Tema: Vida — celebração da esperança em meio à morte.
Explicação do tema
A vida e fortemente determinada pelo mundo que a cerca. À sua volta estão constantemente forças que a ameaçam, exploram, oprimem. É a não-vida, contrária à vontade de Deus. Estas forças são manipuladas no interesse de poucos, criando a alienação frente à realidade.
Para o cristão, mesmo em meio a tudo isso, a vida tem sentido e este é determi nado a partir do agir de Deus em favor do homem. Em Cristo Deus liberta o homem das forças propagadoras de não-vida, de morte, colocando-o a seu serviço em favor do semelhante.
Comunidade é celebração em comunhão e açãoem favor do agir de Deus, antecipando sinais de vida plena do Reino vindouro.
Texto para a prédica: Salmo 138.1-8
Autor: Harald Malschitzky
I — A vida
O fenômeno vida não é fácil de descrever. Antes de mais nada porque a vida, tomada como um todo que inclui também plantas e animais, é muito diversificada, pois temos desde a vida mais rudimentar e simples em sua forma e aparência até à mais complicada. E hoje, mais do que nunca, não se pode mais falar da vida do ser humano, como se ela pudesse existir sem o conjunto de outra vida em que ele está inserido. Ora, por demais vezes e por tempo longo demais, o homem proclamou e agiu de acordo com o discurso; que a sua vida é uma vida suprema o que lhe conferia o direito de destruir pura e simplesmente todo o outro tipo de vida. Entremeio a realidade em que vivemos nos mostra que a vida que o homem destróí tem um efeito sobre ele mesmo. Há uma interrelação entre a vida das pessoas e o restante da vida animal e vegetal. O homem não pode viver em uma redoma, isolado do resto do mundo. Ele está inserido na vida maior e dela depende irreversivelmente.
Se a vida como um todo é de uma variedade imensa, também a vida do próprio homem, da própria pessoa humana, pode ser encarada por prismas dos mais diversos e apresenta características muito variadas.
O ser humano é uma interação de corpo, alma e espírito. Estas partes são inseparáveis, elas são interdependentes. Por isso mesmo não é suficiente ao ser humano estar apenas vivo, isto é, ainda ter um sopro de vida. Para viver ele precisa de muito mais coisas. Talvez nos seja uma ajuda alinhar ao menos alguns dos fatores, das coisas que são necessárias para que a vida seja vida na acepção da palavra. Vejamos:
1. Para viver, é necessário um espaço físico. É fato consumado que a pessoa (como a maioria dos animais) tende a se acostumar em espaços sempre menores, o que não deixa de ter o seu lado positivo. Entretanto, para viver é necessário um certo espaço para movimentação. Este espaço pode ser representado pela moradia, por um pátio, por áreas comuns de lazer, por áreas verdes.
2. Para poder viver, o ser humano precisa poder defender-se contra as adversidades do clima, isto é, ele precisa se vestir adequadamente e construir a sua moradia de acordo com o clima, a fim de ficar protegido.
3. O homem precisa de um mínimo de alimentação para que a sua vida e saúde estejam salvaguardadas. Para tanto ele precisa de quantias mínimas de vitaminas, proteínas, calorias etc. Sem isso a sua vida regride, seu corpo e sua mente enfraquecem, a vida, enfim, entra em retrocesso.
4. Para viver, o homem precisa de outras pessoas ao seu redor, pois não é bom que o homem esteja só (Gn 2.18). Aqui têm lugar a família, os vizinhos, os amigos, os colegas de trabalho e de lazer. Eles todos são mais do que apenas um acaso. Eles são, isso sim, imprescindíveis para uma vida plena.
5. Para viver, o homem precisa de espaço para amar, sorrir, brincar, chorar. Em outros palavras: É preciso que a pessoa possa externar tudo aquilo que vai dentro dela e que ajuda decisivamente a determinar a sua vida.
6. Para viver, o ser humano precisa de liberdade. Não de uma liberdade irresponsável que ocupa espaços e que participa da VIDA e dos destinos de toda a sua sociedade, pois ela também como um todo terá seus reflexos sobre a vida do indivíduo.
