Tema: Férias: alienação ou antecipação do Reino de Deus?
Explicação do tema:
Férias é tempo livre do dever e responsabilidade costumeiras, seja do trabalho, seja do estudo. Férias sugere descanso.
Isto tem a ver com a fé do cristão. A Bíblia ensina que o descanso, desde o início da criação, foi oferecido por Deus para ser parte da vida.
Férias e lazer são desejo e direito de todos, embora nem todos consigam desfrutá-los.
Contra a lei do país, alguns vendem suas férias para poder sobreviver. Outros simplesmente o fazem para acumular mais bens materiais.
Férias parecem dar oportunidades para fugir temporariamente de compromissos opressores (exigências da firma, responsabilidade por pessoas, empregados, alunos) e dedicar-se só ao que é gostoso e ajuda à autorealização. Seria também para cultivar um relacionamento com as pessoas, as coisas, o mundo enfim, mais de acordo com a vontade e o plano do criador? Antecipar algo que será completo no Reino de Deus?
Texto para a prédica: Eclesiastes 3.9-15
Autor: Heinz Ehlert
l — Motivação
Janeiro é mês de férias. Depois de um ano de trabalho, depois da época intensa de Natal — muitas vezes com exigências redobradas de trabalho, compromissos de dar atenção especial, tentar trazer alegria especial a pessoas chegadas, familiares, empregados, clientes, amigos, — chegam as férias.
Férias, então, são esperadas com ansiedade, mesmo antes de chegarem, são objeto de conversa, de expectativas bem específicas, de planos. Envolvem a população do país de modo bastante abrangente, embora não de maneira total. Mas deixam de ser assunto só na cidade, pois também no meio rural há, p. ex., férias escolares. E, segundo a lei, todo o assalariado brasileiro tem direito a férias.
As comunidades de nossa Igreja contam, em seu programa, claramente com o fenômeno férias. Janeiro e fevereiro, há muitos anos, são meses de fraca programação. A que existe, caracteriza-se pelo fato de levar em consideração este fenómeno na vida dos membros, e da população em geral. É claro que férias e a maneira de goza-la não é assunto pacífico. Pelo contrário: Trazem também muitos problemas.
Quem ganha pouco, pode-se dar o luxo de realmente tirar as férias? Empreender algo diferente com a família? Se o marido só não vai ao serviço, mas fica em casa, ele saberá o que fazer com este tempo livre? E se a esposa trabalha e suas férias não coincidem, como vão fazer? As crianças que não têm aulas durante dois meses (férias de verão), como vão empregar o tempo livre?
Afinal como o cristão deve encarar as férias? Existe orientação pela fé? O nosso tema foi formulado de maneira desafiante. Quer, com as alternativas apontadas, provocar a reflexão. Primeiro do pregador, depois através dele, da comunidade cristã. Se o pregador abordar o assunto na pregação, estará abordando um assunto atual. Tanto mais se o conseguir relacionar com o tempo e a eternidade.
O cristão evangélico aprendeu a buscar sua orientação na Bíblia. Ela fala deste tema?
II – Recurso à Bíblia
Os planejadores desta Série Alternativa, diante do tema escolhido, foram em busca de um texto bíblico. E, eis, que encontraram o texto de Eclesiastes.
Certamente não é o único que poderia ser apontado. Sem dúvida, quando o Deuteronômio (Dt 5) destaca o mandamento a respeito do dia do descanso, a matéria é tempo livre de trabalho, festejar.
Na abordagem que Jesus faz do sábado temos enfoques interessantes quanto à temática em pauta: férias, lazer, tempo livre, descanso. Mas e Eclesiastes?
O autor insiste em afirmar que todo o homem se encontra na contingência de viver indagando e inquirindo a respeito do mundo, do sentido de sua existência no mundo, e sobre o antes e depois da hora presente (=sobre a eternidade). Faz-nos, pois, perguntar como melhor passamos o nosso tempo na situação de ensinar o povo (O QAHAL no hebraico é o povo sc. de Deus), orientar o povo de Deus no caminho da vida, reconhecendo toda a limitação do ser humano diante de Deus.
No início está a pergunta que põe em dúvida o proveito do trabalho e todo o esforço do homem debaixo do sol (Ec. 1.3). Com outras palavras: Como empregamos certo o nosso tempo? O qus vale o tempo de vida diante do antes e do depois (= eternidade)? A resposta não pode nem deve ser buscada do plano humano, a partir de uma sabedoria que estivesse em condições de dar orientação segura quanto ao caminho da vida, pois é imprevisível como Deus vai fazer as coisas. O homem não poderá compreender plenamente nem dispor a seu bel-prazer das coisas.
