diretamente à vinda do Senhor. O apóstolo aparentemente não reflete sobre o estado dos falecidos entre morte e ressurreição. Tudo indica que a transformação aludida vale tanto para os falecidos como para os ainda vivos na sua vinda (cf. 1 Co 15.51). Disso e de outras passagens resulta que o apóstolo, na intensa expectativa da vinda do Senhor (cf. Fp 4.4), não atribuiu nenhuma importância à pergunta pela existência entre morte e ressurreição. Uma coisa, no entanto, parece indiscutível: Qualquer que seja a nossa situação, a ligação entre os fiéis e seu Senhor não pode ser destruída por circunstâncias externas, nem mesmo pela morte (Rm 8. 31-39; 14.7.8; 1 Ts 5.9.10). A garantia para isso reside na proclamação do próprio Cristo e no fato que ele demonstrou a eficácia do seu poder vencendo a morte e as outras potestades que ameaçam a vida dos crentes (2 Tm 1.10) e os fez idôneos à parte que vos cabe da herança dos santos na luz (Cl 1.12). Não admira que desta esperança resulta uma alegria contagiante de vida, que é alegria no Senhor, descrita no capítulo seguinte.
Escopo: Os cristãos podem viver em alegre esperança, porque aguardam a vinda do seu Senhor e Salvador para serem por ele igualados a sua existência de glória, no dia da ressurreição.
II – Meditação
1. Reflexão meditativa sobre o texto
Cristãos, isto é, crentes em Jesus Cristo se distinguem de outras pessoas pela sua mentalidade em relação ao futuro. A sua mentalidade é determinada pela sua fé em Cristo. Cristo deu um novo conteúdo e uma nova perspectiva a vida humana. Nova em relação àquilo que os homens por si têm como ideal e importante. Também em nossos dias convém analisar os conteúdos e as perspectivas humanas e compará-los com o que a mensagem crista anuncia. Ver-se-á que existem diferenças fundamentais.
O interesse e a atenção das pessoas estão voltados essencialmente para este mundo e o que ele oferece. Gozar e usufruir as riquezas, os bens, os divertimentos, a felicidade do mundo terreno é a mentalidade. Sonham com um paraíso terreno. Como a gente não pode obter facilmente estes bens, vêem-se envolvidos numa luta e concorrência de uns contra os outros.
Nós mesmos, embora cristãos, apanhamo-nos dominados por esta mentalidade bastante egoísta e materialista. Segundo ela, importante é o que posso comer, comprar e vender, que me dá prazer, que me diverte, que me faz esquecer, ainda que por pouco tempo, os dissabores, que me tira a preocupação pelo amanhã. Os homens de hoje estão prontos a denunciar a mensagem da Igreja, que promete o céu, como uma tentativa de fuga da realidade dura em que vivemos. Caracterizam-na até como imoral, um tipo de entorpecente para pessoas oprimidas e exploradas, que destarte não se revoltam contra os seus opressores.
Por outro lado nos defrontamos com um exercito de propagadores de ritos e práticas ocultistas. Propagam uma religião mística, que promete saúde e sucesso na vida atual e felicidade e perfeição no além. Basta submeter-se às suas práticas e a um processo que inclui uma série de mortes e reencarnações. Dirigem-se aos doentes, aos desiludidos, aos enlutados. Prometem solução de seus problemas, e não raro as pessoas são exploradas descaradamente em sua credulidade. Aos enlutados se promete comunicação com os seus entes queridos arrancados pela morte: O espiritismo e os cultos sincretistas (umbanda, candomblé e macumba).
Cristo nos trouxe uma outra perspectiva. Libertou-nos tanto da busca de um paraíso terreno, como de um consolo barato ou duvidoso, como também de uma religião mágica e misteriosa (ocultista) que atemoriza e confunde. Ele nos legou o evangelho claro da redenção. O homem pode ser reconciliado com o seu criador graças ao ato redentor de Cristo. O homem sente-se libertado e tem certeza do amor do Pai. Recebe o perdão de Cristo para a renovação da vida. Iluminação e força de seu Senhor para melhor interpretar e enfrentar a realidade em que vive, inclusive os poderes adversos. É necessário, porém, que leve bem a sério a comunhão com o Cristo vivo.
O cristão também sente a doença e a morte como verdadeiros problemas. Igualmente dificuldades econômicas e a fome, que cada vez mais se alastra no mundo, inclusive em nosso país. Debate-se com eles, mas tem onde recorrer. Não precisa para isso de médiuns, intermediários duvidosos. O evangelho está ao seu alcance. Esta fonte constante de orientação e consolo aponta para o Senhor no céu. Promete e oferece amparo no presente e vida com Deus agora e no futuro: a pátria celestial. A mente natural terrena não consegue facilmente imaginar esta pátria, esta vida celestial. Um reino onde as adversidades e injustiças, mas também as próprias limitações e malícias estão realmente excluídas e superadas. Dentro de nós, no entanto, existe um desejo profundo de participar de tal convívio celestial.
É disto que o nosso texto fala. Mas liga esta mensagem estreitamente a Cristo e sua segunda vinda. Lembra o que não costumamos levar muito a sério: Jesus foi para o Pai depois de sua ressurreição e prometeu voltar. Tendo vencido a morte, ressurgiu com um corpo de glória, bem diferente do que tinha antes e do que nós atualmente temos e que o texto chama de corpo de humilhação. E é mesmo. Sofremos tanto porque esta nossa vida está sujeita a todo tipo de doenças, as tentações para o mal, ao engano, à morte! Este sofrimento chegará ao fim quando o nosso Senhor voltar.
