Prédica: João 1.35-42
Autor: Werno Stiegemeier
Data Litúrgica: 5º.Domingo da Trindade
Data da Pregação: 19/07/1987
Proclamar Libertação – Volume: XII
l – Introdução
O mundo em que vivemos passa por constantes transformações. As novas descobertas no campo científico são inúmeras. Enquanto uma máquina ou aparelho é colocado no mercado, outros, ainda mais sofisticados, já estão sendo projetados e inventados. Em nenhuma época da história da humanidade o avanço tecnológico e científico aconteceu com tanta rapidez como hoje. Também os meios de comunicação são aperfeiçoados constantemente. Através da televisão o mundo inteiro pode acompanhar, ao vivo, o que está acontecendo em qualquer parte do globo terrestre.
Os meios de comunicação de massa são pouco usados pela Igreja. Isto, por um lado, tem levado pessoas a afirmar que a Igreja sempre está atrasada. Por outro lado, porém, pastores e outros líderes lamentam o fato de o acesso à televisão ser tão difícil, pois através dela seria possível atingir muito mais pessoas; também aquelas que não frequentam os cultos e outros encontros oferecidos pela comunidade. Enquanto nós não temos acesso ao mais poderoso veículo de comunicação, outros se utilizam para transmitir suas ideologias e filosofias. Consequentemente tememos que sempre mais pessoas venham a se afastar de Deus.
Na época em que Jesus andava pelas estradas da Palestina, nenhum destes modernos meios de comunicação existia. E mesmo assim ele atingiu milhares de pessoas com a sua mensagem. O único meio existente era o da comunicação direta, de pessoa a pessoa. Será que este está ultrapassado? De forma alguma! O contato de pessoa a pessoa sempre será importante. O homem não é máquina, não é robô que pudesse se acostumar a uma comunicação fria e impessoal. Ele traz consigo a necessidade do diálogo, do relacionamento e da convivência com outras pessoas. O ser humano precisa de carinho, de afeto, de amor. E estes só podem ser transmitidos no contato direto entre pessoas. É por isto que o primeiro método usado para fazer discípulos, jamais será ultrapassado. Talvez devemos redescobrir novamente a importância da comunicação de pessoa a pessoa. Certamente nossas comunidades também deverão redescobrir de novo que a tarefa de anunciar a mensagem da salvação não pode ser delegada somente a alguns profissionais, considerados competentes por terem estudado Teologia. Em inúmeros textos do NT nos é mostrado como pessoas testemunharam a respeito de Jesus, logo após se terem tornado seus discípulos. O texto bíblico previsto para o próximo domingo é um deles. Nele nos é mostrado que anunciar a boa nova da salvação é tarefa de todos. Ele também nos leva a valorizar a comunicação simples, mas sincera, que acontece de pessoa a pessoa.
II – Exegese
1. Comparação com os evangelhos sinóticos
Nos evangelhos sinóticos o encontro de Jesus com seus primeiros discípulos é narrado de uma forma bem diferente (cf. Mc 1.16-20 par.). O que João tem em comum com eles se resume ao nome de dois irmãos, André e Pedro. Limitamo-nos a mencionar as principais diferenças:
a) Conforme o quarto evangelista, o encontro de Jesus com seus primeiros discípulos acontece antes da prisão de João Batista. É ele mesmo quem os encaminha a Jesus. Os outros evangelistas situam a vocação após a prisão do Batista e desconhecem o fato de alguns deles terem pertencido ao círculo de seus discípulos.
b) João não expressa claramente, como os sinóticos, que os discípulos abandonaram, na hora da vocação, sua profissão anterior.
c) Nos três primeiros evangelhos Jesus se encontra com seus futuros discípulos e os convida a segui-lo. São, portanto, vocacionados por ele. Em nosso texto eles seguem a Jesus sem que ele os tivesse chamado; foram motivados pelas palavras dos que já o haviam encontrado.
2. Análise do texto e reflexão teológica sobre aspectos importantes
No estudo da presente perícope vamos seguir os passos que a sua estrutura nos oferece:
a) Vv. 35-37: João Batista motiva dois de seus discípulos a seguir a Jesus
b) Vv. 38 e 39: O encontro dos dois discípulos com Jesus
c) Vv. 40 e 41: André fala a seu irmão a respeito do Messias
d) Vv. 42: O encontro de Pedro com Jesus.
a) Vv. 35-37: João Batista testemunhara diversas vezes a respeito de Jesus (vv. 15-34). Em nossa perícope ele volta a repetir seu testemunho. Desta vez, no entanto, há um significativo progresso em relação aos acontecimentos anteriores: Dois de seus discípulos são motivados a seguir a Jesus. Isto sucede no dia seguinte. Esta expressão apenas possui a finalidade de separar a presente cena das anteriores. Primeiro João só testemunhara, no dia seguinte ele encaminha dois de seus discípulos a Jesus.