Vive abaixo do céu, abaixo do sol, por isso deve temer aquele (= Deus) que está acima de tudo isto (Ec 4.17 – 5.6). Tempo e destino (aquilo que Deus lhe destinou) o homem deve receber como presente de Deus. Quase poderíamos dizer: recebê-los, valorizando-os como graça. Assim pode alegrar-se com a parte que lhe é conferida. A plenitude não poderia nem compreender, nem dela apossar-se.
Não é o trabalho, nem a prosperidade (bens materiais), nem a retidão moral, nem mesmo a piedade própria que podem tornar-se para o homem um baluarte seguro. Deus mantém tudo em suas mãos E nada pode-se conquistar dele mediante pressão. Não pode haver direitos perante Deus — tudo é presente.
Lutero achou que o livro de Eclesiastes merecia o título de escrito contra o livre arbítrio (Prefácio ao Eclesiastes apud Zimmerli, p. 142). Sob este ângulo do ponto de vista teológico de Eclesiastes teremos que considerar o trecho indicado.
III — Considerações exegéticas sobre o trecho indicado.
V. 9: O autor questiona claramente o valor ou proveito do esforço com que o homem se dedica ao trabalho. Com isto volta às afirmações do cão. 1 (Ec 1.13) já mencionadas acima. Diante do fato que o tempo é destinado, fugindo ao dispor do homem, toda atividade humana está sempre ameaçada. É extremamente vulnerável. Pois tanto o bem e alegria como o mal e a tristeza podem irromper. São imponderáveis e fora da determinação humana. O homem rece¬be — em todas as situações. Depois das afirmações dos versículos imediatamente anteriores deste capítulo, isto é dedução lógica.
V. 10: Mas não o leva a um fatalismo que diz: — Não adiante todo esforço, vamos gozar. Não. Pois as coisas que irrompem, vêm de Deus. Por isso deve portar-se com temor (diante de Deus) durante o tempo de sua peregrinação (1 Pe 1.17). A canseira e enfado(SI 90.10) dos homens que por observação percebeu, foram impostos por Deus. E mesmo que isto naturalmente aflige o ser humano, ele não discute o porquê disto. Torna-se para ele uma experiência de Deus.
V. 11: Longe de se rebelar ou chamar à resistência contra Deus, prossegue afirmando que tudo Deus fez formoso no seu devido tempo. Familiarizado com o relato sobre a criação (Gn 1) ele caracteriza como formosa ou bela a obra de Deus, quando lá diz que tudo era muito bom (Gn 1.31). Isto continua válido mesmo depois da queda do homem (sobre a qual o autor aqui não reflete). Ele sublinha, mais uma vez, a limitação do homem que é incapaz de descobrir, isto é, analisar corretamente e interpretar devidamente a amplitude da obra de Deus. Mas uma coisa maravilhosa persiste: . . . também pôs a eternidade no coração do homem. Ou será que não é tão maravilhoso assim poder, mas também ter que perguntar pelo antes e depois, isto é pela eternidade?
Sem dúvida este fato o eleva sobre o animal e o caracteriza como imagem de Deus (Gn. 1.26.27). Esta necessidade de perguntar e indagar além do momento presente também é onerosa. Tanto mais quanto o homem não consegue, por mais que se esforce, descobrir todas as obras que Deus fez, desde o princípio até o fim. Ao menos tem noção da grandeza de Deus, que excede o seu entendimento.
E chega a perceber que tudo tem o seu tempo determinado (3.1). Reconhece que a obra de Deus é grande, e admirável a posição pe¬culiar do homem acima das outras criaturas (com este perguntar no coração que vai além do tempo), mas problemática a limitação do homem: ambas as coisas confessa com a mesma ênfase.
'V. 12: Esta afirmação parece advogar um hedonismo (gozar a vida) puro e simples. Só, que o que seria regozijar-se e levar vida regalada diante do acima reconhecido? Para o homem que deve temer a Deus, não pode ser uma vida que simplesmente satisfaz os instintos soltos. Isto fica mais claro pelo versículo seguinte.
V. 13: E presente de Deus que possa também desfrutar o bem em meio (e depois) de toda a canseira do trabalho. Valorizar a dádiva, seria recebê-la corri agradecimento, com alegria em Deus.
V. 14: Deus continua agindo (e oferecendo os seus bens), segundo normas eternas. Homem algum consegue atrapalhar o seu plano. Isto devia conduzir os homens e respeitá-lo como senhor da história.
V. 15: Como as normas fixadas por Deus não podem ser alteradas pelo homem — que nem sequer consegue perscrutar os mistérios da criação — o homem faz bem em temer a Deus. Alegrar-se com o bem que lhe concede, aceitar e conviver com os enigmas e tribulações que lhe são impostos. Como se vê, o trecho aborda assuntos centrais do livro de Eclesiastes e pode trazer alguma luz ao tema em estudo.
