Tema: Medicina popular — mutirão da saúde.
Explicação do tema:
Há alguns anos os principais remédios usados eram a base de ervas. Os principais conhecimentos médicos eram transmitidos de avós para netos. A medicina oficial e diplomada procurou monopolizar, como únicos e verdadeiros, os seus diagnósticos e conhecimentos. Assim, toda e qualquer prática e tratamento fora deste monopólio oficializado é tratado por charlatanismo e desprezado. Não raro a própria igreja colocou a sua pregação em defesa da instituição oficial, combatendo toda e qualquer prática popular de tratamento e cura como feitiçaria e charlatanismo.
A deficiência no tratamento médico a nível popular, como, por exemplo, o INPS; os altos custos da medicina privada; tudo isso aliado à expansão da indústria farmacêutica detentora do monopólio de remédios que são caros e que, muitas vezes, para curarem o mal criam outros males, deixam ampla camada da população com saúde precaríssima. A saúde não é mais encarada como uma dádiva, um direito, mas como uma forma altamente lucrativa de comércio, tanto que o paciente não passa de mero objeto.
Privado de saúde e necessitando tratamento, o ser humano busca meios de recuperar o que lhe foi usurpado. Nesta busca redescobre, nos antigos conhecimentos e práticas médicas, a forma de ter saúde e recuperar o direito usurpado.
Texto para a prédica: Mateus 12.22-28
Autor:Valdemar Lückemeyer
I — Saúde — Um problema político
A Organização Mundial da Saúde (OMS), um órgão criado pela ONU após a 2.* Guerra Mundial e composta por técnicos do mundo inteiro, tem conseguido mostrar que saúde não é apenas a ausência de doença e que tem muito a ver com fatores económicos e sociais. Em 1978 a OMS propôs um plano a todos çs governos para dar condições razoáveis de saúde a todas as pessoas. Este plano, executável até o ano 2000, baseia-se na prevenção, no desenvolvimento social e nos cuidados primários da saúde. Incluem-se nos cuidados primários: educação no tocante a problemas de saúde, educação para que o povo saiba prevenir e controlar a doença enquanto ela ainda é inicial, quantidade de alimentos para todos, provisão de água de boa qualidade, saneamento básico, cuidado com as mulheres grávidas e as crianças, planejamento familiar, vacinas contra as principais doenças transmissíveis, ataque às doenças endémicas (que estão sempre presentes numa mesma região), tratamento de doenças e lesões comuns e fornecimento de medicamentos essenciais. (Serrano, p. 63). Este plano, além de ser bom, é de fácil execução e prevê o aproveitamento de recursos locais e regionais, o envolvimento de enfermeiras, parteiras, curandeiros e agentes treinados em cursos simples e práticos. Acontece, no entanto, que este plano é contrário aos interesses dos países do Primeiro Mundo e suas multinacionais. As multinacionais têm justamente na saúde uma das maiores fontes de lucro, tanto que dos vinte e cinco laboratórios que mais vendem no Brasil, apenas um é nacional (Serrano, p. 73). Os países industrializados e capitalistas criam a mentalidade de que somente a tecnologia sofisticada e o consumo de remédios concentrados conseguem curar o doente. As indústrias da saúde dominam partes importantes dos governos e orientam as políticas da saúde ensinando que saúde é igual a consumo de serviços médicos e de remédios. E isto não confere, pois o nível de vida nos países industrializados e desenvolvidos não melhorou devido à modernização da tecnologia médica e sim devido a reformas sociais: diminuindo a pobreza e conseqüentemente a fome, diminuindo a sujeira, melhorando as habitações e fazendo um saneamento básico nas cidades (água tratada, esgotos e limpezas). Os níveis mais altos de saúde encontramos na Suécia, Suíça, Inglaterra e Holanda. São países pequenos, imperialistas e suas riquezas não provêm apenas dos seus operários, mas da exploração de outros países. Eles levam as riquezas dos países pobres por preços baixos e os distribuem entre seu povo.
O mesmo processo pode-se verificar dentro de um país pobre e dependente como o nosso: há muitos pobres e poucos ricos e estes sempre vão usar os recursos existentes primeiramente para si mesmos e/ou destiná-los para si. Dessa forma a saúde, um estado de bem-estar que deveria ser produzido em conjunto com uma condição digna de vida, deixa de existir para a grande maioria da população. As soluções mais adequadas e próximas da realidade existente não são viabilizadas devido a obstáculos que surgem diante de toda e qualquer tentativa. A OMS tem apontado, pois, várias saídas para a saúde pública nos países subdesenvolvidos. Como ela mesma reconhece, há obstáculos. Médicos, políticos conservadores e empresários terminam boicotando os serviços de atendimento primário e de prevenção. As multinacionais farmacêuticas e os grupos interessados em produzir e lucrar com uma tecnologia inadequada são inimigos dos programas de atendimento primário. (Serrano, p. 68).