É assim, portanto, que inicia o discipulado. Alguém fala de Jesus, aponta para ele e chama a atenção sobre a importância de sua pessoa. O ouvinte, por sua vez, se deixa motivar. Ele quer saber mais a respeito de Jesus. Por isto começa a segui-lo.
Vejamos bem como foi que tudo aconteceu. Jesus, um homem aparentemente igual a todos os outros, passa. Nada o distingue dos demais. É apenas um caminhante que passa. Para revelar a sua verdadeira identidade é necessária a palavra de outro homem: João Batista. Eis a função da proclamação da Palavra: apontar para Jesus, dizer quem ele é, mostrá-lo como Salvador do mundo. A salvação não está na Palavra, mas ela revela aquele que é o Salvador.
João aponta para Jesus, dizendo: Eis o Cordeiro de Deus (v. 36). Esta é uma formulação mais breve daquilo que ele disse no v. 29. Subentende-se, assim, que o Cordeiro de Deus é aquele que tira o pecado do mundo. O título Cordeiro de Deus lembra os sacrifícios de animais, oferecidos a Deus pelo povo de Israel, com a finalidade de alcançar o perdão dos pecados. À semelhança destes, também Jesus foi sacrificado para a remissão dos pecados. Entre o povo de Israel os sacrifícios sempre de novo precisavam ser repetidos. O sacrifício de Jesus é válido para sempre (cf. Hb 9.11-14).
Com suas poucas palavras João diz o essencial sobre Jesus. Ele veio para libertar a humanidade de seus pecados. Há ainda outros poderes que tentam escravizar o homem; o principal, porém, é o pecado. Ele separa o homem de Deus e de seu semelhante. Ó que o mundo mais precisa é o reencontro com Deus. E este reencontro só é possível quando a culpa, que separa o ser humano de seu Criador, é perdoada. Jesus, o Cordeiro de Deus, possibilita este perdão.
Que fazem os discípulos de João ao ouvir as palavras de seu, até então, Mestre? Eles seguem a Jesus. Os dois desejam certificar-se da veracidade do que lhes foi anunciado. Não querem ser apenas ouvintes. O que ouviram, despertou neles o desejo de terem um encontro pessoal com Jesus. Eles não querem apenas repetir o que lhes foi falado, mas querem fazer sua própria experiência no relacionamento com Jesus. Eis o sentido da proclamação da Palavra também hoje: Que o ouvinte seja motivado para um encontro pessoal com o Salvador. Não basta repetir simplesmente o que outros falaram. Cada qual precisa aprender e fazer suas próprias experiências na escola de Jesus.
b) Vv. 38 e 39: Quando Jesus percebe que o estão seguindo, ele se dirige aos dois com a pergunta: Que quereis? São estas as primeiras palavras de Jesus em João. A pergunta por ele formulada certamente é aquela, a respeito da qual precisa haver clareza quando alguém deseja segui-lo. Os seus seguidores respondem com uma outra pergunta: Rabi, onde moras? E então Jesus os convida: Vinde e vede. Eles o acompanham e ficam com ele por um dia. – Agora gostaríamos de saber algo a respeito do que foi falado e do que aconteceu neste dia. João, porém, nada relata a este respeito. Parece que ele deixa de narrar justamente o mais importante. O diálogo relatado aparentemente gira em torno de assuntos superficiais. O que os dois realmente querem de Jesus não é dito.
Atrás deste diálogo, aparentemente superficial e secundário, descobrimos, no entanto, um significado bem mais profundo. Quando os seguidores de Jesus lhe perguntam onde ele mora, eles estão expressando o desejo por um encontro mais duradouro. Eles desejam tornar-se alunos permanentes do Mestre. Também atrás do convite de Jesus – vinde e vede – há um significado bem mais profundo.
Jesus não convida para que conheçam a casa em que ele mora; ele quer que permaneçam com ele. (Seria esta a vocação em Jo?). Em vez de recebê-los com longas e complicadas explanações teológicas e dogmáticas, ele simplesmente diz: Venham e fiquem comigo. Estou à disposição de vocês. Convivendo comigo, vocês descobrirão quem eu sou.
c) Vv. 40 e 41: Aquele que fez uma grande descoberta o quo passa por uma experiência extraordinária, não pode guardar isto para si mesmo. Ele sente a necessidade de compartilhar esta alegria com outras pessoas. É o que faz André após o encontro com Jesus. Achamos o Messias” – diz ele a Simão, seu irmão. Como João Batista, assim também André não chama a atenção para si mesmo. Não é a sua experiência com Jesus que está no centro, e sim a pessoa de Jesus.