7. Para viver, a pessoa precisa ter a possibilidade de escolher o lugar onde lhe é melhor morar e a atividade que mais lhe convém como trabalho para o sustento.
8. Para poder viver, a pessoa precisa ter a chance de se ocupar, Seja no trabalho (este deveria ser o seu direito inalienável!), seja no lazer.
9. Para viver, o ser humano precisa ter a chance de cuidar de sua saúde, seja se precavendo para que não seja atingido por doenças, seja tratando os males que o acometem a fim de restabelecer a saúde.
10. Para viver o ser humano deve ter a liberdade de praticar sua religião. Portanto, o espaço religioso lhe deve estar disponível, por mais estapafúrdia que a respectiva religião nos possa parecer.
Sem dúvida poderíamos continuar a enumeração e pode ser até que alguns detalhes de grande importância tenham ficado de fora. Mas aqui não se pretende ser completo. Importante é nós vermos a gama de detalhes que fazem parte da vida, é notarmos que estamos diante de um fenômeno muito complexo, tanto que soluções simplistas são muito baratas para ir de encontro a uma vida que é tão complexa. Vida plena é muita coisa e falar da vida envolve estas muitas coisas, também quando se fala da vida na igreja, ou justamente então!
II — Fatores de não-vida
Se, por um lado, se sabe que muitos fatores fazem parte da vida plena e são necessários para uma vida plena, por outro lado se sabe e se experimenta diuturnamente que há uma infinidade de fatores que impedem ou tentam impedir a vida plena. Tentemos detectar alguns deles em uma relação paralela aos fatores necessários à vida.
1. O espaço para a vida está cada dia mais mal dividido. Uns têm muito espaço, demais espaço até, outros nenhum; uns têm acesso a áreas de lazer grandiosas, outros nem praças têm; estacionamentos para automóveis vem sendo mais importantes do que área de descanso e lazer para as pessoas. Poucos têm muito mais espaço do que conseguem usar, outros terão, quando muito, os sete palmos de terra, a única parte que lhes cabe neste latifúndio (Vida e morte severina).
2. A não-vida se manifesta de forma agudérrima na questão da moradia, pois enquanto sempre menos têm casas boas e grandes, por vezes grandes demais, sempre mais gente mora em barracos, debaixo de pontes, ao relento. A indústria do vestuário têm mais interesse em vender muito do que em proteger o corpo das pessoas. A moda comanda o espetáculo e só quem tem dinheiro é que consegue se vestir. Para muitos — uma minoria sem dúvida — vestir-se significa andar rigorosa mente na moda, pois esta é ostentação e define o status. Que a par dis¬so bilhões de seres humanos não têm com que proteger os seus corpos, isso não é levado em conta. Uma vez por outra, os mesmos que desfilam modas fazem uma campanha do agasalho!
3. Os alimentos que a terra produz hoje se destinam muito mais ao lucro de alguns do que para a alimentação da humanidade. Assim os países desenvolvidos têm problemas com o que fazer com o seu excesso de comida (a Alemanha tem, por exemplo, verdadeiras montanhas de leite e manteiga estocados); são produzidas comidas e bebidas que não servem para alimentação básica, mas que dão muito lucro para quem os produz e coloca no mercado. Como se tudo isso não bastasse, enquanto alguns morrem porque comem demais (aí surgem o colesterol 1, a obesidade, doenças cadíacas etc;), outros — e estes são muitos! — morrem de fome e desnutrição.
4. Há pessoas que estão solitárias porque são marginalizadas da sociedade: temos velhos, crianças abandonadas, jovens sem rumo e sem destino; temos pessoas sós e solitárias pelo mundo afora.
5. Há tantos lugares em que poderosos, governantes, costumes e tradições não permitem que alguém se desvele, diga o que vai dentro dele, demonstre sua alegria, suas tristezas e frustrações. Tantas vezes, porém, também não há quem esteja disposto a ouvir e partilhar solidariamente a alegria e o sofrimento do outro.