Governos autoritários não se sentem comprometidos com a população e para permanecer com o poder realizam apenas programas sociais que vão ao encontro das minorias com algum poder e expressão. Estas precisam ser agradadas. E como em matéria de saúde esta pequena porcentagem normalmente está bem, desenvolvem-se programas assistencialistas e paternalistas. A partir da instalação do Regime Militar em 1964 vieram profundas transformações na sociedade brasileira, também no que diz respeito à saúde. Muitas doenças, conhecidas como doenças de países pobres (sarampo, verminose, tuberculose, pneumonia, lepra, doença de Chagas, coqueluche, desidratação, desnutrição, alto índice de mortalidade infantil, etc.) aumentaram e a política da saúde adotada estava longe das necessidades reais da população. Cada vez mais aquilo que, sob outro regime político mais humano, poderia ser considerado como uma contribuição vinda da cultura popular, (…) no contexto brasileiro é negado pelo Estado autoritário. Nas universidades deu-se prioridade ao ensino de uma medicina sofisticada, para as doenças que representavam uma pequena incidência. As doenças simples não são combatidas coletivamente. Disso resultou uma grande dependência da nossa economia à tecnologia importada, uma dependência cultural e um agravamento da saúde da nossa população. (Elda R. de Oliveira, p. 55).
II — As nossas doenças
Convivemos com dois tipos de doenças: as típicas de países pobres, mencionadas antes, e as típicas de países industrializados e ricos (câncer, doenças do coração e dos vasos sanguíneos, pressão alta, arteriosclerose, stress, diabete, distúrbios neuróticos). Em nosso país convivem os desnutridos com os que têm problemas cardiovasculares por excesso de alimentação. No mínimo a metade da população brasileira tem verminoses e quem se alimenta mal tem dificuldades de resistir aos vermes — 40% da população é subnutrida. A má nutrição é a grande causa da alta taxa de mortalidade infantil e ela baixa a resistência do corpo para reagir diante de doenças infecciosas. A falta de dinheiro, hoje, é o maior fator determinante de doenças. A fome baixa as resistências do organismo e abre as portas aos micróbios e parasitas invasores. Devido ao baixo poder aquisitivo também faltam o socorro médico e os remédios. O baixo padrão de vida coincide sempre com a ignorância sobre o corpo, sobre o modo pelo qual as doenças se transmitem e sobre como reagir a elas. (Serrano, p. 59).
A nossa medicina, a denominada oficial ou erudita ou científica, é curativa e extremamente cara. A população tem acesso desigual aos serviços médicos, pois a sociedade é desigual. A classe economicamente privilegiada utiliza os médicos particulares; a classe média e a baixa recorrem, se conseguem, aos serviços prestados pela previdência do Estado (INAMPS) e/ou outros postos de saúde. Este atendimento é insatisfatório. E a população rural ainda hoje em muitos lugares não recebe nenhum amparo médico. Os convénios entre FUNRU-RAL e os sindicatos de trabalhadores rurais têm servido mais para desvirtuar a verdadeira função do sindicato, que é um órgão de luta de classe e não órgão assistencial atrelado ao governo central.
III — As nossas soluções
O atual sistema nacional de saúde não está mais satisfazendo a ninguém. Percebe-se também que soluções reais não vão chegar com simples mudanças técnicas. As necessidades populares, a situação da grande maioria, estão abrindo novos caminhos e apontando para saídas. A flora medicinal está sendo muito pesquisada; os remédios de origem vegetal e a homeopatia estão conquistando, embora lentamente, cada vez mais seu lugar. E enquanto não for realizada uma verdadeira reforma social que traga distribuição justa de renda e acesso aos elementos básicos para uma vida digna, a população recorre aquilo que está ao seu alcance e ali descobre, cada vez mais, novas alternativas, ou melhor, redescobre uma medicina mais natural e próxima. A explosão entusiástica da homeopatia, da acupuntura, da fitoterapia (emprego de remédios de origem vegetal) e de outras práticas ditas alternativas se dá por uma só coisa: nestas práticas o paciente tem voz. Nelas, o discurso do doente não é só tolerado: ele passa a ser fundamental. Quem busca estas alternativas está descontente com o frio, o silêncio e talvez até com a brutalidade do atendimento médico comum. A boa relação entre médico e paciente alivia a cura. (Serrano, p. 95). O sistema médico tradicional não se preocupa com a vida afetiva, social e cultural do paciente. Por isso há essa grande procura aos profissionais de cura popular: raizeiros, ervateiros, parteiras, arrumadores de ossos, curandeiros. As atividades desses profissionais normalmente nada têm a ver com charlatanismo ou obscurantismo. É a administração de uma ciência popular que é eficaz, humana e, por isso, social.