Interessante é observar que o autor do quarto evangelho procura mostrar como a proclamação da Palavra e o testemunho cristão tem continuidade. João reconhece em Jesus o Cordeiro do Deus. Através dele André se torna seguidor de Jesus. Este, por sua vez, levou seu irmão a Jesus. Vemos, assim, como um discípulo de Jesus logo motiva outros para também se encontrarem com o Salvador.
d) V. 42: Jesus muda o nome de Simão. Ele será chamado Cefas – Pedro, na língua grega. O que leva Jesus a proceder desta maneira? Estará ele vendo as aptidões especiais de Pedro? Já que Jesus o conhece, talvez descobriu nele as qualidades que são necessárias para ser um grande apóstolo… Não. Certamente não é assim. A mudança do nome antes indica para o fato de que, para poder ser um mensageiro, ele deverá ser transformado por Jesus. Como Jesus modifica seu nome, assim ele também o transforma em outra pessoa. Jesus mesmo o qualifica para poder ser pedra, rocha. As suas qualidades naturais nos são conhecidas. Pedro se mostra forte e corajoso, mas na hora em que importa sê-lo realmente, ele fracassa. É somente pela graça e o poder transformador de Jesus que ele pode ser um dos grandes apóstolos de Cristo.
Ill – Meditação
Tanto na Introdução como também em algumas partes da Exegese já procuramos refletir o texto em direção à situação atual das comunidades e da Igreja. A Meditação, portanto, de certa forma nos vem acompanhando desde o início do presente estudo. Mesmo assim vamos sublinhar e aprofundar aqui ainda alguns aspectos:
1. O compromisso da Igreja, das comunidades e de cada cristão individualmente é anunciar o evangelho de Jesus Cristo e testemunhar a seu respeito. Esta tarefa, porém, não precisa vir acompanhada de preocupações e ansiedade, como se tudo dependesse da ação humana. Não é de nós que depende o futuro da Igreja, nem é tarefa nossa conseguir novos adeptos, a qualquer custo e através de estratégias especiais. O futuro da Igreja está nas mãos de Deus. Ele mesmo garante a sua continuidade e é ele quem está por detrás da proclamação da Palavra e de cada testemunho.
Isto, porém, não significa que podemos nos acomodar. Como seguidores de Jesus Cristo devemos ao mundo o testemunho fiel e sincero da ação salvífica de Deus. A mensagem que temos para anunciar é a mais alegre, a mais importante e a que traz mais esperança e confiança para dentro dos lares em desespero e dor. Por isto devemos colocar tudo a serviço do anúncio desta boa nova de grande alegria. Não podemos perder tempo, nem oportunidades. Talvez até devamos atualizar nossos métodos de comunicação e fazer uso de recursos que a ciência e a tecnologia colocam à nossa disposição. O mais importante, porém, é que o anúncio seja fruto de uma profunda convicção pessoal e que ele seja feito com dedicação, alegria e amor. Acima de qualquer método ou recurso científico está a comunicação de pessoa a pessoa, baseada no amor e na fraternidade (cf. Introdução).
2. Testemunhar a respeito de Jesus é, em princípio, algo muito simples. Alguém acha Jesus e descobre nele a razão de seu viver. A partir do encontro com ele, a sua vida adquire novo significado. Ele reconhece que acaba de encontrar o maior tesouro, pelo qual vale a pena entregar todas as outras riquezas. Esta descoberta precisa ser divulgada, a alegria precisa ser compartilhada. É evidente que nada disto se pode esperar de uma pessoa que está inscrita como membro da comunidade apenas por tradição, só pelo fato de seus pais terem pertencido a uma igreja. Só se pode testemunhar a respeito do que se experimentou mesmo. Quem segue a Jesus, permanece com ele e na sua escola aprende o caminho da verdade e da vida, sente o desejo de passar adiante o que ele recebeu. Quem foi enriquecido, quer que outros também o sejam. Quem encontrou a verdadeira felicidade, a deseja também a seu próximo.
3. O testemunho cristão não consiste apenas de palavras. Ele inclui também – e às vezes principalmente – a ação. Atribuindo a Jesus o título Cordeiro de Deus, João o mostra como aquele que tira o pecado do mundo. No trabalho exegético afirmamos que o maior problema do mundo é justamente o pecado; que é do perdão, da reconciliação com Deus que os homens mais precisam. Como, porém, vamos anunciar o perdão – e com ele o amor de Deus – a pessoas que sentem e sabem que estão sendo escravizadas por outros poderes, inclusive por seus semelhantes?! Como vamos falar do amor de Deus a pessoas que passam fome, que são vítimas da opressão e exploração?! O anúncio do Evangelho só será completo e o testemunho autêntico quando forem acompanhados de uma ação bem concreta em favor daqueles que sofrem privações e vivem na miséria por causa da injustiça humana. Ser seguidor de Jesus Cristo também significa adotar como sua a causa dos marginalizados e desprezados e ser voz dos que não têm voz.