6. A liberdade do homem é cerceada das mais diversas maneiras: por regimes autoritários de governo, por grupos de pessoas, por situações sócio-econômicas, por preconceitos.
7. A sociedade moderna já não permite que o ser humano trabalhe naquilo que é a sua vocação, aliás, uma das propostas de Lutero. Hoje é necessário trabalhar em qualquer coisa para poder ganhar o seu sustento. A esmagadora maioria dos seres humanos não desfruta do direito de escolher o seu trabalho; mas uma maioria tão grande também não tem mais direito de escolher onde morar, pois está amontoada em barracos e porque a terra, o chão, é objeto de especulação tanto no campo como na cidade.
8. Na medida exata em que a técnica é sofisticada e a máquina é desenvolvida, os seres humanos perdem o seu lugar de trabalho. Hoje o mundo está às voltas com verdadeiros exércitos de desempregados, sobretudo das classes menos favorecidas e mais carentes de trabalho e profissão.
9. Não bastasse a poluição do meio-ambiente, os venenos que agridem as pessoas nas fábricas e no campo, só minorias têm acesso à medicina para cuidar de sua saúde: Toda a sofisticação da medicina existe em favor de poucos que têm dinheiro para pagá-la. Além disso, na medida em que aumenta a fome e a desnutrição, aumentam também as doenças.
10. A liberdade religiosa não raro é cerceada porque os respectivos governantes ou grupos estão interessados em que a sua religião tenha exclusividade, porque ela servirá de meio para manipular as pessoas. Tantas e tantas vezes religião, ideologia e poder andam de mãos dadas.
III— Celebrar a vida
Se compararmos o que é necessário para viver, para a vida, com todos os elementos que atrapalham ou até destroem vida, os fatores de não vida, a proposta de celebrar a vida parece até absurda. Celebrar o quê?
Ora, o testemunho bíblico nos ensina que a vida é propriedade de Deus, também e justamente aquela vida que não pode desabrochar, que não pode ser, nem de longe, uma vida plena. Justamente os cristãos que têm consciência disso — e todos a deveriam ter! — é que são convocados a celebrar a vida que Deus dá e que Deus mantém.
Mas como celebrar se a maioria da humanidade leva uma vida indigna, uma vida que nega o homem como imagem de Deus?
A celebração da vida tem dois aspectos que precisam ser destacados:
1. Especialmente os cristãos têm a tarefa de celebrar a vida diante de Deus, uma celebração com alegria e com gratidão. Sobretudo em nosso mundo auto-suficiente isso se tornou difícil, pois agradecer e celebrar implica em que as pessoas se satisfaçam com o necessário para viver. Em outras palavras, celebrar a vida implica em humildade e simplicidade.
2. Celebrar a vida é, simultaneamente, protestar contra tudo aquilo que é não-vida, contra tudo que encurta, atrapalha ou destrói a vida plena. Mas celebrar implica em mais, implica em empenhar-se peIa vida e por tudo o que promove vida e pelo que é necessário para a vida. Se é verdade que também a não-vida é produzida, em boa parte, é produzida por pessoas, grupos ou sistemas, então celebrar a vida é protestar contra estes. Em outras palavras: afirmar que a vida é de Deus, é dizer com clareza que ela não é de outro, seja ele lá quem for. E aqui parece que não há meios termos. Aliás, é Jesus quem diz que não se pode servir a dois senhores (Mt 6.24). Embora esta passagem esteja em outro contexto, me parece que ela vale também aqui.
IV — O texto do Salmo 138
1. O gênero
Este salmo tem duas características que servem para identificara sua categoria. Ele é um salmo individual, pois é uma pessoa que o canta ou recita e ele é um salmo de louvor (Westermann, p. 72). Uma pessoa agradece a Deus por uma ajuda de que fora alvo e no seu louvor renova a sua confiança em Deus. Mas, se é um indivíduo que está agradecendo, isso não significa que se trate de uma ação individualista, que o louvor transcorra só do sal mista para Deus. O lugar do louvor é o culto e o culto se celebra em comunidade. A pessoa salva convidava amigos e parentes e provavelmente toda a aldeia (Gerstenberger, p. 124; cf. tb Barth, p. 23). Embora o indivíduo tenha sido salvo de uma situação difícil, embora ele queira louvar e agradecer a Deus, a comunidade está envolvida, porque é nela que o indivíduo está inserido.