IV — Considerações exegéticas sobre Mt 12.22-28
Após pregação (caps. 5-7) e ação (caps. 8-11), Jesus começa a sentir a reação dos seus adversários (todo o capítulo 12). Em 12.14 os fariseus tomam a decisão de eliminar Jesus, pois não suportam seu questionamento por um lado, e sua fama junto ao povo, por outro lado. A elite quer matá-lo, ao passo que a multidão o segue (v. 15). A fama junto ao povo aumentou com uma cura (interessante que não é falado em exorcismo, mas em cura), expressamente qualificada como sendo um caso grave e complexo. A reação foi tão grande que o povo chegou a ficar fora de si (admiração conforme Almeida, é fraco para expressar a reação). Eles entenderam que nesta pessoa estava se concretizando a profecia de Isaías citada por Mateus nos w. 18-21: o servo de Deus, que cura, que é o Messias esperado, que é o marco de uma nova época, está aí com eles! O Filho de Davi é descrito em Ez 34.23 e 37.25 como o novo Rei, o novo Príncipe. Deus mesmos quer ser seu Pai (2 Sm 7.14ss). Com suas obras Jesus se revela como o Messias prometido. Os seus adversários, e bem no fundo os adversários também do povo, iniciam uma campanha para difamar Jesus rotulando-o de charlatão e feiticeiro — e para feiticeiros a pena era bem clara: morte! A cura não pode ser negada, mas ela é creditada às forças de Belzebu (algo a ver com Baal?), o maior no reino do mal. Há, pois, a compreensão de que um poder reinante e forte quer se contrapor ao poder reinante de Jesus, ou seja, um poder luta contra a realização do Reino de Deus. Os exorcistas judeus, os vossos filhos (v. 27), também expeliam demônios(At 19.13), mas em Jesus o Reino de Deus chegou, e os ouvintes de Jesus, os que vêem suas obras, os que são envolvidos por seus atos, são alcançados pelo Reino de Deus. Dessa proximidade, ou melhor, dessa presença do Reino de Deus testificam todas as palavras e obras de Jesus, como p. ex. as bem-aventuranças (5.3ss), o cumprimento da profecia de Isaías (11.4ss), o perdão dos pecados (9.2) e assim por diante. O que virá (esperança escatológica) já está acontecendo agora na atuação de Jesus. O tempo da graça, esperado por João Batista e outros, está aí, pois os cegos vêem, os coxos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, e aos pobres está sendo pregado o evangelho (11.5). O homem doente não é o homem da criação, e como Deus é Deus criador, ele se interessa pela sanidade corporal de sua criatura. A obra do Messias consistia justamente em anunciar este novo tempo. Jesus quer que o homem em si esteja são e que também sua relação com Deus seja sadia. Esta relação se torna sadia pela fé.
V — Indicações para a prédica
De antemão deve ficar claro que uma prédica e nem mesmo um estudo em grupo (estudo bíblico, grupo de reflexão, outros) pode esgotar o nosso assunto. Podemos, como um primeiro passo dentro de uma longa caminhada, levantar algumas questões e abrir pequenas janelas para que a luz de uma nova realidade (= mentalidade?) possa ganhar chão aos poucos. Transformações ou mudanças não ocorrem, normalmente, de forma abrupta e quando assim ocorrem, precisam de tempo para serem assimiladas e assumidas.
A prédica poderia levantar as seguintes questões:
— O reino de Belzebu(capitalismo ou comunismo? ou os dois e todos os outros ismos? Em si só, nenhum deles, mas podem ser bons veículos!) não quer solucionar a situação do povo como um todo. Ele quer, isto sim, que o homem permaneça doente, isto é, fraco, em desvantagem diante de alguns, ele quer que o homem permaneça surdo, mudo, enfim, que não leia, não refuta, não questione. Enquanto ele estiver nesta situação, ele é presa mansa; enquanto o homem é escravo de qualquer poder, ele não tem a vida que Deus quer.
— A realidade do Reino de Deus é contagiante; ela é tão nova e tão diferente que é percebida e aceita logo pelos mais fracos (1 Co 1.26ss). Todos têm direito a um -lugar ao sol, não apenas alguns poucos; todos têm direito à saúde, não apenas uma minoria: esta é a proposta do texto, esta é a proposta do Reino de Deus.