IV – Prédica
A perícope oferece uma boa oportunidade para uma prédica narrativa. Sugiro, pois, que o texto seja recontado e interpretado à semelhança do que foi feito no trabalho exegético. Ao longo da narração poder-se-á intercalar uma atualização (inclusive com exemplos) dos principais aspectos. Procedendo assim, se evitará longas explanações dogmáticas que cansam a comunidade e desviam a sua atenção. Em forma de narração, a prédica se tornará mais viva e se conseguirá captar melhor a atenção do ouvinte. Com isto estarão criadas as condições para um confronto com a mensagem do texto. A seguir oferecemos uma sugestão do que poderia ser aprofundado e atualizado:
1. Seguir a Jesus significa permanecer com ele e aprender em sua escola.
2. A tarefa é de todos: Quem encontrou, passa adiante a sua descoberta.
3. O método simples de fazer discípulos: Testemunhar e anunciar através da comunicação de pessoa a pessoa.
4. Deus garante a continuidade da Igreja. Ele transforma pessoas e as coloca a seu serviço.
V – Subsídios litúrgicos
1. Confissão de pecados: Santo e misericordioso Deus! Através do anúncio de tua Palavra nos motivas a uma vida em constante comunhão com Jesus. Somos convidados a segui-lo e a permanecer com ele e em seus ensinamentos. Precisamos confessar, no entanto, que as muitas ideias, filosofias e ideologias, divulgadas em nosso mundo, às vezes nos deixam confusos. Chegamos a pensar que a verdade e a vida também poderiam ser encontradas fora do evangelho de Jesus Cristo. Assim nos tornamos indiferentes e acomodados, de modo que já não temos mais condições de dar um testemunho fiel e sincero. Enquanto nós vacilamos e perdemos as oportunidades, outros semeiam falsas doutrinas, afastando da verdade aqueles que a procuravam. Perdoa-nos e transforma-nos novamente em verdadeiros discípulos de Jesus, para podermos anunciar, com alegria, o seu evangelho. Tem piedade de nós, Senhor.
2. Oração de coleta: Senhor, nosso Deus e Pai! No decorrer da semana que passou, uns viveram situações e momentos diferentes do que os outros. Alguns tiveram muitas preocupações, outros viveram momentos de alegria. Uns conseguiram progredir na vida profissional, outros tiveram decepções. Agora, porém, todos queremos ouvir a mesma Palavra, pois dela precisamos para viver. Faze-nos esquecer aquilo que nos poderia impedir de ouvi-la atentamente. Esteja em nosso meio, concedendo-nos a tua paz. Amém.
3. Assuntos para a oração final: Agradecer: pelo fato de Jesus sempre de novo nos convidar a permanecer com ele; pela riqueza de sua Palavra; por seus ensinamentos; por nos libertar dos pecados e outros poderes que querem nos escravizar. Pedir: que sejamos transformados em discípulos mais fiéis; que não esqueçamos, em meio a todas as ofertas, que Jesus é o nosso maior tesouro; que anunciamos a Palavra com alegria; que nosso testemunho seja sincero e brote de uma convicção pessoal. Interceder: por aqueles que seguem falsas doutrinas porque nós falhamos na hora em que procuravam pela verdade; pelos que desanimaram e estão se afastando da fonte da verdade; pelos que estão desorientados em meio a tantas ofertas religiosas e filosofias de vida; pela Comunidade e a Igreja toda, para que anuncie, sem temor, a Palavra de Deus.
VI – Bibliografia
– BULTMANN, R. Das Evangelium des Johannes. In: Kritisch-exegetischer Kommentar über das Neue Testament. 18. ed. Göttingen, 1964.
– EICHHOLZ, G. Herr, tue meine Lippen auf. v. 3. 5. ed. Wuppertal-Barmen, 1964.
– SCHULZ, D. Das Evangelium nach Johannes. In: Das Neue Testament Deutsch. v. 4 Göttingen, 1972.
– STOEVESANDT, H. Meditação sobre Jo 1.35-42. In: Göttinger Predigtmeditationen. Ano 70. Caderno 5. Göttingen, 1981.
– VOIGT, G. Meditação sobre Jo 1.35-42. In: Die Geliebte Welt. Göttingen, 1980.
– WIGGERMANN, K. F. Meditação sobre Jo 1.35-42. In: Neue Calwer Predigthilfen. v. 3B. Stuttgart, 1981.