2. O conteúdo
Vv. 1-3: Inicialmente temos palavras de incentivo para que o Senhor seja louvado; elas são simultaneamente um incentivo para o próprio indivíduo e um convite para a comunidade celebrar e louvar. É interessante como o salmista louva à medida que procura dizer de sua salvação, á medida que relata a ação de Deus. Em nosso salmo os termos são generalizados tanto que é difícil identificar com exatidão o que afinal estava ameaçando a vida do indivíduo. Poder-se-ia, eventualmente, pensar em doença grave que lhe tirou as forças para viver (Kraus, p. 1087). Mas o importante para o salmista é testemunhar que ele foi salvo de uma situação em que a sua vida estava ameaçada. E esta salvação é que provoca o louvor no salmista; nas palavras de Wetermann: Loben wacht am Handeln Gottes auf (O louvor nasce no agir de Deus) (p. 72).
Causa espécie a afirmação de que o salmista deseja louvar a Deus na presença de outros deuses (a tradução de Almeida poderosos, embora não erre o sentido, não é fiel). Para ouvidos puristas o simples fato de se falar em outros deuses já é problemático. Pode ser, porém, que este salmista está sob o impacto da mensagem de Deuteroisaísas que anunciava o agir poderoso e constante de Javé em meio e à revelia de todos os outros deuses que, diante de Javé, empalidecem e perdem totalmente a sua força. Israel tem o privilégio de ser testemunha deste agir de Deus (Is 43.10; 44.8) (cf. Kraus p. 1088-1089). O simples fato de ser anunciada a ação salvadora de Javé já destrona e tira o poder dos outros deuses.
Aqui aparece uma formulação interessante, pois o salmista afirma louvar o nome do Senhor, nome que, junto com a palavra, está acima de tudo. Ocorre que na tradição e compreensão do oriente o nome é mais do que apenas uma designação. Embutido no nome, por detrás do nome, se esconde a essência do próprio ser que o designa. É por isso que na língua hebraica, para que o nome de Javé não pudesse ser usado de forma vã pelos gentios, ele é ilegível (cf. Grether, § 19, d; cf. tbém Kraus, p. 1089). Louvar o nome é pois idêntico a louvar o próprio Deus (Lembro que em nossa linguagem litúrgica por vezes se pode topar com uma formulação assim. Me parece, porém, que hoje ela é uma linguagem empolada e distante do ouvinte moderno).
No final do v. 3 o salmista tenta apontar para o tipo de salvação que teve da parte de Deus. Mesmo assim não fica evidente o bem concreto. Pode-se pensar em doença grave ou também nos inimigos (v. 7). Em todo caso sua vida estava ameaçada por fatores de não-vida.
Vv. 4-6:0 universalismo que se expressa aqui pode até parecer arrogante, pois é de se perguntar quem dá direito a alguém de afirmar que todos os reis da terra irão louvara Deus. Por outro lado certamente não se poderia afirmar que se trata apenas de uma força de expressão. Em primeiro lugar trata-se de uma espécie de decorrência dos vv. anteriores, pois se os outros deuses perdem o seu poder diante do Senhor, então isso lhe empresta toda a universalidade imaginável. Mas há ainda uma outra questão a ser ponderada: Sem dúvida se pensa, antes de mais nada, no rei Davi e seus descendentes e, em decorrência disso, também nos outros reis da terra. A partir de Israel se proclama a universalidade de Javé e o salmista é uma testemunha disso. Esta universalidade não é algo usurpado, mas é o reconhecimento a partir da experiência de que Deus olha e se interessa pela vida que está em perigo, pelo pequeno, pelo que corre risco. A ajuda concreta em casos isolados e individuais já é prova cabal de que Deus tem poder universal.
Aliás, esta condescendência de Deus vai além do que a gente pode compreender e a fornia mais adequada de falar desta realidade, é o louvor no culto.