Este é um assunto por demais importante de nossa fé. Contar com a volta dele com toda a certeza, isto o apóstolo Paulo chamaria de mentalidade cristã. A vida plena, a redenção cabal está inseparavelmente ligada ao Cristo. Estar sempre junto ao Salvador deve ser a grande aspiração das pessoas. É utopia aspirar um paraíso terreno. É perigoso entregar-se a práticas que me atemorizam, impondo-me sucessivas reencarnações para alcançar uma perfeição duvidosa. Nós podemos apegar-nos a uma pessoa que já esteve neste mundo, ao Senhor Jesus Cristo, que provou que ele tem toda a autoridade. Merece confiança e amor. Morreu na cruz por amor aos homens e ressurgiu da morte para dar-lhes vida eterna. Isto é importante especialmente em vista da morte que reconhecemos inevitável. É doloroso que os nossos entes queridos morrem, às vezes sob circunstâncias trágicas, p. ex., em acidentes de trânsito. A separação repentina deles pode até levar a situações de desespero os que ficam. A nossa própria morte pode preocupar.
O texto indica o que vai acontecer: Cristo vem e completa a redenção. Jesus, que em seu amor morreu por nos, importa-se também com o nosso corpo, a existência em carne e sangue, a existência terrena.
O apóstolo anuncia que no fim, na vinda de Cristo, além da ressurreição dos mortos vai acontecer um novo ato criador, não menos maravilhoso do que a criação de nossa vida terrena: A transformação de nosso corpo. Concordamos que este nosso corpo terreno e frágil. Concordamos que não vale muito. Aprendemos, no entanto, que Deus o valoriza. O apóstolo Paulo, p. ex., afirma que deve ser um templo do Espírito Santo. Então já nesta vida acontece uma santificação, quando no corpo podemos servir ao Senhor. Mas esperamos mais: A transformação para participar do convívio celestial eterno com um corpo igual ao do Senhor em gloria. Isto acontecerá no dia da ressurreição, quando Cristo voltar.
Ficam abertas perguntas: O que é feito dos falecidos até que o Senhor vem? Será que tem uma existência consciente conforme alegam por aí? Contra isso devemos perguntar: Será que importa saber mais do que o texto anuncia? Será que não basta saber que Deus nos ama e não nos deixa, nem mesmo na morte? Assim sendo podemos recomendar os nossos falecidos, e a nós mesmos, as mãos de Deus-Pai. Assim aguardaremos com alegre esperança o nosso Salvador dos céus. Pensar no futuro então é sinônimo de pensar no Cristo que vem para completar a nossa alegria.
2. Indicações para uma prédica sobre o texto
Levamos em consideração que o texto deve ser pregado em Finados. Talvez até no culto de cemitério, muito em uso nas nossas comunidades. Poderíamos iniciar apontando o fato que todos os homens são iguais num ponto: Têm que enfrentar a morte. Mesmo assim logo aparecem as diferenças. A maneira como reagem a esta realidade!
Poderíamos a segui r falar sobre aquilo que segundo a nossa experiência é considerado importante pelos homens para a sua vida – agora e no futuro. Sempre tendo em vista que a vida terá um fim. Alguns exemplos bastariam.
Sem demorar-nos demais nesta análise, anunciar a esperança cristã da ressurreição e da vida vindoura. Deve ser sublinhada a coerência entre o ministério terrestre de Cristo, sua morte e ressurreição, e a vinda para a glória. Aceitar a Cristo como Salvador traz perspectivas novas para o futuro. Nisto o cristão se distingue de outros. Tem sempre algo de que se alegrar.
Incluir nesta altura uma advertência muito séria que vemos baseada no texto: Há distorções desta mensagem. Religiões e doutrinas de hoje misturam suas ideias pagãs com elementos cristãos e confundem muitos. Aproveitam para isto – embora a intenção possa ser boa – momentos de dor e fraqueza humana: Espíritas e umbandistas , p. ex. Em confronto com o evangelho claro a sua mensagem é desmascarada como engano e perigosa ilusão.
Esclarecido isto, terminar a pregação com a mensagem do texto sobre a pátria celestial e a transformação do nosso corpo de humilhação em corpo de glória. Cabe uma palavra sobre os falecidos em Cristo. Acentuar que o que Importa é morrer na certeza que nada nos pode separar do amor de Deus. Ele nos acompanha na morte e estará ao nosso lado na ressurreição.
3. Roteiro para uma prédica
Tema: Outra vida
Partes: Introdução
I. Esperanças de vida em face da morte
II. A outra vida – que Cristo oferece
– que outros apregoam
III. A transformação da existência no presente e no futuro.
III – Bibliografia
– GNILKA, Joachim. Der Philipperbrief. In: Herders Theologischer Kommentar zum Neuen Testament. Freiburg-Basel-Wien, 1968.
– HEINZELMANN, Gerhard. Der Brief an die Philipper. In: Das Neue Testament Deutsch.Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 1949.
– QUERVAIN, Alfred de Philipper 3.17-21. In: EICHHOLZ, Georg, ed. Herr, tue meine Lippen auf. Wuppertal-Barmen, Emil Müller Verlag, 2a. ed., 1959, vol. 2.
Proclamar Libertação 1
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia