Tema – Armas de morte: Quem brinca com fogo, acaba se queimando.
Explicação do tema:
Brinquedos de guerra, bem como filmes glorificadores da violência, levam a encarar as armas de morte com naturalidade desde a infância. Por causa do serviço militar obrigatório, jovens nossos aprendem a usar armas de morte, cuja utilização independe de sua decisão.
Pela utilização prioritária de recursos públicos para construções faraônicas e projetos que beneficiam privilegiados, em detrimento da satisfação de necessidades básicas da maioria, também se promove a morte. No mundo se gastam para fins militares 1,3 bilhões de dólares, a cada minuto, durante o qual 30 crianças morrem de fome e subnutrição. Qual é nossa responsabilidade de Comunidade de Cristo, tendo em vista que o Brasil é o maior exportador de armas entre os países do Terceiro Mundo?
Texto para a prédica: Zacarias 9 .9-10
Autor: Günter Karl Fritz Wehrmann
l – Introdução
Afirma-se que o assunto Armas de Morte ou Holocausto Nuclear está muito distante da realidade de nossas comunidades. Isso seria um tema para os europeus ou, no máximo, para os países do hemisfério norte. Nossas comunidades sentem e sofrem p problema da injustiça social, do desemprego, da inflação, da injusta distribuição de renda, terra e água (pensando no Nordeste), da dependência de grandes empresas nacionais e multinacionais e do FMI. Portanto, aqui no Brasil não se precisa falar em luta por desarmamento e paz.
Concordo com aqueles que enfatizam a necessidade premente de lutar por mais justiça social em nosso contexto. No entanto, importa percebermos a interligação entre ambas as preocupações. Importa unir os esforços dos cristãos, em todo mundo, pela criação e preservação da vida boa que está sendo ameaçada, tanto por injustiça social como por corrida armamentista.
II — Tentativa de descrever a realidade de armas de morte
Atualmente gastam-se, em todo o mundo, 600 bilhões de dólares em armamentos (Der Überblick, 1/83, p. 49). Nos últimos 29 anos, os países industrializados aumentaram os gastos militares em três vezes, mas os países em desenvolvimento em seis vezes. Eis aí uma explicação para o fato de que o Brasil hoje é o primeiro exportador de armas entre os países do Terceiro Mundo e ocupa, a nível mundial, o quinto ou sexto lugar. Somente no período de 1974 – 1980 os gastos militares do Brasil quase duplicaram de 1,2 para 2,2 bilhões de dólares. No mesmo período a dívida externa do Brasil aumentou de 17,2 para 100 bilhões de dólares.
Não é segredo que, além do investimento em fabricação e compra de armas, as assim chamadas obras faraônicas como Transamazônica, Itaipu e Angra dos Reis contribuíram para o endividamento do Brasil.
O negócio agora é pagar dívidas com novas dívidas. Produzir barato para a exportação a fim de ganhar dólares. Conseqüentemente interessam ao governo, primordialmente, aquelas indústrias e empresas rurais que produzem em grande escala. Os pequenos que estão trabalhando para o suprimento do mercado interno pouco importam. Por isso, cada vez mais pequenas fábricas e pequenos agricultores passam por sérias dificuldades e são levados à falência.
Em consequência de todo um sistema sócio-político e econômico temos o grande desnível sócio-cultural cada vez mais crescente. As terras, a água (lembro o exemplo do Nordeste Brasileiro), a renda e as riquezas estão concentradas na mão de poucos, ao passo que a grande maioria da população brasileira está marginalizada. Eis a pirâmide da desgraça no Brasil (extraído do programa Jejum do Natal 1983 de Ricardo Wangen): 1% de riquíssimos, 4% de ricos; 15% de remediados, 30% de pobres e 50% de miseráveis.
De fato o Brasil descobre uma nova fome (título de um artigo na ISTO É, no. 351,14/09/83, p. 36ss). Menos que a metade da população (48%) come satisfatoriamente… De cada mil crianças que nascem vivas, 82 morrem antes de um ano — e a causa direta ou indireta é a desnutrição. Sabemos que a subnutrição causa na pessoa danos físicos e mentais irreversíveis. Quase a metade do povo brasileiro vive em constante estado de subnutrição. Que violência! Essa não é uma arma de morte?
Devido ao elevadíssimo custo de vida e ao desemprego, milhares de pessoas catam restos de comida arruinada dos depósitos de lixo nas periferias das grandes cidades. Nem Maria do Carmo nem seus companheiros se preocupam com o cheiro nauseante do lugar, nem com a qualidade dos restos disponíveis: Já passei uns quinze dias sem nada dentro de casa, conta Maria do Carmo. Uma implacável razão para não rejeitar o naco do bacalhau, já escuro de tão deteriorado, achado no lixo. Em questão de minutos, mãe e filhos deram cabo do peixe podre. Ela sabe que terão diarreia. Mas Maria afirma: Pior é a dor de estômago que a gente sente quando está vazio.
Alega-se que não há verbas suficientes para saúde, previdência, educação, salário, moradia e alimentação condignos para todos. Parece mesmo ser verdade. Por exemplo: A União dedicou do seu orçamento em 1965 para a educação 11%; em 1975 apenas 4,3% e em 1979 – 5,9%. De acordo com o censo de 1980 do IBGE, dos 102 milhões de brasileiros de 5 anos ou mais, há 35% sem ou com menos de 1 ano de instrução, 30,85% da população é analfabeta, 41,41% estudaram até 1 ano e são semi-analfabetas (cf. Boletim Visão Mundial, n. 2, abril 84). Para as necessidades básicas do bem-estar do povo não há dinheiro.
No entanto, para o orçamento militar o Brasil sempre tinha dinheiro; ele aumentou de menos de 500 milhões de dólares em 1963 para 2,2 bilhões em 1975 (cf. Parábolas do Século XX, p. 58). Entrementes também o Brasil descobriu que a venda de armas é o negócio mais lucrativo. Por isso, empresas que fabricam armas, como a Emgesa, Avibrás, Embraer, Helibras, Eletrometal, etc., são beneficiadas pelo Estado de todas as formas possíveis: incentivos fiscais, isenção de imposto de renda, isenção de IPI, ICM, crédito, isenção de impostos e taxas que incidem sobre a importação de matérias primas, peças complementares, componentes e equipamentos ou máquinas e dispositivos destinados à fabricação de armamentos. Tais benefícios não são computados como gastos militares (cf. Parábolas do Século XX, p. 60). Tudo isso indica que a fabricação e exportação de armas no Brasil é prioridade.
As Forças Armadas do Brasil são compostas de 272.600 homens, além disso há 185.000 em atividades paramilitares.
Para fins militares gastam-se, por habitante, 5.127 dólares, em educação 30 dólares e em saúde 8 dólares. Para treinar um soldado é necessário tanto quanto para educar 80 crianças (cf. material Acampamento Jovem 1984).
Em Crateus (Ceará) atualmente morrem de fome 5 crianças por dia. Quantas crianças não deixariam de morrer pelo preço de um tanque de guerra! A compra de um dos mísseis faz com que no mínimo 500 crianças não tenham educação escolar.
O primeiro-ministro sueco, Olof Palme (Correio do Povo — 18/10/83, p. 3) conclui: Os gastos militares estão exigindo cada vez mais recursos, em prejuízo do desenvolvimento econômico pa-cífico, muito embora este desenvolvimento seja a base mais importante para uma segurança duradoura.
Além disso, não é mais segredo que os EUA e a URSS, juntamente com os seus respectivos aliados, transformaram a Europa ocidental respectivamente oriental num mato de foguetes nucleares. Ambas as potências juntas, hoje, têm a possibilidade de repetir o drama de Hiroshima 1,6 milhões de vezes (Alt, p. 37).
A corrida armamentista, principalmente em termos de armas nucleares, é tal, que até por acidente ou descuido humano pode ser desencadeada uma guerra nuclear. Se tal guerra mobilizasse apenas a metade do arsenal atômico atual, os cientistas preveem 1 bilhão de mortos e outro bilhão de feridos graves num planeta que hoje tem 4,1 bilhões de habitantes. (ISTO É, n. 343, 20/07/83)
Consequências de uma guerra nuclear (Alt, p. 37) seriam as seguintes: Pó radioativo contamina toda a superfície do globo. Durante milhões de anos determinados isótopos emitem raios que causam morte. A camada de ozônio que cerca o nosso globo e nos protege do sol é parcialmente destruída. O clima esfria a nível mundial. A lista de possíveis formas de morte é quase ilimitada. O Presidente Cárter afirmou já em 1981 que o perigo de uma guerra nuclear está aumentando. Pelo fato de cada vez mais governos possuírem essas armas, é apenas uma questão de tempo até que a loucura, o desespero, a ganância ou um erro de cálculo liberem essa força terrível. Também o governo soviético afirmou em 1981 que uma guerra nuclear, significaria uma catástrofe mundial e seria, com a maior probabilidade, o fim da civilização e levaria possivelmente à destruição da humanidade toda (Alt, p. 51).
Por que toda essa loucura de armamento? A motivação é a guerra com um país vizinho, disputa hegemônica entre países, combate à guerrilha, Doutrina de Segurança Nacional, guerra fria EUA X URSS, combate ao comunismo e ao capitalismo (cf. Material Acampamento Jovem 84). Além disso alega-se assegurar a paz através do armamento em geral e do armamento nuclear em especial. Acha-se necessário possuir mais e melhores armas do que o inimigo. Só assim ele terá respeito e não atacará. A teoria do amedrontamento (Abschreckungstheorie) parece legitimar essa loucura da corrida armamentista.
Mas em contrapartida não se quer ouvir que os 600 bilhões de dólares que se gastam, a cada ano no mundo, em armamentos seriam o suficiente para pagar todas as dívidas externas e iniciar um processo de criação de uma nova ordem político-econômica mundial. As grandes potências consideram isso uma utopia. Eles montaram todo um sistema de armamento para manter a ordem socioeconômica mundial vigente, tanto no mundo capitalista como no mundo comunista. Todos os grandes precisam de áreas de fome e miséria para vender armas (paradoxalmente até o próprio Brasil). Com isso também se explica que, após a 2? Guerra Mundial, já houve 130 guerras com 20 milhões de mortos, quase exclusivamente no Terceiro Mundo.
Ao mesmo tempo (Folha de São Paulo, 24/11/83): até o final de 84, caso permaneça a atual situação de seca, o Nordeste apresentará mais uma estatística dramática: 3 milhões de mortes de fome, causada pela estiagem… Esta estatística, lembrou o Cardeal Aloísio Lorscheider, dá noção exata do estado de guerra do Nordeste, pois nem a guerra do Irã-lraque, … apresenta esse quadro dramático.
O tema da violência no mundo, do militarismo, do armamento atômico, da destinação de enormes recursos para estes fins à custa das necessidades de alimentação, saúde, educação…, não pode ficar alheio a qualquer homem que se preze e, em especial, a todo cristão: Nada há verdadeiramente humano que não encontre eco no coração dos discípulos de Cristo (Parábolas do Século XX, p. 45).
Conclusões prévias:
a) É evidente que não somente armas matam. Mas também o sistema político-sócio-econômico mata, principalmente no Brasil e nos demais países do Terceiro Mundo.
b) Há uma ligação direta entre produção, venda e compra de armamentos por um lado e injustiça social por outro.
c) Por causa da loucura da corrida armamentista dos países do hemisfério Norte existe miséria, fome e injustiça nos países do Sul.
d) Por causa da loucura do armamentismo brasileiro temos o terrível desnível social.
e) Tudo isso é consequência do pecado individual e estrutural, pois é contra a vontade de Deus, que quer vida boa para todos.
f) Urge arrependimento individual e estrutural ao mesmo tempo. Urge lutar contra tudo que favorece o espírito armamentista e a permanência do sistema sócio-político-econômico vigente tanto aqui como no mundo inteiro. Urge d desarmamento e uma nova ordem sócio-político-econômica.
III — Confronto com o texto
1. Tradução de Zc 9.9-10
V. 9: Jubila, ó filha de Sião;
exulta em voz alta, ó filha de Jerusalém!
Eis aí, teu Rei vem para ti,
justo e salvo ele é,
pobre, montado em jumento,
num jumentinho, cria de jumenta.
V. 10: Ele eliminará os carros (de guerra) de Efraim,
e os cavalos (de guerra) de Jerusalém;
o arco de guerra será destruído.
Ele anunciará paz às nações;
o seu domínio se estenderá de mar a mar
e do Eufrates até as extremidades da terra.
2. Referente à tradução:
V. 9: justo — além do significado ativo, em hebraico pode ter também o significado passivo (justificado); a exegese terá que definir a questão. Salvo – LXX traduz como ativo (SÕZÔN). Assim se lê salvador (cfe. Lutero e Almeida). No entanto, no hebraico consta o particípio nifal que deve ser traduzido em passivo. Pobre — a palavra hebraica, no uso jurisdicial, indica o que não possui terra, o pobre, o sofredor (cf. Zc 7.10; Dt 24.12ss); no uso religioso a palavra indica o miserável, aflito, necessitado, oprimido (Is 41.17), o piedoso individual ou o povo. Conforme Gesenius, a palavra também pode significar humilde como maneira de ser, e nesse sentido Gesenius traduz nosso texto. Assim ele se baseia na LXX que também lê 'PRAYS' e está na tradição da Igreja. No entanto, a palavra hebraica para humilde deveria ser 'ANAW. A exegese terá que enfrentar o desafio de ler pobre. Esta tradução também é defendida por Otzen (p. 137-139) e por Elliger(p. 149).
V. 10: ele eliminará — No original hebraico consta a 1ª. pessoa singular. Assim o v. 10 seria fala direta de Deus, mas o v. 10b já seria novamente fala do profeta. Conforme Otzen (p. 240), quase todos os comentaristas aceitam a correção de LXX que lê a 3ª. pessoa singular (cf. também Elliger, p. 149). O verbo hebraico é perfeito com vau consecutivo, razão pela qual se justifica a tradução também em futuro.
3. O contexto e sua origem
Os caps. 1-8 são de Zacarias, em parte ainda contemporâneo de Ageu. O tempo de atuação é em torno de 520, tempo da reconstrução do templo. Os caps. 9-14 formam o assim chamado Dêutero-Zacarias. Aqui se trata de uma coleção de diferentes textos e unidades que na sua composição final devem ser posteriores a Zacarias, talvez nó início da época helenística (cf. Elliger, p. 99 e 143-144). A respeito de uma eventual subdivisão de Dêutero-Zacarias pode-se ler em Elliger (p. 144). Otzen (p. 142.199) procura mostrar que os caps. 9-10 reavivam, parcialmente, a esperança da reconstrução do grande reinado de Davi, típica para o tempo de Josias (620). Otzen (p. 220) propõe a seguinte estrutura:
9.1-8 Israel recaptura áreas de Assur e Egito
9.9-10 A vitoriosa entrada do rei
9.11-12 O reino do norte volta ao exílio
9.13-15 Luta contra o inimigo (Judá e Efraim)
9.16 Figura positiva do pastor
9.17-10.1 Motivo positivo da fecundidade
10.2 a Motivo negativo da fecundidade
10.2b-3a Figura negativa do pastor
10.3b – 5 Luta contra o inimigo Judá
10.6-10 O reino do norte volta do exílio
10.11a A epifania vitoriosa de Javé
10.11b -12 O poder de Assur e Egito é destruído e Israel é fortalecido.
Em todos os casos o texto apresenta antigas fórmulas litúrgicas que reportam para tempos passados; elas reavivam tradições do Sião, da esperança pela reconstrução do grande reinado de Davi e lembram o rei como figura central do drama cultual na festa de Ano Novo (cf. Otzen, p. 142). Predomina a esperança pelo novo Israel (unido com Judá) e pelo descendente de Davi. Javé é o sujeito que age nos acontecimentos que vão mudar o destino (Otzen, p. 200). Essas tradições, em dado momento, foram lembradas, adaptadas às situações históricas e juntadas conforme o modelo cultural (Otzen p. 225).
4. Observações exegéticas
V. 9: Aqui se trata do anúncio de um arauto. Será que fala de uma vitória política? Chama atenção a semelhança de nosso versículo com 2.14. No entanto, lá fala da vinda de Javé que vai morar no Sião. Mas 9.9 não se refere diretamente a Javé, pois trata claramente da vinda de um rei compreendido como Messias. O termo salvo indica a situação de um rei que volta salvo da luta (cf. Saembo/Magne p. 184 s). Otzen (p. 237ss.) destaca a dimensão litúrgica do texto. Durante a cerimônia da festa de Ano Novo, o rei é liberto do poder caótico que ameaça o país e, depois, entra salvo pelos portais da justiça, subindo ao Sião. Nesse drama cultual se expressa a esperança da vitória definitiva sobre os poderes caóticos que ameaçam o povo. A partir disso podemos compreender melhor também os demais atributos dados ao rei.
Pobre ele é. Pois não consegue libertar-se, pela própria força, do inimigo. Em relação a isso Otzen (p. 139) vê uma estreita ligação com os Salmos de Lamentação ou Agradecimento. Pois, também af o pobre, o miserável se vê impotente diante dos poderes da morte (SI 22.25). Salvação somente vem de Deus. Nesse sentido é expressa a dependência total de Deus. Por isso o rei é montado em jumentinho; trata-se de uma antiga tradição messiânica. Em todos os casos se expressa a fraqueza e impotência diante do inimigo que não é vencido com arco e cavalos de guerra.
Esse rei embora fraco, impotente e ameaçado pelo inimigo, é justificado por Deus mesmo. Por isso ele é justo e promove justiça a nível universal. V. 10: Agora é apresentado o programa de governo. Esse rei estranho e diferente de qualquer outro rei, vai destruir, ou melhor, eliminar definitivamente todo o tipo de armamento bélico (carros, cavalos e arco têm sentido globalizante). Em Dt 17.16 já foi alertado que o rei não deveria ter muitos cavalos. Mas essa recomendação ponderada não adiantou. Agora, no reinado do Messias, somente a radical eliminação de quaisquer armas de morte pode salvar. Conforme Mq 5.9ss, Deus mesmo fará limpeza, eliminando todo o armamento e toda a idolatria, para que o povo ponha sua confiança tão somente em Deus. No entanto há uma diferença. Em Mq Deus mesmo eliminará quaisquer elementos assírico-pagãos; em Zc 9,10 o novo rei. o Messias, exercerá seu senhorio universal, sem os costumeiros meios de poder, sem armas que são tão caras e devem ser pagas pelo povo. Armas não servem para a promoção da vida, mas sim, servem para promover morte.
Ele anunciará paz às nações, e não desconfiança, inimizade e guerra. O termo hebraico seria falar uma palavra que opera (ou cria) paz. Será que é possível pensar em pacto de paz? Se não tivéssemos tantas experiências frustradas nesse sentido, poderíamos admiti-lo. Mas aqui DABAR é a palavra poderosa que cria do nada. Deve ser isso que o texto imagina. Esse rei tem autoridade para anunciar paz, pois ele é a paz em pessoa. Percebemos como o texto é transparente (cf. Ef 1.14)?
O seu domínio se estenderá de mar a mar. Otzen (p. 141) vê nisso a indicação das divisas ideais de Israel. Mesmo se isso for o caso, o texto transcende estas divisas e abre a perspectiva para o domínio universal. Elliger (p. 150) interpreta de maneira universal, a partir da compreensão científica do mundo de então (SI 72. 8.17).
O texto é transparente para o testemunho do NT?
A esperança pelo Messias da Justiça e Paz, em Zc 9.9,10, naturalmente não pode ser identificada diretamente com Cristo. Pois ela ainda tem suas limitações histórico-políticas. Mas ela transcende qualquer esperança particular. O Messias de Zc 9.9, embora seja descrito como rei, é tão singular e diferente de qualquer rei que já existia; sim, até é bem diferente dos famosos e piedosos reis Davi e Josias. Os dois ainda tinham poder e exércitos. Este Messias, no entanto, se esvazia de qualquer tipo de poder e arma de morte. Mais ainda: (conforme esperanças messiânicas mais antigas, o Messias iria corrigir nações poderosas de sorte que convertessem suas espadas em relhas de arado e lanças em podadeiras; (Mq 4.3) e julgar os pobres com justiça (Is 11.4). No entanto, cf. Zc 9.9s o Messias mesmo é sofredor e pobre. Ele mesmo é justificado e salvo e como tal promove justiça e paz eliminando todo o tipo de arma de morte. Este Messias por ser descrito como rei político e imanente — mas fraco, pobre, salvo e justo — representa a mais ousada esperança.
Nesse sentido, o Messias aponta para Cristo que nasceu pobre ( Lc 2.7), que não tinha onde reclinar a cabeça (Mt 8.20), que se colocou primordialmente ao lado dos fracos e marginalizados tendo comunhão de mesa com eles e os aceitou (Mc 2.15), que sofreu a rejeição e condenação de todos na cruz. Mas Deus mesmo o salvou da morte ressuscitando-o; assim Deus o justificou diante do mundo. Ele é a nossa paz (Ef 2.14). Ele eliminará definitivamente o último inimigo, a morte com todas as suas manifestações (1 Co 15.26). Ele criará novos céus e nova terra nos quais habita justiça (2 Pe 3.13). Esse novo que irrompeu no mundo vencerá. Por isso, não nos deixamos conformar com todo um sistema que promove injustiça e morte. Mas deixemo-nos inspirar pelo novo que Zc 9.9-10 já sonhou e que em Cristo começou a irromper no mundo! Por isso sonhamos com um governo marcado pelo novo, tanto para o Brasil como para o mundo. Hoje queremos ver sinais concretos da nova justiça e paz, da vida boa que Deus quer para todos.
IV – Meditação
1. Introdução
À primeira vista, o assunto em pauta parece estar muito distante da realidade vivencial da comunidade. Por isso pouco adianta falar logo nos matos de foguetes nucleares instalados na Europa ou no fato de que no dia 04 de agosto quarenta anos atrás (1945), caiu a bomba atômica sobre Hiroshima. Também pouco resolve falar logo do sistema sócio-econômico brasileiro que é decorrente da ordem econômica mundial.
Importa, no entanto, facilitar que a Comunidade descubra que os seus problemas diários, como inflação, educação de filhos e merenda têm a ver com os grandes problemas que caracterizam o Brasil e o mundo. Portanto, parto decididamente do micro para o macrocosmo. Esse caminho, sem dúvida, é mais longo e árduo, mas em todos os casos, mais promissor visto que urge a transformação da mentalidade. Aliás, esse caminho foi trilhado pelo próprio Jesus!
2. A realidade de armas de morte
Você conhece, em sua comunidade, uma criança de pais ricos? Ela tem sofisticados brinquedos eletrônicos de guerra. Os pais ouviram psicólogos afirmarem que brinquedos de guerra ajudam a descarregar as suas agressões. A criança estuda num colégio particular. Como merenda ela compra diariamente no bar da escola, refrigerante e pastéis. Quando não gosta dessa comida, joga-a no lixo e compra outra coisa. Assim vivem aproximadamente 5% do povo brasileiro.
Você conhece uma criança de pais pobres? De um pedaço de pau ela fez um fuzil para brincar, pois a TV com seus filmes de far-west e desenhos estimula para a violência. A criança foi à escola, num bairro ou na linha, durante 4 anos. Parou porque a cabeça não ajudou mais e precisava trabalhar para a família sobreviver. Mas a coisa piorou, porque o pai perdeu o emprego e um dos 8 irmãos ficou gravemente doente. Gastaram o último dinheiro. Não mais havia jeito de comprar alimentos. E lá vai Dona Maria do Carmo com seus filhos catando comida podre do monte de lixo fora da cidade (lembre a história citada na ISTO É). – Mais ou menos assim vivem cerca de 50% do povo brasileiro, não contando os tantos que morrem devido a subnutrição, falta de assistência médica e falta de educação e formação. Acrescente dados da realidade brasileira!
Por que é assim? Por que não há salário, moradia, assistência previdenciária e escolas condignos? Por que não há mais dinheiro para as coisas básicas de vida para todos? Em que o país gasta rios de dinheiro? Lembre dados concretos relacionados a obras faraônicas e armamento no Brasil. Depois acrescente dados sobre armamento mundial. Procure relacionar essa situação com os dois casos citados no início da meditação. Tire conclusões prévias (cf. item 2 no fim, letras a até e).
Conscientizemo-nos da seriedade da situação e de nossa pequena fé e força diante da situação complexa. Lembre Lutero que afirma: A minha força nada faz … (Hino Castelo Forte).
Realmente, estamos brincando com fogo que não somente queima e mata pessoas individualmente, mas queima e mata toda a humanidade e tudo o que é vida nesse planeta. Lembre-se de que tanto o armamentismo como a atual ordem sócio-econômico-política matam, agora já! Caso não houver mudança profunda, caso não houver arrependimento em termos de progredir com desarmamento e criação de uma nova ordem sócio-econômico-política, tanto no Brasil como a nível mundial, não haverá chance de nossos filhos sobreviverem.
Mas justamente nesse sentido tanto as negociações sobre desarmamento como os diálogos entre os países do hemisfério Norte e Sul não estão indo para frente. Sentimos nisso, mais uma vez, a incapacidade e impotência humanas de promover mais justiça e mais paz.
Se olharmos em nossa vida comunitária local e a nível de IECLB, também podemos desesperar pelo fato de haver tão poucos e fracos sinais de mais justiça ou da luta pelo poder em termos de linhas teológicas e eleições para cargos. Em sentido figurativo também nós cristãos estamos usando armas de morte, porque apostamos nelas mais do que na força libertadora e transformadora do Evangelho. Percebemos que o arrependimento deve começar novamente conosco mesmos?
3. Confronto com a mensagem de Zc 9.9-10
Em meio a essa realidade sofredora e desesperadora penetra a mensagem de Zc 9.9-10.
Lembremos do texto:
3.1 — Deus aposta no Messias pobre e sofredor
Deus não aposta no Messias forte, poderoso que impõe, à força o seu dom mio (Zc 4.6). Pelo contrário, Deus escolhe o Messias pobre, fraco, que mesmo necessita de justiça e salvação. Por isso este Messias compreende a nossa angústia e o nosso desespero diante da realidade de armas de morte a nível pessoal, local e comunitário, nacional e a nível mundial.
3.2 — O Messias de Deus eliminará as armas de morte
Ele nos faz perceber que qualquer tipo de arma ou poder não promove a vida, mas sim a morte. Ele nos faz ver que armas e poder não asseguram a paz, mas sim, a competição e guerra (fria e quente). Ele nos faz ver que apostar em poder e armas é desconfiar de Deus e do próximo. Ele nos faz ver que somente o amor ao inimigo (Mt 5.44) e a confiança nele depositada, vencem a desconfiança e inimizade por parte dele. Portanto, é verdade o que G. Rein afirma: Quem quer promover o desarmamento, deve começar com desarmamento (Der Überblick, 3/82, p. 22). Podemos complementar dizendo: Quem quer mais justiça social, deve começar a repartir com o necessitado. Somente assim o círculo vicioso e diabólico da corrida armamentista e do acúmulo de renda (terras e riquezas na mão de poucos) é quebrado. Naturalmente isso vale a nível pessoal como a nível estrutural.
3.3 — O Messias de Deus anunciará paz às nações
Pela palavra poderosa e criadora (lembre o significado de DABAR) ele anunciará paz às nações. Paz não é apenas ausência de guerra aberta, mas sim, implica condições reais de vida condigna para todos, principalmente para os pequenos e fracos. Paz e justiça andam de mãos dadas; não existe uma sem a outra (Is 32.17; SI 85.10). Ninguém pode afirmar que há paz, enquanto há países exportadores de armas lucrando com as assim chamadas guerrinhas na América Central e Oriente Médio. Aí vemos como injustiça e guerra andam de mãos dadas.
3.4 — O Messias de Deus veio
Percebemos como este Messias da Justiça e Paz, sonhado em Zc 9.9-10, transcende e aponta para Cristo? (Lembremos o último ponto da exegese!). Mas todo o mundo se escandalizou com este Cristo; rejeitou-o e o crucificou. Podemos lembrar a canção:
Eles queriam um grande rei
que fosse forte e dominador
e por isso não creram nele
e mataram o Salvador.
(em: Quero cantar ao Senhor, p. 24 s.).
Por que não interromper a prédica ou palestra e cantar esse hino?
3.5 – Deus nos chama para o discipulado sob a cruz
O mundo tentou eliminar o Rei da Paz e Justiça crucificando-o. Mas Deus o ressuscitou dentre os mortos. Assim a vida venceu as armas de morte. A vida, a paz, a justiça, que é Cristo mesmo, terá a última palavra. Ele criará novos céus e nova terra nos quais habita justiça (2 Pe 3.13). Essa esperança nos é motivo de alegria e júbilo (cf. v. 9a). Ela não nos deixa desesperar diante da realidade de armas de morte. Essa esperança nos põe em conflito com os poderosos desse mundo que são apoiados por estruturas de armas de morte.
Mas queremos ver sinais concretos de justiça e paz, hoje já. Cristo nos faz ver esses sinais, onde pais explicam a seus filhos que brinquedos de guerra não favorecem a vida boa que Deus quer para todos. Pois, eles não precisam desse tipo de brinquedo para descarregar as agressões. Isso pode acontecer até melhor numa boa pelada ou outro jogo esportivo.
Cristo faz ver sinais de esperança onde pais e professores explicam a seus filhos que atirar uma merenda no lixo é crime numa realidade de tanta fome. A gratidão pela comida ensina a repartir com o que não a tem.
Cristo nos faz ver sinais onde cristãos se afiliam ao sindicato e lá dentro lutam, pacificamente, por mais justiça em favor dos trabalhadores rurais e urbanos.
Cristo nos faz ver sinais onde as Comunidades da IECLB se unem às demais Igrejas no mundo para reivindicar, junto aos governantes, desarmamento e uma redistribuição mais justa da renda e terras. Nesse sentido lembramos o dia 04 de agosto de 1945 em que caiu a bomba atômica sobre Hiroshima.
Pode-se ampliar a enumeração de sinais. Tudo isso é luta e resistência contra um poderoso sistema.
Mesmo assim, sabemos que todos esses>sinais ainda são marcados pelo simul iustus et peccator — isto é, são ainda marcados pela transitoriedade e fraqueza humana. Mas eles são oriundos do novo e apontam para ele. Por isso a vida dos cristãos e da Igreja é uma caminhada sob a cruz e não sob a glória e sucesso. Mas os primeiros raios de sol pascoal já apontam no horizonte deste nosso mundo.
V — Observações em relação à prédica
— Não convém que o pregador cite números de dólares. Pois a maioria dos ouvintes certamente não está acostumada a calcular em dólares. É preciso falar em número de moeda nacional. Faça o cálculo pelo câmbio atual!
— O pregador poderá seguir os passos da própria meditação. Mas também poderá começar a prédica com o convite ao júbilo (v. 9a) e perguntar: Nós temos realmente motivo de júbilo? A partir disso, entra na análise da realidade de armas de morte e segue os demais passos da meditação.
— Em todos os casos será necessário cuidar para que a análise da realidade fique proporcional ao restante da prédica. Será importante limitar-se e abordar apenas alguns aspectos.
— Certamente o presente auxilio homilético se presta também para a elaboração de uma palestra.
VI—Subsídios litúrgicos
1. Introito: SI 82 ou 85 (ler em responsório e acrescentar o Glória seja ao Pai.
2. Confissão de pecados: Senhor, nosso Deus e Pai, tu criaste o mundo com tudo o que nele existe — tudo era muito bom. Colocaste a nós nesse mundo para cultivarmos e preservarmos a vida boa que criaste para todos. No entanto, o que fizemos ou permitimos que fosse feito, é exatamente o contrário. Por isso é que há tanta gente com fome, gente sem escola, sem terra e moradia em nosso país. Por isso os nossos governantes gastam bilhões e bilhões em obras gigantescas e armas de morte, em vez de aplicarem mais recursos na promoção da vida boa para todos. Senhor, nós temos deixado de ser atalaias e nos calamos. Perdoa-nos a nossa acomodação. Perdoa que não> promovemos a vida boa que queres para todos. Concede-nos a tua Palavra que liberta e transforma, por causa de Jesus Cristo. Tem piedade de nós. Senhor.
3. Absolvição: Assim diz o Senhor para os seus amados: Leia Zc 10.6.
4. Oração de coleta: Querido Pai celeste, agradecemos-te porque não nos rejeitas. Obrigado que nos aceitas e perdoas por causa de Jesus Cristo. Concede-nos agora o teu Santo Espírito para que saibamos ouvir o que nos tens a dizer. Faze com que percebamos o teu poder libertador e transformador, para que este culto seja do teu agrado e nos capacite para que toda a nossa vida se torne culto a ti. Isso te pedimos em nome de Jesus Cristo que reina contigo e o Espírito Santo, de eternidade em eternidade. Amém.
5. Leitura bíblica: Mt 5.3-12 e ou Ap 21.1-5.
6. Assuntos para intercessão: Agradecimento pela comunhão com Deus e os irmãos; pela palavra que nos mostrou o quanto Deus ama a sua criação, o quanto Deus sofre pela nossa omissão em cultivar e preservar a vida boa para todos; intercessão pela comunidade local para que surjam mais sinais da nova justiça e paz, do repartir com os pobres e marginalizados; que pais e mestres saibam educar as crianças para a paz e justiça; que membros motivados pelo Evangelho participam em sindicatos e partidos lutando por mais justiça social; intercessão pela IECLB para que os dirigentes, movidos pelo Evangelho, saibam promover mais justiça e paz na própria Igreja; que saibam levantar a voz profética e denunciar tudo aquilo que é arma de morte e reivindicar com autoridade a redistribuição, mais justa da terra e renda, que saibam reivindicar, junto ao governo, um processo de desarmamento no país; intercessão pelos governantes para que percebam a sua responsabilidade diante de Deus e o(s) povo(s); que ponham a sua confiança em Deus e não em poder próprio ou armamento; que percebam que tanto injustiça social como armamento são armas de morte; que promovam corajosamente mais justiça social e desarmamento no país e no mundo; que todos os cristãos na face da terra deixem as suas briguinhas e se unam na tarefa primordial e urgente de desafiar e ajudar os governantes de todo o mundo a se empenharem por desarmamento geral e uma nova ordem econômica mundial, antes que seja tarde demais; que todos os cristãos se unam na intercessão pela sobrevivência em nosso planeta. Enfim, que todos os cristãos se unam na prece Venha o teu Reino.
VII – Bibliografia
– ALT, F. Frieden ist moeglich-Die Politik der Bergpredigt. München, 1983.
– OTZEN, B.Studien über Deuterosacharja. Kopenhagen, 1964.
– ELLIGER, K. Sacharja. In: Das Buch der zwölf kleinen Propheten. v. 2. Göttingen, 1967.
– PARÁBOLAS DO SÉCULO XX. v. 2. Porto Alegre, 1983.
– SAEMB0/MAGNE. Sacharja 9-14. In: Wissenschaftliche Monographien zum Alten und Neuen Testament. v. 34. Neukirchen, 1969.