IV — À guisa da meditação
Sombra e água fresca é o que alguém pode ansiar mais do que qualquer outra coisa depois de uma caminhada longa ou um trabalho duro sob um sol escaldante. Então esta expressão veio a tornar-se descrição simbólica de uma vida, onde o trabalho necessário para a subsistência é leve e pouco e o tempo de ócio é relativamente maior. Mas quem aguentaria isso toda a vida? Quem se satisfaria com tão pouco?
Será que estamos a desejar e a cobiçar exatamente aquilo que, no momento, não temos? Verdade é que muita gente hoje sente as exigências do trabalho da profissão, da luta pela sobrevivência, do corre-corre diário como muito, senão demasiadamente onerosos. E muita pressão contínua leva ao stress ou outros distúrbios físicos e psíquicos.
Férias, tempo de não fazer nada, não ter aquelas responsabilidades, ócio, é, então, visto como algo muito desejável, para se refazer, recompor-se, recuperar as forças necessárias para a etapa seguinte. Por outro lado a inatividade involuntária por falta de emprego pode ser motivo maior de ansiedade ainda. Durante o ócio, nas férias, a subsistência deve estar garantida, senão…
Segundo um ditado velho alemão o ócio é o princípio de todo o vício. Pode ser, justamente, quando não se sabe o que fazer com o tempo livre. No paraíso já havia o trabalho. Deus mesmo o inventou (Gn 2.15). Mas ao tempo de trabalho corresponde um tempo de descanso, de lazer (Gn 2.2-3), em harmoniosa coordenação. Isto foi antes da queda do homem, antes da desobediência a Deus. O pecado também afeta trabalho e lazer, o aproveitamento correto do tempo que Deus concede.
Eclesiastes naturalmente se defronta com a realidade como nós também a encontramos: depois da queda. Mas diferente, porque nós já podemos ver a criação a partir da obra da redenção, em Cristo (Rm 8.20-21). O trecho em estudo (Ec 3.9-15) enfrenta conscientemente esta realidade. Muito trabalhador de hoje, também o pequeno agricultor, o homem do nordeste brasileiro, se ler o primeiro versículo do trecho em pauta, iria certamente responder: Nenhum proveito! É uma afadigar-se debalde. Pelo menos está longe de ter o proveito que poderia esperar. E o chefe de firma, o industrial? Não poucos venderam (antes que fosse tarde!) a fábrica que por gerações pertencia à família, porque dava muita dor de cabeça, era um peso demasiado grande. Preferem colocar o dinheiro na poupança. Dedicar-se a negócios mais leves. A sua resposta, então, também seria negativa à pergunta do trecho. Mas não é assim qua isso depende muito da expectativa que se tem? Qual é a medida para definir o rendimento correto que se podo esperar do trabalho, que resultados deveria ter, como mínimo?
O povo alemão, devido a sua formação, já teve uma vez uma moral de trabalho (ou ética de trabalho) muito elevada. E realizaram coisas espantosas. Indústrias floresceram, também pelo fato desta moral de trabalho de operários e funcionários. Parece que hoje não é mais assim. Apesar de prosperidade estão a exigir cada vez mais os sindicatos, mesmo que isso ameaça levar à falência a indústria. Além disso já deixaram de ser tão eficientes e aplicados.
Não é assim que o relacionamento com o trabalho, seu fruto, lazer, depende muito da orientação, do sentido (por mim também filosofia) de vida que se tem? Em muitos anúncios de falecimentos se podia ler (hoje não tenho mais visto isto): Trabalho foi a sua vida!
Eclesiastes, no mínimo, expressa a convicção que a vida é mais do que trabalhar e afadigar-se. Que a gente deve encarar tudo como presente de Deus. Diria, a partir de Novo Testamento, mais: Não basta que a questão tenha uma solução satisfatória só para mim ou minha classe. A comunidade cristã tem a visão comunitária. O seu senhor quer que tenham vida, e a tenham em abundância. Por isso a Igreja deve empenhar-se para que os homens, criados à imagem de Deus, já possam ter isso agora. Em vista disso, será que poderemos gozar as nossas férias tranquilamente, sabendo que milhares de concidadãos não têm as mínimas condições de fazê-lo? Será que poderemos gozar tranquilamente o fruto do nosso trabalho, sabendo que outros tiveram proveito nenhum? (pior ainda, se estivermos regalando-nos graças ao labor e suor de outros, se não houver uma recíproca!).