Vv. 7-8:0 que o salmista já experimentou e o que ele agora louva diante e com a comunidade, lhe dá certeza de que Deus não o abandonará jamais. É a partir desta certeza que o salmista pede que o Senhor não abandone o caminho que começou com o indivíduo è com as obras de tuas mãos (v. 8b). Kraus (p. 1090) lembra com propriedade que aqui não se deve pensar em uma pessoa que está empolgada e que agora fala a partir de emoções fortes, mas de alguém que está dentro de toda uma tradição que testemunha a salvação por parte de Deus, que arrisca colocar-se como testemunha diante de deuses e de reis.
Louvar a Deus, ainda que como indivíduo, não é um ato individualista. Louvar envolve a comunidade. Mas, louvar implica em que não se tenha medo nem de deuses e nem de poderosos; louvar significa que todos eles são relativizados e que também os reis tem o seu po¬der limitado por Deus, pois quem arrisca o louvar sabe da própria limitação. Afirmar que Deus está acima de deuses e reis, é ter liberdade em relação a todos os poderosos no céu e na terra (cf. Rm 8.31-39!).
V — Meditação
O salmista agradece pela vida que Deus lhe salvou. Embora não sejam precisados os fatores concretos que a ameaçavam, sabe-se que sua vida se encontrava em perigo real. A não-vida manifestou-se concretamente na vida de uma pessoa é pela ajuda de Deus acabou sendo vencida. A vida triunfou sobre a não-vida. Este evento precisa ser celebrado com a comunidade, com os familiares, com os amigos. E celebrar a vida é mais do que fazer palavras bonitas; é, isso sim, confiar em que também no futuro o Senhor estará zelando pela vida, vencendo todas as tentativas da não vida.
Nós estamos a mais de dois milénios do salmista. Entretanto a história da humanidade, à revelia de todas as atrocidades e todas as demonstrações de poder da não-vida, está pontilhada de sinais da presença e da ação de Deus. Dentro desta ação contínua, porém, há um evento que modificou o curso da história: É a ação concreta de Deus em Jesus Cristo. Aqui Deus interferiu de forma radical no mundo e em favor da vida; aqui a expressão mais violenta da não vida, a própria morte, foi vencida (1 Co 15). É a partir daqui que temos que compreender todos aqueles que se engajaram e engajam em favor da vida; é a partir daqui que se tornam transparentes as palavras de Paulo em Rm 8.31 ss.
Os cristãos são convocados a ingressarem no coro daqueles que celebram a vida; eles são convocados a testemunhar a alto e bom tom a sua confiança de que é Deus que salva e continua salvando a vida. Este gesto tem um misto de humildade e ousadia (Kidner, p. 470), pois se de um lado reconhece que a vida vem de Deus e dele também toda a ajuda, de outro ele deixa claro que ninguém tem poder além de Deus, que é poder absoluto e último. Isso é uma espécie de irreverência em relação a tudo que tem ou que julga ter em suas mãos o poder sobre as pessoas.
Entrar no coro que louva a Deus é perder a reverência pelos poderosos do céu ou da terra. Isso não precisa ser logo uma assertiva anarquista, pois respeitar quem governa ou quem tem poder de liderança não pode e não deve significar uma obediência cega e de cadáver. Irreverência aqui significa uma grande liberdade para a vida, uma libertação que a partir de Deus e diante dele, coloca tudo nos devidos limites e na devida relatividade, também os poderosos, quaisquer que sejam os seus nomes. Entretanto, este simples ato de irreverência é agressivo ao mesmo tempo, em razão do que ela pode ser também pe-rigosa, ninguém se iluda.
À revelia de tudo somos instados a celebrar a vida em comunidade e com comunidade. A partir deste celebrar e por causa deste celebrar, somos enviados a celebrar a vida também no mundo. No centro do culto e da celebração em culto, com um de seus pontos altos, está a celebração da Ceia do Senhor; esta celebração nos remete para o mundo dos homens, para a vida, para o meio da não-vida a fim de celebrar a vida (Mt 5.13).
VI — Sugestões para a prédica
A prédica poderia seguir um esboço muito simples:
1.O que é necessário para a vida? (item l).
2. A não-vida que se manifesta (item II).
3. Celebrar a vida é necessário (item III).
4.O salmo 138 — expô-lo em poucos traços.
5. Implicações da celebração da vida (item V).
Creio que seria possível fazer uma prédica dialogai e participativa desde que o grupo não seja muito grande. Ora, todas as pessoas vivem e sentem tanto as forças da vida como as forças da não-vida nas lides de cada dia. Os passos poderiam ser os mesmos, mas os próprios participantes iriam arrolar os pontos e ilustrar situações concretas da vida com cenas e causos.
Finalmente, para concretizar tanto um como o outro tipo de pregação, poder-se-ia, por exemplo, contar alguma pequena cena do que se passa na Nicarágua, onde vida e não-vida se digladiam furiosamente e em seguida ler um dos salmos de Ernesto Cardenal (infelizmente o 138 não consta em seu livro, mas poderia ser lido, p. ex., o 113 ou o 148) que procuram mostrar o que significa dizerem situações concretas e perigosas que Deus é Senhor e como este louvor pode ser expresso (SI 148).
VII — Subsídios litúrgicos
1. Intróito: Celebrai com júbilo ao Senhor, todas as terras. Servi ao Senhor com alegria, apresentai-vos diante dele com cântico (SI 100.1-2).
2. Confissão de pecados: Senhor, nosso Deus e Pai: Confessamos diante de ti que na vida de cada dia esquecemos que tu és o doador e mantenedor da vida em todos os lugares e por isso esquecemos também de louvar-te e agradecer por ela. Deixamos de celebrar a vida e nos tornamos cegos para tudo aquilo que prejudica e mata a vida das pessoas, especialmente dos que já são mais fracos. Pedimos que tu nos dês corações agradecidos e nos ensines a celebrar a vida a fim de que pela vida nos empenhemos. Tem piedade de nós, Senhor.
3. Oração de coleta: Agradecemos-te, Senhor, pela oportunidade de nos reunirmos em culto a ti. Pedimos que tu estejas conosco agora e que nos dês a capacidade de reconhecer o teu amor e a vontade de celebrar a vida que tu nos dás. Por Jesus Cristo, que contigo e com o Espírito Santo, vive e reina de eternidade a eternidade. Amém.
4. Sugestões para a oração final: Interceder pela vida em geral, a vida dos homens, dos animais e das plantas; interceder por um mundo no qual é possível todos viverem em harmonia; interceder por coragem para celebrar a vida e nos empenharmos em favor da vida e contra toda a não-vida; pedir por todos aqueles cuja vida está ameaçada neste momento, seja em países, localidades, áreas, ou sejam pessoas em particular; renovar a confiança de que Deus zela pela vida e cuida dela. Agradecer pela vida que Deus renova a cada dia.
VIII — Bibliografia
– BARTH, C. Einführung in die Psalmen. In: Weber, O. et alii. ed. Blblische Studien, v. 32, Neukirchen, 1961.
– CARDENAL, E. Salmos, Rio de Janeiro, 1979.
– GERSTENBERGER, E. Salmos. In: Série Exegese, v. 2, fase. 2, São Leopoldo, s.d.
– GRETHER, O. Hebräische Grammatik fuer den akademischen Unterricht, 4.a ed., München, 1967.
– KlDNER, D. Salmos 73-150 — íntrodução e comentário. In: Série Cultura Bíblica, São Paulo, 1981.
– KRAUS, H.J. Psalmen 60-150. In: Hermann, S. et Wolf f, H.W. ed. Biblischer Kommentar: Altes Testament, v. 15, tomo 2,5ª. ed. corrigida, Neukirchen, 1978.
– POULTON, J. A celebração da vida, Rio de Janeiro, 1983.
– WEISER, A. Die Psalmen. In: Herntrich, V. et __. ed. das Alte Testament Deutsch, v. 14/15,5a. ed., Gottingen, 1959.
– WESTERMANN, C. Das Loben Gottes in den Psalmen, Göttingen, 1954.