— No Reino de Deus os cidadãos podem falar por si mesmos e por isso estão livres para articular seus problemas, suas preocupações e também suas alegrias. O homem não precisa mais de porta-voz, de pistolão ou de um superior (político, professor, pastor, esposo, pai) para se fazer ouvir. A nova sociedade, caracterizada pelo milagre da solidariedade e do amor, tem cidadãos livres e Independentes.
— As pressões que a Igreja sofre quando ela se empenha realmente no anúncio da presença do Reino de Deus, ou quando cidadãos desse Reino são ameaçados e difamados, são previstas e não está acontecendo, em si, nada de novo — isto, aliás, é um estado de bem-aventurança(Mt 5.11)! O reino da desordem, da exploração e opressão, o reino da morte sempre vai reagir a toda e qualquer tentativa de cura, de vida sã, de relação sã entre os homens e entre homens e Deus.
Como igreja, ou melhor, como membros de uma comunidade, não procuramos amenizar e apaziguar todas as situações? Não procuramos frear, nos omitindo em muitas ocasiões, justamente para não criar atritos?
— As doenças físicas não podem existir; devem ser combatidas e eliminadas. Os cegos vêem, os surdos ouvem… isto é, o corpo do nordestino (homem, mulher, criança), o corpo do gaúcho e de todos os outros, com ou sem terra, favelados, brancos e negros, o corpo de todos interessa a Deus por Ele ser Deus Criador. E nós cremos na ressurreição do corpo!
VI — Subsídios litúrgicos
1. Confissão de culpa: Misericordioso e bondoso Deus, nosso Pai. Em nossa sociedade há tantos doentes, fracos, oprimidos e marginalizados; também dentro de nossa própria comunidade eles existem. Sabemos que muitos doentes e marginalizados poderiam ser ajudados com soluções bem fáceis e praticáveis por todos nós, mas nada ou muito pouco fazemos. Sabemos que a fome mata diariamente milhões de crianças, também na nossa cidade (local) — aqui há muitas crianças que não têm o suficiente para comer e por isso elas nunca vão ser fortes. O nosso comodismo é grande demais. Deixamos de fazer o bem, deixamos os necessitados em sua situação e nos preocupamos em demasia conosco mesmos. Transforma-nos e perdoa-nos quando te pedimos: Tem piedade de nós, Senhor!
2. Oração de coleta: Tu nos reuniste, Senhor, e aqui estamos como tua comunidade. Queremos te agradecer por este domingo, por este culto e também pela possibilidade de podermos ter vindo. Diversos membros de nossa comunidade não puderam vir por causa de doença: lembra-te deles, Senhor, e leva-nos a eles após este culto para que o nosso culto a ti seja completo e verdadeiro. Dá-nos força e orientação a fim de que sejamos renovados pelo poder do teu Espírito. Por Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador. Amém.
3. Oração final: Pedir pelos que sofrem na comunidade, no local, no país — especialmente nos hospitais; pedir pelos que não têm recursos para consultar um médico, pelos que são explorados por causa da saúde (no trabalho), por sua doença (gastos com médicos e hospitais); pedir pelos que promovem vida e pelos que se empenham por melhores condições de vida, para que tenham persistência e que esse número aumente; pedir que os governantes decidam com responsabilidade e governem bem, pedir que Deus acompanhe a todos na nova semana e que todos procurem servir através do seu trabalho/profissão.
VII — Bibliografia
– GOPPELT, L. Teologia do Novo Testamento, v. 1, 2ª. ed., São Leopoldo / Petrópolis, 1983.
– GRUNDMANN, W. Das Evangelium nach Matthäus. In: Theologischer Handkommentar zum Neuen Testament, v. 1,5ª. ed., Berlin, 1981.
– HOEFELMANN, V. Meditação sobre Posto de Saúde: Vitrine da miséria – Mc 3.1-6. In: Proclamar Libertação, v. 10, São Leopoldo, 1984.
– OLIVEIRA, E.R. de. O que é Medicina Popular. In: Coleção Primeiros Passos, v. 125, São Paulo, 1984.
– Saúde e educação popular. Cadernos de Educação Popular, v. 7, Petrópolis, 1984.
– SCHWEIZER, E. Das Evangelium nach Matthäus. In: Das Neue Testament Deutsch, v. 2, Göttingen, 1979.
– SERRANO, A.l. O que é Medicina Alternativa. In: Coleção Primeiros Passos, v. 19, São Paulo, 1985.
– STRECK, E.E. Meditação sobre Lucas 11.14-24. In: Proclamar Libertação, v. 6, São Leopoldo, 1980.