Aprendendo que o tempo que vivemos é tempo de graça (porque Deus o deu de presente), não devemos apenas portar-nos com temor durante o tempo de nossa peregrinação (1 Pe 1.17). Muito mais. Aproveitar o tempo todo para agradecer a Deus. Aí sim, que qualquer trabalho se transforma em serviço a Deus. Qualquer atividade, dentro ou fora de casa, na profissão e no lazer, a partir desta atitude de gratidão a Deus passa a ser Gottesdienst — culto racional (Rm 12.1). Esta atividade, então, não poderá ser egoísta, mas deve levar em consideração o próximo. Claro que pode e deve servir a minha alegria, meu descanso, minha auto-realização. Mas o marido não pode regalar-se, se a sua esposa enquanto isso tem que afadigar-se; os filhos ter todo tipo de divertimento com a maior naturalidade, enquanto os pais têm que cuidar de todo serviço; os patrões se regalando e os empregados se espremendo! Com Jesus aprendemos a festejar — mas em conjunto, como família e como comunidade.
Alienação seriam as férias, se não nos identificássemos com o nosso trabalho como sendo serviço em gratidão a Deus. Se não levássemos em consideração o bem-estar do próximo. Mas pensando no tempo de graça a ser desfrutado além de descanso e trabalho na proporção saudável para a gente e para o próximo, devemos lembrar-nos que o homem não vive só de pão. Devemos lembrar-nos do alimento espiritual. Da possibilidade para nós e nossos semelhantes (familiares, membros da comunidade ou não) de ter, nas férias, no tempo livre, um encontro com Deus. Por que então não reservar tempo para a meditação, para o diálogo sobre coisas eternas, repartir a alegria que temos em Cristo? Aí férias e tempo livre poderiam tornar-se antecipação do Reino de Deus. Convívio alegre e agradável com os irmãos na presença de Deus.
V — Indicações para a prédica
A título de motivação poderíamos chamar a atenção para o questionamento do primeiro versículo do trecho. Pergunta pelo proveito do esforço no trabalho, mas já mostra adiante, porque antes afirma que tudo tem seu tempo. A pergunta se amplia: O que fazemos com o nosso tempo? Será que nós temos perguntas sobre trabalho e férias? Será que outros poderiam fazer perguntas inquietantes a respeito? E os que nunca podem tirar férias?
O texto dá respostas.
1. Todo nosso tempo é doação. Cada dia de novo. Está fora do nosso domínio. É tempo precioso, porque é presente de Deus. Como tudo que fez, também isto é muito bom. Reconhecemo-lo quanto em Cristo se revelou como Pai. Tempo vem a ser, então, tempo de graça. O desafio que sentimos é: Como aplicar o tempo de graça?
2. Todo tempo pode ser aplicado de maneira sensata. Tempo para o trabalho: Em gratidão a Deus. Lembrando Deus, haverá mais vigor e mais sabedoria. Tempo para o lazer: Não é por nada que há tempo livre de descanso. Mas é também oportunidade para meditação: sobre a vida, Deus é eternidade. Tempo para o próximo: durante o trabalho e durante o lazer.
3. Tempo de férias. Mais que qualquer outro, é tempo para chegar a si. Refletir. Brincar. Descansar. Meditar sobre o sentido da vida. Cultivar o convívio de pessoas (familiares ou não) em comunhão de fé. Pôr em ordem as coisas.
É antecipação do Reino de Deus. Pelo menos um pouquinho.
VI. Subsídios litúrgicos
1. Confissão de pecados: Senhor em tuas mãos estão os nossos dias. Perdoa que não nos lembramos disso todos os dias. Perdoa também que não tiramos tempo suficiente para estudar a tua palavra. E que fomos muito egoístas em nossos planos. Tem piedade de nós, Senhor!
2. Oração: Senhor, a tua palavra é tão rica! Fala da nossa vida e dos teus planos. Gostaríamos de aprender mais a respeito. Abre mente e coração para podermos receber a tua mensagem hoje. Dá coragem e persistência para obedecermos no cotidiano. Amém.
3. Assuntos para a oração final: pelas pessoas que estão de férias: do serviço ou do estudo; pelos que vão fazer vestibular (ou já passaram e também pelos que não tiveram este privilégio); pelos empregados e desempregados; por tempo em doença; por tempo em hospital; por tempo em viagens; por tempo em preparação por casamento; por um melhor clima entre o pessoal de uma mesma firma, de um mesmo hospital, uma mesma comunidade.
VIII – Bibliografia
– ALTMANN, W. Meditação sobre João 2.1-11. In: Proclamar Libertação, v. IX. São Leopoldo, 1983
– JENTSCH, W. et alii (ed). Mensch und Freizeit. In: Evangelischer Erwachsenenkatechismus. Guertersloh, 1975.
– ZIMMERLI, W. Das Buch des Predigers Salomo. ln: Das Alte Testament Deustsch. Göttingen, 1962.